LONA - Nelson Rodrigues Especial

Page 1

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O

ún

ico

D

jo

r do IÁ nalBr R lab as IO or il at

ór

redacaolona@gmail.com

@jornallona

lona.redeteia.com

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ano XIII - Edição especial Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo

Confira a programação da Semana de Comunicação

ESPECIAL

CRONISTA

ESCRITOR

Pág. 4

Pág. 6

Pág. 7

O Cotidiano espetacular de

Nelson e o ato futebolístico

Nelson’s, um múltiplo

Nelson Rodrigues

io

incomum


2

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Nelson, como ele era

Editorial

A segunda edição da Semana de Comunicação traz como tema o centenário do conhecido comunicador Nelson Rodrigues. Dramaturgo fora de época e jornalista de espírito antigo, Nelson era contra o teatro cômico que fazia sucesso em sua época e tinha aversão ao jornalismo “objetivo”. Mal compreendido por seus ideias conflituosos com sua época, possuía tudo para ser considerado um gênio. Convivendo com jornalismo desde pequeno, seu pai, Mário Rodrigues, foi dono de dois jornais antes de falecer. Nelson foi jornalista esportivo e ficou conhecido por suas crônicas. Vivendo num jornalismo mais “romântico” e menos “objetivo”, Nelson chegava a inventar todo um jogo de futebol, exceto o placar. Foi um crítico deste jornalismo comprometido com a verdade e dito objetivo. Sua vida pessoal parecia um dos folhetins que escrevia, como a “Vida como ela é”. Principalmente sua vida romântica, que não sossegou nem após o casamento com Elza Bretanha: teve várias amantes e companheiras durante a vida. Mesmo assim, Elza é considerada por muitos o grande amor da vida do dramaturgo e foi com quem, mesmo após uma separação, passou seus últimos dias. Tuberculoso desde jovem, passou por vários momentos difíceis desde cedo, como a morte de seu irmão mais influente, Roberto Rodrigues. Poucos meses depois, Mário Rodrigues morre, deprimido pela morte do filho querido, causando a ruína financeira da família após a Revolução de 30. Mais tarde, suas decepções aumentaram. Seu filho foi preso pela ditadura que ele defendia. Sua filha Daniela nasceu cega. Nesta edição especial do Lona, está toda a programação para a semana de comunicação e matérias sobre Nelson, em suas várias faces e sobre suas várias características. Um autor de crônicas e folhetins, que originaram livros e mudou as pessoas de sua época, muitos também viraram mais tarde novelas, a mais recente foi “A Vida como ela é”, de 1996m exibida na Rede Globom e filmes, como em 2006 “Vestido de Noiva”, sua primeira obra de sucesso, dirigida como filme por seu filho Joffre Rodrigues.

Opinião

“O Nelson é genial porque foi honesto com o seu leitor, soube traduzir ‘a vida como ela é...’ com tudo o que ela nos revela de belo e sórdido e com isso, nos ensina a lidar com o turbilhão de sentimentos, imprevistos e mal entendidos dos nossos roteiros pessoais.” Adriana Coca

Professora da UP.

“Se o NR dramaturgo conquistou, sem demora, o meritório título de grande autor brasileiro, as outras facetas do escritor ( cronista, contista, romancista, ensaista, etc...) demoraram muito para obter o reconhecimento merecido. Penso que a reversão deste processo se deu com a iniciativa de Ruy Castro, tanto a biografia quanto a organização da publicação das obras não-teatrais, mas tenho a impressão que o processo não terminou ainda.” Marcio Robert

Psicanalista e Doutorando em Psicologia pela USP.

“Todos lembram do Nelson como ‘anjo pornográfico’, aquele que mostrou as mazelas da sociedade, o que teve coragem de falar sobre a homossexualidade, o sexo, a traição e os ‘segredos’ familiares. Mas gosto de pensar no Nelson reflexivo, no Nelson que buscou a linguagem gingada e com ritmo do brasileiro, que (segundo um estudioso do qual não me recordo o nome) usou a ‘fala afetiva brasileira’. Para mim, uma das maiores contribuições de Nelson Rodrigues!”

Susan Blum Professora da UP.

