Movimento LGBT+ Capixaba: Fragmentos de uma história por afirmação, direito e dignidade

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Creative Commons 4.0 (CC BY-NC) 2020

Equipe de Projeto Revisão | Eubenes Moreira Diagramação | Mariana Fiorin Projeto Gráfico | Lucas Bragança e Isabela Mariano Foto de capa | Carolina Maria e Mariana Fiorin

Referência para citação: BRAGANÇA, Lucas. MARIA, Carolina. Movimento LGBT+ Capixaba: fragmentos de uma história de luta por afirmação, direito e dignidade. Vitória: Edição Independente, 2020.

ISBN: 978-85-907486-2-5 VITÓRIA (ES) 2020

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À minha irmã Lilian, parte de mim que se foi cedo demais, dedico esta e todas as minhas conquistas. Carol


Para meus pais, Márcia e Marcelo,

por sempre me amarem e apoiarem integralmente.

Para Anne, por ser o ser humano mais tolerante que já conheci. Para Renato, por deixar minha vida seis cores mais bonita. Lucas



ÍNDICE

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PREFÁCIO

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INTRODUÇÃO

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O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER O NOME

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O MOVIMENTO LGBT+ COMO AGENTE TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE

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O MOVIMENTO LGBT+ NO CONTEXTO BRASILEIRO

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ESPÍRITO SANTO EM FOCO: TRAÇANDO UM MAPA DA SOCIEDADE BRASILEIRA

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A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA: O INÍCIO DO MOVIMENTO LGBT+ NO ESPÍRITO SANTO

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MUITA LUTA, ALGUMAS CONQUISTAS

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FINALIZANDO, MAS NÃO CONCLUINDO

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ENTIDADES, ORGANIZAÇÕES, GRUPOS E COLETIVOS QUE MILITAM PELA CAUSA LGBT NO ESPÍRITO SANTO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ENTREVISTADOS/ENTREVISTADAS E PESSOAS QUE SE DISPUSERAM, DE ALGUMA FORMA, A AJUDAR NO CONTEÚDO DESTE LIVRO


AGRADECIMENTOS

A cada sapatão, bicha, bi, trans, não binária que já pisou nesse chão que piso hoje. Todas e todos que resistiram, lutando, doando seus tempos para o coletivo. E também às pessoas cuja militância fora sua própria existência. A cada pessoa LGBT+ que foi expulsa de casa. Cada bicha preta que pega o transcol com medo. A cada pessoa trans que é massacrada pelo sistema de ensino heterocisnormativo. A cada sapatão que não performa feminilidade. A cada pessoa LGBT+ que não tem o atendimento adequado no sistema de saúde. A cada jovem LGBT+ que precisa permanecer no armário por medo da família. Cada um de nós que já foi violentado física e emocionalmente por ser quem é. Agradeço, reverencio e reconheço suas existências como partes da minha. Agradeço a minha mãe Eubenes e meu pai Rômulo, por respeitaram quem eu sou e me permitiram ser, sem medo. Agradeço à Mari, meu amor, por trazer paz, leveza e doçura à minha vida. Agradeço à família que a luta me deu: Gabriela e Rovana. Agradeço à Luciana, por ter confiado em mim e me dado a oportunidade de contribuir para esta luta de forma ativa. Agradeço ao movimento LGBT+ no Espírito Santo nas pessoas do Rafael Benedito e de Helloy: vocês, para mim, são exemplos. Agradeço à Ariane e a toda a Santa Sapataria. Agradeço aos colegas do Fórum e do Conselho Estadual LGBT+ e aos amigos da Semcid nas pessoas das Marianas Bernardes e Lemos, Juliana, Aline, e Celícia, por terem contribuído tão avidamente com minhas ideias. Agradeço à Lara e ao Fábio Veiga, pela ajuda. À Rozi, ao Eduardo e aos Fratelli pelo amor. Agradeço ao Toninho Lopes e ao professor José Antônio Martinuzzo por terem me guiado na primeira etapa deste trabalho, entre 2012 e 2013. Agradeço, por fim, saudosa e orgulhosamente à Ufes, por, muito além de técnicas e métodos, ter me dado um ensino público socialmente referenciado, de qualidade, crítico e laico. Na luta é que a gente se encontra! Carol


AGRADECIMENTOS

Não quero agradecer, mas reverenciar. Reverencio cada tapa levado; cada armário explodido; cada imposição; cada explicação; cada paciência e cada impaciência com intolerantes; cada enfrentamento familiar, policial, social; cada vida ceifada por sua sexualidade ou gênero; cada vida LGBT+ vivida; cada vida LGBT+ interrompida; cada pessoa que dá um passo para a liberdade; cada variação dos zilhões de sexualidades e gêneros; cada caminhoneira; cada poc; cada gíria; cada bando de amigos LGBT+; cada desafio enfrentado por ser quem é; cada deboche respondido; cada casal LGBT+ de mãos dadas que vi na rua; cada pessoa que já acolheu um LGBT+; cada mãe e pai que não vê isso como questão; cada filho que venceu o abandono; cada um que foi vencido por ele também; cada amor entre LGBT+ correspondido; cada lágrima derrubada por amores que morreram por medo. Reverencio a você por ter esse livro à mão. Cada pequena ação me permitiu amar mais livremente e espero que faça o mesmo por você. E peço: revide. Se não quiser revidar, converse. A transformação só se dá em ação, não em inércia. Lucas


sankofa Símbolo africano adinkra, que significa resgate ao passado.


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PREFÁCIO

Conheço a Carolina Maria desde a sua atuação enérgica e brilhante à frente da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do município de Vitória, entre 2017 e 2019. Conhecê-la a partir deste lugar me fez pensar na sabedoria que a Umbanda e o Candomblé ensinam para nós, suas filhas, seus filhos: há que reverenciar os moços, que têm muito a ensinar às pessoas mais velhas. Com a Carol à frente desta Coordenação, tive oportunidade de acompanhar alguns dos muitos desafios que esta função propõe, sendo um dos que mais me chamaram a atenção as formações para professoras e professores na temática que envolve a diversidade sexual e as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero (LGBT+)1. Quanta energia e quanta coragem nesta mulher tão jovem para enfrentar profissionais da educação que, em grande parte, constituem o quadro de capixabas com postura LGBTfóbica, como este livro exibe com precisão no capítulo “Espírito Santo em foco: traçando um mapa da sociedade capixaba”, ao questionar se “Nível de escolaridade e religião podem influenciar a LGBTfobia?”. Sim. Podem, revela a obra. Revela também neste mesmo capítulo que o Espírito Santo é o estado com maior número de pessoas evangélicas do país, o que pode revelar em alguma medida o comportamento LGBTfóbico da população no geral. Ousada constatação, plena de razão, desde minhas experiências muitas de mulher negra, lésbica, umbandista, professora de gentes pequenas e grandes numa sociedade historicamente racista, misógina, 1 Optamos por utilizar a sigla LGBT+ devido ao fato de ser a sigla ainda utilizada pelo conselho estadual do Espírito Santo, ainda que saibamos que há diversas discussões e expansões do termo ocorrendo simultaneamente em vários movimentos.

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lesbofóbica, eurocentrada. Aliás, ousadia é uma palavra que pode explicar um pouquinho do tanto que é o Lucas, também autor deste livro-reportagem. Sua obra recentemente publicada “Desaquendando a história drag: no mundo, no Brasil e no Espírito Santo” indica seu arrojado modo de situar-se no mundo, indo na contramão do conservadorismo que toma conta da sociedade brasileira nos últimos tempos. Bravo (breve Doutor) Lucas! Carol e Lucas, então, nos brindam com esta obra, que, a meu ver, já se torna imprescindível à memória dos movimentos sociais LGBT+ no país. Nem sei se ela e ele sabem que se remetem vez em quando aos ensinamentos africanos e afro-brasileiros quando escrevem, pois tratam do respeito a quem veio antes, que pavimentou os caminhos de quem chega agora, o que chamamos de “reverência à ancestralidade”. O símbolo Sankofa, que inicia este texto, traduz bem o que quero dizer aqui e o que fizeram Carol e Lucas nesta obra. A iniciativa de fazer este livro-reportagem, como a autora e o autor definem a obra, é justamente a ação do hoje para preservar memória: o livro-reportagem em questão atua numa tentativa de resistir à dissolução do tempo. Esta memória é muito bem retratada nos capítulos iniciais, que discorrem com objetividade sobre o Movimento LGBT+ desde seus primeiros passos (registrados pela história) no ocidente e depois se atém ao Brasil, destacando mulheres lésbicas, pessoas trans e homens gays que arriscaram a integridade física e moral para lutarem pelo direito de existir. Essas ações individuais e coletivas pela existência formaram os pilares para nosso movimentar de hoje e de amanhã, uma vez que “[...] valorizar o caminho trilhado até aqui é essencial para a construção de um futuro melhor” (p.20). Pensar num prefácio requer, sempre, certo rigor técnico, o que me fez refazer a leitura algumas vezes. Mas me denuncio aqui ao revelar que fui tomada de muita emoção e deixei de lado o afastamento crítico que geralmente é exigido para esta tarefa. Como não se emocionar ao conhecer mais de perto as histórias desbravadoras de tantas pessoas que conheci e conheço neste Espírito Santo, como a queridíssima, corajosa e irreverente Ednamara ou o maravilhoso Amilton de Almeida, entre tantas outras pessoas que vieram antes abrir os caminhos? Neste


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ponto, o livro também exibe brilhantismo ao nos fazer entender que boa parte dos movimentos sociais, hoje reconhecidos como revolucionários, começaram na maioria das vezes de modo despretensioso. Exemplo disso é a história da Santa Sapataria, coletivo de lésbicas do Espírito Santo. História que tive o privilégio de estar lá quando começou, sem jamais imaginar que há dez anos estava contribuindo para a revolução sapatão capixaba. Para quem começa o percurso nos estudos da diversidade sexual e mesmo para quem já possui alguma caminhada neste campo, a autora e o autor, amorosa e didaticamente, reservaram o primeiro capítulo para elucidar questões como “homofobia ou LGBTfobia? Qual expressão deve ser usada”? Ainda neste capítulo, discorrem sobre as categorias que conformam a diversidade sexual, a “sopa de letrinhas”, parafraseando o título da obra da pesquisadora Regina Fachinni. Informações que mais se assemelham a formações, uma vez que atende aos interesses de muitas pessoas que, todavia, se inquietam com os rótulos na tentativa de compreender a complexidade da sexualidade humana mais a partir das palavras do que a partir dos humanos. Temos adiante preciosa obra com seis capítulos que ousam tratar das políticas públicas conquistadas com os atrevimentos das bichas, sapatonas, travestis e drags que começaram tudo. Livro que esmiúça, nas palavras vivas de quem aqui está ou esteve, cada pancada policial tomada simplesmente pela existência não-normativa. Trabalho que provoca indignação e admiração, tudo ao mesmo tempo, a cada página virada. Provoca, acima de tudo, vontade de conhecer mais o Movimento LGBT+ do Espírito Santo. Carol e Lucas, talvez a palavra seja Gratidão a vocês que cobrem uma lacuna na nossa história capixaba. O livro-reportagem de vocês ensina muito bem o “pavimentar caminho” para que outras pessoas possam vir atrás. Ensina o Sankofa. É por isso que aposto no interesse de outras pesquisadoras e pesquisadores que desejem prosseguir este trabalho, que, entusiasmante que é, revelará outras histórias em outros cantos deste estado, ampliando o espectro memorial da história do Movimento LGBT+. Enfim, recomendo fortemente este livro a você, leitora e leitor. Tenho

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o privilégio de tê-lo lido em primeira mão e já me antecipei em colocá-lo entre os meus preferidos. Acredito que você também vai gostar. Aquenda!!! Ariane Meireles

Capixaba, professora da educação básica, umbandista, filha de Oxum e Xangô. Ativista de movimentos sociais desde a adolescência: de pessoas negras no início e LGBT+ pelos anos 2000. Fundou a Santa Sapataria. Ama a dança afro brasileira. Mestra em Política Social e Doutoranda em Ciências da Educação.


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Foto: Concurso Miss Gay Espírito Santo. Foto: Acervo Waleska di Pigalle.


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INTRODUÇÃO

O predomínio de atitudes e convenções sociais discriminatórias em relação aos LGBT+ ainda é uma realidade persistente e naturalizada na maioria das sociedades. No Brasil, algumas conquistas já foram comemoradas em relação ao combate à discriminação contra a população LGBT+. No entanto, ainda existem muitos desafios a serem vencidos, principalmente no momento político conturbado vivido pelo país. As discriminações por orientação sexual, gênero e/ou características biológicas, são produzidas em todos os espaços da sociedade brasileira e apenas leis não serão suficientes para a mudança da percepção dos brasileiros em relação à estas temáticas. Sendo assim, encontramos o ponto chave que faz do Movimento LGBT+ um importante agente político-social: as suas ações têm um papel estruturante, que motiva a reflexão individual e coletiva e que age efetivamente na busca do fim do preconceito. Diante dessa perspectiva, apresentamos o tema principal deste livro: o Movimento LGBT+ do Espírito Santo. A própria denominação indica, ao utilizar a palavra “movimento”, do que se trata. Entendemos por movimento o estado contrário da inércia, a mudança de lugar, de posição ou, simplesmente, o ato de se mover. Movimentar-se, nesse sentido, é iniciar um processo de luta. Luta por afirmação, por respeito e por dignidade social para esse grupo social. Neste livro percebemos os processos discriminatórios como construções concebidas socialmente e buscamos desenvolver uma postura crítica em relação à naturalização do preconceito contra pessoas LGBT+. A homossexualidade, bem como a transexualidade, já foi duramente condenada, vista como transtorno, perturbação ou desvio durante largo

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tempo, por diferentes segmentos da sociedade. Hoje, embora existir como pessoa LGBT+ não seja mais considerado atitude criminosa no Brasil, nem transtorno ou desvio sexual pela medicina, o preconceito ainda vigora no país. Esse preconceito vem sendo combatido pelo Movimento LGBT+, que luta para superar o estigma que já reprovou e perseguiu veementemente pessoas ao longo da história. As pessoas LGBT+ têm seu direito à vida violado e para se certificar deste fato, basta acompanhar os índices alarmantes indicados, por exemplo, no Relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), que mostra que a cada 20 horas um LGBT+ é barbaramente assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia no Brasil em 2018 – o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais2. O relatório indica que, enquanto nos Estados Unidos – com 330 milhões de habitantes – foram assassinados 28 transexuais durante todo o ano – no Brasil – com 208 milhões de habitantes – registraram-se 164 travestis e transexuais vítimas fatais de transfobia. Isto é, o risco de uma pessoa trans brasileira ser assassinada é nove vezes maior do que as norte-americanas. Diante de tudo isso, podemos afirmar, de maneira prática, que o Movimento LGBT+ atua em três vertentes: 1. no sentido de esclarecer questões junto à sociedade, com o intuito de combater a discriminação; 2. na tentativa de visibilizar e promover a voz de grupos silenciados, de lutar pela liberdade integral das pessoas e pela garantia de seus direitos assegurados pela Constituição deste país3; 3. na busca diária pela mudança do status quo e pela substituição de valores nocivos arraigados na sociedade que promovem a desigualdade entre as pessoas por causa de suas diversidades. O Movimento LGBT+ entretanto, heterogêneo que é, ainda que esteja

2 É necessário pontuar que o trabalho realizado pelo GGB é um dado extraoficial, feito, inclusive, por conta da falta de interesse do poder público em realizar uma quantificação eficiente desses dados. A efetivação de uma base de dados mais completa deveria ser realizada unindo instâncias hospitalares, policiais, etc. Assim, os números indicados pelo GGB podem ser ainda muito maiores. 3 Lembremos que o Artigo 5 da nossa Constituição deixa evidente que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.


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amplamente comprometido com as vertentes citadas acima, ramifica-se e adequa-se conforme as especificidades de cada estado, de maneira a acompanhar a pluralidade de um país com dimensões continentais como o Brasil. Assim, observamos, no Espírito Santo, localidade onde este livro se constitui, peculiaridades que serão expostas ao longo dos capítulos. Por exemplo: segundo o Dossiê do Lesbocídio no Brasil, criado pelas pesquisadoras Maria Clara Dias, Suane Soares e Milena Peres no Núcleo de Inclusão Social da UFRJ e publicado em 2018, foram registrados 16 lesbocídios em 2014 e 54 em 2017. O relatório indica aumento alarmante dos registros de assassinatos de lésbicas motivados pelo ódio, mostrando inclusive números levantados pelo GGB que indicam dois casos registrados de lesbocídio no Brasil no ano de 2000. O documento aponta que 3% dos lesbocídios cometidos entre 2014 e 2017 aconteceram no Espírito Santo – com pico em 2017, quando 6% desses crimes foram cometidos no estado. Vitória, a capital do estado, foi apontada pela pesquisa “Juventude e Sexualidade”, realizada pela UNESCO (organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), como a capital mais LGBTfóbica4 do país. A pesquisa, apesar de bem antiga – de 2004 – é ainda uma das únicas que abrangem o ambiente escolar e o tema. Outra pesquisa realizada pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) somente focada na população transgênero, revelou que o preconceito muitas vezes está dentro do lar: mais de 60% dos entrevistados disseram ter sofrido discriminação em sua família por ser transexual ou travesti. Dos entrevistados, 43% relataram ter sofrido algum tipo de violência no ambiente familiar, seja psicológica, verbal e também física. Cerca de 10% revelaram ter sofrido abuso sexual por membros da família. Grande parte dos pesquisados atribui o preconceito à falta de informação, já outra parte, também significativa, aos valores morais e religiosos dos agressores. Infelizmente, pesquisas como essas são escassas e ainda não abarcam as especificidades de todas as violências motivadas pelo precon4 A pesquisa, na verdade, utilizava o termo “homofóbica”. Adequamos livremente o termo para LGBTfóbica por o considerarmos mais abrangente e melhor adequado para a situação.

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ceito que atingem a população LGBT+. Faltam estatísticas, mas sobram episódios de preconceito, sensação de insegurança e impunidade. Na tentativa de minimizar o problema, porém, existem políticas públicas voltadas para essa minoria social, tanto a nível estadual quanto municipal, que merecem ser apontadas. Não as consideramos suficientes, ainda há muito o que percorrer, mas valorizar o caminho trilhado até aqui é essencial para a construção de um futuro melhor. Um exemplo positivo é o município de Colatina, que tem a Lei nº 5.304, de 17 de julho de 2007, que “institui no âmbito do município de Colatina a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade sexual e estabelece penalidades aos estabelecimentos localizados no município, que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual e identidade de gênero”. Ou mesmo a capital, Vitória, que somente em 2018, depois de quase cinco anos em silêncio, regulamentou a Lei 8.627, de 2014, que prevê punições administrativas em atos de discriminação por diversos motivos, entre eles por causa de identidade de gênero e por orientação sexual. O principal objetivo desse mapeamento é preservar a memória do Movimento LGBT+ do Espírito Santo. Acreditamos ser importante esse resgate histórico, na medida em que vivemos em um mundo de mudanças sociais aceleradas. Ou seja, o livro-reportagem em questão atua numa tentativa de resistir à dissolução do tempo. Essa resistência se faz necessária para que os espaços de poder já conquistados e as políticas públicas já alcançadas sejam vistas como fruto de processos específicos, por vezes demorados e custosos, de lutas políticas encampadas por uma minoria ciente do seu papel de agente social, dentro da minoria LGBT+. É para que a memória dessa minoria, desses personagens que foram e são importantes na militância no Espírito Santo, não se perca com o passar do tempo, que escrevemos essa narrativa. Sendo o objeto deste livro um movimento social influente na sociedade atual, acreditamos ser extremamente importante avaliar o passado para agir no presente e, quem sabe, ajudar a construir seu futuro. Para além da preservação da memória, este livro tem como objetivo contribuir para que as entidades e órgãos que militam a favor da causa possam


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sustentar ainda mais a sua luta, baseadas em dados coletados através de documentos oficiais, arquivos, fotografias, clipping de jornais, estatísticas, depoimentos e pesquisa bibliográfica. O trabalho pretende, por fim, contribuir como forma de esclarecimento em relação à temática LGBT+, para que o assunto cada vez mais deixe de ser um tabu na nossa sociedade. Ao manter vivo e acessível aquilo que passou, tomamos consciência da nossa efemeridade como sujeitos históricos e podemos vislumbrar uma possibilidade de continuidade e perpetuação. Conhecer o passado e preservar a nossa memória é condição básica para as ações no presente. Acreditamos que, quando sabemos como aqueles que nos antecederam agiram diante de determinado acontecimento, podemos nos espelhar, ou não, em suas ações para agir com mais consciência no presente. Refletir sobre a memória é valorizar o passado e seu legado, e isso é um pressuposto básico para que mudanças futuras ocorram.

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Foto: Mercedes Mehling


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O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER O NOME5

“Não são as nossas diferenças que nos dividem. É a nossa inabilidade de nos reconhecer, nos aceitar e celebrar as nossas diferenças.” Audre Lorde6

De categorias, títulos e rótulos Quando falamos sobre sexualidade, as definições atuais abrangidas pelas ciências sociais apontam sua ligação com significados, ideias, desejos, sensações, emoções, experiências, condutas, proibições, modelos e fantasias que são configurados de modos diversos em diferentes contextos sociais e períodos históricos. Ou seja, de acordo com a publicação Gênero e Diversidade na Escola: formação de professoras/ es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais, trata-se de uma questão dinâmica, mutacional e que está sujeita a diversos usos, múltiplas e contraditórias interpretações. Principalmente: está sujeito a debates e a ferrenhas disputas políticas. Para discutir a existência de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros – LGBT+, no entanto, é preciso não apenas pensar questões referentes à sexualidade, mas ampliar o debate para compreender o que é gênero, quais aspectos são de fato biológicos e quais são sociais, o que são as orientações sexuais, o que são as identidades e expressões de gênero e, por fim, por que, no campo das disputas políticas, em pleno século XXI, este tema continua sendo tão disputado. É importante ressaltar, antes de mais nada, que as categorias que aqui trabalharemos não são engessadas. Herek (1995) aponta que os sistemas de rotulação são extremamente simplistas ao tratar de um assunto tão complexo. O autor ainda argumenta que nem todas as pes5

Título de um poema escrito pelo irlandês Oscar Wilde.

6 Frase escrita no livro Our Dead Behind Us, da escritora caribenha-americana, feminista, mulherista, lésbica e ativista dos direitos civis, Audre Lorde. Tradução livre.

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soas exibem coerência entre os seus sentimentos sexuais, seus comportamentos e sua identidade e que muitas delas sofrem considerável fluidez na sexualidade ao longo de suas vidas. Embora concordemos veementemente com Herek, precisávamos de uma base para orientar o nosso estudo. Sendo assim, conceituaremos alguns dos termos que utilizamos neste livro-reportagem, mas o fazemos conscientes da fluidez e da pluralidade de outros significados que os mesmos podem ter em outros contextos. O conceito gênero foi formulado nos anos 1970 com profunda influência do movimento feminista. Criado para distinguir a dimensão social da dimensão biológica, o termo se baseia na premissa de que há, sim, machos e fêmeas na espécie humana, levando em consideração aspectos biológicos. Entretanto, a maneira de ser homem e de ser mulher está intrinsecamente atrelada à cultura. É preciso pensar gênero distanciando homens e mulheres das anatomias de seus corpos e compreendendo que ambos são produtos de uma realidade social. Já o papel de gênero é a forma como a pessoa se relaciona socialmente, se ela é mulher e se veste como mulher ou se é homem e se veste como homem, por exemplo. A identidade sexual é a forma como o indivíduo se percebe em relação ao gênero que possui e a orientação sexual diz respeito à atração sexual e afetiva que se sente por outros indivíduos. Desde o berço meninos e meninas são submetidos a um tratamento diferenciado que os ensina os comportamentos e emoções considerados adequados, por exemplo. Ou seja: qualquer “desvio” deve ser reprimido para recuperar-se o “bom comportamento”. (FRY, MACRAE, 1983, p.12). As características biológicas que as pessoas têm ao nascer são identificadas como o seu sexo ou aparelho reprodutor biológico. Neste espectro, falamos sobre cromossomos, genitália, composição hormonal e outros temas inteiramente ligados ao funcionamento do nosso corpo físico. Tudo isso indica que a pessoa pode nascer com a genitália considerada feminina, masculina ou intersexual. Portanto, não há gênero no sexo biológico em si, o que existe é uma expectativa social de gênero em relação ao corpo/genital (CADERNO, 2017). Identidade de gênero, por sua vez, é uma experiência interna e in-


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dividual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos (PRINCÍPIOS, 2006). Identidade de gênero é a percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente de sexo biológico. Trata-se da convicção íntima de uma pessoa de ser do gênero masculino (homem) ou do gênero feminino (mulher) (ABGLT, 2010). A identidade de gênero da pessoa não necessariamente está visível para as demais pessoas. Sendo assim, é importante entender que existem pessoas transgênero e cisgênero. As pessoas transgênero não se identificam parcial ou completamente com o gênero designado ao nascer e as cisgênero identificam-se com o gênero atribuído ao nascer. Expressão de gênero é como a pessoa se manifesta publicamente, seja por meio do seu nome, da vestimenta, do corte de cabelo, dos comportamentos, da voz e/ou características corporais e da forma como interage com as demais pessoas. A expressão de gênero da pessoa nem sempre corresponde ao seu sexo biológico (adaptado de GLAAD, 2016). No campo das orientações sexuais, existem (entre outras): Os heterossexuais, que são aqueles que sentem atração afetiva e sexual por indivíduos do sexo/gênero oposto; Os homossexuais, que são os que sentem atração afetiva e sexual por indivíduos do mesmo sexo/gênero. Mulheres que se relacionam com outras mulheres chamam-se lésbicas e homens que se relacionam com outros homens são chamados de gays; Os bissexuais, que tanto podem sentir atração afetiva e sexual por alguém do mesmo sexo/gênero, como por alguém do sexo/gênero oposto; Os assexuados, que são os indivíduos que não sente nenhuma atração sexual, seja pelo sexo/gênero oposto ou pelo mesmo sexo/gênero; Os pansexuais, que são as pessoas que sentem atração afetiva e se-

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xual por outras pessoas, independente de sua identidade de gênero ou sexo biológico. A pansexualidade é uma orientação que rejeita especificamente a noção de dois gêneros e até de orientação sexual específica. (MARSHALL CAVENDISH CORPORATION, 2010). Fry e Macrae (1983) acreditam que a orientação sexual se inicia desde o início da vida do indivíduo, e que o meio em que vivemos reprime isto de forma a não aceitar, em hipótese alguma, um comportamento contrário àquele que foi ensinado pelos pais, segundo o qual o homem foi feito para a mulher e a mulher, para o homem, ou que o mundo fora designado somente para as pessoas cisgênero, sem espaço para a existência das pessoas trans. Faz-se imperativo compreender, neste momento da discussão, que vivemos em uma sociedade heterocisnormativa. O que isso significa? Que a nossa sociedade é construída para associar heterosexualidade e cisgeneridade com normalidade. Tudo o que foge a esse padrão é associado à perversão e ao erro, logo, a algo que precisa ser punido, extinguido. É importante entender, ainda, o que significa cada um desses conceitos para compreender, inclusive, a dinâmica do preconceito. Um homem gay afeminado não sofrerá LGBTfobia da mesma forma que um homem gay com aparência heteronormativa. Uma mulher lésbica cisgênero vai passar por experiências diferentes das vividas por uma mulher lésbica transgênero ao longo da vida. É preciso perceber tal fato, também, para ter a dimensão da complexidade desta “sopa de letrinhas” que engloba em uma única luta questões referentes às orientações sexuais, à identidade de gênero e ao sexo biológico.