“O Nelson Rodrigues é o grande cara que viu a tragédia da vida do brasileiro pelo buraco da fechadura. Uma grande imagem construída por Ruy Castro, e, apesar de ser um conservador político, conhecia como ninguém o aspecto mais lúbrico das pessoas. Dessa contradição nasceu a tensão de sua obra. Foi o inventor do mito do futebol brasileiro a partir de sua narrativa. Foi o descobridor da lenda do complexo de vira-lata e fez com que isso fosse superado narrando a copa de 1958, quando criou a lenda do nosso futebol ser o melhor do mundo. É o escritor, dramaturgo, cronista, mas acima de tudo é o jornalista, que começou na profissão aos 13 anos e nela ficou até a morte. Ele deve ser lembrado como a grande referência do jornalismo brasileiro.” Sandro Moser

Jornalista Político da Gazeta do Povo.

“Eu gosto muito do Nelson, assim como todo profissional do jornalismo. Particularmente eu gosto do texto A Estagiária, que descreve os jovens jornalistas, dizendo que eles são capazes de perguntar ao papa se ele acredita em Jesus Cristo. Ele diz que com o tempo perdemos essa vivacidade, essa rapidez. Ele é um ícone para observar continuamente.” José Carlos Fernandes Jornalista da Gazeta do Povo e professor de jornalismo da PUC e da UFPR.

Expediente Reitor: José Pio Martins | Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração: Arno Gnoatto | Pró-Reitora Acadêmica: Marcia Sebastiani | Coordenadora do Curso de Jornalismo: Maria Zaclis Veiga Ferreira | Professores-orientadores: Emerson Castro e Marcelo Lima | Editores-chefes: Gustavo Panacioni, Vitória Peluso, Renata Silva Pinto| Editorial: Redação Lona. O LONA é o jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 - Conectora 5. Campo Comprido. Curitiba - PR. CEP: 81280-30 - Fone: (41) 3317-3044.


3

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Semana de Comunicação da Universidade Positivo começa hoje Nelson Rodrigues é o tema principal de palestras e oficinas que acontecem até quarta-feira Gustavo Panacioni

A partir de hoje, os cursos de Comunicação Social da Universidade Positivo promovem a Semana de Comunicação. São 3 dias de programação especial com oficinas e palestras gratuitas e abertas ao público. O tema principal dessa Semana procura homenagear e estudar o jornalista e escritor Nelson Rodrigues. Das 13 palestras apresentadas, 5 são específicas sobre a vida e obra de um dos mais notáveis cronis-

tas e dramaturgos brasileiros. “A decisão de colocar esse grande tema foi de incentivar a reflexão sobre o trabalho deste grande escritor e dramaturgo que tivemos e que sofreu um certo preconceito da literatura brasileira e depois se recompôs tornando-se uma referência”, explica a professora Elza Aparecida Oliveira Filha, uma das coordenadoras da Semana de Comunicação. Para a professora, a oportunidade de falar de Nelson Ro-

drigues é interessante para todos nós, além de marcar as comemorações do centenário do nascimento dele. De acordo com Anuschka Lemos, professora do Curso de Publicidade, além de incentivar a reflexão, leitura e conhecimento dos trabalhos de Nelson, a Semana de Comunicação ainda promove uma unidade entre os cursos de Publicidade e Jornalismo. A Practice, agência experimental do curso de

Publicidade, cuidou de toda a parte de comunicação da Semana de Comunicação e também preparou pequenas surpresas para os eventos. A Rede Teia de Jornalismo vai cobrir e divulgar todos os dias da Semana de Comunicação. As matérias serão veiculadas aqui no Lona, no portal Teia Notícias (www.teianoticias.com), na Rádio Teia e no Tela UN. Os alunos dos cursos também vão ganhar espaço para mostrar trabalhos desen-

volvidos. “Desde o semestre passado os professores de Jornalismo e Publicidade estão fazendo as turmas conhecerem os trabalhos do Nelson Rodrigues. Alguns alunos também estarão participando das mesas de discussão”, complementa Anuschka. Confira a programação dos próximos dias e entenda como funciona a semana. A entrada é gratuita e alunos de outras instituições também podem participar.