Por que lutamos? A humanidade é formada por seres plurais e diversos quanto à maneira de ser, sentir, raciocinar, agir e perceber a vida. Essas pluralidades e diversidades também se aplicam à forma como nos relacionamos afetivamente e/ou sexualmente com outras pessoas. Isso significa que não existe um modo único de relação, que supostamente seja “natu-


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ral”, “certo” ou “normal”, mas, ao contrário, as possibilidades são inúmeras. Contudo, e infelizmente, as pessoas que têm comportamento sexual que se diferencie do socialmente aceito sofrem preconceito e acabam sendo tratadas com desrespeito e desprezo. A discriminação das pessoas em função de suas diferenças é uma realidade. Em vez de respeitar a diferença como um dos valores de maior prestígio para a humanidade, o caminho que percorremos até aqui nos mostra que escolhemos o caminho contrário. Para entender a diversidade sexual, bem como outros aspectos intrínsecos à vida dos seres humanos, é preciso perceber que ela não é um fenômeno meramente fisiológico, mas fortemente marcada pelas relações sociais. Os segmentos contrários à diversidade sexual geralmente o são por dogmas religiosos e morais, já que, de acordo com a teologia moral cristã, dominante na sociedade brasileira, a diversidade é antinatural e um pecado nefando. Esse pecado foi considerado mais grave do que matar a própria mãe ou escravizar outro ser humano (MOTT, 2003). Sendo a nossa sociedade ocidental baseada nos valores judaico-cristãos, não é difícil encontrar as raízes da discriminação e do preconceito contra LGBT+, atitude esta que chamamos de LGBTfobia. Além de já ter sido considerada, em diferentes momentos históricos, antinatural e um pecado, a diversidade também já foi tida como um crime hediondo em que “(...) os réus desse crime hediondo deviam ser punidos com a pena de morte: a pedradas entre os antigos judeus e até hoje nos países islâmicos fundamentalistas; decapitados, no tempo dos primeiros imperadores cristãos; enforcados ou afogados na Idade Média; queimados pela Santa Inquisição; condenados à prisão com trabalhos forçados na Alemanha nazista” (MOTT, 2003, P. 20). Outro fator importante que não pode ser esquecido é o uso da medicina como meio de propagação do estigma e preconceito contra pessoas LGBT+. Em meados do século XIX, por exemplo, a medicina definiu a homossexualidade como uma doença fisiológica causada por distúrbios genéticos ou biológicos e, no início do século XX, a psicanálise introduziu a visão psicológica da homossexualidade, que, ainda que fosse menos moralista, a considerava um distúrbio, ou seja, uma anormalidade, no desenvolvimento da sexualidade.

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Foi somente em 1973 que a homossexualidade deixou de ser classificada como doença pela Associação Americana de Psiquiatria. No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerar a homossexualidade um desvio sexual e, em 1999, estabeleceu regras para a atuação dos psicólogos em relação às questões de orientação sexual, declarando que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão e que os psicólogos não poderão participar de eventos e serviços que proponham tratamento e/ou cura para a homossexualidade. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Já em 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos. Já quando se fala sobre a transexualidade, foi somente em 2019 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu da sua classificação oficial de doenças, a CID-11, o chamado “transtorno de identidade de gênero”, definição que considerava como doença mental a situação de pessoas trans – indivíduos que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento. É perceptível, assim, que a luta LGBT+, além de importante historicamente, ganhou contornos mais democráticos principalmente na história recente. Assim, ela se perpetua como necessária tanto na busca pela manutenção dessas conquistas, quanto na busca por igualdade e equidade social.

Homofobia ou LGBTfobia? Homossexuais ou LGBT+? Abordagens e explicações A palavra homofobia foi utilizada pela primeira vez pelo psicólogo George Weinberg, em 1972, e deriva das palavras gregas: homos e phobikos (ter medo ou aversão a). A palavra homofobia traduz o ódio, a intolerância ou a aversão à homossexualidade e aos homossexuais. De acordo com o livro Gênero e Diversidade na Escola (BARRETO;ARAÚJO;PEREIRA, 2009), a homofobia opera por meio da violência simbólica, que nem por isso deixa de ser danosa.


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Com o avançar das discussões e com a necessidade de abranger todas as especificidades da chamada “sopa de letrinhas” que permeia esse universo, a palavra homofobia já não dava mais conta de toda a problemática referente a esse heterogêneo grupo de pessoas. Dessa forma, por se tratar de um movimento social que está em constante evolução, já fomos contemplados pela sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), que fora substituída por GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgênero) que, por sua vez, fora substituída por LGBT, trazendo o L das lésbicas à frente como um evidente recado sobre a invisibilidade sofrida pelas mulheres. Homofobia, portanto, passa a ser substituída por LGBTfobia. Atualmente, inclusive, embora ainda não haja nenhuma definição oficial, o Brasil encaminha-se cada vez mais para acrescentar o I, de intersexual, à sigla e um símbolo de “+”, que faz menção a tudo o que ainda não é contemplado. Neste livro escolhemos utilizar a versão já acrescida do símbolo +, com a finalidade de contemplar o máximo de pessoas possível em nossas discussões. Utilizamos assim LGBT+ e LGBTfobia, considerando que os preconceitos impressos contra essas populações, embora tenham uma mesma raiz, possuem diferentes ramificações e se desenvolvem de maneiras distintas. Outra explicação faz-se necessária para os capítulos que se seguem: é importante compreender que pesquisas históricas, por mais cuidadosas que sejam, podem conter elementos e simbologias que já não são mais tratadas da mesma forma no tempo atual. Isso acontece diversas vezes em nossa pesquisa com o termo “homossexual” sendo utilizado para se referir à população LGBT+ como um todo. Na medida do possível, foram feitas as alterações cabíveis. Entretanto, em alguma citação ou mesmo na fala de algum entrevistado, preferimos manter a originalidade do que foi dito, compreendendo que esta também é uma marca temporal importante para o Movimento LGBT+, que até bem pouco tempo era apenas conhecido como Movimento Homossexual ou Movimento Gay.

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Fotos: Diana Davies. Acervo: New York Public Library.

Foto: Leonard Fink. Acervo: LGBT Community Center National History Archive.


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O MOVIMENTO LGBT+ COMO AGENTE TRANSFORMADOR DA SOCIEDADE “Estamos caminhando a passos lentos no amadurecimento da nossa democracia e das nossas almas. O movimento LGBT+ está cada vez mais forte e colorido de diversas representações”. Jean Willys

Movimentos Sociais: das práticas e objetivos à construção de novas formas de sociabilidade Tendo em vista o objetivo de estudar a trajetória do Movimento LGBT+ no Espírito Santo, consideramos ser importante conceituar os movimentos sociais como um todo. Os autores divergem tanto na caracterização do que seria um movimento social, quanto na diferenciação de um movimento social de outras ações coletivas. Os movimentos sociais geralmente são analisados quanto a sua formação, dinâmica interna e seu projeto de sociabilidade. Não há uma visão unificada, um ponto de partida institucionalizado e nem critérios absolutos para que esse estudo seja realizado. As profundas transformações políticas e sociais vividas pelos países ocidentais na década de 1960 impulsionaram novos estudos direcionados para os grandes responsáveis por essas mudanças: os movimentos de cunho social. Como uma forma de entender melhor esses “novos movimentos”, surge uma corrente de interpretação que realiza uma análise distinta daquela feita sobre os movimentos sociais que atuaram anteriormente. A partir da década de 1960, segundo Gohn, a psicologia passou a ser rejeitada como foco explicativo básico das ações coletivas, bem como todas as análises centradas no comportamento coletivo dos grupos sociais. Refutou-se também a visão dos movimentos sociais como momentos de quebra das normas daqueles grupos. A autora denominou essas novas interpretações de teorias da “mobilização de recursos”. A

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mobilização de recursos surgiu a partir de um esforço para que se analisassem os movimentos sociais dos anos 60 em sua dinâmica interna, metabolismo de poder e na sua característica de não só imprimir novas configurações às relações sociais, mas de se tornarem potencialidades transformadoras e reconstrutivas de uma sociabilidade diferenciada. Como consequência, essas teorias acabaram por refletir acerca das condições de emergência, dinâmica, desenvolvimento, estruturação e organização dos movimentos analisados. Nesse sentido, os novos movimentos sociais se encontram em um patamar diferente daqueles considerados precursores do segmento, como o movimento sindical e operário, intrinsecamente ligados ao mundo do trabalho e à luta de classes. Essa nova concepção de luta social encontra-se diretamente conectada às questões trabalhistas, igualdade de direitos – sejam esses direitos os das mulheres, dos gays, dos deficientes, por exemplo –, ecologia e sustentabilidade. Gohn (1995) assegura que os “novos” movimentos sociais se contrapõem aos “velhos” e historicamente tradicionais movimentos sociais em suas práticas e objetivos. Para a autora, os “novos” movimentos são ações coletivas de caráter sociopolítico, realizadas em função de interesses em comum, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações que tanto podem ser de conflitos, como de litígios ou de disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento (GOHN, 1995). Para a autora, “as ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo” (GOHN, 1995, p. 44). Os “novos” movimentos sociais desenvolvem ações relacionadas às dimensões da identidade humana, deslocada das condições socioeconômicas predominantes, de modo que suas práticas não se aproximam


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de um projeto de sociabilidade diferenciada das relações sociais capitalistas, ou seja, não se voltariam para a transformação das atuais formas de dominação política e econômica, no sentido da construção de sociedade baseada na organização coletiva e no desenvolvimento das potencialidades humanas na direção não-capitalista. Ricardo Antunes afirma que outras modalidades de luta social (como a ecológica, a feminista, a dos negros, dos LGBT+, dos jovens etc) são, como o mundo contemporâneo tem mostrado em abundância, de grande significado na busca de uma individualidade e de uma sociabilidade dotada de sentido (ANTUNES, 1997, p. 86). São movimentos que, de acordo com Ilse Scherer-Warren (1996), desejam atuar no sentido de estabelecer um novo equilíbrio de forças entre o campo político institucional – ou seja, o governo, os partidos e os aparelhos burocráticos – e a sociedade civil, bem como no interior da própria sociedade civil nas relações de força entre dominantes e dominados, entre subordinantes e subordinados. Outro estudioso dos movimentos sociais, Alan Touraine (1977), afirma que os movimentos sociais podem ser definidos como ações coletivas vinculadas à luta por interesses, associados à organização social e a mudanças na esfera social e cultural. Evidentemente, essa mobilização é realizada contra um opositor, que resiste. Na compreensão de Touraine, os movimentos sociais são frutos de uma vontade coletiva. “Eles falam de si próprios como agentes de liberdade, de igualdade, de justiça social ou de independência nacional, ou ainda como apela à modernidade ou à liberação de forças novas, num mundo de tradições, preconceitos e privilégios” (Touraine, 1978, Pag.35). Gohn analisa que os movimentos não seriam heróis coletivos, acontecimentos dramáticos, mas simplesmente parte do sistema de forças sociais dessa sociedade, disputando a direção de seu campo cultural. Ao mesmo tempo, Touraine assinalou que os movimentos são as forças centrais da sociedade por serem sua trama, o seu coração. Suas lutas não são elementos de recusa, marginais à ordem, mas ao contrário, de reposição da ordem. Ele chegou a postular que a sociologia contemporânea seria o estudo dos movimentos sociais, pois tratar-se-ia de um objeto de análise que traz o ator social de volta (1997).

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Para Sidney Tarrow (1994), os movimentos sociais surgem como expansão da atividade política a partir do século XIX, defendendo interesses próprios, a fim de provocar mudanças institucionais, utilizando-se de formas de organização e atuação não convencionais, ou seja, passeatas, atos de violência, protestos, etc. Os movimentos sociais agem inicialmente como mediadores no processo de busca de respostas às interrogações suscitadas no cotidiano, projetando-se para uma perspectiva maior do que os problemas da cotidianidade. Antunes afirma que “decisivo aqui é referir que a consciência é originada no interior da vida cotidiana. É na cotidianidade que as questões são suscitadas e as respostas dos indivíduos e das classes são uma constante busca de indagações que se originam na vida cotidiana, onde as questões lhes são afloradas. As respostas às questões mais complexas são, entretanto, mediatizadas.” (ANTUNES; 1997, p. 117). Se os movimentos se restringem às lutas cotidianas limitadas às reivindicações setoriais, desarticuladas com outras mobilizações, passam a se configurar como ações paliativas e insuficientes para possibilitar mudanças estruturais, fechando-se em si mesmos. Sendo assim, é indispensável articular essas ações mais imediatas com um projeto global e alternativo de organização social, “fundamentado numa lógica onde a produção de valores de troca não encontre nenhuma possibilidade de se constituir num elemento estruturante” (ANTUNES, 1997, p. 81). Aproximando a discussão aos movimentos sociais ligados à temática LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros), Jorge Rodrigues (apud FACCHINI, 2007) afirma que o movimento homossexual foi aquele que, talvez, tenha tido mais dificuldades para se estabelecer e encontrar a sua política de identidade. Facchini (2007) define o campo desse movimento como um campo híbrido, no qual grupos e associações convivem entre dois modelos, que lhes servem de orientação. Um modelo daria ênfase no estudo das atividades práticas, como a produção de ações coletivas/movimentos sociais. O outro modelo se orienta a partir da compreensão de que grupos e associações se movem, na verdade, num “campo rico de tensões” entre diversas polaridades que “devem ser articuladas de alguma maneira”, e de que é mais


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interessante tentar entendê-los a partir dessas polaridades do que tentar elaborar uma caracterização linear (FERNANDES, apud FACHINNI, 2005, p.88). O movimento de luta LGBT+ é caracterizado por Macrae (1990) como detentor de fisionomia própria, que vai se modificar em decorrência da sua localização, de seus fundadores e daqueles que serão representados por ele.

Dos países europeus aos Estados Unidos: os primeiros passos da luta LGBT+ O movimento que luta pelos direitos das pessoas LGBT+ conforme conhecemos hoje começou a se organizar no final dos anos 1970 nos Estados Unidos, bem como outros movimentos de cunho social que se articulavam em busca de visibilidade, da construção de novas formas de sociabilidade e da cidadania. Ao contrário do que é comumente afirmado, no entanto, esse não foi o primeiro momento em que esse grupo se uniu em busca de um bem comum. Ainda que de maneira dispersa e sem uma postura unificada, alguns grupos anteriores a esse período se opuseram às condições vigentes e atuaram, de alguma forma, para que na década de 1970 o Movimento LGBT+ pudesse ganhar consistência na atuação ativista a favor da causa. Neste estudo, tomamos a postura de mencionar o maior número possível de fragmentos desse movimento, na expectativa de elaborar um contexto sólido e que sustentasse as discussões que se seguem. É comum considerar que o Movimento LGBT+ surgiu nos Estados Unidos, porém, de acordo com Alessandro Soares da Silva (2009), estudioso do Movimento LGBT+, para compreender todo o cenário dos anos 1960 nos Estados Unidos é preciso, primeiramente, identificar alguns acontecimentos passados em alguns países da Europa em meados do século anterior, o século XIX. Segundo Alessandro Silva, é possível distinguir três momentos históricos de luta pela emancipação LGBT+: o primeiro diz respeito aos es-

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forços alemães, “que culminaram no florescimento de organizações, em muitos países europeus e nos Estados Unidos da América” (p. 125). O segundo refere-se ao período em que se inicia a II Guerra Mundial e termina em 1969, tempo em que foi possível observar “o desenvolvimento e a expansão de um movimento de libertação Lesbigay” (p. 125). E, por fim, o terceiro que seriam as contribuições estadunidenses para a formação do movimento como coletivo social. As primeiras manifestações públicas a favor da emancipação da comunidade LGBT+ são datadas de meados do século XIX, no reino de Hanover, na Alemanha. Um membro do parlamento do reino, Karl Heinrich Ulrichs, aproveitou-se da posição pública que ocupava e da inexistência de punição para a homossexualidade em Hanover – diferentemente de outras partes da Europa –, para tornar público a defesa da homossexualidade e expor o que considerava a respeito do assunto. Para tanto, Ulrichs fez uma intensa campanha por meio da publicação de artigos favoráveis à despenalização da homossexualidade nas regiões em que ser homossexual era considerado um crime. De acordo com Silva (p.126), em suas manifestações, Ulrichs demonstrou que considerava a homossexualidade uma anomalia “comparável a qualquer outra como a de ser canhoto ou anão”. Segundo Juan Herrero Brasas (2001, p. 248), essa luta pela despenalização da homossexualidade foi baseada no argumento de que “não há responsabilidade moral de nenhum tipo no ato de sentir atração por pessoas do mesmo sexo”. Seus discursos não obtiveram êxito e foi preciso mais três décadas para que a primeira agremiação de luta por direitos de LGBT+ surgisse. Ainda assim, é preciso reconhecer que Ulrichs foi o primeiro a tratar os homossexuais como um grupo definido, e a defender bandeiras consideráveis para a luta – algumas em voga e sem sucesso até os dias atuais em determinados países (incluindo o Brasil). Três décadas mais tarde, em 1897, surgiu a primeira organização voltada para a defesa dos direitos LGBT+: o Comitê Científico Humanitário (CCH). Esse comitê contava com a afiliação de pessoas importantes no cenário cultural da época e, segundo Silva (2009), serviu como inspiração para a fundação de organizações similares na Holanda e na Suécia. Esse comitê foi fundado por Magnus Hirschfeld, um alemão de


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origem judaica que via na homossexualidade uma maldição e uma degeneração da natureza, motivo pelo qual não poderia ser considerada passível de pena. Para Hirschfeld, a homossexualidade era algo que o homem ou a mulher não possuía controle sobre, sendo a penalidade que a natureza lhes concedeu o suficiente. O Comitê, sob os comandos de Hirschfeld, se mobilizou contra a posição do Código Penal Alemão, no qual a homossexualidade era um delito suscetível de prisão. Ele articulou o envio de algumas petições, assinadas inclusive por nomes como Albert Einstein, com o pedido de revogação de um artigo do Código Penal Alemão, que estabelecia a homossexualidade como um delito suscetível a prisão. Além disso, o Comitê realizou em 1903 o primeiro estudo científico para saber qual era a incidência da homossexualidade na população mundial. Nesse estudo, foi constatado que 2,2% da população mundial da época era composto por homossexuais. Esse resultado, porém, carecia de fiabilidade e seus métodos foram posteriormente contestados. Hirschfeld ainda fundou a revista Anuário de Intermediários Sexuais, dedicada à luta por direitos civis, em 1899, o Instituto de Investigações Sexuais em 1919 e organizou, em 1921, a Liga para a Reforma Sexual, que tinha como finalidade a luta contra as legislações homofóbicas que vigoravam na Europa. Mesmo que, assim como as de Ulrichs, as concepções de Hirschfeld não sejam completamente esclarecidas ou mesmo lógicas, faz-se necessário, mais uma vez, considerar que, em relação à luta pela igualdade homossexual na sociedade, o comitê trouxe avanços para o Movimento LGBT+. De acordo com Alessandra Fleury e Ana Torres (2010), o Comitê Científico Humanitário promoveu, até 1933, diversas atividades públicas, como abaixo-assinados e palestras, na tentativa de por fim à discriminação contra homossexuais. Com a chegada dos nazistas ao poder, o comitê não resistiu à perseguição e foi fechado. Não foi somente o CCH uma vítima do nazismo: durante a Segunda Guerra mundial, os homossexuais e transgêneros também foram alvos de perseguição e eram levados aos campos de concentração, a fim de serem escravizados e mortos. Entre 50 mil e 80 mil pessoas LGBT+ foram presas nos campos de concentração na Alemanha. Os nazistas os

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estigmatizam com um triângulo rosa nos uniformes de trabalho. Já na Holanda, após o fim da Segunda Guerra Mundial, surgiu a Associação dos Homossexuais Holandeses (AHH), que continua ativa até os dias atuais. Conhecida por seu discurso de vanguarda, a atuação da associação foi importante para que a Holanda efetivasse conquistas como a legalização do casamento e da adoção de crianças por casais homossexuais, por exemplo. Esses acontecimentos na Europa impulsionaram o surgimento de novos focos de resistência e luta pela afirmação LGBT+ em outras partes do mundo. Os Estados Unidos da América foram influenciados pelos acontecimentos europeus. Tal inspiração foi decisiva para que o movimento social ganhasse força no país, que se tornaria, um pouco mais tarde, o palco de acontecimentos relevantes, como o caso da revolta de Stonewall, que mudariam para sempre a condição da luta pela afirmação LGBT+.

Da invisibilidade à formação de grupos de discussão: o início do processo de luta emancipatória nos Estados Unidos

A primeira organização LGBT+ dos Estados Unidos surgiu por meio dos esforços de um jovem imigrante alemão chamado Josef Dittmar, no ano de 1924. Dittmar fundou a Sociedade para os Direitos Humanos. Essa sociedade ainda preservava os princípios compartilhados pelas associações alemãs que tinham a homossexualidade e a transexualidade como uma postura anormal do ser humano, e que, justamente pelo seu caráter patológico, que não possibilitava aos portadores a expectativa de viver uma vida normal, como a de qualquer cisgênero heterossexual, não merecia ser tratado como um problema moral. Na década de 1930, nos Estados Unidos, os LGBT+ não constituíam um movimento de caráter reivindicativo. Dittmar, portanto, teve dificuldade em encontrar um grupo “que estivesse de acordo com a proposta e que não a percebesse como um ato insensato. (...) Segundo aponta Herrero Brasas, o motivo disto foi o fato de que ‘(...) existia no mundo gay uma autentica militância anti-organizativa e apolítica, uma atitu-


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de centrada exclusivamente na busca da evasão e da diversão” (SILVA, 2009, p.131). O local onde os LGBT+ se encontravam para sociabilizar eram clubes secretos, ou parcialmente secretos, fato que tornava suas ações sociais anônimas. Isso acontecia porque, logo após a supressão da Lei Seca nos Estados Unidos – que proibia a comercialização e a ingestão de bebidas alcoólicas –, ficava a critério de cada unidade federativa a regulamentação do funcionamento dos seus estabelecimentos. Bares para o publico gay, no entanto, não eram aceitos nessas legislações, o que fomentou o surgimento de bares secretos voltados para esse público. Juan Herrero Brasas (2001) afirma que a proibição não se dava somente quando um bar era voltado para o público LGBT+, mas era proibido também que os bares aceitassem a presença de um LGBT+ em seu interior – nesse caso, alguém que se deixasse identificar como tal, fosse por meio de sua vestimenta ou por suas condutas. Esses clubes, entretanto, figuravam-se como parcialmente secretos na medida em que constantes subornos eram feitos para os policiais da época com a intenção de manter o local em funcionamento. A década de 1940 se configurou como uma época em que a atuação ativista ainda não poderia ser observada claramente, mas a possibilidade do início da projeção dos LGBT+ como grupo social discriminado ganhou força nesse momento de aparentes mudanças sociais proporcionadas pela Segunda Guerra Mundial. O cenário socioeconômico dos países envolvidos na guerra constituía-se por homens saindo de seus países para lutar e mulheres adentrando no mercado de trabalho. Essas mudanças, como narra Silva (2009), resultaram em novas configurações sociais, em que, por exemplo, as mulheres lésbicas encontraram um ambiente mais favorável à formação de redes sociais, além dos gays que estavam em combate e conviviam, principalmente, com outros homens. Estas redes construídas foram importantes para a tomada de consciência de muitos gays e lésbicas que, até esse momento, não haviam se dado conta de que não estavam sozinhos no mundo, de que não eram tão poucos e que poderiam organizar-se com o intuito de reivindicar (SILVA, 2009).

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No final dos anos 1940, houve outro fator importante para fomentar a busca por visibilidade de pessoas LGBT+: a publicação dos Informes Kinsey, em 1948, elaboradas por Alfred Kinsey. Este trabalho, que foi um dos primeiros informes sobre a sexualidade humana, causou impacto na sociedade ao afirmar que 10% da população masculina já teve algum contato, ou desejo de ter contato, com a experiência homossexual. Kinsey demonstrou que o que os indivíduos consideravam como uma conduta anormal poderia não ser tão anormal quanto supunham. No relatório, Kinsey deixa explícito que seu trabalho poderia não estar de acordo com a ordem moral, religiosa, cultural e psiquiátrica vigentes, intentando apenas diagnosticar estatisticamente a sexualidade da população. Segundo Herrero Brasas (2001), a publicização desse relatório, mostrando um contingente significativo de LGBT+ na sociedade norte-americana, contribuiu decisivamente para que homossexuais e transgêneros tomassem consciência de que, ainda que não fossem poucos, se encontravam em silêncio e ocultos. Foi somente nos anos 1950 que a primeira organização com o caráter militante e reivindicativo foi fundada, chamado Mattachine Society. Composta majoritariamente por gays membros do partido comunista dos Estados Unidos, essa organização trabalhava com o ideal da conscientização da população gay e lésbica. Era preciso, “(...) ajudar gays e lésbicas a tomar consciência de sua situação e condição social e, assim, lutar para transformá-la enquanto coletivo organizado” (SILVA, 2009, p. 134). Fundada em 1951, a Mattachine Society se iniciou como uma sociedade secreta, já que naquela década a perseguição aos comunistas e ao comunismo era recorrente. Além disso, também havia a perseguição aos chamados pervertidos. A organização defendia os direitos civis e sociais dos LGBT+, reivindicações que ainda vigoram em diversos países. Essa organização também foi significante para a trajetória do Movimento LGBT+ nos Estados Unidos por ser a primeira a defender a causa, não por considerar os LGBT+ portadores de anormalidades, e sim por percebê-los como um coletivo socialmente oprimido na sociedade. Os


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integrantes da Mattachine Society logo perceberam que era preciso, antes de qualquer coisa, trabalhar para que os LGBT+ entendessem a sua condição na sociedade, e que, a partir daí, pudessem lutar por mais justiça. Segundo John D’Emilio, a primeira tarefa do movimento de emancipação homossexual era, pois, lutar contra a internalização desse tipo de consciência pelos homossexuais e desenvolver entre a população gay a consciência de seu status como minoria oprimida (SILVA, 2009, p.135). O fim da Mattachine Society aconteceu dez anos após a sua fundação, em 1961, quando as disputas internas pelo poder no grupo resultaram na dissolução das centenas de grupos ligados a organização. Surgiram, assim, inúmeras associações independentes. Outro grupo que surgiu em nos anos 1950, de acordo com Silva (2009), foi a Associação Filhas de Bilitis. Fundado em 1953 e considerada como a primeira organização formada somente por lésbicas, esse grupo tinha um viés conservador, cuja pauta estava relacionada à educação das lésbicas, promoção de debates com especialistas e disseminação de um modo de vida aceitável pela sociedade. Diante do histórico apresentado, é relevante ressaltar a importância dos anos 1950 para os acontecimentos que se seguem em relação ao movimento de afirmação homossexual nos Estados Unidos. Os reflexos dos avanços dessa época levaram ao evento mais popular em relação ao início da luta homossexual no mundo, já na década seguinte: a revolta de Stonewall. Faz-se necessário, porém, antes de mencionar Stonewall, ressaltar as mudanças culturais vividas no mundo ocidental da década de 1960, que redundariam na contestação dos padrões sociais vigentes, o que, de certa maneira, exerceu influência naqueles que encampariam a luta LGBT+ nos anos seguintes.

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Movimentos, manifestações, criações intelectuais, artísticas e políticas: a revolução cultural nos anos 1960 A década de 1960 é um marco na história ocidental. Foram anos complexos de revolução nos costumes e comportamentos em diversos setores sociais nos países capitalistas, proporcionando um cenário ideal para o crescimento das lutas sociais em busca da igualdade entre as pessoas. Nesse sentido, a revolução sexual e a contracultura influenciaram mudanças na cultura LGBT+. Para entender os movimentos sociais da atualidade, é crucial compreendermos os acontecimentos da década de 1960. Foram anos complexos de mudanças drásticas em todo o Ocidente. A atuação internacional da União Soviética, a guerra do Vietnã, os movimentos pacifistas que surgem a partir dela e a revolução cultural da China são alguns dos precedentes que ajudam a criar uma cultura contestadora e passam a inspirar rebeliões na Itália, em Portugal, nos EUA, no Brasil, na França e em vários outros países. Esse marco histórico representa uma quebra de hegemonia na atuação em movimentos sociais, que antes sempre fora feito e idealizado por sindicatos ou partidos comunistas, como já registrado. Dessa vez, a juventude esteve na liderança de um processo político geral e radical: uma luta pela transformação social. Entretanto, é o episódio de maio de 68, na França, que se destaca como um marco de mudanças em todo o mundo.

No pós-Segunda Guerra Mundial, o capitalismo francês se encontrava em declínio, forçando o estado a fazer uma reforma universitária. Mas o quadro de insatisfação era geral, em função da qualidade do ensino e em razão de que os próprios estudantes se encontravam prejudicados e precarizados, com perspectiva de desemprego durante e após os estudos. A partir desse contexto, o movimento estudantil decide ampliar suas reinvindicações, lutando por outras reformas no país e busca, também, o apoio do proletariado. O resultado foi a ocupação de universidades e fábricas, totalizando um número de 10 milhões de trabalhadores que aderiram ao movimento grevista na época. Com o sucesso da adesão do proletariado, os estudantes avançam em suas reivindicações, e passam a questionar também as ciências, a


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universidade e seu papel na sociedade, a produção capitalista, o consumismo, entre vários outros temas, colocando em questão o conjunto de sistemas e valores estabelecidos socialmente. Já não se tratava mais de reformas e, sim, de revolução. Apesar dos insucessos da “revolução” proposta, os questionamentos que surgiram nessa época deram abertura e serviram de base para vários outros movimentos. Os questionamentos se estenderam a outros domínios. Influenciaram não só a sociedade, mas o próprio modelo civilizatório, seus usos e costumes. Essas reivindicações influenciaram mudanças de postura por todo o mundo ocidental, o que resultou na conjuntura política e social para que um evento como Stonewall pudesse acontecer.

Dos guetos às ruas: os acontecimentos em Stonewall marcam uma nova fase do movimento de luta LGBT+ Logo no início da década de 1960, surge, na cidade de São Francisco, uma associação chamada A Taverna. Essa nova associação percorreu um caminho inverso ao trilhado pela Mattachine Society – que se acreditava que o homossexual deveria se enquadrar nos padrões heterossexuais – e se propôs a defender a existência de ambientes como bares para gays e lésbicas. No ano de 1964, cria-se uma outra associação, chamada Sociedade para os Direitos Individuais (Society for individual Rights – SIR). O SIR nasce com o objetivo de fortalecer a comunidade, de consolidar sua identidade gay, buscar enfatizar a diferença e o direito a ela (SILVA, 2009). Outras associações foram criadas nos Estados Unidos e, em conjunto com as acima mencionadas, fundam a Conferência Norte-Americana de Organização Homofilas (NACHO), que passa a organizar congressos para tentar trilhar um caminho estratégico de ações coletivas. Herrero Brasas (2001) avalia que os coletivos ligados à NACHO tinham uma pauta mínima de mobilização comum: a luta pela legalização da relação homossexual, pela supressão das operações encobertas da polícia, pelo fim da discriminação contra os trans-homossexuais nas forças armadas e pelo fim da discriminação na concessão de vistos para

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estrangeiros trans-homossexuais. Uma dessas causas, em especial a que diz respeito às operações encobertas pela polícia, contribuiu para os acontecimentos que se seguiram em Los Angeles e em Nova York. Em 1967, em Los Angeles, na noite do Ano-novo, vários policiais vestidos à paisana adentraram o bar Black Cat Tavern. Os policiais prenderam dezesseis clientes, incluindo três pessoas que trabalhavam no local, por estarem manifestando o seu afeto por alguém do mesmo sexo. Isso acabou criando um tumulto nas imediações e mais de 200 pessoas protestaram contra a invasão. Em Stonewall, na noite de 27 de junho de 1969, os policiais também adentraram o recinto e fizeram algumas detenções agressivas, como normalmente era feito. Mas dessa vez, uma mulher que estava no local foi agredida na cabeça por um policial e deu início, aos gritos, à rebelião que em pouco tempo contagiou as outras pessoas que estavam no estabelecimento. Cansados das humilhações e perseguições, os LGBT+ que estavam no bar, liderados pelas travestis, resistiram à polícia. Em pouco tempo, a euforia se espalhou entre as pessoas que acompanhavam o acontecimento e o número de envolvidos no protesto rapidamente aumentou. A unidade antidistúrbios chegou para tentar controlar a situação, que naquele momento já se tornara incontrolável, e os manifestantes se rebelaram de maneira mais furiosa. A revolta foi até a madrugada do dia 28 e continuou pelos quatro dias seguintes, até o dia 02 de julho. No último dia, aproximadamente 2.000 homens e mulheres estavam nas ruas enfrentando os policiais. Quanto à divulgação do fato, o que a imprensa da época veiculou foi a versão policial de que os distúrbios que se produziram naqueles dias ocorreram porque a polícia buscava garantir a ordem. Essa versão foi reforçada com a ideia de que a origem dos distúrbios foi uma blitz moralizante em um ninho de bichas ou que, o que aconteceu foi uma espécie de ataque de loucas (SILVA, 2009). Um ano depois do acontecimento em Stonewall, no primeiro aniversario da rebelião, aproximadamente 10 mil LGBT+ marcharam nas ruas de Nova Iorque, com o intuito de relembrar o acontecimento e demonstrar que estavam dispostos a seguir lutando por seus direitos. Por esse evento, desde essa época,


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o dia 28 de junho é considerado como o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Segundo Herrera Brasas (2001), após a revolta em Stonewall, o Movimento LGBT+ seguiu por caminhos que não reconheciam as organizações do passado – a Mattachine Society, o Sir, as Filhas da Bilitis – como precedentes do seu movimento. Para ele sensação de poder, a comprovação de que era possível a ação coletiva de LGBT+ para lutar contra a opressão foram alguns dos fatores que se combinaram para dar lugar, praticamente da noite para o dia, ao novo movimento de liberação LGBT+. Nos três anos seguintes a Stonewall, surgiram mais de 500 Frentes de Libertação LGBT+ que conquistaram alguns importantes avanços em relação a discriminação contra esse grupo social, a saber: a Associação Nacional de Psiquiatria foi levada a rediscutir a classificação dos homossexuais como doentes e a revogação da lei que proibia os homossexuais de trabalhar no serviço público, que vigorava em algumas cidades norte- americanas. Além disso, também foi alcançada a revogação da lei que punia criminalmente a sodomia e a aprovação, em algumas cidades, da lei que proibia a discriminação nos locais de trabalho e moradia. Mesmo sem saber com precisão o que aconteceu em Stonewall, se a mulher agredida foi ou não o estopim ou se a ronda estava ou não marcada, esse acontecimento inspirou um movimento de protesto LGBT+ não só pela América, mas também em todo o mundo. Jafree Soizick afirma: O mito de Stonewall é uma criação politicamente genial que não podemos deixar de celebrar. O movimento de libertação gay nascido com o Stonewall construiu uma identidade indispensável à emancipação dos homossexuais. (JAFREE SOIZICK, 2002, p. 53). O movimento de luta LGBT+ se transformou, então, em uma resistência primordialmente política e adotou um discurso radical e militante quanto ao direito à diferença. Spencer (1999) afirma que a partir desse momento esse movimento começou a tomar maiores proporções em todo o mundo ocidental.

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Passados dez anos da revolta em Stonewall, um evento em São Francisco também marcou o cenário da Luta LGBT+ e teve como protagonista um político norte-americano assumidamente homossexual chamado Harvey Bernard Milk. Milk foi assassinado por um colega vereador de São Francisco em 1978 após se envolver em uma discordância política entre um policial e o então prefeito de São Francisco, George Moscone. Ainda que a morte de Milk não tenha sido diretamente relacionada com o fato de ele ter sido um defensor das minorias, principalmente os LGBT+, ela é tida como importante marco na luta homossexual. Milk foi morto após sua maior vitória política: barrar uma lei que previa a demissão sumária de professores que se admitissem homossexuais.

Tempos contemporâneos: uma luta por Direitos Humanos Atualmente a luta LGBT+ está inserida no contexto dos Direitos Humanos na maioria dos países do mundo. Essa luta é, basicamente, calcada na promoção da igualdade dos direitos civis para essa população. Desde 2008, tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto a Organização dos Estados Americanos (OEA) têm aprovado declarações e resoluções afirmando que a orientação sexual e a identidade de gênero também devem ser consideradas como direitos humanos. O casamento igualitário, que foi (e ainda é em alguns países) uma das mais fortes e unificadas reivindicações da população LGBT+ nunca avançou tão rapidamente quanto na última década. Dos 54 países que permitem casamentos ou uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, 39 implementaram a mudança entre 2009 e 2019, período em que, segundo matéria publicada no site da Agência Brasil, o reconhecimento das uniões homoafetivas mais do que triplicou no mundo. Em 2009, a Associação Internacional de Gays, Lésbicas Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (Ilga) contabilizava sete países que permitiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. São eles: Bélgica, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia, Canadá e África do Sul. Já os que permitiam a união civil eram oito: Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Islândia, Suíça, Reino Unido, Nova Zelândia e Colômbia. No levantamento


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de 2019, já chegava a 26 o número de países que permitem o casamento civil e a 27 os que preveem a união civil. O número de países que permitem a adoção por casais homoafetivos, quando comparamos os relatórios da Ilga de 2009 e 2019, saltou de 10 para 27. Entre 2009 e 2019, cresceu ainda o número de países que tipificaram crimes de ódio contra LGBT+, de 17 para 42, além de haver mais países que consideram ilegal incitar o ódio LGBTfóbico, grupo que aumentou de 17 para 39. Discriminar LGBT+ no trabalho também já é ilegal em 73 países, número bem maior que os 48 que eram contabilizados em 2009. O Brasil entrou recentemente na lista de países que criminalizam a LGBTfobia, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2019, que equiparou a discriminação a LGBT+ ao crime de racismo. Porém, de acordo com a Agência Brasil, nem tudo são flores: se em 54 países os homossexuais e bissexuais já podem ter suas relações reconhecidas legalmente, em 68 ter relacionamentos homoafetivos ainda é considerado crime. Apesar de esse número ter caído em relação a 2009, quando 80 países criminalizavam pessoas que se relacionassem com o mesmo sexo, a lista inclui nações que preveem pena de morte e prisão perpétua para homossexuais, como o Sudão, a Arábia Saudita, o Irã e Paquistão.

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Parada do Orgulho LGBT realizada em 25 de junho de 2017 em Brasília (DF). Foto: Mídia NINJA.


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O MOVIMENTO LGBT+ NO CONTEXTO BRASILEIRO

“A gente se fortalece na luta”. Marielle Franco7

O surgimento de um Movimento LGBT+ verde e amarelo No final da década de 1970, o país vivia um período de efervescência, em que os estudantes tomavam as ruas para exigir a anistia dos presos e exilados políticos. Era o início do processo de redemocratização do país e o começo do fim da ditadura militar. O Brasil começava a respirar ares mais otimistas, grandes transformações se anunciavam e a sociedade civil ressurgia politicamente. Trabalhadores, estudantes, intelectuais e empresários buscavam uma reestruturação social, e foi por meio dos movimentos sociais que a parcela oprimida da população vislumbrou a possibilidade da mudança social e política que desejavam (MACRAE, 1990). Foi justamente nesse momento que o Movimento LGBT+ começou se articular no Brasil. Nessa década, segundo Silva (2009), a homossexualidade e a transexualidade começou a aparecer nas artes, publicidades e peças de teatro em grandes centros do país, dando início à produção de uma percepção social do tema, o que, de certo modo, contribuiu para que a ação política dos militantes e apoiadores da causa se tornasse mais visível e assumisse um caráter afirmativo. No início dessa mesma década, no entanto, o país passava por um período diferente em sua história. Para Green (1999), no início da década de 1970 o país já encontrava 7 Frase dita pela vereadora do Rio de Janeiro, ativista pelos Direitos Humanos e socióloga, Marielle Franco (Psol), em seu último ato antes de ser assassinada em 14 de março de 2018.

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“condições amadurecidas” para o surgimento de um movimento político que lutasse pelos direitos de pessoas homossexuais e transexuais, como aconteceu em países vizinhos, como Argentina e México. Mas a intensificação da repressão ditatorial no Brasil, ocorrida justamente quando esses países vizinhos já estavam por findar o período ditatorial, contribuiu para que o movimento só se formasse quase uma década depois. Green (1999) argumenta que se o governo não tivesse aumentado a postura repressora, ampliado a censura e restringido os direitos democráticos em meados de 1968 com a imposição do AI510, o movimento politizado LGBT+ poderia ter surgido já no início dos anos 70, e não no final, como ocorreu. Regina Facchini (2005), no entanto, salienta que pode ter sido, justamente, a intensa repressão ditatorial no país um fator estimulante para a formação de resistências, não apenas no Movimento LGBT+, mas em diversos setores sociais. “Ela – a ditadura – pode ter sido, inclusive, responsável pelo perfil fortemente anti-unitário que marcou a ‘primeira onda’ do movimento homossexual brasileiro” (FACHINNI, 2005, p.93) A título de explicação didática, Facchini divide a história dos movimentos LGBT+ em dois momentos distintos, que a autora nomeia de ‘a primeira onda’, que vai do início dos anos 1970 até meados da década de 1980, e ‘a segunda onda’, de meados dos anos 1980 até os dias atuais. Essa “primeira onda” do Movimento LGBT+ precisava, justamente por ser o primeiro foco da luta, dar início ao processo de formação de uma identidade LGBT+ no país, pluralizar suas ideias e se integrar à sociedade. Uma importante contribuição para que essa identidade começasse a tomar forma foi dada com o surgimento de jornais marginais. Tais publicações buscavam a conscientização dos LGBT+ como grupo social, fomentavam a militância e discutiam questões como o corpo e a sexualidade. Faziam parte desse projeto intelectuais exilados durante a ditadura militar, que regressavam ao país trazendo suas experiências no exterior. De acordo com Silva, “essas pessoas entendiam que era preciso debater publicamente questões relacionadas com os feminismos, de ordem sexual, ecológica e racial etc., as quais circulavam internacionalmente, mas, no Brasil, ainda não eram postas na agenda, em


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virtude da opressão exercida pelo regime militar e do conservadorismo moral da sociedade brasileira” (SILVA, 2009, p.167). O surgimento desses jornais foi apontado por Silva (2009) como um importante fator para o início do Movimento de Libertação Homossexual no país. É nesse contexto que surgem as primeiras publicações no Brasil a tratar abertamente a questão da homossexualidade no país: o Lampião da Esquina e a Chanacomchana.

Na esquina, rosa e marginal No final da década de 1970 a chamada “imprensa alternativa” se expande e ganha força na atuação contrária ao regime ditatorial que vigorava no país. É nesse ambiente que surge o Lampião de Esquina, um jornal voltado para a luta de todos os setores oprimidos da sociedade – mulheres, negros, homossexuais e índios –, mas que na prática acabou sendo majoritariamente voltado para o público LGBT+. No final de 1977 o jornalista e editor norte-americano da revista Gay Sunshine, de São Francisco, California, Winston Leyland, veio ao Brasil para fazer conferências sobre o tema. Sua visita acabou inspirando um grupo de jornalistas, escritores e intelectuais que decidiram pela “criação e produção da edição número zero do jornal Lampião, em abril de 1978, o qual passa a chamar-se, na edição número um, lançada em 25 de maio seguinte, como Lampião da Esquina” (SILVA, 2009, p.171). Segundo Rodrigues (2007), essa publicação é considerada o primeiro veículo de ampla circulação dirigido ao público homossexual e transexual. No jornal, as questões eram abordadas com enfoques inovadores para a época, que variaram de dicas culturais até matérias que discutiam religião, direitos humanos, justiça e perseguição ao homossexual. O editorial da edição zero do Lampião da Esquina, chamado Saindo do Gueto, já demonstra a proposta de criação de uma consciência LGBT+ para que os sujeitos pudessem se aceitar e que a sociedade também o aceitasse: “Mostrando que o homossexual recusa para si e para as demais mi-

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norias a pecha de casta, acima ou abaixo das camada sociais; que ele não quer viver em guetos, nem erguer bandeiras que o estigmatizem; que ele não é um eleito nem um maldito; e que sua preferência sexual deve ser vista dentro da condição psicossocial da humanidade como um dos muitos traços que um caráter pode ter, Lampião deixa bem claro o que vai orientar a sua luta: nós nos empenharemos em desmoralizar esse conceito que alguns nos querem impor – que a nossa preferência sexual possa interferir negativamente em nossa atuação dentro do mundo em que vivemos” (O Lampião. Editorial, no 0). Rosa e marginal, como era chamado, O Lampião da Esquina tinha nos seus editoriais um espaço para tratar claramente das demandas sociais dos LGBT+ e demais grupos que viviam à margem da sociedade. Nos outros espaços a publicação mesclava textos sérios e textos descontraídos, cheios de metáforas e jogos de linguagem, que poderiam confundir algum leitor desavisado e que não conhecia certas palavras usuais pela comunidade. O Lampião da Esquina era, antes de qualquer coisa, uma fonte de subsídios em que as pessoas podiam encontrar informações que estruturassem sua consciência política. A comunidade LGBT+, finalmente, encontrou um conteúdo que agregasse questões afetivas, políticas e morais sobre suas vidas, e pôde se reconhecer em uma publicação. Mas se a contribuição para a luta LGBT+ foi grande, o tempo em que a publicação circulou foi curto. O jornal durou apenas três anos, encerrando suas atividades em junho de 1981. Por ser formado por pessoas com divergências ideológicas, o jornal passou a enfrentar disputas internas, enfraquecendo sua intenção. “Com um corpo editorial formado por onze personalidades com posições ideológicas tão díspares não é de se estranhar que logo cedo as disputas por temas acabariam por enfraquecer o jornal” (RODRIGUES, 2007, p.93). Por tratar abertamente um tema nunca antes abordado pela mídia do país, O Lampião da Esquina contribuiu não somente por ser a primeira publicação voltada à comunidade LGBT+ do país, mas também por seu caráter contestador e corajoso. Seu fim representou um relevante prejuízo para o Movimento LGBT+, considerando o fato de ele ter sido o principal canal de comunicação nacional entre a militância e a


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população em todo país. Chanacomchana: a hora e a vez das mulheres lésbicas e bissexuais Uma outra publicação que fez história foi o Chanacomchana. Esse boletim foi uma publicação dos coletivos que formaram os grupos Lésbico-Feminista – LF (1979-1981) e Ação Lésbica-Feminista – GALF (1981-1989). Lançado em 1981, o boletim foi uma espécie de fanzine que misturava colagens bem progressistas e revolucionárias com questões que envolviam as lésbicas.

O jornal foi vendido e distribuído no Ferro’s bar, em São Paulo, comumente frequentado por lésbicas, mas as publicações não foram aprovadas pelo dono do estabelecimento, o que resultou na expulsão das mulheres do lugar em 1983. Esse episódio originou o que comumente é chamado de Stonewall brasileiro: como resposta a ele, as mulheres decidiram que não deveriam perder seu lugar de convívio fazendo um happening na noite de 19 de agosto. Em entrevista dada ao portal UOL, Miriam Martinho, uma das pioneiras do Movimento LGBT, contou sobre aquela noite no Ferro’s Bar: “Lembro que tive muito medo da polícia aparecer e nos levar presas. Tive medo da imprensa também. Não era muito confortável aparecer nas páginas dos jornais na época. Mas organizamos tudo de forma a minimizar os riscos: chamamos os grupos gays da época e algumas feministas para dar apoio. A vereadora Irede Cardoso foi uma das parlamentares pioneiras no apoio aos direitos homossexuais no Brasil, pedimos cobertura da OAB, chamamos a imprensa.” Ela acrescenta: “chegamos no dia 19 de agosto e tentamos entrar no Ferro’s. O porteiro fechou a porta para que a gente não entrasse. Passamos a conversar com as mulheres que estavam do lado de fora do bar, juntamos gente, mais os grupos que estavam dando apoio, tentamos de novo. O porteiro enfiou a mão na cara de uma das integrantes do GALF, pela porta entreaberta. Um homem aproveitou e jogou fora o boné do porteiro, ele se distraiu e entramos todos”. Por conta desse evento, no dia 19 de agosto comemora-se o dia do orgulho lésbico em São Paulo. É importante ressaltar que O Lampião da Esquina e a Chanacomchana não eram as únicas publicaçaões no país voltadas para o público

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LGBT+, mas não havia outra com a sua estrutura. As outras publicações eram, segundo Silva (2009), boletins produzidos caseiramente por alguns grupos e não conseguiram a mesma disseminação e qualidade do conteúdo. Sua iniciativa, certamente, teve um papel fundamental para a comunidade LGBT+ à época, e é inegável que a sua atividade inspirou a criação de grupos de discussão e militância Brasil afora. Nesse clima de contestação se formava, em São Paulo, um grupo que deu início aos coletivos de luta LGBT+: o Grupo SOMOS de Afirmação Homossexual.

É preciso afirmar: SOMOS A formação do primeiro foco de luta LGBT+ no país não se deu apenas das publicações mencionadas. Grupos como o SOMOS também foram fundamentais para a promoção do debate e afirmação. Fundado em maio de 1978, em São Paulo, por um grupo de LGBT+ descontentes com a vida de “gueto”, entre eles dois editores do Lampião, o grupo SOMOS nasce com a proposta de politização da questão LGBT+. Inicialmente formado apenas por homens, o seu primeiro nome foi Núcleo de Ação pelos Direitos Humanos dos Homossexuais, que passou a ser Somos – Grupo de Afirmação homossexual em 1978. Em seu primeiro ano de atuação, o grupo já “denunciava a forma preconceituosa com que o jornal Notícias Populares tratava os homossexuais” (SILVA, 2009, p. 175). O ano seguinte foi de consolidação e crescimento para o SOMOS. Após participar de um ciclo de debates na Universidade de São Paulo (USP), ele passou a contar com cerca de 100 homossexuais, sendo aproximadamente 80 homens e 20 mulheres, chegando mais tarde a contar com grupos em Sorocaba, interior de São Paulo, e no Rio de Janeiro. Sua primeira intervenção militante foi realizada no dia 20 de novembro de 1979, dia em que se celebram os feitos de Zumbi dos Palmares e a Consciência Negra no país. Durante uma passeata convocada pelo Movimento Negro Unificado, os integrantes do grupo SOMOS carrega-


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vam consigo uma faixa com os dizeres: “Pelo fim da discriminação racial – SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual”. Segundo Fachinni (2005) e Silva (2009), o grupo SOMOS inspirou o surgimento de novos grupos, em diversas partes do país, durante a década seguinte. Uma expansão significativa dos focos de luta LGBT+ modificava o cenário político deste movimento no Brasil. Nascia, então, uma nova demanda para os militantes: era preciso, de alguma maneira, fazer com que as experiências vividas por esses grupos chegassem aos outros grupos; era preciso conectar para continuar crescendo. O I Encontro dos Homossexuais Militantes, ocorrido no Rio de Janeiro em 16 de Dezembro de 1979, nasceu a partir dessa ideia. Esse encontro possibilitou aos grupos interagirem, programarem atividades conjuntas, ampliando, de certa forma, a visibilidade e o poder do movimento social. O encontro foi patrocinado pelo jornal O Lampião da Esquina, que ainda se encontrava em atividade nessa época. Uma das resoluções desse encontro destacava a exigência de incluir na Constituição Federal do País o respeito à orientação sexual. O termo utilizado à época era “opção sexual”, mas nas décadas seguintes se fortaleceu entre gays, lésbicas e bissexuais a defesa do uso do termo “orientação sexual” em oposição a “opção sexual”. Não se trata apenas de nomenclatura, a briga é por demarcar que a homossexualidade não é uma escolha objetiva. Outra decisão foi ampliar a reivindicação pela supressão da homossexualidade na lista das doenças mentais. Por fim, o fruto mais concreto desse encontro foi a convocação de um novo encontro, que se realizou em abril do ano seguinte: o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais Organizados (EBHO). Esse segundo encontro, que aconteceu na USP, contou com a participação de 200 homossexuais e, na plenária final, aproximadamente registrou a presença de 800 pessoas, entre pessoas LGBT+ e não-LGBT+. Das resoluções propostas pelo EBHO, destacam-se o apoio à legalização dos grupos LGBT+ e a promoção de um maior debate entre tais grupos; a ampliação do estudo e das conferências sobre, com a finalidade de ampliar o debate para a sociedade; e a luta pela aprovação de leis anti-discriminatórias e pela exclusão do código 302 da Organização

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Mundial de Saúde, que classificava a homossexualidade como um desvio sexual. Registra-se que “em grande parte devido às pressões dos movimentos homossexuais, em 1973 a homossexualidade deixou de ser classificada como doença pela Associação Americana de Psiquiatria” (FRY e MACRAE, 1983, P. 45). Outro fato importante a se destacar sobre esse segundo encontro: os participantes acabaram se dividindo em dois grupos por divergências no ordenamento político- ideológico do movimento – uma parcela do encontro acreditava só ser possível conquistar a emancipação mediante a aproximação estratégica do Movimento LGBT+ com os demais movimentos sociais da época, e a outra parte entendia que o necessário mesmo era que o movimento se limitasse ao debate acerca da homotransexualidade em si, sendo desnecessária a integração com outras questões sociais. Tal divisão só foi superada, ainda que temporariamente, devido a uma violenta onda de repressão promovida pelo delegado Wilson Richetti contra os LGBT+ de São Paulo, ao final de 1980. Chamada de “rondão”, a operação realizada por Richetti espancou e prendeu dezenas de homossexuais, travestis e prostitutas do centro da cidade. A violência da operação foi tamanha que ocasionou uma passeata organizada pelos movimentos LGBT+, grupos feministas e o Movimento Negro Unificado, que contou com a participação de cerca de 10.000 pessoas (TREVISAN, 2004). No ano de 1980 surgiu um importante grupo, que sobrevive até os dias atuais: o Grupo Gay da Bahia (GGB). Desde a sua fundação, o GGB acumula significativas vitórias no campo LGBT+, como, por exemplo, a publicação de diversos livros e artigos sobre o tema, a realização de conferências, debates e mesas-redondas, a liderança da campanha nacional que retirou a homossexualidade da lista dos desvios sexuais. O precursor Grupo SOMOS, que já havia se dividido em outros três, se dissolveu em 1983 por problemas financeiros e dificuldades em conseguir novos membros. Outro importante grupo surgido nessa década, em 1985, foi o Grupo Atobá - Movimento de Emancipação Homossexual, no Rio de Janeiro. O grupo nasceu a partir da indignação de alguns amigos de Sidney Quintanilha dos Santos que foi brutalmente assassinado. O


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grupo ainda mantém as suas atividades até os dias atuais. Por questões de espaço, para compor este trabalho, selecionamos apenas alguns grupos, não com a intenção de ignorar a existência dos outros tantos que sabemos já terem existido – ou que ainda continuam com suas atividades. Optamos por narrar detalhadamente os grupos de maior visibilidade. É importante ressaltar que na década de 1980 inúmeros outros grupos ligados à causa LGBT+ existiram e deixaram de existir no país. Apesar dos anos 80 terem sido uma década de muitas atividades para o movimento, Silva (2009, p.177) argumenta que também aconteceu uma grave crise: “neste momento, os grupos militantes brasileiros haviam minguado, restando apenas sete (...) o que refletia, em certa medida, esta crise interna vivida pelos movimentos”. Fleury e Torres (2010) explicam que, apesar de ser complicado apontar com exatidão o motivo da dispersão do Movimento LGBT, alguns pontos podem ser levados em consideração: a ilusão democrática resultante do enfraquecimento da ditadura e sua ruína em 1984, e o aparecimento dos primeiros casos da infeção por HIV (virus da imunodeficiencia humana), chamada de maneira ignorante pela imprensa de “peste gay”, o que fortaleceu a estigmatização tanto da doença quanto dos LGBT+.