4

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Especial

O cotidiano espetacular de Nelson Rodrigues Joana Castro Pamela Castilho

“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. Sou um anjo pornográfico”. É com essa famosa citação de Nelson Rodrigues que a peça “O Buraco da Fechadura” se inicia e é finalizada. Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912 e, sendo assim, faria cem anos se estivesse vivo. Quinto filho de uma família de catorze, é considerado um dos mais influentes escritores do Brasil. Entre suas obras estão peças, tragédias, crônicas e romances, todas com muita polêmica e sarcasmo. Em homenagem ao centenário do jornalista e dramaturgo, a peça “O Buraco da Fechadura” surge como um projeto que é resultado da parceria entre as companhias Rumo e Coletivo Portátil. Elas se encontraram em 2009 com a realização do espetáculo “Amadores de Rua”, que foi seguido em 2011 por “END” e “Uma entre Mil Histórias de Amor”. A montagem feita a partir dos contos de “A Vida como Ela É”, de Nelson Rodrigues, foi resultado da parceria entre as duas companhias com a direção de Rafael Camargo. A peça estreou dia 1º de agosto no auditório Antônio Carlos Kraide, no Portão Cultural. “Esse é um projeto do Diego Marchioro (produtor da peça).

Ele já tinha previamente essa ideia e tinha inclusive os contos. Então, no meio desse processo, ele me convidou para dirigir e para adaptar os contos para o teatro. Eu fui escolhido... Talvez pelo próprio Nelson Rodrigues. A ideia é fazer uma homenagem ao centenário dele.”, afirma o diretor Rafael Camargo, que há muito admira a obra do artista. Rafael Camargo já dirigiu peças que incluíram Nelson Rodrigues no roteiro. “Em alguns textos meus eu citei já o Nelson. A Anta de Copacabana, que é um texto que eu montei no Rio, falava um pouco da loucura. O personagem fazia uma viagem imaginária num balão, viajando pela cidade do Rio e o Nelson surgia explicando a loucura e a vida para esse personagem. A ideia dele era essa, de ser provocador. O foco dele era esse, ele trabalhava em cima da polêmica, em cima da transgressão, em cima do escândalo, mas eu sou um pouquinho mais tímido (risos)”. Como ator, ele recebeu os prêmios Gralha Azul na categoria Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante. Também atuou como roteirista. A montagem resgata a obra do dramaturgo e une fragmentos, diálogos e situações inusitadas reunidas de alguns contos de sua obra “A vida como ela é”, lançada em 1961. Entre eles estão O monstro; A dama do lotação; Caça dotes; Missa de sangue; Veneno e Unidos na vida e na morte. Os contos se baseiam em observações do autor sobre o comportamento e a

Pamela Castilho

Início da peça “Buraco da Fechadura”

vida cotidiana do Rio de Janeiro na época. A partir desses contos, o diretor paranaense desenha um olhar particular do universo de Nelson Rodrigues, descrevendo temas como limite, doença, paixão, sexo, culpa e medo, sempre muito presentes nas obras do dramaturgo carioca. Segundo Rafael Camargo, tanto na peça dirigida por ele como nas outras obras de Nelson Rodrigues, o humano e suas contradições convivem simultaneamente em um mundo de experiências que traduzem o que somos capazes de ser, revelando o que não é permitido revelar. O diretor explica que os personagens são tomados por sentimentos incontroláveis e assumem o papel de pessoas

próximas. “Eu adoro o Nelson há muitos anos, tenho uma admiração pela força dramática do que ele propõe. A coragem, a discussão que ele sempre causa, a transgressão e o gosto de tocar em temas delicados, falando da família, da sexualidade e da hipocrisia me fascinam.”, afirma Rafael Camargo. O ator e produtor da peça Diego marchioro, afirma que a ideia de montar “O Buraco da Fechadura” e a escolha dos contos que seriam interpretados foi feita a partir do aprofundamento de outros trabalhos. “Esse pro-

“O Nelson tem essa força de tornar o cotidiano espetacular. Ele pega a vida como ela é a torna diferente, com o olhar secreto dele.” Rafael Camargo

jeto surgiu na continuidade de uma montagem que eu fiz que se chamava “A Vida como ela é”, em 2009. Aí senti o desejo de aprofundar essa pesquisa nos contos do Nelson e fizemos uma prévia seleção. Depois o Rafael Camargo topou, adaptamos e fizemos a peça”, conta.


5

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Especial

Serviço

Concentração sem desvios São seis atores que compões o elenco: Adriano Petermann, Diego Marchioro, Marcel Gritten, Martina Gallarza, Rosana Stavis e Pagu Leal. Não é possível dizer qual papel cada um interpreta. Na montagem de Rafael Camargo, os atores têm vários papeis, chegando a revezar entre deles, não possuindo um personagem fixo. “Eu faço de 14 a 16 papeis, como todo mundo aqui faz uma média de 15 personagens. A gente vai de um para outro. Agora eu estou chorando, daqui a pouco eu estou rindo. Em qualquer peça a gente tem que ter concentração, mas nessa não dá para desviar em nenhum momento. É uma concentração que está no outro.

A Martina (Gallarza) pode estar fazendo a personagem da Odete, mas na próxima fala sou eu que vou interpretar a Odete, pegando de onde ela parou.”, afirma o ator Adriano Petermann. Questionado sobre a influência de Nelson Rodrigues em seu trabalho, o diretor conta uma característica que lhe agrada nas obras do dramaturgo . “O Nelson tem essa força de tornar o cotidiano espetacular. Ele pega a vida como ela é a torna diferente, com o olhar secreto dele. Quando você observa alguma coisa de fora, consegue ver com profundidade aquela situação e ele com o imenso talento de escritor, de dramaturgo, de poeta, torna isso espetacular”. Adriano Petermann diz

que é necessário uma grande preparação para interpretar as obras de Nelson Rodrigues. “Eu cheguei a montar Nelson Rodrigues obras dele na faculdade, de uma maneira realista. São personagens difíceis como de tantas outras obras. O nível de dificuldade é tão alto como em todos os bons textos. O Nelson escreve tão bem que os personagens são sempre complexos e isso é muito legal. É uma dificuldade, mas é um prazer enorme. Está sendo maravilhoso, a gente está entrando na segunda semana e eu nem esperava em ter essa felicidade de fazer esse espetáculo do jeito que está sendo. Justamente por ser Nelson Rodrigues, sempre com os temas pesados. Normalmente a gente sofre, mas dessa vez não. Aqui para nós está sendo divertido, para o público eu não sei (risos). Joana Castro

A peça fica em cartaz até o dia 26 de agosto. De quinta-feira a sábado, o espetáculo acontece às 20h. Aos domingos, a peça é exibida às 18h. Os ingressos custam de 5 (meia) a 10 reais. Nas quartasfeiras, a exibição acontece às 17h e às 20h e o ingresso é um quilo de alimento não perecível.

Outros eventos também estão acontecendo em Curitiba em comemoração aos cem anos de Nelson Rodrigues. Confira a programação: 21 de agosto (3ª-feira) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo - Anjo Negro Com Alisson Freyer, Iamni Reche e Lilyan de Souza Classificação: 12 anos Horário: 14h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo 22 de agosto (4ª-feira) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo – Vestido de noiva Com Alisson Freyer Classificação: 12 anos Horário: 14h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo 23 de agosto (5ª-feira) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo – O beijo no asfalto Com Alisson Freyer, Classificação: 16 anos Horário: 08h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo 23 de agosto (5ª-feira) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo – O beijo no asfalto Com Alisson Freyer, Classificação: 16 anos Horário: 10h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo 23 de agosto (5ª-feira) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo – O beijo no asfalto Com Alisson Freyer, Lilyan de Souza e Vagner Custódio Classificação: 12 anos Horário: 14h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo

Diego Marchioro, Marcel Gritten e Rosana Gallarza

25 de agosto (sábado) Cem anos de Nelson Rodrigues: Roda de Leitura em texto e vídeo – A vida como ela é Com Alisson Freyer, Iamni Reche, Lilyan de Souza e Vagner Custódio Classificação: 12 anos Horário: 16h Ingresso: gratuito Local: Casa da Leitura Dario Vellozo