HIV: um divisor de águas para o Movimento LGBT+ O aparecimento da infecção por HIV, no início da década de 1980, acaba por reconfigurar o Movimento LGBT+ no mundo. A doença, que foi estigmatizada impiedosamente como o “câncer gay”, culminou no aumento considerável do preconceito, intensificando os ataques ao grupo. De acordo com Silva, “se a atuação da militância homossexual nos anos 1970 havia contribuído efetivamente para a diminuição da intolerância, do desprezo e da exclusão social, vividas historicamente por homossexuais – ao menos nos grandes centros urbanos – o surgimento da Aids mudou aquele quadro e suscitou a retomada do preconceito e das distintas formas de violência a que os(as) homossexuais estavam sujeitos, inclusive incrementando este cenário de modo negativo” (SIL-

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VA, 2009, p.186). As notícias em torno do HIV contribuíram para o fortalecimento dos discursos LGBTfóbicos e moralistas que as igrejas cristãs e os setores conservadores lançavam junto à opinião pública. Por outro lado, nesse período de disseminação do vírus e aumento do preconceito contra os os LGBT+, muitos grupos surgiram no país para lutar contra a desinformação da população, inclusive dos próprios LGBT+, que não encontravam informações ao seu próprio respeito. Mais de 20 grupos de luta LGBT+ existiam no início dos anos 1980 no Brasil, mas em 1984, contabilizavam-se somente sete e, em 1985, seis. O próprio Lampião de Esquina deixou de ser publicado em 1981, e o Somos se dissolveu em 1983, em um período no qual os desfechos finais da ditadura resultavam em crise entre os movimentos sociais no geral. Eles precisavam organizar novas formas de atuação que não fossem pautadas pelo grande inimigo que o governo militar representava. O Movimento LGBT+, portanto, tinha uma questão particular: o avanço da epidemia de HIV, que afetou com mais força e primeiramente homossexuais homens, assim como bissexuais, travestis e transexuais no início da década de 1980. Homossexuais, a partir deste momento, ganharam um novo estigma: eram vetores de uma doença fatal. Dessa forma, a pauta da liberação sexual se esvaziou frente à nova crise de saúde pública. Militantes do Estado de São Paulo, especialmente, deixaram os grupos estabelecidos. Muitos passaram a atuar em projetos de combate à Aids. Grupos como o GGB (Grupo Gay da Bahia), fundado em 1980 em Salvador, e Triângulo Rosa, fundado em 1985 no Rio, tomam a dianteira do movimento. Já na década de 1990, o Movimento LGBT+ começou a ganhar visibilidade massiva nas ruas. Em 1995, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex realizou a sua 17ª conferência no Rio, que terminou com uma pequena marcha na praia de Copacabana. Em 1996, um ato na praça Roosevelt, em São Paulo, reuniu cerca de 500 pessoas reivindicando direitos LGBT+. A partir daquele ato, coletivos LGBT+ começaram a planejar a primeira parada LGBT+ do país, que aconteceu em 1997 na avenida Paulista,


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em São Paulo. Hoje a parada é um dos maiores eventos da capital paulista, reunindo um público maior do que o de cidades inteiras.

Livres e iguais em dignidade e direitos?

“Essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria [...] O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. Viva a Constituição de 1988! Viva a vida que ela vai defender e semear!” (discurso de Ulysses Guimarães, proferido em outubro de 1988). Com essas palavras, o deputado Ulysses Guimarães encerrou os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que promulgou, em outubro de 1988, a Constituição Federal que vigora no país até os dias atuais. Celso Ribeiro Bastos (1988) aponta que a Constituição é um complexo de normas jurídicas fundamentais, escritas ou não, que traçam linhas mestras de um dado ordenamento jurídico. Para ele, as regras e os princípios de uma Constituição devem ser aqueles relativos à estruturação do Estado. Baseado nas constituições dos Estados Democráticos de Direito, o nosso texto constitucional prima por uma série de direitos que, se assegurados, devem promover uma sociedade mais justa e respeitosa. A Constituição de 1988 foi elaborada com a premissa da ampliação da

cidadania e, conforme afirma Cláudio Vicentino, “pretendia resgatar a plenitude democrática brasileira e encaminhar a solução da ‘dívida social’” (1997, P. 444). Segundo Maria Berenice Dias, citada por Horácio Costa, ela “foi recebida como a salvadora da pátria, gerando a expectativa de trazer a solução para todos os males” (2010, p. 21). Por ter como princípio fundamental o respeito à dignidade humana, assegurando o direito à liberdade e à igualdade, e proibindo qualquer tipo de discriminação, essa última versão da Carta Magna do país foi chamada de Constituição Cidadã. Dentre os direitos garantidos por essa Constituição, podemos destacar o da igualdade de todos perante a lei, sem qualquer discriminação,

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o que significa que todos os cidadãos são iguais em direitos e deveres. Tais direitos, além de serem parte do nosso texto constitucional, são princípios básicos para todos os países que assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em 1948. Essa declaração estabelece já no artigo 1º que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Entende-se como Direitos Humanos todos aqueles direitos que são inatos a condição humana, tendo como um exemplo básico o direito à felicidade e a igualdade perante a lei. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2. Quando esses direitos passam a fazer parte da Constituição do país, transformam-se em Direitos Fundamentais, e as leis que asseguram esses direitos são chamadas de Garantias Fundamentais. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. 1948). E ainda que o próprio nome pareça não deixar dúvidas a respeito de quem deva desfrutar desses Direitos – todos os seres humanos é importante ressaltar que a noção de quem é ou não humano, nem sempre é um consenso. No trecho do discurso do deputado Jean Wyllys, um dos defensores da luta LGBT+ no Brasil, no seminário sobre Direito Homoafetivo, realizado pela Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Adgovados do Brasil, na Ufes no dia 10 de junho de 2012, ele descreve melhor essa situação: “Como exemplo disso, podemos utilizar a escravidão dos negros africanos pelos colonizadores europeus durante séculos, o programa nazista, que exterminou na Alemanha milhões de


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pessoas, entre elas judeus, ciganos e LGBTs; Cuba pós- revolução, que levou os homossexuais às prisões, e países como Emirados Árabes, Sudão, Nigéria, Mauritânia, Arábia Saudita, Iêmen e Irã, onde as relações homoafetivas são proibidas por lei e podem chegar a ser condenadas à pena de morte. Todos esses movimentos foram embasados na não-humanidade destes grupos. Portanto, é possível ver que a humanidade dos mesmos não está dada, ela faz parte de um contexto de conquista”. Os direitos humanos constituem o marco de reconhecimento dos direitos e liberdades inerentes à pessoa humana, sem qualquer espécie de discriminação. São os direitos que consagram o respeito à dignidade humana, que visam resguardar a integridade física e psicológica das pessoas perante seus semelhantes e perante o Estado em real. Exemplos desses direitos e liberdades reconhecidos como direitos humanos incluem os direitos civis e políticos, o direito à vida e a liberdade, liberdade de expressão e igualdade perante a lei, direitos sociais, culturais e econômicos, o direito à saúde, ao trabalho e à educação (BARRETO;ARAÚJO;PEREIRA, 2009). O princípio da igualdade e o direito a não sofrer discriminação são reconhecidos, também, em outros tratados internacionais: O princípio da igualdade, em sua dimensão formal, objetiva a superação das desigualdades entre as pessoas, por intermédio da aplicação da mesma lei a todos, vale dizer, mediante a universalização das normas jurídicas em face de todos os sujeitos de direito [...]. Na esfera da sexualidade, âmbito onde a homossexualidade se insere, isto significa, em princípio, a extensão do mesmo tratamento jurídico a todas as pessoas, sem distinção de orientação sexual homossexual ou heterossexual (Rios, 2002, p. 128) A atual Constituição Federal pode ser apontada como a principal responsável pela consolidação das conquistas democráticas nos 25 últimos anos da história do Brasil. No entanto, ainda que o seu caráter principal seja o de promover e fundamentar a igualdade entre os brasileiros, algumas parcelas da população ainda não se encontram amparadas por ela. Nessa parcela podemos incluir, certamente, os LGBT+ que são alijados pelo Estado de diversos direitos civis. Por dependerem do Poder

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Legislativo que tem se mostrado omisso desde o princípio desta luta no Brasil, os LGBT+ acabam precisando contar com o Poder Judiciário para questões fundamentais como, por exemplo, a criminalização da LGBTfobia, o direito ao casamento homoafetivo, a adoção, o uso de técnicas de reprodução assistida e uso do nome social para pessoas transgênero. No caso específico dos arranjos familiares, a Carta de 1988 remodela o paradigma familiar e consolida a legitimação das famílias “(...) na afetividade e não no poder marital ou paternal; igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges; liberdade de Constituição, desenvolvimento e extinção das entidades familiares; igualdade dos filhos de origem biológica ou socioafetiva; garantia de dignidade das pessoas humanas que a integram (...)”. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) A família, por ser reconhecida como a célula primordial da sociedade, é objeto de preocupação mundial no campo jurídico, ético, religioso, moral e social. A Constituição de 1988 reconheceu como entidade familiar as famílias constituídas fora do casamento, às quais chamou de união estável. Igualmente nominou de família um dos pais e seus filhos, o que passou a chamar-se de família monoparental. De acordo com o Estatuto das Famílias, “a complexidade da sociedade contemporânea incita transformações de diversas ordens que incidem diretamente na realidade sociocultural e privada dos cidadãos. Novos arranjos e composições familiares se materializaram sem que a Lei tivesse tempo de prever e proteger seus direitos. A garantia dessa pluralidade se encontra ameaçada, sendo mister e oportuno um ordenamento jurídico brasileiro mais humanitário e inclusivo” (2007). Diante disso, ao não legislar questões específicas e importantes para as pessoas LGBT+ o Estado contribui para institucionalizar uma série de negação de direitos a essa parcela da população. Desde o surgimento de um grupo de pessoas que passou a questionar o porquê de algumas pessoas não poderem viver suas vidas normalmente como quaisquer outros cidadãos, em meados do século passado no país, o movimento busca a desmistificação do tema e o igual tratamento civil e social entre as pessoas LGBT+ e não-LGBT+.


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Para tanto, o Movimento LGBT+ Brasileiro contemporâneo conta com o apoio de alguns – poucos, ainda – parlamentares que abraçaram a causa, além de importantes decisões favoráveis no Supremo Tribunal Federal. Mas se caminha a passos lentos. As propostas a favor dos direitos LGBT+ são, cada vez mais, divulgadas pela mídia nacional e discutidas pela população brasileira, ainda que encontrem obstáculos, principalmente, em alguns setores da sociedade.

“Nunca se teve tanto, mas o que se tem é praticamente nada”8 A Justiça tem sido a grande aliada dos LGBT+ no Brasil e tem protagonizado os maiores avanços conquistados por essa parcela da população. Há, entretanto, exemplos no legislativo que lutam para que os direitos humanos das pessoas LGBT+ sejam assegurados e que merecem ser citados nesta pesquisa por seus incansáveis esforços. É o caso da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), que foi precursora, apresentando o primeiro projeto prevendo a união estável homossexual ainda na década de 1990 e Jean Willys (PSOL), eleito em 2010, que também foi um expoente dessa luta. Eleito com uma plataforma pró-LGBT+, Wyllys foi por muito tempo o único LGBT+ assumido entre os parlamentares eleitos no Brasil. As forças contrárias, entretanto, sempre ecoaram mais alto e mantiveram-se suficientemente organizadas para permitir que apenas avanços tímidos pudessem acontecer. Foi no Judiciário que os avanços realmente se desenrolaram. De acordo com publicação do portal Nexo, um exemplo dessa posição é a reação ao projeto de lei 122 de 2006, que criminalizaria a homofobia no país, como já ocorre com o racismo. Ele foi aprovado em 2011 pela Câmara dos Deputados, mas foi arquivado no Senado em 2015. A falta de atuação do Legislativo contribui para o processo da “judicialização da política” sobre questões LGBT+. O termo se refere a quando o Judiciário é chamado para resolver conflitos que tradicionalmente 8 Frase dita pelo professor e Pesquisador da Universidade Federal de Goiás, Luiz Melo, segundo o Manual de Comunicação LGBT+ (2018).

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deveriam ser solucionados por outros Poderes. É importante ressaltar que os parlamentares que votaram a Constituinte não garantiram, diretamente, direitos às pessoas LGBT+ ao decidirem pela não inclusão, por exemplo, do veto à discriminação por orientação sexual. Mas estabeleceram princípios que, posteriormente, serviram de base para garantir esses direitos judicialmente. São eles: a dignidade da pessoa humana; a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos e discriminação; a igualdade de direitos; a liberdade e, por fim, a segurança jurídica.

Marcos na luta LGBT+ no Brasil Alguns marcos na luta LGBT+ no Brasil de acordo com o Manual de Comunicação LGBT+ escrito em 2018 pela Aliança Nacional LGBTI junto da organização Gay Latino foram: 2002 | A então desembargadora do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, utiliza em suas decisões, pela primeira vez, o termo homoafetividade; 2006 | A Lei Maria da Penha entra em vigor dispondo em seu art. 2o que, independente de orientação sexual, etnia, classe, toda mulher goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. 2008 | Ocorre a 1ª Conferência Nacional GLBT em Brasília, na qual se decide utilizar a letra “L” antes da “G” na sigla do movimento. Tal ocorre pelo crescimento do movimento lésbico e como manifestação de apoio por parte da comunidade de Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, buscando, assim, mais visibilidade para as mulheres do movimento - que passa, então, a ser denominado LGBT. 2011 | O STF, ao julgar a ADI 4277 e ADPF 132, em decisão histórica, reconhece união estável para casais do mesmo sexo e cria jurisprudência inédita pressionando o Legislativo Brasileiro a quebrar seu silêncio frente às relações homoafetivas. 2011 | Ocorre em Brasília a 2ª Conferência Nacional de Políticas Pú-


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blicas e Direitos Humanos de LGBTTT. 2013 | É publicada a Resolução n° 175 do Conselho Nacional de Justiça que obriga os cartórios a realizarem a cerimônia de Casamento em igualdade de condições aos casais homoafetivos, com base nos princípios de liberdade, igualdade e promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, previstos na Constituição Federal. 2015 | Em julgamento ao Recurso Extraordinário n° 846.102, o Supremo Tribunal Federal, tendo como relatora a Ministra Cármen Lúcia, define que a união entre casais homoafetivos pode ser definida como família nos termos da Constituição Brasileira, nos seguintes termos: “A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva”. 2018 | Em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4275, o Supremo Tribunal Federal determinou que a retificação do registro civil de mulheres trans, travestis e homens trans, deve se dar de modo desburocratizado – ou seja, sem demanda judicial, nos próprios cartórios, por meio de autodeclaração –, sem limite de idade (respeitando a maioridade civil e a representação dos responsáveis no caso das pessoas menores de idade), não sendo necessária tanto a apresentação de laudos psicológicos e psiquiátricos quanto a cirurgia de readequação sexual. 2018 | O Tribunal Superior Eleitoral determinou que a partir das eleições de 2018 a autodeclaração de pessoas transgênero – que não se identificam com o sexo biológico, como transexuais ou travestis – será considerada na verificação do cumprimento das cotas obrigatórias de gênero dos partidos políticos e que podem concorrer nas eleições utilizando o nome social. 2019 | A Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu da sua classificação oficial de doenças, a CID-11, o chamado “transtorno de identidade de gênero”, definição que considerava como doença mental a situação de pessoas trans – indivíduos que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.

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Ato público - Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, 2018. Acervo: Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo.


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ESPÍRITO SANTO EM FOCO: TRAÇANDO UM MAPA DA SOCIEDADE CAPIXABA

“Ninguém vai poder querer nos dizer como amar” Johnny Hooker9

Para falar sobre o Movimento LGBT+ no Espírito Santo, se faz necessário, primeiramente, mapear a sociedade em que ele se insere. Sendo assim, buscamos, na primeira parte do capítulo, fazer esse mapeamento, na tentativa de ampliar o conhecimento acerca da população capixaba, e, com isso, tentar entender como é a sua compreensão sobre a população de LGBT+. Procuramos apresentar este cenário utilizando o resultado de algumas pesquisas realizadas em âmbito estadual e nacional, na tentativa de enriquecer o mapeamento. Consideramos importante apresentar alguns dados sobre o nível de escolaridade, influência religiosa, moradia e poder de consumo dos capixabas para, posteriormente, fazer associações entre o resultado dessas pesquisas e o comportamento da população do Espírito Santo em se tratando da causa LGBT+. Com base nessas pesquisas, por exemplo, foi possível perceber que o Espírito Santo é o estado mais evangélico do país. Tal fato pode influenciar, consequentemente, em outro dado que encontramos: a capital desse estado, Vitória, foi intitulada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cidadania (Unesco) e pelo Ministério da Educação (MEC) como a mais homofóbica do Brasil na pesquisa “Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas”. Segundo dados publicados pela Associação Nacional de Travestis e 9 Trecho da música Flutua gravada por Johnny Hooker no álbum Coração lançado em 2017.

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Transexuais (Antra) em 2018, o Espírito Santo é o sexto estado no Brasil que mais mata travestis e transexuais e o que mais mata comparando somente estados do Sudeste. Outro dado importante encontrado durante a realização deste trabalho foi o relatório anual sobre os assassinatos de pessoas LGBT+, feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que revelou, em 2018, que o Espírito Santo é o estado das regiões Sudeste e Sul que mais mata homossexuais quando se é comparado o número de assassinatos por número de habitantes. Somamos 2,77 mortes de homossexuais a cada um milhão de habitantes, enquanto São Paulo, por exemplo, soma 1,27. Ainda, o Dossiê do Lesbocídio no Brasil, realizado em 2018, aponta que 3% dos lesbocídios cometidos entre 2014 e 2017 aconteceram no Espírito Santo. Em 2017 foram 6%, indicando aumento alarmante na última década. Entende-se por lesbocídio a morte de lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica.

Quem somos, como vivemos e o que pensamos? Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do Espírito Santo passou dos 4 milhões de habitantes. Em dados exatos, o Espírito Santo em 2019 tem população estimada em 4.018.650 de pessoas. No último censo, realizado em 2010, a população capixaba era estimada em 3.514.952 de habitantes. Esse número demonstra que o crescimento no período foi de 14,3%, superior ao observado na década anterior (13,4% de 2000 a 2010). A representatividade do povo capixaba no contexto nacional, no entanto, não se alterou muito em relação às últimas pesquisas demográficas realizadas pelo Instituto. Representamos, atualmente, 1,9% da população brasileira, que, segundo o IBGE, ultrapassou os 210 milhões de habitantes. O cenário socioeconômico do Espírito Santo mostrado pelo IBGE é uma renda per capita de R$ 1.295 e Índice de Desenvolvimento Huma-


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no (IDH) de 0,740 – considerado alto. Entre 2000 e 2010, a proporção de domicílios no Estado com saneamento adequado aumentou de 61,1% para 69,3%. Entre 2017 e 2018, a expectativa de vida foi registrada em aproximadamente 78 anos e a população abaixo da linha da pobreza correspondia a 22% dos habitantes. No entanto, o cenário do Espírito Santo em relação a minorias sociais é de violência. De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), a Divisão Especializada de Atendimento à Mulher em 2019 contabilizou 1.299 prisões em flagrante, mais de 14 mil boletins de ocorrência e mais de 7,3 mil medidas protetivas de urgência. No estado que já apresentou a triste realidade de ser a unidade federativa que mais mata mulheres do país, com 9,4 feminicídios por 100 mil mulheres, e que continua com números alarmantes neste ponto, os homens possuem salário superior aos delas. Além disso, a população branca continuou, como no Censo de 2000, recebendo os maiores salários. Os rendimentos médios mensais dos brancos e amarelos são maiores que os grupos de pretos, pardos ou indígenas. Feita essa breve apresentação do estado, percebemos a necessidade de ampliar dois quesitos que consideramos os mais importantes para o tema central deste trabalho, são eles: os dados sobre a educação e a religião dos capixabas. Abordaremos esses quesitos separadamente. Educação. Baseado nos dados do Censo 2000 e 2010 e no relatório Perfil ES, elaborada pelo Instituto Jones dos Santos Neves, é possível concluir que os capixabas estão estudando cada vez mais, tendo mais acesso ao ensino superior e ganhando melhor. Segundo os dados, aproximadamente 93% dos capixabas com 10 anos ou mais estão alfabetizados. A reportagem “População capixaba chega a 3,5 milhões, diz IBGE”, divulgada no Jornal A Gazeta do dia 30 de Abril de 2011, apontou que em áreas urbanas, o índice ainda aumenta: cerca de 95% das pessoas que moram nesses centros sabem ler e escrever. Já a taxa de alfabetização no campo ficou em pouco mais de 85%.

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Além disso, o número de pessoas com ensino superior no estado dobrou, considerando quem tem 25 anos ou mais. Em 2010, 6,3% da população já haviam concluido um curso superior, enquanto em 2000 o percentual não chegava a 3%. O levantamento do IBGE ainda indicou que mais da metade dos estudantes com idade entre 18 e 24 anos (55,4%) frequentam a universidade, seja ela pública ou particular. O percentual daqueles que nunca frequentaram a escola caiu de 5,9% para 4,5% da população, já a proporção de pessoas que fazem cursos de especialização aumentou consideravelmente: no início da década pouco mais de duas mil pessoas faziam uma pós-graduação, enquanto no último resultado esse número saltou para mais de 17 mil. Outro dado relevante em se tratando do acesso à informação é que o número de computadores nas casas do Estado também aumentou. O computador, presente em apenas 450 mil lares no ano 2010, agora está presente em mais de 647 mil residências, sendo 568 mil com acesso à internet. Sintetizando, é possível perceber que o Espírito Santo teve um crescimento no campo educacional, mas esse resultado não significa que o estado não tenha o que melhorar – pelo contrário. Na educação infantil, por exemplo, apenas 57% da população que busca matrículas na rede pública de ensino encontra vagas. Religião. Segundo o último Censo realizado pelo IBGE, em 2010, a proporção de evangélicos no Espírito Santo é maior do que a registrada no restante do país: a pesquisa apontou que 33,1% dos capixabas são evangélicos. A média nacional é de 22,2%. Em dez anos, desde a realização do Censo de 2000, eles passaram de 26,2 milhões para 42,3 milhões em todo o país. O levantamento do IBGE mostrou também que houve uma queda significativa, de 12,2%, no número de católicos no Brasil, chegando a 64,6%. No Espírito Santo, a representação de católicos é ainda menor: 53,4%. A quantidade de espíritas no Estado é baixa, somando pouco mais de 1%.


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Conforme foi apontado pela reportagem “Proporção de evangélicos no Espírito Santo é maior do que no restante do país”, veiculada no Jornal A Gazeta do dia 29 de Junho de 2012, entre os evangélicos no Espírito Santo, a predominância é dos de origem pentecostal, que tem como representante a Assembleia de Deus, Igreja Maranata, Igreja Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras. Dos cerca de 1,2 milhão de evangélicos capixabas, 55,2% são de igrejas pentecostais. A pesquisa Novo Mapa das Religiões, realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em agosto de 2011, também aponta o Espírito Santo como líder no número de evangélicos, com mais de 1 milhão de pessoas, totalizando 15,09% da população evangélica do país. Ainda de acordo com essa pesquisa, enquanto o número de evangélicos cresce, principalmente a quantidade de jovens, os dados apontam que o número de católicos no Estado - e no Brasil - caiu. Em 2003, 62,77% dos capixabas eram católicos. Em 2009, o percentual caiu para 57,04%. De acordo com o levantamento da FGV, no Espírito Santo 10.18% da população não tem religião, 0,72% são espíritas e 0.05 são de religiões afro-brasileiras. O levantamento da FGV foi feito a partir de dados de mais de 200 mil entrevistas da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE.

Nível de escolaridade e religião podem influenciar a LGBTfobia? Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS) – Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil: Intolerância e respeito às diferenças sexuais – em 150 municípios brasileiros em todas as regiões do país, apontou que a escolaridade é um dos fatores que mais influenciam o nível de preconceito da população em relação aos homossexuais. De acordo com essa análise, quanto mais anos de estudo, maior é a aceitação do indivíduo em relação à diversidade sexual. A pesquisa, coordenada pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Venturi, entrevistou

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2.014 pessoas e foi realizada entre 2008 e 2009. Com o cruzamento das informações obtidas nas entrevistas, foi possível perceber, por exemplo, que no Brasil as mulheres são menos homofóbicas do que os homens e que a variação de renda não tem grande impacto nesse comportamento. Já a escolaridade é um dos fatores com mais peso: enquanto entre os que nunca frequentaram a escola o índice de homofóbicos é 52%, no nível superior esse número cai para 10%. A pesquisa identificou que um em cada quatro brasileiros é homofóbico, sendo que foram considerados homofóbicos aqueles que têm tendência - forte ou fraca - em transformar o preconceito que sentem em relação a esse público em atitudes discriminatórias. Esse perfil foi detectado a partir da resposta dada aos participantes a perguntas como “homossexuais são quase sempre promíscuos”, “homossexualidade é safadeza” ou “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada”. Também foram avaliadas as diferenças de preconceito entre as regiões, idade da população, renda e religião. Nenhuma das variáveis apresentou diferença tão drástica de comportamento quanto a educação, segundo Venturi. O realizador do estudo, Gustavo Venturini, em entrevista ao site do IG, área de educação, no dia 26 de maio de 2011, explicou que o resultado mostra como a escola faz diferença no combate à homofobia. “Só a escolaridade maior não resolve o preconceito, mas influencia fortemente a formação dessas pessoas”, afirma. Para o pesquisador, além de ser um espaço para convivência com as diferenças, a escola pode promover o debate de forma educadora e transformar a percepção de preconceitos arraigados à população. O estudo revelou que o brasileiro ainda não é tolerante com as orientações sexuais de familiares, de colegas de trabalho ou de vizinhos: um quarto dos entrevistados admitiu ter preconceito e agir de forma homofóbica. Em outra entrevista, dada ao portal Agência Brasil, no dia 26 de maio de 2011, o pesquisador disse que o número de aceitação da homossexualidade no ensino superior poderia ser maior ainda. “Esse efeito não é porque o assunto (a homossexualidade) esteja nos programas pedagógicos. Se estivesse, o efeito seria maior. Mas o simples fato da


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convivência com a diversidade nas escolas faz com que isso se reflita em taxas menores”. Venturini explicou, ainda, que as diferenças de preconceito de acordo com a idade e o sexo também são importantes. As mulheres são mais tolerantes do que os homens em todas as idades e um índice de homofobia que chamou a atenção do pesquisador foi entre os meninos adolescentes. Entre os rapazes com idade de 16 a 17 anos, 47% dos entrevistados admitiram preconceito contra gays, lésbicas, travestis e transexuais. “Esse é mais um sinal da importância da escola. Esse é um momento que o jovem é muito pressionado a fazer definições de identidade”, disse. A pesquisa também entrevistou cerca de 500 homossexuais para investigar de que forma eles são vítimas de preconceito. Mais da metade – 53% – já se sentiu discriminada e os colegas de escola apareceram como segundo autor mais frequente dessa prática, depois de familiares. Quando perguntados sobre a primeira vez em que foram discriminados, a resposta mais frequente foi no ambiente escolar. “Há uma tolerância na sociedade com a discriminação de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e travestis), ela se sente mais à vontade para falar que não gosta, diferente do que acontece com os negros”, compara o pesquisador, na mesma reportagem para a Agência Brasil, no dia 26 de maio de 2011, ao lembrar que estudos feitos pela Fundação Perseu Abramo sobre preconceito contra outras minorias apontaram taxas menores de discriminação. Nesse contexto, o Espírito Santo se torna um Estado com grande potencial para a LGBTfobia já que, mesmo com índices de crescimento na área da educação, o número de habitantes que não terminaram o ensino fundamental é alto e o número de pessoas cursando a graduação é baixo. Na época da pesquisa de Venturini, mais de 2 milhões de pessoas residentes no Espírito Santo com 10 anos ou mais de idade não frequentavam a escola e quase 1,5 milhão não terminaram o ensino fundamental. Quando observamos o ensino superior, esse número é ainda mais alarmante: pouco mais de 100 mil pessoas estavam fazendo curso superior no Estado em 2010, o que totaliza, no universo de mais de

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3.392.775 habitantes no estado, um total de 3.141.898 que não possuem o ensino superior completo. Essa mesma pesquisa também apontou a influência da religião na aceitação da população LGBT+ no Brasil. Entre os evangélicos, por exemplo, 31% têm tendência a comportamentos homofóbicos, enquanto na religião católica 24% apresentam essa tendência, que também está presente em 15% dos praticantes do candomblé e 10% dos kardecistas. Nesse contexto, é importante frisar que, sendo o Espírito Santo o estado com maior número de evangélicos do país, o potencial para o comportamento homofóbico torna-se mais latente.

A população LGBT+ no contexto do Espírito Santo Ao buscar dados que mostrassem numericamente o comportamento da população espiritossantense sobre a questão LGBT+, encontramos alguns números interessantes. O IBGE realizou pela primeira vez, em 2010, a contabilização dos casais homossexuais que vivem juntos no país. No Espírito Santo, embora o montante ainda seja bem discreto, a contagem é um importante passo para a luta da garantia dos direitos civis igualitários. Utilizamos também uma pesquisa realizada pelo Instituto Futura com a população do estado que demonstra bem a posição da sociedade capixaba perante a população LGBT+. O relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) sobre o número de assassinatos de pessoas LGBT+ e uma pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cidadania (Unesco) e o Ministério da Educação (MEC) sobre a homofobia nas escolas do país. Dados do IBGE. Em 2010 o Censo, pela primeira vez em sua história, contabilizou os casais homossexuais que moram juntos no país. Dos 740 mil lares capixabas, 1.062 são comandados por casais LGBT+10 as10

Infelizmente, o Censo 2010 não apresentou nenhum dado referente à identidade


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sumidos, segundo dados da pesquisa. Desses casais, 618 são formados por mulheres e 466 por homens e a maior faixa etária em que os casais moram juntos é entre 30 e 34 anos: 283 pessoas declararam-se homossexuais. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 67; e entre os que têm mais de 50 anos, esse número chegou a 34. No Espírito Santo, do total de entrevistados vivendo com pessoa do mesmo sexo, 26% têm ensino superior; quase metade é católica e 25,8% declararam não ter religião. Entre os casais heterossexuais que vivem em união estável, a maioria não tem religião. Os 1.162 casais homoafetivos que vivem juntos no Espírito Santo fazem parte dos 32.202 que revelaram residir com parceiros do mesmo sexo em toda a Região Sudeste. O Espírito Santo é o Estado da Região Sudeste com menor quantidade de casais homossexuais morando juntos, mas também possui a menor população da região. O estado de São Paulo lidera o número de casais homossexuais assumidos com 16.872. O Rio de Janeiro está em segundo com 10.170 e Minas Gerais logo em seguida com 4.098. No Nordeste, a Bahia aparece em primeiro com 3.029, no Norte o Pará está na frente com 1.779, no Sul o Rio Grande do Sul lidera com 3.661 e na Região Centro-Oeste o estado de Goiás aparece com 1.593. No Brasil, há 60.002 domicílios comandados por casais homossexuais, o que representa um total de 0,1% das casas do país, sendo que o Sudeste concentra metade dessas uniões homoafetivas. Quando comparados os rendimentos mensais das família heterossexuais e homossexuais, o Censo revelou que, no Brasil, a maior parcela (21%) dos casais heterossexuais ganha até um salário mínimo. Na mesma faixa de renda, há somente 15% de casais homossexuais. Entre os mais de 60 mil lares homoafetivos, 25% têm renda entre um e dois salários mínimos. Essa foi a primeira edição do recenseamento a contabilizar os lares comandados por pessoas do mesmo sexo. A distribuição por sexo das pessoas em uniões homossexuais no de gênero, por isso que todo o conteúdo dessa pesquisa refere-se somente às relações homossexuais.

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Brasil mostrou que 53,8% delas são entre mulheres e 46,2% entre homens. A maioria das uniões homossexuais – 99,6% – não é formalizada (com registro civil ou religioso). ONU e MEC. Além do Censo, outras pesquisas também abordam o comportamento da população capixaba em relação à homossexualidade. É o caso da pesquisa “Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas”, realizada entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cidadania (Unesco) e o Ministério da Educação (MEC). O levantamento demonstrou que uma parcela significativa de professores e alunos de Vitória têm dificuldades em aceitar alunos e colegas de escola homossexuais. Com o resultado dessa pesquisa, a cidade ganhou um título do qual deveria se envergonhar: é a capital mais homofóbica do Brasil. A análise foi realizada em 13 capitais brasileiras (Belém, Cuiabá, Florinópolis, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória) e no Distrito Federal. Foram entrevistados 16.422 estudantes entre 10 e 24 anos, 4.532 pais e 3.099 professores de escolas de ensino fundamental e médio. O estudo foi coordenado pela professora da Universidade Católica de Brasília e coordenadora do Obervatório de Violência nas Escolas, Miriam Abramovay, e pelas pesquisadoras da Unesco Mary Garcia e Lorena Bernadete Silva. Segundo a pesquisa, uma parcela significativa de professores e alunos de Vitória tem dificuldades em aceitar alunos e colegas de escola homossexuais. Essa análise apontou que em Vitória 47,9% dos professores declaram não saber como abordar os temas relativos à homossexualidade em sala de aula. Além disso, 44% dos estudantes do sexo masculino de Vitória não gostariam de ter colegas de classe homossexuais. Esse estudo faz parte da coleção Educação para Todos e surgiu a partir da necessidade de ações mais abrangentes no enfrentamento da violência, do preconceito e de discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, e por fazer crescer no país a percepção


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da importância da educação como instrumento necessário para enfrentar situações de preconceito e discriminação e garantir oportunidades efetivas de participação de todos nos diferentes espaços sociais. Instituto futura. O Instituto Futura, por sua vez, realizou uma pesquisa para conhecer o posicionamento capixaba em relação à homossexualidade, no ano de 2012, com a finalidade de verificar qual é o posicionamento da população da Grande Vitória – considerando os municípios Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra – quando o assunto são as relações homoafetivas. No total, foram 401 entrevistados, com cotas por faixa etária, sexo e município de moradia. Em relação às pesquisas com o mesmo intuito realizadas nos anos de 2010 e 2011, o resultado da pesquisa em 2012 demonstrou, de maneira geral, que os capixabas se mostraram mais favoráveis às relações homoafetivas do que nos anos anteriores. Numa visão ampla, sem dividir por faixa etária, sexo e município de moradia, quando a pergunta é o posicionamento sobre as relações homossexuais, 24,7% dos entrevistados é favorável, 25,4 % é contrário e 47,9 é indiferente (nem a favor, nem contra). A pergunta foi: “Qual é o seu posicionamento sobre relação homossexual?”. Quando questionados se as pessoas estão menos preconceituosas com os homossexuais, 65% dos entrevistados responderam que sim, 32,7% responderam que não e 1,7% não souberam responder. Embora o número de pessoas que acreditam na diminuição do preconceito seja relativamente grande, quase metade dos entrevistados afirmaram não saber o significado da palavra homofobia. Isso pode demonstrar que o estado e os municípios precisam amplificar suas campanhas contra essa prática, para que mais pessoas saibam do que se trata e, dessa maneira, ela seja melhor combatida. Os entrevistados foram questionados também sobre a criminalização da homofobia mas, desta vez, o questionário explicava sobre o que se tratava o termo. O número dos entrevistados favorável à criminalização da homofobia foi de 63,3% – e 30,4% contrários. Sobre o reconhecimento das uniões civis homossexuais pelo Supremo Tribunal Federal, a pesquisa demonstrou uma queda no número

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de pessoas que sabiam do que se tratava, em relação ao ano anterior. Em 2011, 90,5% dos entrevistados sabiam da decisão do Supremo e em 2012 o número caiu para 74,8%. Essa diminuição pode ter se dado por conta do distanciamento do fato, que ocorreu em maio de 2011. A pesquisa em 2012 foi realizada aproximadamente um ano após o fato, quando ele já não era mais tão noticiado e comentado pela mídia, e isso pode ter contribuído para o resultado. Em relação ao apoio dessa decisão do Supremo, entretanto, o número aumentou: eram 44,5% favoráveis em 2011 e foram 48,9% favoráveis em 2012. Para as pessoas que responderam ser contrárias à decisão, foi feita uma nova pergunta: “Por que o(a) sr.(a) não apoia essa decisão?”. Foram listadas dez possíveis respostas para a pergunta, mas só vamos citar aqui as de maior percentual. Para esta pergunta, dos 41,9% que responderam ser contra, 23% explicaram ser porque “A Igreja condena a homossexualidade”, 20,8% porque “O casamento é uma instituição entre um homem e uma mulher”, 10,1% afirmaram que “A união homossexual é contrária às leis de Deus” e 24% responderam ser por outros motivos. Para os que apoiaram a decisão, também foram listados dez possíveis motivos. 65,3% das pessoas favoráveis responderam que o eram porque “As pessoas são livres para unirem-se”, 5,6% por acreditarem que “Todos têm o direito de constituir família” e 18% por outros motivos.

A pesquisa questionou também em relação à adoção de crianças por casais homossexuais, e 47,9% dos entrevistados respondeu ser favorável à adoção; 35,9% respondeu ser contra e 13,2% disseram ser indiferentes. Dos que se disseram contra, 33% afirmou que foi porque “A criança vai sofrer preconceitos na sociedade em que vive”, 15,3% disse que “Há perigo da identificação das crianças com o modelo dos pais e também se tornarem homossexuais”. Já entre os que se posicionaram a favor, 42,4% afirmaram que “A criança vai ser amada da mesma forma”, 19,5% disseram que “Existem muitas crianças carentes que precisam de um amparo de uma família” e 21,8% afirmaram ser favoráveis por outra razão que não constava entre as dez opções. Para obter os resultados relacionados à faixa etária, religião, sexo e município de moradia, os dados da pesquisa foram cruzados. A fi-


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nalidade desse cruzamento é obter dados mais precisos em relação à pesquisa. Dessa forma, podemos observar que, entre mulheres e homens, as mulheres se mostraram mais favoráveis – 27% das mulheres se disseram favoráveis, enquanto em relação aos homens a porcentagem foi de 22%. A faixa etária que se mostrou mais favorável foi de 20 a 29 anos, e a que se mostrou menos favorável foi de 60 anos acima. Quanto à escolaridade, as pessoas que tinham apenas o ensino fundamental completo responderam que eram mais contrárias, enquanto os entrevistados que tinham o ensino médio afirmaram ser os mais favoráveis, ficando à frente de quem tem o ensino superior, o que gerou certa surpresa, já que é lugar comum acreditar que quanto maior a escolaridade do indivíduo, mais ele será suscetível a aceitar as diferenças. No entanto, o número de pessoas que se disseram indiferentes (Ensino fundamental – 43,4%; Ensino médio – 46,9%; Ensino Superior – 63%) foi maior entre quem tinha o ensino superior. Em relação à classe social, as classes A/B se mostraram mais favoráveis. O maior percentual de pessoas contrárias foi encontrado nas classes D/E. A classe que mais se mostrou indiferente foi a C. No que tange as religiões dos entrevistados, os espíritas foram os mais favoráveis (40%) e os evangélicos foram os que se mostraram mais contrários (47,2%). Os católicos responderam, em sua maioria, indiferentes sobre o assunto (53,5%). Para a pergunta “Você acredita que hoje em dia as pessoas estão menos preconceituosas com os homossexuais” a resposta foi majoritariamente “sim” independente do município, faixa etária, escolaridade, classe social e religião. Para 65,6% dos entrevistados, a população da Grande Vitória está menos preconceituosa. Contudo, o nome utilizado para expressar esse preconceito, homofobia, não é conhecido nem pela metade dos entrevistados. Quando estes foram informados que, de forma geral, a homofobia é o ódio, preconceito, repugnância que algumas pessoas nutrem contra homossexuais, 63,3% se posicionaram favoráveis à criminalização deste tipo de preconceito. Nesse quesito, Vila Velha teve o maior percentual de pessoas que conheciam o termo (59%) e Serra teve o menor (40,6%).

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Os homens conheciam mais do que as mulheres (55,5% dos homens e 45,7% das mulheres) e a faixa etária que mais respondeu que conhecia foi a de 16 a 19 anos. Entre os religiosos, os espíritas somaram o maior percentual de pessoas que sabiam o significado do termo (80%), enquanto os católicos foram os que menos souberam (45,9%). Das pessoas que souberam responder, 82,6% eram da classe A/B e 87% tinham o ensino superior completo, o que demonstra uma ligação direta da questão com a escolaridade e a condição econômica dos indivíduos. Vitória é a cidade onde menos pessoas se manifestaram a favor das relações homossexuais – apenas 18%. Em contrapartida, foi o local onde mais pessoas se disseram indiferentes – 56% dos entrevistados. Já Vila Velha e Cariacica tiveram o maior percentual de pessoas favoráveis, ambas com 28%. Serra teve 24,8% de pessoas favoráveis. De forma geral, os resultados da pesquisa realizada em 2012 são, aparentemente, mais favoráveis à causa homossexual. Ou seja, os percentuais estão mais altos do que na pesquisa realizada no ano anterior. Relatório GGB. Em relação ao número de assassinatos de homossexuais por crime de homofobia, o Grupo Gay da Bahia (GGB) divulgou que no ano de 2012 sete pessoas LGBT+ foram mortas, sendo 3 gays e 4 travestis. Dos sete crimes, cinco permanecem sem resolução. O número, embora pareça ínfimo, coloca o Espírito Santo como o 14º estado brasileiro que mais mata LGBTs no país e como o campeão de assassinatos LGBT+ por habitantes na região Sudeste. O número de mortes por habitantes em São Paulo – que é um dos estados que mais mata homossexuais e transexuais no país – é de 1,07 morte para cada um milhão de habitantes. Já no Espírito Santo, o resultado foi de 1,96. Após mapear o local em que essa pesquisa se insere, buscamos reconstruir a história do Movimento LGBT+ no Estado, no próximo capítulo. É difícil mensurar uma data específica para o surgimento de um movimento social. Há, no entanto, uma junção de fatores específicos que vão criando um cenário propício aos acontecimentos. Com o Movimento LGBT+ do Espírito Santo não foi diferente. Precisar datas torna-se ainda mais complicado quando estamos falando de um movimento


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que sequer podia existir. Se não podia existir, podia muito menos deixar rastros. Sendo assim, o material disponível para a sua narração nos tempos atuais é muito mais encontrado nos relatos daqueles que fizeram parte da história, por muitas vezes desencontrados, graças aos lapsos deixados pelo tempo, do que em documentos e registros físicos. Sem qualquer pretensão de dar conta do todo, algo humanamente inalcançável, e ciente de que estamos lidando com um recorte da realidade, precisamos optar por um ponto de partida, um início. Embora possa não ser o começo propriamente dito, ainda mais que, se tratando de uma história feita por e para pessoas, precisão é uma característica discutível, se faz necessário elencar um primeiro momento. Aqui vamos nós!

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Foto: Acervo de Edson Ferreira / Ednamara.


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A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA: O INÍCIO DO MOVIMENTO LGBT+ NO ESPÍRITO SANTO “Já fomos muito apedrejados. Já fui espancado diversas vezes e preso também, apenas por ser LGBT. Havia um campo de futebol no bairro Santa Lúcia e toda vez que eu passava por lá apanhava. Isso fazia parte do meu dia a dia.” Edson Ferreira / Ednamara

O início de tudo: performances de gêneros, carnaval e descobertas Os primeiros registros da homossexualidade no Espírito Santo datam de 1920. Naquela década, o famoso“final feliz”, localizado ao final da Praia de Camburi, em Vitória, já era feliz. Inclusive, nem a falta de uma ponte que ligasse a área continental - onde fica o “final feliz” à ilha de Vitória representava um problema para as pessoas, que, segundo o pesquisador Anderson Pestana, atravessavam de barco para encontrar outras pessoas que buscavam relacionamentos sexuais casuais homossexuais. Pelos idos dos anos 1930 um professor chamado Irênio escandalizou Vitória com suas chinelas de salto alto com pompons, seu requebrado e sua postura afeminada. No livro Tipos Populares de Vitória (1985), Elmo Elton conta que, em sua primeira aparição por Vitória, o professor usava vistoso leque e atirava beijos para os transeuntes. Inspirado no sucesso do espetáculo Madame Butterfly no Rio de Janeiro, o professor Irênio fantasiou-se no carnaval usando “um quimono de seda oriental, adquirido em navio aportado em Vitória, cabeleira alta, presa com longos grampos, e maquilagem perfeita, abanando-se com ventarola chinesa”. A partir daí, em todos os grandes eventos sociais e bailes de carnaval dos mais refinados clubes da alta sociedade da época, o professor passou a se travestir até o fim de sua vida em meados de 1960. O carnaval, inclusive, tornou-se um dos poucos ambientes em que

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as pessoas LGBT+ podiam ocupar com tranquilidade e foi onde as primeiras performances de gênero começaram a ser exibidas. As escolas de samba e seus ensaios foram, por muito tempo, um refúgio para gays, travestis e transformistas. Em seu sentido mais profano, o carnaval foi sempre um período mais propício para a dissidência, para a realização e exibição das fantasias mais íntimas de maneira alegórica e festiva. Dessa forma, as escolas de samba forneciam espaços para que todas as sexualidades e identidades de gênero pudessem ganhar vida e abrilhantar os desfiles e ensaios. Por trabalharem com grande destaque dentro do universo carnavalesco nas áreas artísticas, os LGBT+ do carnaval acabaram galgando certa valorização. Algumas figuras eram até celebradas e reconhecidas por fazerem ricas, glamourosas e espalhafatosas fantasias, como apontou Bragança (2018). Segundo Chica Chiclete, “o carnaval era uma vitrine para os gays”, era o espaço onde se tornavam a maior atração. Existia nesse universo, inclusive, concursos específicos voltados para o público LGBT+. “Você saía dos ensaios e da avenida de alma lavada da hipocrisia da sociedade que tentava nos manter na escuridão”, afirma Chica Chiclete. As transformistas Susi Ross e Paula Becker, por exemplo, chegaram a ser rainhas de bateria de várias escolas de samba. Estamos falando de um dos maiores destaques, se não o maior, de todo o carnaval. De acordo com Chica, parte fundamental para o reconhecimento das travestis e transformistas neste universo vinha do fato de as mulheres cis sofrerem muito preconceito. “Elas tinham que ser submissas e não podiam mostrar que eram livres”, ressalta. Assim, o caminho ficava livre e as transformistas podiam mostrar a exuberância do corpo feminino. Para Chica, “as mulheres viam nas travestis a possibilidade de libertação”. Como conta Chica, “as mulheres no carnaval sofriam muito mais preconceito que os gays”. Nessa lógica, mulher (cis) e carnaval não se conjugavam, restando, então as transformistas para demonstrar a exuberância do corpo feminino, mesmo que construído. Para Chica, “as mulheres viam nas travestis a possibilidade de libertação”. Esse momento de glória, porém, não durou muito. Após quatro anos


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sem carnaval, quando a tradição retornou, em 1998, uma onda conservadora chegou a permitir que as travestis e transformistas desfilassem como destaques nos carros alegóricos, mas sem a liberdade, o carinho e o acolhimento de antes (BRAGANÇA 2018). Edson Ferreira, que na época vivia como Ednamara, uma das pioneiras na cena transformista capixaba, conta que atualmente apenas as escolas de samba Novo Império e MUG - Mocidade Unida da Glória ainda aceitam as travestis desfilando como passistas. Nas outras escolas sua participação como destaque vem atrelada à compra da posição de destaque. Edson conta que suas primeiras aparições travestidas ocorreram nas escolas de samba Unidos de Santa Lúcia e Amigos da Gurigica. Ela e outras inúmeras travestis e transformistas tinham destaque na ala Mulatas Show que era, basicamente, composta apenas por homens gays e travestis transformistas.

Diversão, epidemias e repressão policial: a realidade LGBT+ nas décadas de 1970 e 1980 Na década de 1970 existiam alguns bares e boates direcionados ao público LGBT+, na Grande Vitória. A maioria era voltada para a prostituição e eram mantidos por cafetinas. No bairro São Diogo, na Serra, existia a boate São Sebastião, onde os homossexuais travestidos se apresentavam em shows e eventos. Já na Barra do Jucu existia a Canoa Velha, uma cabana de madeira erguida na orla da Barra do Jucu por volta de 1970, onde, à época, só tinha mata. Segundo Edson, Canoa Velha era um refúgio, o único local onde elas podiam performar e onde a polícia, geralmente, as ignorava. A Canoa Velha não era uma boate ou um ‘puteiro’, mas uma junção de tudo, bem aos moldes das Molly Houses inglesas. Lá aconteciam performances das transformistas, números musicais em conjunto com a prostituição e o sexo. Chica conta que “em geral, era sempre assim, primeiro as boates eram de puta e depois viravam de viado”. O local era um respiro das normativas sociais ainda mais rígidas, já que sua existência perdurou durante o regime militar.

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A casa era um ambiente frequentado não apenas por LGBT+, mas também heterossexuais e cisgêneros. Até esse momento não existia a separação entre espaços por identidade de gênero ou orientação sexual. Por aqui, assim como no resto do Brasil, a ida dos homossexuais e transexuais para seus “guetos” viria a acontecer somente após a disseminação do HIV. As entrevistadas afirmavam constantemente que os LGBT+ eram bem-vindos nos mais diversos espaços sociais. As transformistas eram vistas de maneira ainda mais especial, visto que elas traziam glamour para os eventos. Como relatou Miss Linda11, em depoimento no Cineclube Diversidade em Vitória: As pessoas foram achando aquilo bonito, belo demais e queriam ter aquele diferencial nas festas. Aí nós íamos pra fazer aniversários, casamentos, promocionais de empresa, despedidas de solteira, feiras e festas do interior do estado e a coisa foi fluindo. [...] A drag queen [...] passou a ser um artigo de luxo. Isso, também, como aponta Miss Linda: “Por conta da irreverência, do exagero, porque o drag é grande, é imenso e traz para o lúdico. Então vamos agradar crianças, idosos, todo mundo, porque não ficou uma coisa exclusivamente de guetos e redutos LGBT.” É claro que essa relação sempre foi dúbia. Ao mesmo tempo que a heterossexualidade aceita a homossexualidade visando certa excentricidade ou mesmo entretenimento, rechaça indivíduos com posturas politizadas. Ou seja, se for para rir ou “para foder”, os homossexuais (e as identidades de gênero) são bem-vindas, mas se se envolverem seriedade em luta política, são repelidos. Como falou Chica: “viado é o filho do vizinho”. A enorme distância dos centros habitados da cidade na época fazia com que Canoa Velha fosse frequentada principalmente pelas elites 11 Miss Linda é uma das matriarcas da cultura transformista e drag do estado. Ainda em atividade, sua carreira já se estende por mais de 40 anos e teve início em Cariacica Sede, como apresentadora de desfiles de moda. Todas as falas de Miss Linda foram colhidas de seus depoimentos para o Cineclube Diversidade em 2018.


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locais que possuíam veículos. O espaço se tornou conhecido nacionalmente a ponto de receber o apelido de “Cabana dos Artistas”. Nomes importantes da cultura brasileira frequentaram o espaço, dentre eles Maísa, Garrincha e Elza Soares. Nessa época, a Grande Vitória também se transformou em um lugar de muita prostituição, segundo Edson. “Homossexuais e transexuais de outros Estados vinham para a capital capixaba, muitos nem se travestiam antes de chegar à cidade, e, em busca de alguma oportunidade na vida, eram acolhidos pelas cafetinas”, se recorda. Como o número de homossexuais e pessoas transsexuais não parava de crescer na Grande Vitória, algumas pessoas, incluindo o Edson, tentaram, com ferramentas precárias, fazer um levantamento para identificar e controlar um pouco a atividade de prostituição entre as travestis. “Começamos a contar quantas travestis e transexuais nós conhecíamos, fizemos listas e tudo. Saímos perguntando os seus nomes, o local aonde faziam ponto, de ontem vieram. Queríamos organizar um pouco a situação”. Com o tempo, essas listas se perderam, mas consideramos importante registrar que a vontade de fazê-las existiu. Pouco depois, a região mais central da capital do estado, Vitória, começou a despontar como um point LGBT+. Várias casas foram abrindo e fechando ao longo dos anos, como o Vitorinha, atrás do Teatro Carlos Gomes; As Mangueiras; Pablo’s; Dreams, na escadaria Cleto Nunes; Bar do Rever, voltado para lésbicas, etc. É nessa época que surge o Bangalô, uma boate quase itinerante, pois abria e fechava de acordo com a disponibilidade dos aluguéis, rodando da Rua Sete e da Gama Rosa, no Centro, à região do Parque Moscoso. Sempre em estruturas mínimas e precárias, o Bangalô geralmente tinha apenas um pequeno espaço para performances. Mais ou menos no mesmo período, existiu o Britz Bar, na confluência entre a Gama Rosa e a Praça Ubaldo Ramalhete, onde os shows das transformistas, como Waleska di Pigalle, traziam divertimento e um ambiente positivo, produzido com base em muita pesquisa na busca por uma representação mais fidedigna da artista que seria performada.