6

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cronista Esportivo

Nelson e o ato futebolístico Danilo Georgete

“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana. Às vezes, num córner bem ou mal batido, há um toque evidentíssimo do sobrenatural”. O meu personagem de hoje é Nelson Rodrigues. Ninguém descrevia uma pugna como ele. Por isso sua escolha, afinal de contas a frase de sua autoria, com a qual comecei esse texto, já diz tudo. Quase cego, Nelson mal conseguia de longe diferenciar banana de maça, quem dirá acompanhar nos mínimos detalhes os jogos no Maracanã ou Estádio Mario Filho como descrevia em suas crônicas. O Maraca deixa os espectadores há anos luz de distância do gramado, Nelson necessitava que alguém assoprasse em seus ouvidos os lances porém nunca na história futebolística nacional alguém conseguiu descrever tão fielmente uma pelada. A famosa frase já citada, do nosso anjo pornográfico, diz a mais pura verdade, seja num atletiba ou arranca-toco, as intensidades do jogo são as mesmas, basta alguém que consiga descrevê-las. E Nelson fazia isso como ninguém, tinha uma ótica privilegiada. Seu olhar metafórico percorria

o campo pedaço por pedaço de grama. Todo santo domingo se dirigia ao ex-maracanã para acompanhar os anjos e demônios que iria descrever mais tarde em suas crônicas, as quais que possuem vida própria, não perdem o charme, são atemporais. Sua escrita tinha de tudo um pouco, havia poesia e drama, romance e ação. Ele nos mostrou que no estádio não podemos nos atrelar somente ao jogo em si. O lado arte do futebol, da beleza, cultura, aquele ponto que poucos enxergam, o momento mítico de um certame, isso Nelson descrevia de um modo que alçava a condição de deuses os participantes do espetáculo. Pois de fato, como o anjo pornográfico poderia dizer, não existe no mundo do futebol craques com a polidez que os nossos possuem. Até hoje vivemos a inferioridade nacional perante o resto do mundo que Nelson Rodrigues intitulava ser nosso “Complexo de vira-latas”. Só os bobos, os tapados não concordam com essa realidade. Um triunfo sem show, apoteose é só uma mera partida hoje em dia, mas se tivéssemos Nelson’s espalhados pelas redações Brasil a fora, um jogo como Combate Barreirinha e Novo Mundo ganharia contornos épicos, pois Nelson não dava a mínima para frígida aritmética do

esporte bretão. Não faltaria a mulher bonita, muito menos as grã -finas das narinas de cadáver. Amigos, eu considero um pobre diabo o brasileiro que nunca leu uma crônica do menino que via o amor pelo buraco da fechadura. O belo, o patético é que ninguém nunca se esquece das palavras que leu. Um escrete nunca mais é o mesmo após ser retratado pelas dignas palavras de Nelson. Como diria ele, é chato ser brasileiro, ser pentacampeão, é chato não ter os ídolos do tetra e do penta retratados e imortalizados por suas palavras. Nenhuma seleção canarinho vai ser tão bem falada como as que Nelson descreveu, acompanhou, presenciou, imortalizou. Amigos, não sei se sabem, mas o sublime cronista fascina a mulher que sempre esteve presente em seus textos. “Nem toda mulher gosta de apanhar, só as

normais”, dizia o grande Nelson. Se formos falar em festa do futebol, do jornalismo, das crônicas, temos que impreterivelmente falar de Nelson Rodrigues. Ele que sempre se dizia um anjo pornográfico, o menino com olhos ávidos que via o amor pelo bura-

co da fechadura, podemos dizer que nós, simples mortais, vemos a graça do velho esporte bretão através de seus textos imortais. Pois se Vinicius não consegui com seu soneto definir o amor, Nelson com suas crônicas definiu o amor pelo futebol. Site oficial Fluminense


7

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Escritor

Nelson’s, um múltiplo incomum Nelson Rodrigues foi um bom escritor, sobretudo um polemista nato Daniel Zanella Se a sua obra é extensa, marcante, barulhenta, provocante e muitas vezes mal compreendida – sua vidraça foi das mais apedrejadas do mundo intelectual, um escritor que ultrapassou as fronteiras de seu ofício e se incorporou ao imaginário popular – não se pode negar que foi um personagem e certo tipo de espírito de seu tempo, uma espécie de Oscar Wilde tropical. Frasista de primeira grandeza, alheio a indiferença e ao politicamente correto – em uma época em que se podia ser mais anárquico e desrespeitoso –, dizia que os magros só deviam amar vestidos, e nunca na claridade. Para ele, um filho, numa mulher, causava uma transformação radical. “Até uma cretina, quando tem um filho, melhora”. Dramaturgo, jornalista, cronista, comentarista esportivo – mesmo tendo um grau de miopia acentuado [Armando Nogueira contava que, de fato, Nelson inventava os jogos, exceto o placar.], dizia, sobre seu tempo, que certas épocas são doentes mentais. “Por exemplo: – a nossa”. O centenário de seu nascimento de Nelson Rodrigues – ele morreu no Rio de Janeiro em 21 de dezembro de 1980–, como em toda efeméride, traz à discussão literária a força e a permanência daquele que é considerado de maneira quase unânime como o maior dramaturgo brasileiro, também um dos homens públicos com maior pecha de estereótipos. O alienado Tratando a família brasileira de