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O Britz Bar foi um ambiente um pouco mais requintado e frequentado não só pelos ‘entendidos’, mas também por intelectuais da época e personalidades das elites capixabas que já não se dispunham a ir à Canoa Velha, como Hamilton de Almeida, Maria Nilce, Carmélia Maria de Souza12, Gleice Coutinho, Ventureira Golçaves e Atharé de Castro. Aliás, Atharé de Castro, antigo vereador da cidade, levava as transformistas para performar e abrilhantar os encontros sociais da elite capixaba que realizava em sua casa. Ao som de piano, muitas delas cantavam ao vivo. Ednamara performava, nesses eventos, grandes nomes da música brasileira como Dalva de Oliveira, ngela Maria, Clementina de Jesus e outras grandes divas negras da época. Andressa de Lavietein conta que as transformistas eram constantemente chamadas para se apresentarem em festas da elite, festas do governador, aniversário de personalidades, etc. Inclusive, segundo Ednamara, as transformistas fizeram shows no evento de lançamento do loteamento da Ilha do Boi, um dos bairros mais elitizados da capital, saindo de uma caixa no estilo das vedetes. Como aponta a pesquisa realizada por Randas Freitas (2017), durante as décadas de 1970 e 1980, mesmo o Espírito Santo vivendo sob um “contexto político autoritário e munido de concepções conservadoras”, tendo em vista ser o momento ditatorial brasileiro, o “homossexual frequentador de uma vida pública em um contexto de controle político e social torna-se um ato de resistência e afirmação de uma identidade” (2017, p.1074).

Em sua pesquisa, o autor realiza um levantamento sobre a vida noturna da Grande Vitória desse período, identificando não apenas os locais onde os LGBT+ se socializavam, como também a segregação entre grupos a partir tanto dos interesses de sociabilidade, quanto de questões identitárias e sociais.

12 Carmélia Maria de Souza foi uma jornalista de família tradicional de Vitória que rompeu com a família para viver a vida em plenitude. Era amiga de todas as grandes figuras intelectuais. Ednamara e Andressa contam que ela conseguia conviver em harmonia tanto com o mundo marginal, quanto com a elite. Atualmente há um centro cultural em sua homenagem. O espaço que já conteve uma biblioteca, o maior palco de teatro do Espírito Santo se encontra, no entanto, em situação de descaso e abandono.


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“A Praça Costa Pereira que ficava próximo ao Britz era palco de michetagem e de “gueis loucas”. Entre o Britz e a Praça Costa Pereira tem a Rua Sete de Setembro que poderia ser muito aproveitada, pela quantidade de bares. Ainda no Centro de Vitória o bar Marita’s na rua Nestor Gomes tinha roda de samba e oferecia muita animação por parte do dono. O bar Tricolor na Avenida Jerônimo Monteiro - principal avenida de Vitória na época - tinha a presença de michês e era destinado para quem faz a linha “lixo”, em suma, bar sujo com jukebox. Também existia uma segunda opção nessa mesma proposta do Tricolor que era o bar Sniff na Praia do Suá. O bar Santos com uma pegada tradicional em mesas de mármore, localizado no bairro Vila Rubim, era destinado a um público mais discreto com conversas mais íntimas. O Panela de Barro, no bairro Maruípe era ponto de quem gostava de ver militar, pois ficava perto do quartel da Polícia Militar. Na cidade de Vila Velha, no bairro Praia da Costa, o bar Vila Praia tinha uma pegada mais séria por estar em um bairro de classe média, em contrapartida no Centro da mesma cidade, no bar Vila era presente “michetagem suburbana”. No bairro da Glória em Vila Velha, o Che-guei que teve seu nome trocado para Cinderela a pedido de frequentadores “enrustidos” era um bar para o público gay. No bairro São Torquato o Bar-Sem-Porta e o Garrucha 44 foram antagônicos. O primeiro era para quem fazia a linha “pega para capar” e o segundo era frequentado por moças e oferecia muita cerveja e espaço para elas. Em Cariacica, no bairro Campo Grande, a discoteca Aquarius fazia a noite, que apesar de um “bairro pobre” era o berço de bares, devido ao seu calçadão e muitas cadeiras quem fosse poderia fazer a linha ‘fumando espero’” (FREITAS, 2017, p.1081). A década de 1970 foi marcada também pela epidemia de duas doenças entre a população LGBT da Grande Vitória: a sífilis e a tuberculose. De acordo com Edson, muitos LGBT+ morreram em virtude dessas enfermidades. “Vários conhecidos tiveram as doenças, e vimos muita gente morrer. Foi a primeira vez que doenças específicas atingiam o nosso grupo, pois até então não existia a Aids”. Um evento que ficou marcado na lembrança de Edson ocorreu durante a inauguração de uma importante via da cidade, a Avenida Nossa Senhora da Penha, mais conhecida hoje como Reta da Penha. Edson e alguns amigos foram à inauguração da via. “Chegamos lá e fomos to-

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dos presos por nada, não fizemos nada. Todas as bichas foram presas e passaram a noite lavando os camburões da delegacia”, se recorda. Um acontecimento em especial ficou na memória de Francisco Spala, no final da década de 1980. Havia uma escadaria no Centro da Cidade, próximo ao Parque Moscoso, onde três bares que atendiam o público LGBT+ foram abertos. Nos finais de semana era comum a região ser tomada pelas travestis e gays. Certo dia, esse público, porém, recebeu uma visita indesejada: cerca de dez camburões da Polícia Militar foram ao local e prenderam todos os LGBT+ que estavam nos arredores. “Eles fecharam os bares e prenderam todos os donos de bares que atendiam os gays da redondeza. Isso na época foi muito marcante para mim, mas não há relatos na imprensa nem em lugar nenhum. Éramos esquecidos mesmo, o jornal não falava sobre gays”, relata Francisco. Sobre a repressão policial, Carlos se lembra de que havia até denúncias para prender os LGBT+. “Naquela época os policiais prendiam os LGBT+ só por serem homossexuais mesmo. Lembro-me que a policia subia alguns morros a pé para prender gays porque os moradores denunciavam a presença deles no local.” “Já fomos muito apedrejados. Apedrejados mesmo, no sentido literal. Já fui espancado diversas vezes e preso também, apenas por ser LGBT+. Havia um campo de futebol no bairro Santa Lúcia e toda vez que eu passava por lá apanhava. Isso fazia parte do meu dia a dia”, conta Edson. Ele explica que os enfrentamentos nas ruas eram frequentes. Eles aconteciam tanto contra a polícia, quanto contra a população. Tentativas de agressão ocorriam até no uso do transporte público a caminho das boates. Ou seja, a boate era um refúgio, mas o caminho até elas, um tormento. Segundo Edson, as transformistas não tinham medo, tiravam o salto e partiam para cima do cara, ou dos caras. Era a sobrevivência em seu estado mais instintivo. Ainda sobre a violência vivida, Francisco Spala, uma das figuras mais emblemáticas da noite capixaba com sua personagem Chica Chiclete, conta que também já sofreu repressão policial. “Só por você ser gay, você já estava errado, era preso. Muitas vezes já me prenderam sem motivo algum, alegando que eu atentava ao pudor por ser gay”,


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relata Francisco. Segundo Carlos, em virtude dessa violência desenfreada, os participantes mais conhecidos do Triângulo Rosa, Amylton e Milson, por exemplo, não podiam ser assumidos em qualquer lugar. “Eles sabiam que isso poderia prejudicar até as suas profissões naquela época. As coisas tinham de ser ditas aos poucos, para que a gente não sofresse as consequências e fossemos perseguidos”. Andressa conta que, apesar de não ter sofrido nenhuma agressão física, “já houve momentos em que eu estava chegando na boate e o carro com os caras com bastões de baseball ter acabado de passar e terem descido o cacete em quem tava entrando”. Isso se intensificou a partir da epidemia do HIV. A homossexualidade e todas as variações de gêneros não normativos passaram a ser ainda mais hostilizadas, indo encontrar espaço nos seus próprios guetos. Foi a partir daí que os espaços se tornaram legitimamente LGBT.

A chegada da epidemia de HIV ao Espírito Santo Em meados da década de 1980, as terras capixabas conheceram o HIV. Nessa época, uma mobilização foi organizada e alguns LGBT+ promoveram eventos em hospitais, com a intenção de melhorar a qualidade de vida dos adoentados. Foi em 1986 que Francisco Spala se recorda de ter tido contato com a primeira pessoa com a doença. Ele conta: “Eu, por acaso um dia, fui levar um amigo que descobriu que estava com Aids, já em caso terminal para o hospital. Naquela época não havia tratamento, a situação se desenrolava rápido demais. E como eu sempre tive um espírito de liderança, já quis começar a me movimentar para ajudar as pessoas que estavam naquela situação”. Ao ver o tratamento dado aos portadores do vírus no único hospital do Estado para onde era possível encaminhar as pessoas que tinham HIV, o Hospital das Clínicas, Francisco decidiu que ajudaria aquelas pessoas da forma como pudesse. “Eu percebi que muitos eram colocados no hospital e esquecidos lá pela família e por todos os conhecidos. Ninguém conhecia aquela doença, a família não tinha informação ne-

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nhuma e pensava que era um tipo de doença contagiosa. Naquele tempo, todo gay, que já era muito discriminado, passou a ser mais ainda por causa da doença”, conta. “Nos tratavam como se a gente fosse uma praga. Qualquer doença naquele tempo era praga de homossexual. Eu e Edson, que somos pessoas negras, então, sofremos mais ainda, pois nos acusavam de ter a praga por sermos negros e por começarem os primeiros boatos de que o HIV vinha dos macacos. Confundiam tudo”, conta Carlos. Nessa época, muitas travestis eram assassinadas. Edson conta que muitos foram mortos exatamente por causa da disseminação da doença. Essa década ainda foi marcada pelo aparecimento do silicone industrial na capital capixaba, que viria a se tornar um dos grandes problemas de saúde entre as travestis. O silicone industrial é feito com um material perigoso, que pode causar câncer, utilizado para impermeabilização de azulejos, limpar peças de avião, pneus e lustrar painéis de carro. Esse material era aplicado sem anestesia, com condições mínimas de higiene e de maneira ilegal. Muitas travestis tinham que utilizar entorpecentes para aguentar a dor. A prática se disseminou com rapidez entre os rapazes que almejavam ter o corpo mais feminino, e era utilizada sem a menor instrução das consequências que isso poderia trazer aos seus corpos. Danos físicos devastadores, dores, deformações severas, dificuldade para andar e infecção generalizada, que levava a morte, eram consequências comuns em quem utilizava esse material. A partir desse momento, de acordo com Edson, um grupo de homossexuais se reuniu com o propósito de fazer um trabalho de conscientização para que as travestis não utilizassem mais esse tipo de silicone, o que contribuiu para diminuir as ocorrências de mortes. Não é possível, no entanto, precisar numericamente quantas travestis colocaram silicone industrial naquela época, já que esse processo era feito de maneira ilegal e sem controle. Também não existem estatísticas de quantos homossexuais morreram pela infecção generalizada provocada por meio do uso inadequado desse material, mas todos os relatos que tivemos acesso convergem para um número alto. Ainda hoje, mais de trinta anos depois, há rela-


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tos de travestis que se utilizam desse método, em função do valor da aplicação.

O triângulo rosa O Triângulo Rosa foi um grupo de discussão sobre a temática LGBT, fundado no dia 12 de março de 1987, em Vitória. A data, em 2013, se tornou o Dia Municipal Contra a Homofobia na capital do Espírito Santo como uma homenagem ao grupo, que contava com aproximadamente trinta e cinco integrantes. Eles se reuniam prioritariamente no Teatro Carlos Gomes e se articulavm de maneira secreta, já que naquela época a homossexualidade e a transexualidade eram temas ainda bastantes desconhecidos da sociedade de maneira geral. Sobre a escolha do nome Triângulo Rosa, o ex-participante e professor Carlos Alberto Santos explica: “O nome Triângulo Rosa fazia alusão aos campos nazistas, em que o símbolo de um triângulo rosa era utilizado para informar quais homens estavam no campo de concentração por serem homossexuais. É um nome forte e histórico que marcou o preconceito”, explica Carlos. O grupo Triângulo Rosa era formado, basicamente, por professores, jornalistas, empresários e demais homossexuais em busca de informações acerca da sua condição e a fim de lutar contra o preconceito evidente que sofriam. As reuniões já foram semanais, às terças-feiras, quintas-feiras e aos sábados e mensais, em um outro momento, mas sempre realizadas de uma maneira escondida, para que não houvesse repressão policial. Por contar com alguns integrantes intelectuais, o Triângulo Rosa era um espaço de estudo, muita leitura e discussão. Nas reuniões do grupo eram levantadas questões relacionadas à saúde, ao comportamento e ao preconceito, com uma intenção prioritariamente educativa, para formar melhor os homossexuais e possibilitar um entendimento, ainda que sem muita informação, de suas condições.

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O grupo contou com a participação de importantes nomes da cultura capixaba como o escritor, jornalista, ator, diretor, poeta, desenhista e chargista, Milson Henriques, o poeta, ator, numerólogo e agitador cultural, Waldo Motta e o jornalista, escritor, dramaturgo e crítico de cinema brasileiro, Amylton de Almeida. Sobre Amylton, Jeanne Bilich e Márcia Barros Rodrigues (2005) escreveram, no artigo “Amylton de Almeida – ‘O guerreiro dos ideais’ pela liberdade, democracia e cidadania”: “considerado um dos mais brilhantes intelectuais capixabas de seu tempo, produziu uma obra singular, caracterizada pelo ecletismo no campo sócio-político. (...) Foi admirado, adorado, temido e odiado. Porém, jamais foi ignorado pela sua luta contra a opressão do poder constituído sob o comando dos detentores de benesses e de privilégios emanados dos círculos oficiais. Imortalizou-se como defensor da democracia, da cidadania e da liberdade”. (BILICH E RODRIGUES. 2005, p.1) Gay assumido, Amylton foi uma figura muito importante para a luta capixaba, propôs e levantou debates que a sociedade não discutia e atuou, principalmente na década de 1980, na luta pela emancipação LGBT+. Sobre Milson Henriques, Duílio Henrique Kuster Cid escreveu, em um artigo produzido enquanto era aluno do programa de pós-graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo: “Milson Henriques é uma figura fundamental para se pensar a cena artístico-cultural capixaba, num período em que ela ainda engatinhava, tendo não só participado das mais variadas áreas artísticas como também, e mais importante, encabeçado uma série de ações culturais. (CID, 2008, p. 2) Sobre Waldo Motta, Willian Berguer escreveu, em seu trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social da Ufes, em 2008, “Dossiê Identidades Capixabas: elementos para uma reflexão sobre as práticas e a política cultural”, que ele “(...) veio a ser reconhecido como um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea. Realizou um percurso militante no movimento gay, e enfrentou preconceito até hoje presente contra os homossexuais, acirrado com o surgimento da AIDS no início da década de 90”. (BERGUER, 2008, p. 24)


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grande, já apanhei incontáveis vezes na vida por ser gay. O Triângulo Rosa era uma espécie de refúgio para nós, um local onde podíamos ser nós mesmos e entender a nossa condição no mundo”. Carlos conta que as reuniões aconteciam no Teatro devido a influência cultural de Amylton de Almeida. “Ficávamos no apartamento do Amylton, que era na Rua Sete, no Centro, e de lá íamos para o Teatro Carlos Gomes. Ele ficava com a chave do teatro, por isso conseguíamos nos reunir lá. Por ele ser um jornalista reconhecido, nós tínhamos alguns privilégios como esse”. Quando o grupo havia se tornado popular o suficiente para isso ser perigoso à sua existência, os participantes resolveram mudar seu nome e sua estrutura. Nesse momento o Triângulo Rosa tornou-se o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa). O grupo sofreu mudanças ao longo da sua existência. Muitos participantes foram abandonando para realizarem outros projetos e outros foram se inserindo. “O grupo, embora tenha se modificado muito durante o tempo em que atuou, contou sempre com Amylton de Almeida na sua articulação”, disse Carlos. No decorrer da década de 90, os membros foram se dispersando e se dedicando a outros projetos, o que resultou no encerramento da sua atividade. Além da dispersão natural, o grupo também sofreu repressão policial quando a sua atividade começou a tomar corpo e a luta se tornou mais pública, prejudicando, assim, as reuniões. Com menos de dez anos de existência, atuação na capital e em algumas cidades do interior, com a proposta de ampliar os horizontes dos homossexuais, tornando-os mais cientes do seu lugar no mundo, o primeiro grupo organizado de militância LGBT+ no Espírito Santo finalizava as atividades.

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Dos anos 1990 até meados dos anos 2000: novos ventos sopram A década de 1990 se apresentou como um tempo de menos repressão, proibição e de mais respeito para os LGBT+. “Ganhamos um pouco mais de visibilidade e dignidade e tivemos algumas poucas conquistas de espaços. Passamos a poder frequentar lugares que antes não podíamos”, explica Edson. Outro espaço conquistado e destacado por Edson foi o do trabalho. Muitos LGBT+ passaram, a partir deste momento, a trabalhar em profissões que no período anterior não podiam. “Passamos a ser cabeleireiros, enfermeiros, cozinheiros. Começamos a poder realizar algumas funções como qualquer outra pessoa”. Se por um lado a conquista de espaços foi um avanço, por outro, não encontramos nada muito além disso. Nenhuma política pública fora pensada para esse segmento da população nessa década e não soubemos da atuação de grupos lutando por direitos. As mudanças aconteceram muito mais no campo da visibilidade LGBT+ e da desmistificação de algumas acusações do passado, como era o caso da “peste gay”. O Estado e o país não se retrataram com os homossexuais pelo estigma que lhes foi dado, mas não há como negar que, talvez até de forma natural, houve o encerramento da normalidade de algumas práticas, como a repressão policial pelo fato de se ser LGBT.

Em alguma medida, o comportamento da sociedade se modificou e os espaços conquistados por essa modificação prepararam o terreno para que na década seguinte o Movimento LGBT+ pudesse se inserir de maneira permanente na sociedade capixaba. Já os anos 2000 foram marcados pelas primeiras ações institucionais pensadas para a população LGBT+. Muitas delas, entretanto, eram voltadas para a questão da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Ao longo da primeira década dos anos 2000, os primeiros grupos a discutir a questão LGBT+ após o final do Triângulo Rosa começaram a surgir. É o caso da ACARD - Associação Capixaba de Redução de Danos, uma organização não governamental que foi constituída em 2001, e atua


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elaborando e executando projetos de prevenção frente às epidemias do HIV/Aids e hepatites virais; da Ages - A Associação de Gays do Espírito Santo, sediada em Vitória, e o Grupo CORES e do Plur@l - Grupo de Diversidade Sexual, todos fundados em 2004; do Grupo Gold, quando ainda atuava apenas no norte do estado e da ALAH - Associação Linharense de Apoio à Homossexualidade em Linhares, o GRIHTO - Grupo Respeito, Identidade Homossexual, Trabalho e Orgulho, ambos fundados em 2005. Em 2004, o Espírito Santo teve a sua primeira tentativa institucional de se implantar um projeto para o seguimento LGBT+, o programa federal “Brasil Sem Homofobia”, sem sucesso. Em 2005, um representante do Projeto Somos, Márcio Caetanos, esteve no Espírito Santo para se reunir com grupos que militavam em prol dos LGBT+ no Estado. O Projeto Somos21 foi lançado em outubro de 1999, e tinha como meta a capacitação de 24 grupos em 11 estados, num período de 3 anos, para realizar atividades de prevenção junto à população LGBT+ em relação ao HIV. Fazia parte de suas ações a capacitação de lideranças, mas, por estar havendo uma dificuldade de esses militantes se deslocarem até o Rio de Janeiro, a proposta foi de que cada Estado recebesse in loco o seu treinamento “(...) numa ação conjunta do SOMOS, os grupos locais e órgãos governamentais, visando o protagonismo homossexual. Também está dentro de seus objetivos dar suporte para que os grupos se legalizem, virando ONG ́s e capacitar estas novas organizações a gerenciar suas ações, projetos e recursos”. (RIAN, 2005. p. 23) De acordo com Chander Rian (2005), na Grande Vitória o Somos encontrou duas realidades bem distintas. No grupo CORES viu um grupo já em fase de legalização, com estatuto pronto, e no Plur@l, uma resistência interna forte para a legalização. Assim, até onde foi apurado, o Projeto Somos não conseguiu ter repercussão nem conquistar seus objetivos dentro do Espírito Santo.

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Plur@l: o primeiro grupo a debater a diversidade sexual na Universidade Federal do Espírito Santo Alguns alunos dos cursos de História, Letras, Ciências Sociais e Serviço Social, que se conheciam pelas afinidades de suas graduações e, também, por seus cursos se situarem em prédios próximos, sempre conversavam sobre questões que envolviam gênero e diversidade sexual de maneira informal. No ano de 2004, após perceberem que estavam passando por situações parecidas - alguns vivenciando conflitos internos relacionados à sexualidade e outros, externos, como, por exemplo, a postura machista de algumas vertentes do movimento estudantil e em outros espaços – esses alunos resolveram se juntar e formar um grupo para estudar e produzir conhecimento sobre essas temáticas. Um dos objetivos dos alunos, com a criação desse grupo, era ter mais argumentos para intervir em espaços não conquistados e ter mais consciência de seus lugares no mundo. Em uma reunião informal, realizada na cantina do Centro de Ciências Humanas e Naturais, cerca de nove estudantes, com uma ideia na cabeça e vontade de sobra para realizá-la, fundaram o Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual. Criaram, então, como primeiro passo, uma lista de discussão na internet, hospedada no site Yahoo, a Plural-ufes. O segundo passo dado pelo grupo foi decidir sobre quais seriam suas atividades, o quê estudariam e como. Luiz Claudio Fortuna Kleaim, um dos fundadores do Plur@l, se recorda dos primeiros momentos do grupo. “Nós pensamos: que vamos fazer? Vamos discutir texto, porque a gente tem que entender um pouco mais do assunto. O primeiro ou segundo texto discutido foi uma matéria da revista Opinião, que falava sobre o ‘homossexualismo’. Pegamos aquilo ali e discutimos, fomos vendo os argumentos e odiando, mas ainda não sabíamos como argumentar contra. E no semestre posterior, houve uma disciplina chamado Pensamento Feminista ofertada por uma professora das Ciências Sociais. Achamos importante alguns de nós participar e isso deu um gás, além de bibliografia pra gente correr atrás de mais textos. Fomos vendo as ligações entre gênero e sexuali-


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dade, machismo e homofobia. Fomos crescendo e o grupo foi durando”. Os integrantes do grupo consideraram interessante ampliar as discussões e promoveram seu primeiro evento voltado para os demais universitários no dia 9 de dezembro de 2004, o “Gênero e Plur@l”, que teve como tema “Gênero, Machismo e Feminismo”. Os palestrantes convidados foram os professores palestrantes Helerina Aparecida Novo (Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento da Ufes), Ana Lúcia Rezende (Cientista Social) e Thimóteo Camacho (Departamento de Ciências Sociais). Luiz Claudio Kleaim conta que eles colaram cartazes informando sobre o evento pelas paredes da universidade e que muitas pessoas apareceram. “Muita gente que foi adorou a nossa proposta, pegou nosso e-mail e nos procurou depois. Mas ainda tínhamos alguns problemas: não éramos muito organizados e não tínhamos sala ou espaço próprio”. Com esse e outros eventos realizados pelo grupo, além de novos integrantes, o Plur@l ganhou visibilidade e passou a ser convidado para participar de outros espaços que tratavam de diversidade sexual, gênero, direitos humanos, machismo e homofobia fora da universidade. Com isso, conheceram cada vez mais militantes e ampliaram, de certa forma, sua atuação. Dessa forma, o coletivo ganhou espaços públicos e políticos, junto a outros grupos e à Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Vitória. Paulo Gois, ex-integrante, explica: “a demanda local por esse tipo de reflexão fez com que o Plur@l extrapolasse o ambiente universitário e se tornasse um articulador, com outros grupos e organizações, junto ao poder público para a discussão e promoção de políticas públicas voltadas para a população LGBT”. Com essa visibilidade, cresceu também a cobrança para que o grupo se tornasse uma Organização Não Governamental (ONG). Segundo Jésio Zamboni, por um bom tempo essa questão “perseguiu” o Plur@l. Em seu trabalho de conclusão de curso, Chander Rian falou um pouco mais sobre esse processo. Depois da visita de um representante do Projeto SOMOS, uma discussão que não era prioritária no Plur@l foi levantada. A questão da legalização do grupo, se tornando uma ONG. O coordenador da Região

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Sudeste do Projeto SOMOS veio em visita ao Estado e se reuniu com todos os grupos individualmente, para promover e dar subsídios para a legalização dos grupos. No Plur@l, ainda que no momento da reunião o grupo tenha se posicionado a favor e até discutido um cronograma junto ao coordenador para dar inicio ao processo, em relação a criação de estatuto, juntada de documentos, arrecadação financeira, etc; nas discussões intra-grupo, não há um consenso para a legalização do Plur@l, sendo que o maior receio é a perda de autonomia. Assim, tal discussão nem faz parte da pauta atual do grupo. (RIAN, 2005) Para Luiz Claudio Kleaim o grupo não se tornou ONG por diversos fatores e, entre eles, o mais importante é que seus participantes eram, na maioria, pessoas com pensamento anarquista. “O fato de a gente não querer virar ONG no inicio foi porque a maioria das pessoas ali eram muito ‘anarco’. As pessoas mais sensatas, mais marxistas, até topavam, por conta de uma práxis politica, mas a maioria não”, explica. Um problema enfrentado pelo grupo foi a falta de um professor que encampasse os seus objetivos. Por algum tempo, quando se tornou Grupo de Extensão, o Plur@l teve um professor que respondia burocraticamente por suas atividades, por ser necessário, mas que não atuava efetivamente com o grupo. “Chegamos a ganhar uma verba federal de R$ 86 mil, em 2008, por meio de um edital para estruturar um centro de pesquisa em diversidade sexual e gênero. Só que era preciso uma contrapartida da Ufes. Corríamos de um lado para o outro em busca de papeis, assinaturas, mas percebemos que a universidade não tinha interesse e desistimos. Na atual estrutura, não dá para ter um projeto assim sem um professor que não encampe a luta”, explicou Jésio Zamboni. Em 2005, o Plur@l construiu o Pacto Vitória Sem Homofobia junto com a Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos de Vitória, outros representantes do poder público e entidades da sociedade civil organizada. Em setembro de 2006, entre os dias 7 e 10, apoiado pela Ufes, pela Prefeitura Municipal de Vitória e pelos Ministérios da Saúde e da Cultura, o grupo realizou o 4o Enuds – Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual, no campus de Goiabeiras, cujo tema foi “Singulares


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Waldo, apesar de não ter uma participação ativa no grupo por muito tempo, se recorda de ter frequentado algumas reuniões e de ter ajuda a escrever alguns manifestos. “Eu participava de reuniões, cheguei a ir a palestras. A minha participação se resumia mais a acompanhar, pensar nos processos. Escrevi, também, um ou dois manifestos para o grupo. Minha função era mais de pensar, contestar, procurar caminhos alternativos, pesquisar e questionar as coisas”. Waldo conta que a sua participação tímida se deu porque ele divergia um pouco dos métodos adotados pelo grupo. “Quando os participantes se contentaram muito com os discursos oficiais e passaram a se alinhar por eles, eu me desvinculei. Sempre fui muito contestador, desalinhado, eu não me sentia bem com aquela situação de medo, aquele alinhamento aos discursos dominantes. Eu mesmo me afastei do grupo”. Waldo não se recorda em que ano deixou o grupo. Em entrevista ao Sou ES, em 2015, Motta deixou o seu protesto registrado contra o preconceito. “Pessoas enfurecidas, mal informadas, que pretendem estar agindo em nome de Jesus perseguindo homossexuais, eu ouso dizer, que eles são a própria besta do apocalipse. Porque besta é sinônimo de estúpido, de ignorante, de animal, de seres irracionais ou dotados de pouco raciocínio”, disse o poeta. Segundo Willian Berguer (2008), autor do único material publicado que encontramos em nossa pesquisa que cita a existência do Triângulo Rosa, o grupo realizava, entre outras atividades, palestras em parceria com profissionais das áreas biomédicas na busca da cura para a AIDS e descriminalização dos homossexuais. Em conversa com Waldo Motta ele revela: “Naquela época, nós, os homossexuais, estávamos com medo até de sair à rua, tão forte era a discriminação e o perigo que corríamos. Como bibas conscientes não podíamos deixar a situação assim: criamos o Triângulo Rosa para promover o diálogo, esclarecer a população e buscar a cura da AIDS” (BERGUER, 2008, p. 24). O militante Edson Ferreira também participou do grupo, e se recorda com carinho das atividades. “A gente lia sobre diversos assuntos e discutia nas reuniões. Naquela época era muito difícil, ninguém podia dizer que era homossexual ou transexual. Isso era uma afronta muito

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na Pluralidade: Políticas Públicas de Respeito à Diferença”. Trataremos sobre o Enuds no próximo tópico. As atividades do Plur@l não se encerraram efetivamente de uma vez, mas a partir de 2011 a maioria dos integrantes do grupo teve de se dedicar a outros projetos.