maneira impiedosa, como em Boca de ouro, O beijo no asfalto e Toda Nudez Será Castigada, Nelson permeou seu texto de inúmeras histórias de traição e luxúria e incesto e morte e desilusão e acabou sendo definido como um pornógrafo, mesmo nunca tendo sido adepto de linguagem chula e detestasse palavrões. Um trecho de Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Rezende recorta de maneira bem translúcida as intenções estéticas do universo rodrigueano. [O próprio título da obra é uma farra de Nelson com seu amigo Otto Lara Resende, que, sabe-se, ficou à época um bom tanto constrangido, quase furioso, com a duvidosa homenagem ao valor de sua amizade...] Edgar é um jovem simples e com diversos problemas financeiros. Um dia ele é procurado por Peixoto, genro do milionário Werneck, que lhe propõe que se case com a filha dele, Maria Cecília em troca de um polpudo cheque. Edgar: O mineiro só é solidário no câncer. Mas olha a sutileza, não é bem o mineiro, ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um, só é solidário no câncer. Compreendeu? Peixoto: E daí? Edgar: Daí eu posso ser um mau-caráter. E pra que pudores ou escrúpulos se o homem só é solidário no câncer? A frase do Otto mudou a minha vida. Quero subir, sim, quero vencer.” A cada peça de Nelson, a primeira se chama A Mulher Sem Pecado e foi lançada em 1941, choviam críticas positivas e negativas em um grau de euforia e fervor, de certo modo,

inconcebível para tempos atuais. A mítica rodrigueana afirmava que ele era capaz de criar pseudônimos em jornais para validar a própria obra. Se o valor de seu trabalho foi discutido e reavaliado a cada peça, é a partir da década de 1960 que a pecha de escritor pornográfico, alienado e reacionário gruda em sua pele, por conta de leituras de viés mais esquerdista, principalmente por ele não ter se posicionado abertamente contra a ditadura, o que lhe rendeu duradoura perseguição e boicote ao seu trabalho – naturalmente, as fracas adaptações cinematográficas criaram leituras ainda mais rasteiras e superficiais de sua obra. (Nelson Rodrigues criticou, ao seu modo, o regime militar, principalmente após a prisão de seu filho em 1976, algo bem detalhado na monumental biografia de Ruy Castro, O Anjo Pornográfico, de 1992, estudo que contribuiu para uma leitura mais moderna e arrojada da sua carreira. Evidentemente, seu repúdio aos militares aconteceu de modo tardio.) O cronista Outro aspecto pouco discutido é a sua importância como cronista. Autor de muitas crônicas esportivas, de verve lírica e ensaística, ele trouxe o imaginário do futebol para dentro da literatura, com uma linguagem que conciliava o erudito e o popular, o caráter trágico e dramático do esporte ao cotidiano do homem simples e contraditório.

Em 1958, às vésperas da Copa do Mundo da Suécia, escreveu a antológica crônica Complexo de ViraLatas: “... Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão. Em 1967, Nelson publicou no Correio da Manhã uma série de me-

Divulgação

mórias, depois reunidas no livro A Menina Sem Estrela. A crônica que dá título ao livro e narra a reação do autor diante do nascimento da filha cega é uma das maiores passagens da literatura brasileira. Dois meses depois, dr. Abreu Fialho passa na minha casa. Viu minha filha, fez todos os exames. Meia hora depois, descemos juntos. Ele estava de carro e eu ia para a tv Rio; ofereceu-se para levar-me ao posto 6. No caminho, foi muito delicado, teve muito tato. Sua compaixão era quase imperceptível. Mas disse tudo. Minha filha era cega. Redenção A biografia escrita por Ruy Castro reposicionou o legado rodrigueano. Para escrever, Castro realizou centenas de entrevistas e emergiu por quase três anos na vida íntima de Nelson Rodrigues e de sua família. =Ele apresenta desde o casamento dos pais de Nelson – Mário Rodrigues e Dona Esther. Mário foi dono (e fundador) de dois jornais no país e seus filhos acabaram por, quase todos, trilhar pelo mesmo caminho. Nelson, por exemplo, começou a trabalhar no jornal do pai aos 13 anos de idade. Ainda adolescente, Nelson teve um irmão morto em um atentado político. Seu pai morreu de trombose no mesmo ano. O amor “O dinheiro compra até amor sincero.”


8

Curitiba, segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Obras fazem um panorama da vida brasileira

LONA comenta quatro textos de Nelson Rodrigues e mostra por que eles ainda merecem uma leitura atenta. Da Redação

O jornalista Paulo Francis costumava dizer que Nelson Rodrigues escreveu poucas obras importantes para a literatura brasileira – dentre as relevantes, citava as peças “Doroteia”, “Senhora dos Afogados” e “Álbum de Família”. O resto, dizia Francis, era feito de trabalhos que, escritos num estilo mais fácil e apelativo, no calor das redações cariocas, apenas agradavam ao gosto pouco refinado do público. Bastante criticado pelas suas experiências radicais no teatro, Nelson, contava Francis, teve que, aos poucos, domesticar seu estilo para atender os anseios do público. Afinal, era preciso sobreviver. Na verdade, Nelson escreveu muito, sua obra é irregular – principalmente os textos publicados originalmente nos jornais. Mas a leitura de seus textos, mesmo aqueles que Francis criticou, traz um rico panorama da vida brasileira nos anos 50, 60 e 70 do século XX. Observador contumaz da realidade do país e da vida privada, Nelson foi capaz de criar tipos e analisar com muita galhofa a pequena-burguesia local. Levando em conta a diversidade de sua obra, o LONA fez uma seleção de quatro textos do autor.

da modernidade. Esses elementos foram realçados na montagem original, do polonês Ziembinski, que usou técnicas do expressionismo alemão. À Sombra das Chuteiras Imortais Trata-se de uma coletânea de crônicas sobre futebol organizada pelo jornalista Ruy Castro nos anos 1990. Além de escrever diariamente nos jornais sobre os mais diversos assuntos, Nelson era um especialista no esporte. Diante da obviedade da crônica esportiva dos dias de hoje,

os textos de Nelson são verdadeiras pérolas. Boa parte do imaginário que se tem do futebol – como um esporte cheio de contradições, capaz de despertar a paixão das multidões – já está nas páginas deste livro. O Casamento A história é bastante simples e recorrente nos livros de Nelson: o pai descobre que a filha, que está com o casamento marcado, não é mais virgem. De quebra, tem outro amor. A partir desse fato simples, diversas histórias de paixões e loucu-

ras se desatam, tornando o livro eletrizante. Único romance publicado por Nelson – os outros foram lançados em folhetim, sob o pseudônimo de Suzana Flag, e só mais tarde reunidos em livro – “O casamento” é comporto basicamente de diálogos. Há pouca interferência do narrador, e as personagens falam por si. Na edição original do livro, de 1966, mais tarde foi proibida por “atentar contra a organização da família”, aparecia a inscrição: “Leitura para adultos”. O Óbvio Ululante

Nelson produziu um grande número de crônicas para O Globo, Última Hora e outros jornais cariocas. Neste volume de crônicas, “O Óbvio Ululante”, é possível visualizar um pouco da vida brasileira nos conturbados anos 1960. Trata-se da opinião de um observador meio cético com uma série de temas da vida brasileira, tais como a ascensão do poder jovem, as passeatas contra o regime militar, a produção artística, os amigos e os famosos do Brasil e do mundo.

Vestido de Noiva Encenada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no final de 1943, a peça “Vestido de noiva” é considerada um marco da dramaturgia brasileira. A grande inovação do texto foi a utilização de vários planos narrativos, evidenciado as características psicológicas das personagens e a fragmentação típica

Fotos: Fábio Muniz


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.