Grupo Girassóis e a formação do Fórum Estadual Em meados de 2004 a Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Vitória (Semcid) iniciava de forma ainda bem tímida os seus trabalhos voltados para o público LGBT+, ainda que sem uma formalização no organograma do município - que só vai, de fato, ganhar uma coordenação em 2010. Neste momento - aliado ao fato de que o Governo Federal era do mesmo partido que estava à frente da Prefeitura de Vitória, o PT, a Secretaria começou um movimento que se intensificava em todo o país em prol da garantia dos direitos de minorias, entre elas dos, à época, chamados de GLBT. A Semcid então buscou ONG’s, grupos e associações que de maneira exclusiva ou tangencial debatessem a temática de orientação sexual e identidade de gênero. O militante Cleber Teixeira conta que na época encontraram alguns grupos como a ACARD, a AGES, Astraes e o Plur@l. “Eles entraram em contato e na época eu participava do Plur@l. Marcaram uma reunião com o intuito de iniciar um diálogo com a sociedade civil organizada. Para conhecer as demandas desses grupos, pensar ações específicas para eles”. Cleber se lembra que o movimento foi atípico, uma vez que o comum é que grupos da sociedade civil procurem o poder público e não o contrário. “Começamos a fazer reuniões mensais que, além dos grupos LGBT+, também participavam secretarias como a de Segurança Pública, de Saúde e de Educação”, explica. O Girassóis nem chegou a ser um grupo ou coletivo, na verdade. Essas reuniões ganharam este nome porque um servidor da Semcid criou um grupo de e-mails com os participantes daqueles encontros e como a dinâmica que haviam feito no primeiro encontro envolvia flores, re-


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solveu chamar de Girassóis. Com o passar do tempo e com as regularidades das reuniões, o Girassóis acabou chamando a atenção de grupos de outros municípios, que começaram a querer participar também. “Secretarias de outros municípios, Associações e Ongs da Grande Vitória e até do restante do estado nos procuraram e quando isso aconteceu começamos a entender que já estava se desenhando ali uma espécie de Fórum Estadual”, explica, Cleber. E acrescenta com orgulho: “Aquele grupo de pessoas que se reunia ocasionalmente e livremente para discutir de forma aberta e bem ampla começou a perceber que era necessário solidificar a luta. Foi assim que nasceu o Fórum Estadual em Defesa dos Direitos das pessoas GLBT - como era chamado à época, e o Fórum Municipal de Vitória”. O Fórum Municipal de Vitória está desativado já há alguns anos, mas, por outro lado, o Fórum Estadual LGBT+ segue lutando, firme e forte no Espírito Santo.

Novos tempos, novas lutas Quatro anos após a tentativa da implantação do programa federal Brasil Sem Homofobia, a 1ª Conferência Estadual de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais foi realizada no Estado. Por questões didáticas, resolvemos explicar melhor a implementação do programa “Brasil Sem Homofobia” e a Conferência Estadual no próximo capítulo, que retrata as ações implementadas, ou as tentativas de se implementar alguma ação, por parte do Governo do Espírito Santo, além de abordar a atuação efetiva da militância LGBT+ do final da primeira década dos anos 2000 até os dias atuais. Com o desenvolvimento da Luta LGBT+ no Espírito Santo, no Brasil e no mundo, novas especificidades e segmentações foram surgindo espontaneamente. Sabemos que majoritariamente a história LGBT+, não apenas no Espírito Santo mas em todo o país, foi encampada principalmente por homens gays, mulheres trans e travestis, figuras importantíssimas para o desenvolvimento desta luta e para que novos tempos,

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com novos atores, fossem possíveis. Mas é preciso também identificar os novos tempos, as novas lutas e os novos também protagonistas dessa história. É o caso do movimento das mulheres lésbicas e bissexuais, dos homens trans e das pessoas não-binárias. É importante ressaltar, porém, que esse recorte se faz muito mais em um tom metodológico do que na historiografia em si, uma vez que, embora tais grupos de pessoas não se estruturassem anteriormente como movimento civil organizado, elas já existiam e lutavam por suas existências desde que o mundo é mundo.

A revolução sapatão: a história das lésbicas que lutam por visibilidade no Espírito Santo Pode se dizer que o movimento organizado de mulheres lésbicas do Espírito Santo surgiu com a criação, em 2009, da Santa Sapataria - Coletivo de Lésbicas da Grande Vitória, primeiro - e até o momento único - grupo de luta dentro do espectro LGBT focado somente em mulheres. À época o grupo atuava na luta de mulheres lésbicas e bissexuais, mas isso foi revisto em 2019, quando as participantes perceberam que não havia uma única mulher que se autodeclarava bissexual. A Santa Sapataria se originou na capital do Espírito Santo, Vitória, a partir da necessidade da inserção das pautas da mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais nos espaços feministas. Ariane Meireles, uma das fundadoras do grupo e atuante até os dias atuais, conta: “naquele ano de 2009, após iniciarmos uma pauta espontaneamente em um encontro do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, a pauta das mulheres lésbicas e bissexuais começou a fazer parte daquele movimento”. Sentindo a necessidade de se reunirem para conversar sobre as questões referentes às suas existências, Ariane e outras mulheres que se identificavam com a temática deram início, ainda que sem pretensão de fazer história, ao que seria o primeiro movimento de mulheres lésbicas do estado. “O nome Santa Sapataria veio da Pandora, uma mulher excepcional que nos ajudou a fundar esse coletivo. A ideia era


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brincar mesmo com o santo do nome do estado em que vivemos, trazer a religião que, embora seja algo lindo, contribui muito para atrapalhar a nossa vida”. Foi assim que a Santa Sapataria surgiu. Em 2009, porém, as mulheres lésbicas e bissexuais participantes do coletivo sabiam da dificuldade de tomar esse movimento para si, uma vez que por conta do preconceito muitas não podiam “levantar bandeiras” e dizer com orgulho sem se preocupar com as consequências que eram lésbicas. “Só eu, a Pandora e mais uma amiga pudemos levantar a bandeira naquela época. Mas embora parecesse pouco, já éramos três. Podíamos fazer algo, e fizemos alguns cartazes com palavras de ordem indicando que éramos sapatonas e que tínhamos orgulho!”, relata Ariane. O ano de 2009 foi muito intenso, pois era uma grande novidade ter lésbicas organizadas na cidade de Vitória. “A gente ia nas casas das pessoas e chamávamos um monte de mulheres para conversar. Era massa! Fazíamos muitos encontros com cinema e com temáticas específicas”, conta orgulhosamente Ariane. Do ano de fundação até meados de 2011, o pequeno grupo de mulheres foi convidado a ocupar todo e qualquer espaço que tivesse temática LGBT+ e que quisesse ter uma mulher falando. Isso, segundo Ariane, sobrecarregou bastante as integrantes. Nos anos seguintes, até meados de 2017, o grupo continuou existindo e atuando quando podia, conforme surgiam convites para participações em eventos, ocupando mesas de debates e sempre contribuindo para a luta de alguma forma. A sobrecarga, porém, fazia com que os eventos promovidos pelas integrantes fossem cada vez mais escassos. Foi em 2018 que a vontade de retomar as atividades do grupo fizeram com que integrantes antigas e novas mulheres que gostariam de se organizar politicamente se encontrassem. Dos encontros, nascia uma nova configuração do grupo, com mais participantes, mais energia e a mesma vontade de sempre de ajudar outras lésbicas pelo caminho. Da nova configuração vieram algumas atualizações: o coletivo passou a ter presença online com a criação de perfis em redes sociais, começou a promover encontros, oficinas, eventos próprios e, inclusive, publicações em formato de fanzine.

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Um novo momento de luta também contava com pautas novas, como, por exemplo, a luta contra a invisibilização da mulher lésbica não apenas na sociedade como um todo, mas também dentro do próprio Movimento LGBT+ - não é à toa que quase não tivemos expoentes de mulheres lésbicas e bissexuais na parte mais histórica deste livro, por exemplo. Em busca da promoção de cada vez mais espaços para que as mulheres também pudesse contribuir para a luta LGBT+, o coletivo Santa Sapataria atuou e atua veementemente no estado. Uma matéria publicada no Jornal A Gazeta em 2019 discute sobre a invisibilidade da mulher lésbica no estado e aponta: “as mulheres lésbicas ainda têm suas relações apagadas em diversos âmbitos da sociedade, principalmente por conta de que, muitas vezes, essas relações ainda são fetichizadas e ligadas aos desejos masculinos”. O material vai além e discute a interseccionalidade da questão. “Vale ressaltar que, no caso de mulheres negras e periféricas, essa violência e apagamento é ainda maior”, diz o artigo. Por conta deste cenário, o movimento de mulheres lésbicas do Espírito Santo historicamente é reconhecido como um produtor de espaços de debates que relaciona orientação sexual com outras pautas sociais como a questão socioeconômica, feminista e de negritude/branquitude. Uma conquista e tanto para o movimento de mulheres lésbicas do Espírito Santo foi a instituição da Marcha pela Visibilidade Lésbica, em 2018. A primeira edição da marcha, organizada pela Santa Sapataria, surpreendeu os participantes pela quantidade de pessoas e também pela animação. Em vez de somente marchar e gritar palavras de ordem, as mulheres lésbicas promoveram oficinas de tambores de latas e criaram um repertório específico para o evento, o que resultou no que chamaram de “batucada sapatão”. A marcha, que já se repetiu em 2019, marca um importantíssimo passo para a luta das mulheres lésbicas no estado.


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Os homens (trans)formando a sociedade O movimento organizado dos homens trans pode ser considerado recente em todo o território nacional. No caso específico dos homens trans no Espírito Santo, foi somente em 2015 que o primeiro grupo focado nesse público foi instituído no território capixaba. Mais precisamente, foi no dia 30 de junho de 2015 que o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade - Ibrat, de atuação nacional, iniciou sua jornada no estado. Tudo começou, como de costume, com uma inquietação. “O Mateus Pedrini, pensando sobre questões de transmasculinidades, percebeu que no Estado não tinha muito estudo focado nisso e nem um movimento para essa luta específica. E então junto com o professor Alexsando Rodrigues, da Ufes, eles entraram em contato com o coordenador nacional do Ibrat e articularam o que viria a ser o primeiro evento 100% focado em transmasculinidade”, conta Murilo Lopes Teixeira, um dos integrantes do grupo. O evento saiu, inclusive, na mídia local, o que contribuiu para que pessoas como o próprio Murilo pudesse ficar sabendo do movimento. Esta foi a “inauguração” do grupo e foi neste mesmo espaço que os homens trans presentes deram seus primeiros passos rumo a organização coletiva. “Formamos o primeiro núcleo do Ibrat naquele dia”, explica Murilo. Ainda muito novos nos Movimentos Sociais, os homens trans contaram com a ajuda de muita gente nesses primeiro momentos, em especial a ajuda das mulheres trans, que de luta e de organização coletiva já entendiam há tempos. Nomes como Flavia Ravache, Viviana Corrêa e de Deborah Sabará são lembrados com carinho como pessoas que acolheram e ajudaram nesse processo. Espaços começaram, desde então, a serem ocupados por eles e o desenvolvimento do coletivo vem acontecendo de forma constante. “A ideia do grupo sempre foi buscar reunir os meninos, passar informações importantes para frente e principalmente fortalecer a visibilidade. Também é sempre preciso mostrar os direitos e deveres que eles têm e ocupar os espaços que vão aparecendo para que a gente consiga influenciar os discursos e, por meio de políticas públicas efetivas, a vida

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dessa população”, explica Murilo. Uma grande conquista para esse movimento foi fruto de muita luta e determinação. Em parceria com a Defensoria Pública o grupo conseguiu garantir o respeito à identidade de gênero de travestis e transexuais interessadas e interessados na realização das provas do concurso público para o Corpo de bombeiros. Segundo matéria publicada no portal Século Diário, “a entidade entrou em contato com o Corpo de Bombeiros Militar com o intuito de defender a participação das travestis e transexuais no processo seletivo com respeito à identidade de gênero autodeclarada, conseguindo êxito, quando o Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo acolheu integralmente os argumentos expostos pela Defensoria e promoveu a retificação do edital do processo seletivo”.

Homem? Mulher? O movimento que questiona o binarismo O termo Transgênero funciona como uma espécie de guarda-chuva que contém diferentes abrangências do espectro trans. Uma dessas abrangências diz respeito às pessoas não-binárias, ou seja: pessoas que não se sentem contempladas pela existência binária dos gêneros em que só se pode ser homem ou mulher. Essa temática é relativamente nova no Movimento LGBT+ do Espírito Santo, mas é importante ressaltar que todo movimento de visibilidade se inicia incipiente, por isso, faz-se essencial demarcar este lugar neste livro de memória. Embora considerado ainda incipiente, é importante ressaltar que esse debate está acontecendo e crescendo a cada ano. “O debate em torno das pessoas não-binárias ainda acontece muito no campo pessoal aqui no Espírito Santo. Pessoas que se identificam dessa maneira levantam suas questões em espaços já politicamente organizados, mas ainda não fazemos esse debate como grupo social”, explica Helloy Scárdua, militante LGBT. “As pessoas não-binárias enfrentam um problema muito específico que é ainda sentir muito medo de tocar neste assunto, uma vez que são pessoas dentro do espectro trans e que, por isso, primeiro precisam reafirmar a luta trans, antes de qualquer coisa. Se a sociedade ainda


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tem tanto problema para compreender os transicionamentos de gênero - que são super binários, ou seja, as mulheres e os homens trans - como falar sobre as pessoas que não se enxergam dentro dos dois gêneros conhecidos por todos?”, questiona. Mas, ainda que vagarosamente, a pauta tem andado no Estado. De acordo com Helloy, um grande avanço que podemos observar nos últimos anos é o crescimento do diálogo sobre as pessoas não binárias dentro do Movimento LGBT+. “A teoria queer e as demandas não-binárias têm feito parte de eventos das entidades que militam pela causa LGBT+ no Estado, o que, de fato, dá mais visibilidade para essa luta. Há muito para percorrer, mas, certamente, não estamos paradxs”.

Bissexuais: um movimento que pode ganhar mais força Os que aqui chamamos de novos movimentos de luta LGBT+ são formados por pessoas em comum que decidiram encampar lutas coletivamente. Não necessariamente formando grupos ou entidades, mas dando um tom comum às reivindicações e chamando para si a responsabilidade da autoridade para falar sobre determinado assunto. Assim aconteceu com as mulheres lésbicas na Grande Vitória, que, ao se organizarem coletivamente, deram um passo fundamental como grupo social e, ao longo de uma década de história, entre altos e baixos, ganhou maturidade suficiente inclusive para realizar marcha própria no Estado. Quando se fala no movimento de pessoas bissexuais, entretanto, a sensação é que este passo ainda não foi dado. É evidente que existe luta bissexual no Espírito Santo e que ela é importante, porém o que pudemos observar ao pesquisarmos para a construção deste trabalho é que esse grupo de pessoas milita conjuntamente com a comunidade LGBT+ como um todo. E não há necessariamente problema algum neste cenário, só fazemos aqui o apontamento que, pelo menos até o momento, não existe nenhum grupo focado somente em pessoas bissexuais no Espírito Santo. Escrevemos isso não somente para registrar que talvez esse possa

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ser um dos próximos passos que o Movimento LGBT no estado pode tomar, mas também para provocar pessoas que eventualmente se sintam incomodadas com a situação. No passado, a Santa Sapataria se autodenominava um coletivo de mulheres lésbicas e bissexuais. Tal característica foi revista pela nova formação do coletivo em 2018, quando o grupo se atentou para o fato de que trazia no nome a bissexualidade, mas que nenhuma de suas integrantes e/ou ações eram de fato bissexuais. Como acontece com o movimento de pessoas não-binárias que ainda é incipiente, a pauta segue sendo debatida em eventos, datas alusivas e em alguns espaços. O que comprova que a luta não está na estaca zero e ainda tem inúmeros possíveis caminhos a seguir.


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Posse dos conselheiros do 1º Biênio do Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos LGBTs, 2017.

1ª Marcha pela Visibilidade Lésbica do Espírito Santo, 2018. Foto: Thais Carletti.


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MUITA LUTA, ALGUMAS CONQUISTAS “É necessário que o estado do Espirito Santo tenha, de fato, um estudo e política sistematizada para assegurar que nós, LGBT+, tenhamos o direito ao acesso e permanência na escola, tratamento na saúde, segurança, emprego”. Christovam Mendonça13

As conquistas Estaduais e Municipais que o Movimento LGBT vivencia atualmente são frutos de intenso trabalho e da inquietude daqueles que desde o final da primeira década dos anos 2000 se constituiram de maneira organizada e bem articulada em diferentes setores da sociedade capixaba para lutar contra a LGBTfobia. As glórias deste movimento começam, aos poucos, a aparecer. Espaços estão sendo conquistados, lutas estão sendo cada vez mais encampadas e podemos considerar que nos últimos dez anos esse movimento conquistou ainda mais espaço no estado - espaço este que ainda é pequeno para quem tem de viver diariamente com o peso do estigma e com a LGBTfobia enraizada na sociedade, porém grandioso para um movimento que se organizou de forma espontânea mesmo com tanta dificuldade e que já venceu muitas batalhas. Os avanços conquistados, contudo, não podem ser interpretados – e não o são – como o melhor que o Espírito Santo e que os seus municípios podem fazer por essa população. Ainda há muitas batalhas para vencer, muito preconceito para derrubar e muita lei para ser aprovada. No âmbito do Legislativo, por exemplo, ainda não há uma lei estadual que criminalize a LGBTfobia. A maioria das Secretarias do Estado, ao que pudemos perceber com a apuração deste livro-reportagem, não possuem ações que contemplem este público e que contribua para uma promoção de melhores condições, principalmente nos campos da educação, cultura, saúde, mobilidade urbana e trabalho. Carecemos, ainda, de políticas públicas efetivas, que saiam dos pa13 Trecho do discurso do militante Christovam Mendonça na Audiência Pública Homofobia e Políticas Públicas para LGBT (27 de abril de 2012, Assembleia Legislativa do ES.

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peis e que sejam verdadeiramente pensadas para e com a população LGBT+ deste estado. O Movimento LGBT+ no Espírito Santo, de uma forma geral, reconhece as conquistas e luta para ter uma gama ainda maior delas. Segue-se batalhando para a conquisa do tripé da cidadania LGBT+ que, neste momento, já conquista dois dos três importantes pilares. Nesse tripé estão a criação de um Conselho Estadual, a criação de uma Gerência/Coordenação institucionalizada de promoção da Defesa dos direitos LGBT+ e criação de um Plano Estadual de Enfrentamento à LGBTfobia. Como mostraremos a seguir, a aprovação do Conselho Estadual foi conquistada em 2016 (e a efetivação do Conselho em si em 2017) e a Gerência/Coordenação específica os LGBT+ foi conquistada também em 2017, restando somente o Plano Estadual como uma etapa ainda não avançada nesse aspecto da luta. Elencaremos a seguir aquelas que ao nosso ver foram as principais conquistas LGBT+ neste estado. Algumas, protagonizadas pelo Poder Público. Outras, pelo Movimento da Sociedade Civil Organizada. Mas, sem dúvidas alguma, todas as conquistas, listadas aqui ou não, são fruto da luta e resistência das pessoas que em diferentes épocas e contextos reafirmaram seus direitos à existência, à liberdade e à igualdade. Sabemos, é claro, que não seria possível dar conta de todos os frutos produzidos por um movimento tão heterogêneo no grande espaço de tempo que nos propomos a analisar aqui. Por isso, buscamos compilar somente alguns pilares, as conquistas evidentes. De forma alguma optamos por fazer isso de forma reducionista, vale ressaltar. O esforço é somente para que tenhamos um ponto de partida e um de chegada. Por isso, abordaremos a institucionalização da luta com as coordenações, gerências, leis e decretos existentes, as conferências estaduais realizadas, a atuação do Fórum LGBT no estado, a criação do Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+, as audiências públicas, a inauguração do Ambulatório Trans e as Paradas LGBT+ que acontecem praticamente todos os anos em municípios do estado.


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A luta institucionalizada: coordenações, gerências, leis e decretos Em 2002 a primeira lei no Espírito Santo voltada para a população LGBT+ foi aprovada: a Lei 7.155/2002 que versa sobre a inclusão de matéria sobre orientação sexual no currículo de ensino fundamental da rede estadual de ensino do Estado do Espírito Santo. A temática, mais atual do que nunca, desde então não deixou de ser uma reivindicação do Movimento LGBT+ no estado, que sempre lutou e continua lutando para que o ensino seja mais receptivo à diversidade. Embora outras iniciativas como programas, eventos e conferências já acontecessem institucionalmente desde o início dos anos 2000 sem grandes sucessos evidentes, como foi o caso da implementação do Brasil Sem Homofobia em 2005, foi somente em 2009 que o estado conseguiu aprovar a Lei 9.310/2009, que institui o Dia Estadual de Combate à Homofobia. Em 2017, entretanto, a vitória foi mais concreta, já que a estrutura governamental ganhou, pela primeira vez, uma área específica para tratar as questões da diversidade sexual. A Coordenação de Políticas Públicas para Diversidade Sexual e de Gênero foi criada pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) com o intuito de desempenhar um trabalho de articulação e execução de políticas públicas junto ao Movimento LGBT+, “estabelecendo parcerias com outras Secretarias Estaduais, Prefeituras Municipais, Empresas Privadas e Movimento Social Organizado”, de acordo com o Relatório de Gestão da Coordenação de Políticas Públicas Para a Diversidade Sexual e de Gênero de 2018. “As Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) podem ser definidas como um conjunto de ações, projetos e atividades que são desempenhados pelo Estado e também pela sociedade civil, a fim de promover a Inclusão de grupos sociais anteriormente marginalizados e em estado de vulnerabilidade. As políticas públicas, na prática, são a defesa e garantia de direitos assegurados constitucionalmente no reconhecimento dos novos direitos. Assim, tais políticas corroboram para garantir e reconhecer a cidadania deste público, tal como a visibilidade para as pautas, anseios, deman-

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das, produção, cultura e identidade LGBT” (Relatório de Gestão da Coordenação de Políticas Públicas Para a Diversidade Sexual e de Gênero). Em 2019, a pauta ganha uma nova e importante vitória: a Coordenação passa a ser gerência, o que fortalece a luta e garante mais estabilidade dentro da SEDH. Em Junho de 2018, a SEDH assinou o Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência LGBTfóbica. O pacto nacional prevê uma série de medidas que têm como principal objetivo minimizar o crescimento exacerbado da violência contra a população LGBT. A validade do documento é de dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois. Entre outras responsabilidades do estado para com o pacto, está contribuir com a articulação de recursos financeiros para financiar ações propostas no Plano de Ação e, ainda, em divulgar e fornecer dados relativos às denúncias de violações de direitos humanos do Disque Direitos Humanos. Quando o assunto se volta para os municípios, dos 78 que compreendem o Espírito Santo somente dois possuem em sua estrutura administrativa uma Gerência/Coordenação voltada para a pauta LGBT+: os municípios de Cariacica e Vitória. Vitória. A capital Vitória, que foi o primeiro município a instituir um Fórum Municipal, criado, segundo o portal da Prefeitura, no final de 2005, só foi ganhar uma Coordenação específica voltada à temática LGBT+ em 2010. Em 2006 a pauta LGBT ganhou mais força no município com a criação da Coordenação de Atendimento às Vítimas de Violência e Discriminação (Cavvid), que fazia atendimentos às vítimas de violação de direitos humanos com foco na violência doméstica, discriminação de gênero, racial e por orientação sexual. De lá pra cá, entretanto, as conquistas pararam no tempo: apesar de quase quinze anos de luta institucionalizada, ainda não possui Conselho Municipal LGBT e nem Plano Municipal de Enfrentamento à LGBTfobia. Faz-se necessário, entretanto, relatar que felizmente o município conta com as seguintes leis: Lei 8.552/2013 que institui o dia Dia Municipal Contra a Homofobia e


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o insere no calendário oficial de eventos do município de Vitória; Lei 8.585/2013 que dispõe sobre os parâmetros para a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta; Lei 8627/2014 que dispõe sobre a prática de discriminação no município de Vitória, incluindo a discriminação por orientação sexual. Cariacica. O município de Cariacica foi o primeiro a criar uma Coordenação voltada à pauta LGBT+ e, atualmente, é o que mais se aproxima de ter o Tripé da Cidadania LGBT. Por meio da lei 4697/2009 instituiu a Coordenação de Política de Promoção da Diversidade Sexual e com a Lei nº 020/2013, criou o primeiro Conselho Municipal de Enfrentamento à Discriminação LGBT e Promoção de Direitos do Espírito Santo. Colatina. Outro município que também conta com legislação voltada para o público LGBT+ é Colatina, pioneira nesse tipo de ação com a lei criada em 2007. Com a Lei nº 5.304/2007 institui no âmbito do município de Colatina a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, e identidade sexual, além de estabelecer penalidades aos estabelecimentos localizados no município que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual e identidade de gênero. Cachoeiro de Itapemirim. O município de Cachoeiro de Itapemirim conta com uma lei, de 2013, que instituiu o dia 17 de maio como o ‘Dia de Luta Contra a LGBTFobia’, no âmbito de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

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As Conferências Estaduais

Quatro anos após a tentativa da implantação do programa federal Brasil Sem Homofobia, a I Conferência Estadual de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais no Espírito Santo foi realizada, entre os dias 27 e 28 em abril de 2008. Essa conferência precedeu o encontro nacional que ocorreu em junho do mesmo ano, em Brasília, e foi convocada por um decreto assinada pelo presidente da República à época, Luiz Inácio Lula da Silva. No Estado, a Conferência foi convocada pela Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social. Pode se dizer que de fato representou um marco na luta pelos direitos humanos LGBT+ no Espírito Santo, porém, a sua importância se deu muito mais pelo pioneirismo e amplitude do que pelas políticas públicas institucionalizadas pelo encontro em si. A intenção, com as Conferências Estaduais, era propor diretrizes para a implementação de políticas públicas e do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, avaliar e propor estratégias para fortalecer o Programa Brasil Sem Homofobia, bem como escolher delegados que teriam poder de voto na etapa nacional e discutir a realidade local, definindo propostas de políticas públicas que seriam expostas e debatidas no encontro em Brasília. A 1ª Conferência Estadual LGBT foi realizada entre os dias 27 e 28 de abril de 2008, no Alice Vitória Hotel, no Centro de Vitória. Os aproximadamente 150 participantes discutiram um texto base escrito pelo Governo Federal para nortear o debate das conferências. O texto base dizia que essas conferências representavam um marco histórico na luta pela Cidadania e Direitos Humanos da população GLBT, que tinha a grande responsabilidade de discutir e propor, de forma coordenada e com a garantia de participação popular, as políticas que nortearão as ações dos Poderes Públicos. Como é possível perceber, a 1ª Conferência LGBT representou um importante espaço de discussão e formulação de propostas, mesmo que a grande maioria ainda não tenha se concretizado no Estado. O cenário,


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não há como negar, era diferente do atual: um número restrito de entidades LGBTs que, consequentemente, tinha menos voz e que ainda era relativamente desarticulado e um Governo que não contava com uma Subsecretaria específica para tratar a questão dos Direitos Humanos, estando, este tópico, representado pela pasta da Assistência Social em uma secretaria que, sobrecarregada, cuidava ainda de questões relacionadas ao Trabalho e Desenvolvimento Social, a Setades. Esse evento foi mais um passo importante para que caminhada LGBT chegasse ao cenário atual, que conta com uma pluralidade de vozes, políticas institucionais mais acentuadas e debate mais ampliado. Dessa forma, arriscamos dizer que talvez uma das principais contribuições deste primeiro passo tenha sido a promoção de uma maior articulação entre o movimento social LGBT e o Governo do Espírito Santo e do próprio movimento entre si. A II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) foi realizada nos dia 06 e 07 de novembro, de 2011. Com o tema central “Por um país livre da pobreza e da discriminação: Promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”, a Conferência teve como objetivo avaliar e propor diretrizes para a implementação e execução do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, bem como sugerir estratégias para seu fortalecimento. O evento foi organizado pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos (SEASTDH), por meio do Decreto no 2810- R, de 25 de julho de 2011, assinado pelo governador em exercício, Givaldo Vieira da Silva, e foi realizado no Sesc Ponta Formosa, em Aracruz. De acordo com o relatório final da Conferência, essa ação foi feita para dar continuidade aos avanços em prol da promoção da cidadania de LGBT, cujo marco foi a realização da I Conferência Nacional, em 2008. A etapa estadual foi antecedida pela realização de 08 Conferências Municipais e 03 Conferências Regionais, envolvendo 42 municípios do Estado e 1.134 participantes, entre delegados (as) e convidados(as). Esses números comprovam o resultado da mobilização realizada pela Subsecretaria Estadual de Direitos Humanos e pela Comissão Organizadora.

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Participaram da 2ª conferência 196 pessoas, entre eles, 180 delegados e delegadas eleitas nas etapas municipais e regionais, e 16 convidados. Foram escolhidos 16 delegados (dez para a sociedade civil e seis para o poder público) que representaram o Estado na II Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, durante os dias 15 e 18 de dezembro do mesmo ano. O relatório final da conferência estadual traz duas moções de repúdio - contra o Senador Magno Malta, “diante da postura do Senador Magno Malta, pelo uso do poder político e uso da religiosidade para ridicularizar, difamar e excluir a população LGBT, dificultando o seu acesso à cidadania plena” – e à Secretária Municipal de Saúde do município de Vila Velha/ES, pela “(...) situação em que se encontra o Programa Municipal de DST/Aids de Vila Velha. Considerando que o programa esta sucateado, solicitamos ao Conselho Municipal de Saúde que assuma o seu papel de agente fiscalizador e cobre as devidas providências ao gestor municipal. Solicitamos, ainda, a intervenção do Ministério Público Estadual para a garantia dos direitos humanos das pessoas vivendo com HIV/Aids e das demais pessoas que procuram este serviço”. (RELATÓRIO FINAL, 2011). O documento traz ainda uma moção de recomendação ao Governador, Renato Casagrande, para que “considerando as graves violações de direitos humanos, o Sr. Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, crie a Secretaria Estadual de Direitos Humanos”. Para o militante Antônio Lopes, a 2a Conferência Estadual representou um importante evento para a questão homossexual no Estado. “Tivemos um salto muito significativo da primeira pra segunda, já vimos um aceno da possibilidade de se construir um cenário melhor. Tivemos um resultado bacana em termos de números de municípios participantes e debates”. Pelo direito à Diversidade Sexual e Identidade de Gênero de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o Governo do Estado do Espírito Santo convocou e realizou a III Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT. Segundo o relatório final, a construção desta Conferência não foi fácil, “diante de um cenário de crise econômica, aliado a dificuldade de alguns municípios em discutirem a temática, além da mudança da


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subsecretaria de direitos humanos para a vice-governadoria do Estado”. A mobilização ficou prejudicada, no entanto, duas conferências regionais foram realizadas, além de duas conferências livres e quatro conferências municipais, envolvendo cerca de 600 pessoas entre delegados(as) e convidados(as). Na Conferência Estadual 138 participaram, sendo 108 delegados e delegadas do Espírito Santo, advindos dos municípios que se reuniram nos dia 06 e 07 de dezembro de 2015 para discutir, debater, conferir e traçar políticas públicas para o combate a violência e promoção da cidadania LGBT. Do relatório final: “o debate foi rico, conseguimos pensar propostas inovadoras para as políticas de combate a violência e promoção da cidadania LGBT, é tempo de avançarmos na efetivação e implementação destas políticas, é hora dos governos municipais, estaduais, federal e da sociedade civil organizada unirem forças e trabalharem juntos em prol de efetivarmos a cidadania e os direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.” Foram escolhidos 27 delegados (20 para a sociedade civil e sete para o poder público) que representaram o Estado na III Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, no mesmo ano. Com o tema “A garantia do direito à diversidade sexual e de gênero para a conquista da democracia”, a IV Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT foi realizada pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) e pelo Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+. O evento, de acordo com o portal da SEDH, reuniu cerca de 200 pessoas e representantes de mais de 30 municípios do Estado no Hotel Praia Sol, em Nova Almeida. A Conferência Estadual discutiu, prioritariamente, as propostas para a criação do Plano Estadual de Enfrentamento da LGBTfobia, que irá contribuir para a implementação das políticas públicas para a população LGBT+ capixaba. Os debates e propostas da IV Conferência se estruturaram em três eixos: Direitos Sociais e o acesso à cidadania; Políticas Públicas de Pre-

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venção e Combate à Violência LGBTfóbica; e Política Nacional. O objetivo principal foi tratar dos direitos da população LGBT+ do Espírito Santo e traçar propostas para as políticas públicas em âmbito municipal e estadual, especialmente no que diz respeito à saúde, cultura, justiça, assistência social, segurança, participação social, entre outros. O relatório final da IV Conferência não foi finalizado até a publicação deste livro, por isso não trouxemos informações oficiais mais detalhadas sobre a edição.

Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+ A demanda por um Conselho Estadual específico para a temática LGBT+ é antiga e sempre foi debatida pelo Movimento LGBT+ no Estado do Espírito Santo. Antes de ter um Conselho próprio, as questões LGBT+ eram debatidas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos ou em espaços extra-oficiais como é o caso do Fórum Estadual em Defesa da cidadania LGBT+. O ano de 2016 terminou com essa importantíssima conquista para os Direitos Humanos e para a militância LGBT do Espírito Santo. A aprovação da criação do CELGBT+ surpreendentemente aconteceu por unanimidade entre os deputados estaduais presentes na votação. Fábio Veiga, militante LGBT+ e presidente do primeiro biênio do Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (2017-2019) explica que sua criação foi uma luta conjunta. “É importante registrar que essa não é uma vitória apenas para a geração de militantes atual, pois ativistas desde a década de 90 vem trabalhando para que o ES tenha um espaço institucional como esse para a garantia das políticas públicas para a nossa população”, explica. Sobre o primeiro biênio do CELGBT+, Fábio conta que as atividades foram diversas. “O Conselho fez reunião com todas as Secretarias de Governo que têm algum tipo de proximidade com a temática, criando


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assim possibilidades diversas de atuação. Fizemos também cobranças de políticas, participamos e construímos seminários, rodas de conversa, fizemos visita ao presídio para fazer contato com a população de gays, bissexuais e trans. Além disso, as nossas câmaras técnicas monitoraram as políticas em diversas áreas”. O Conselho LGBT+ tem por objetivo tratar, de forma participativa, dos assuntos inerentes à promoção, proteção e defesa da população LGBT, com os recortes de diversidade sexual e de gênero hábeis a atenderem aos anseios e às demandas deste segmento da sociedade. Constituído de forma paritária, por 12 membros representantes do poder público estadual e por mais 12 membros representantes da sociedade civil, dos quais 11 eleitos dentre candidatos apresentados por organizações sem fins lucrativos ou coletivos com sede e atuação no território do Estado, e um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES). Na parte da sociedade civil está garantido o percentual de 60% de pessoas com identidade de gênero feminina e assegurada, pelo menos, uma vaga à representação para cada um dos segmentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, podendo ser representados por associações, grupos, fóruns municipais, regionais e estaduais voltados à promoção e defesa dos direitos da população LGBT+; instituições ou coletivos da comunidade científica que desenvolvam estudos ou pesquisas sobre tal grupo; e entidades profissionais, órgãos de classe e sindicatos que tenham atuação na promoção, defesa ou garantia de direitos da população LGBT. A sensação, segundo Fábio, é que ao final desta primeira gestão pode-se dizer que o trabalho valeu a pena. “Este é um Conselho altamente ativo pelos seus membros. Sempre tivemos um quorum qualificado com debates qualificados. Foi só o início dessa atuação importantíssima para o Movimento LGBT+ no Espírito Santo”, finaliza.

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Fórum Estadual em Defesa da Cidadania LGBT+ O Fórum Estadual em Defesa da Cidadania LGBT+ foi criado com o propósito de articular a luta em defesa dos direitos das pessoas LGBT+, pensar políticas públicas, debater temas importantes e organizar agendas comuns ao movimento no Espírito Santo. É um espaço permanente e, de acordo com sua carta de princípios, “uma articulação estadual de entidades governamentais e não governamentais de luta pelos direitos dos LGBT+, acima de distinções religiosas, raciais, ideológicas ou partidárias, aberta à cooperação com entidades governamentais e não governamentais para a consecução de seus objetivos”. Segundo a página do Fórum na rede social Facebook, a organização fomenta “a valorização da diversidade sexual, primando pela autonomia e pela liberdade individual, e a consecução do respeito e da dignidade humana de todas as pessoas, através das condições que favoreçam a conquista da cidadania plena de todos e todas e da conquista dos direitos sexuais e reprodutivos, independente de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero”. Este Fórum realiza reuniões e discussões periódicas abordando os assuntos atuais que envolvem essa parcela da população, promovendo eventos, auxiliando na articulação de grupos e entidades que tenham a temática como fio-condutor e constitui um espaço de extrema importância na discussão e disseminação de informações referentes à comunidade LGBT+. Outro importante feito do Fórum, tem sido a organização das programações alusivas às datas referentes à luta LGBT+ no Estado. O espaço tem reunido todos os eventos nos meses que contam com datas importantes e organizado uma agenda comum ao estado, o que contribui e muito para a visibilidade das ações e também para a manutenção da memória desses eventos, uma vez que fica tudo registrado nas redes sociais do Fórum. A militante e participante do Fórum Estadual, Deborah Sabara, vê o espaço com bastante importância para o Movimento LGBT+. “O Fórum é um dos maiores instrumentos políticos da luta LGBT+ no Estado. Não podemos nos esquecer de todas as pessoas que já passaram por esse


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espaço, todas foram importantes. Já fomos parceiros, nos ajudamos, concordamos, discordamos, brigamos, gritamos, choramos... mas sempre juntos e sempre promovendo um debate enorme no Estado”. No passado, o Fórum já se organizou como um grupo de e-mails, mas com o passar dos anos e o surgimento de novas formas de comunicação, esse espaço também passou por mudanças. Hoje conta com uma página sempre atualizada no Facebook, um perfil igualmente atualizado no Instagram e um grupo ativo que troca informações, debate sobre temas da atualidade e divulga eventos relacionados à pauta no whatsapp, que em janeiro de 2020 conta com 81 participantes.

Audiências públicas pelo fim da LGBTfobia A audiência Pública “Homofobia e Políticas Públicas para LGBT” foi realizada na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) no dia 27 de abril de 2012. A convocação da audiência foi feita pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Ales, mas o evento foi solicitado pelo Fórum Estadual LGBT. O evento contou com a presença de cerca de 100 pessoas entre representantes de entidades da sociedade civil e poder público. Estiveram presentes na audiência o deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), o coordenador do Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, que vieram ao Estado e discutiram propostas, o Subsecretário de Direitos Humanos Perly Cirpiano, Fábio Luiz Amorim, representando a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo, Julimar Spares, representante da Secretaria de Estado de Saúde, João José Sana, Secretario de Esporte, Cidadania e Direitos Humanos, Flávia Brandão representando a OAB, Gilmar Ferreira, presidente do Conselho Estadual de Direitos humanos, Antônio Lopes e Deborah Sabará representando o Fórum Estadual LGBT, Gilma Alves Batista, Defensor Publico Geral do Espirito Santo, Carla Rezende, representante da Secretaria de Turismo e Sergio Almeida Melo, representante do Secretário de Segurança. Antes de participar da audiência pública, o então deputado Jean Wyllys e representantes do Fórum Estadual LGBT+ se encontraram com

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o governador do Estado Renato Casagrande, que se comprometeu em atender aos pedidos dos militantes. No dia 12 de novembro de 2013, mais uma vez a Ales foi ocupada pela temática LGBT+, dessa vez focada na construção do Tripé da Cidadania LGBT+. “A Consolidação de Direitos para a Diversidade Sexual” foi o tema do debate, que contou com a palestra do, à época, coordenador-geral de Promoção dos Direitos de LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Gustavo Bernardes. Na composição da mesa estiveram o deputado Cláudio Vereza (PT) e o então secretário de Direitos Humanos e Cidadania da Serra, Sebastião Sabino. Também participaram representantes dos movimentos LGBT+ e de Direitos Humanos, como o membro do Fórum Estadual pela Cidadania LGBT+ Fábio Veiga e o diretor da Diversidade Sexual do Sindicato de União dos Professores do Espírito Santo (Sindiupes), Cristovam de Mendonça. Já em maio de 2016, a Ales abriu espaço para debater as políticas públicas voltadas para o Movimento LGBT+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros. A audiência pública “Política Social e a População LGBT” foi uma iniciativa do deputado Sergio Majeski (PSDB). Um dos objetivos da iniciativa, segundo Majeski em entrevista ao Portal da Ales, foi diminuir o preconceito que atinge esse segmento. “Estamos falando de uma população que precisa de visibilidade. Mais do que isso, precisamos informar a população para que diminua a quantidade de preconceito, pois o mesmo é fruto do não conhecimento, da falta de informação.”, afirmou. Os convidados foram as integrantes do Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo, Ana Regina Bourguignon e Natália Becher; o então coordenador da Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY) no Espírito Santo, Fábio Veiga; a presidenta do Grupo Orgulho Liberdade e Dignidade, Deborah Sabará; e o então vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade no Espírito Santo, Murilo Lopes Teixeira. Por fim, em julho de 2019, foi a vez de debater sobre a construção de um plano estadual para lutar contra o preconceito sofrido pelas pes-


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soas LGBT+. A audiência pública “Construção do Plano de Enfrentamento à LGBTfobia” foi proposta pela deputada e vice presidente da Comissão de Direitos Humanos, Iriny Lopes (PT). Compuseram a mesa o gerente de Política de Diversidade Sexual e Gênero da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), Renan Cadais, o Secretário Municipal de Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho de Vitória, Bruno Toledo, a presidente da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabará e a integrante do coletivo Santa Sapataria, Carolina Maria.

O Ambulatório Trans Uma vitória e tanto para o Movimento LGBT+ no Espírito Santo aconteceu quando o hospital universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) foi habilitado pelo Ministério da Saúde para realizar procedimentos ambulatoriais do processo transexualizador. De acordo com matéria publicada no portal do Ministério da Saúde, 10 serviços foram habilitados para processo de redesignação sexual no país, sendo 5 centros hospitalares e ambulatoriais e 5 centros com atenção apenas ambulatorial. Esse foi o primeiro serviço do estado do Espírito Santo a ser habilitado, uma demanda antiga pela qual o Movimento LGBT+ sempre lutou. O hospital faz atendimento multidisciplinar e exames complementares necessários à população trans. Os serviços habilitados têm como responsabilidade oferecer a assistência diagnóstica e terapêutica especializada aos indivíduos com indicação para a realização do processo transexualizador no âmbito do SUS. Em 2017, o SUS realizou 9.364 procedimentos ambulatoriais e 83 procedimentos cirúrgicos. Segundo Rafael Alcântara, atendido pelo ambulatório em seu processo transsexualizador, a realidade na maioria dos casos é que as pessoas trans acabam se hormonizando por conta própria justamente pela carência de serviços como esse. “O ambulatório trans é o local em que me sinto seguro para ser atendido sabendo que vou conseguir resolver os problemas de saúde que eu possa ter, sendo tratado como quem eu

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realmente sou. Eu o vejo como uma esperança para todas as pessoas trans que desejem iniciar uma transição com segurança”, relata. E acrescenta: “ter um espaço como esse é muito importante para ter acompanhamento médico e realizar tudo de forma mais segura”. Desde 2008, o SUS oferece cirurgias e procedimentos ambulatoriais para pacientes que precisam fazer a redesignação sexual. São eles: cirurgias de redesignação sexual; de mastectomia (retirada de mama); plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone) e; cirurgia de tireoplastia (troca de timbre de voz). Além disso, no campo ambulatorial, há terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré e pós-operatório. Por se tratar de um hospital-escola, Rafael aponta que há uma grande importância política na sua existência também. “O Ambulatório promove o encontro de muitos profissionais cisgêneros com pessoas trans. Eles acabam podendo vivenciar os problemas da nossa população e esse contato direto é muito importante”, explica.

Manifestos e Paradas LGBT+ As Paradas e Manifestos do Orgulho LGBT+ se popularizaram no Brasil e viraram uma das ações afirmativas que, de forma abrangente, tornam a pauta mais visível no país. No Espírito Santo, desde a primeira década dos anos 2000, podemos encontrar municípios que realizam muitas vezes por meio de muito esforço do Movimento LGBT e pouquíssimo esforço do poder público - suas manifestações anuais. Entre esses municípios, Serra, Vitória, Cariacica, Colatina, Guarapari, Piúma, São Gabriel da Palha, Linhares, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim já realizaram e/ou ainda realizam anualmente paradas e manifestos pedindo por mais direito e acesso para a população LGBT+. De maneira geral nesses espaços há sempre reivindicações importantes para o Movimento LGBT+ por mais visibilidade, segurança, respeito e acesso à saúde, educação, segurança, trabalho e demais direitos. Há, também, muitos shows, apresentações culturais, festa e


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comemoração pela vida das pessoas LGBT+ que, como todas as outras, são “pra brilhar e não pra morrer de fome”14. Layza Lima, trans e militante pelo Movimento LGBT+ no Espírito Santo já participou da realização de doze Manifestos no município da Serra. De acordo com ela, o evento representa um momento em que é possível sensibilizar gestores do poder público e a sociedade civil para a pauta. “Estamos buscando políticas públicas efetivas, equiparativas, de direitos de igualdade. Os Manifestos são atos político. A gente se diverte e celebra o momento, sempre com a consciência que estamos reivindicando os nossos Direitos à vida, ao trabalho, à renda e à dignidade”, afirma.

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Trecho da música “Gente” de Caetano Veloso.

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Ato público - Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, 2018. Acervo: Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo.

Manifesto LGBT de Vtória, 2019. Foto: Luiza Campos. Acervo: Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo.


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FINALIZANDO, MAS NÃO CONCLUINDO “(...) está certo, nós somos o que vocês dizem, por natureza, perversão ou doença, como quiserem. E, se somos assim, sejamos assim e se vocês quiserem saber o que somos, nós mesmos diremos, melhor do que vocês.” Michel Foucault

Após a realização desse trabalho é possível apontar algumas considerações finais a respeito do Movimento LGBT+ do Espírito Santo. Não julgamos necessário, entretanto, concluir, por não considerarmos que um movimento social, que está em constante processo de mutação, adaptação e renovação seja passível de algum tipo de conclusão. Considerando as complicações de se delimitar algo vivo, compreendemos o Movimento LGBT+ do Espírito Santo como algo muito mais amplo, influente e necessário do que o recorte que aqui se apresenta. Nos preocupamos bastante em não pensar que daríamos conta do todo, mas buscamos ampliar ao máximo os horizontes acerca dessa luta. Sempre conscientes das nossas limitações. Ao iniciarmos o trabalho acreditávamos que seria possível dar créditos pelas conquistas a este ou àquele grupo, quando, na verdade, percebemos que as conquistas, em sua grande maioria, são híbridas: vêm da intercessão provocada pela luta social, por governos dispostos e por, consequentemente, o resultado de tudo isso que acaba provocando uma mudança da ordem pré-estabelecida. Ontem éramos diferentes de hoje. Ontem o Movimento LGBT+ também era diferente de hoje. E assim as mudanças vão acontecendo. Dentro dessa lógica, porém, encontramos protagonistas incansáveis. Gente à frente de seu tempo, que, em vez de esperar pela mudança, a faz acontecer e busca alternativas para minimizar os danos causados pela LGBTfobia que assola a sociedade brasileira e capixaba de forma singular, como nunca antes na história. Gente que, em vez de aceitar a ordem estabelecida, luta diariamente para alterá-la, ampliando direitos, liberdades e possibilidades. Gente que faz da luta social o principal

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aspecto da mudança. Gente que não para. E que não deve parar. Pudemos perceber que o processo de mudança é contínuo. Planta-se hoje para colher os frutos algum tempo depois. Por vezes esse tempo é grande, passa com aspereza, mas é preciso entender que não há outro jeito senão plantar, regar e esperar dar frutos. E é com essa lógica que percebemos que o Movimento LGBT+ no Espírito Santo atua. Fazendo trabalhos preventivos e educativos, cujas consequências virão naturalmente com o passar do tempo. Nesse contexto, o Movimento LGBT no Espírito Santo tem contribuído fortemente para a superação do estigma e tem conquistado, a cada dia, mais espaços na sociedade. Seja discutindo, propondo ou promovendo conhecimento, esse movimento se amplia a cada dia.


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1ª Conferência Estadual LGBT do Espírito Santo, 2008. Foto: Kadidja Fernandes.

Reunião do Fórum Municipal LGBT do Vitória, 2013. Foto: Rafael Ribeiro.


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ENTIDADES, ORGANIZAÇÕES, GRUPOS E COLETIVOS QUE MILITAM PELA CAUSA LGBT NO ESPÍRITO SANTO

Mapeamos as entidades, organizações, grupos e coletivos que seguem atuando na causa LGBT+ no Espírito Santo com a finalidade de criar um catálogo e preservar também a memória atual desta luta. Neste catálogo, também registramos os grupos que foram iniciados e que já findaram suas atividades, pois entendemos que todos eles foram essenciais para estarmos onde estamos hoje. Na época em que o Triângulo Rosa, primeiro grupo a lutar pela temática LGBT+ no Estado, foi criado, era difícil vislumbrar um dia em que essa parcela da população poderia se organizar em coletivos, entidades e grupos para lutar por seus direitos sem precisar realizar reuniões escondidas e correndo o risco de ser abordado pela polícia a qualquer momento. Hoje, porém, embora a realidade ainda não seja a desejada pela população LGBT+ e muitas conquistas ainda estejam no campo do porvir, a situação é outra: é possível lutar divulgando ideias, discutindo os fatos às claras e se posicionando sobre determinados temas publicamente. Bom, pelo menos por enquanto! O Movimento LGBT+ mudou, ganhou amplitude. Porém, o mesmo de-

sejo de mudança que havia no grupo que se reunia mensalmente escondido no Teatro Carlos Gomes há quatro décadas ainda é o que move militantes. Grupos continuam sendo formados para discutir o cenário do preconceito, discriminação e negação de direitos fundamentais aos homossexuais e, sobretudo, para mudar essa realidade.

A ideia é bem próxima à realizada por Antônio Lopes de Souza Neto

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e Ariane Celestino Meirele (2012) no artigo “Sexualidade e Orientação Sexual: notas sobre o Estado do Espírito Santo”. O estudo buscou identificar “iniciativas, estruturadas (ou não), que oferecem significativa contribuição na promoção e defesa dos direitos humanos LGBT” no Espírito Santo. Aproveitamos o material feito por eles e também o Relatório de Gestão da Coordenação de Políticas Públicas Para a Diversidade Sexual e de Gênero de 2018. Unimos aos documentos a pesquisa atual realizada para a formatação deste livro, na tentativa de mapear a maior quantidade possível de grupos.

GRUPOS QUE CONTINUAM EM ATIVIDADE Associação de Gays do Espírito Santo - AGES A Ages foi Criada em 2001 e registrada oficialmente em 2004. Sediada em Vitória, desenvolve trabalhos de prevenção a doenças sexualmente trasmissíveis e de promoção e defesa dos direitos humanos de LGBTs. Realiza diversas atividades: pesquisas em parcerias com a Ufes e seus estudantes, seminários de Prevenção à IST/ AIDS, shows, eventos culturais etc. Além disso, em parceria com a PMV, realizou o primeiro curso de capacitação para travestis, gays deserdados socialmente e profissionais do sexo masculino e feminino entre 2007 e 2008. Redes Sociais: facebook.com/AgesEspiritoSanto ACARD – Associação Capixaba de Redução de Danos A ACARD é uma organização não governamental que foi constituída em 2001 e atua elaborando e executando projetos de prevenção frente às epidemias do HIV/Aids e hepatites virais. Atua, entre outros públicos, com o público LGBT+. Redes Sociais: facebook.com/acard.cidadania


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Associação Linharense de Apoio à Homossexualidade - ALAH A Associação Linharense de Apoio à Homossexualidade - ALAH, tem sede em Linhares e foi fundada em 2005. Já atuou na prevenção de doenças sexualmnte transmissíveis, em parceria com a Prefeitura Municipal, e, entre outras atividades, já realizou o Manifesto LGBT de Linhares. Articulação Brasileira de Jovens LGBT Fundada em 14 de agosto de 2011, na cidade de Natal-RN, sob a denominação Articulação Brasileira de Jovens Gays (ARTGAY Jovem), a Articulação Brasileira de Jovens Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ArtJovem LGBT) é uma rede nacional do Movimento LGBT brasileiro que congrega jovens ativistas e organizações municipais e estaduais com o intuito de fomentar o surgimento e o protagonismo de novas lideranças no Movimento LGBT do Brasil. Conta com um Núcleono Espírito Santo. Redes Sociais: facebook.com/artjovemlgbtES Associação Mães pela Diversidade Coletivo de mães e pais de LGBT que reúnem-se uma vez por mês para conversar sobre seus filhos ou filhas e acolher pais que tenham dificuldade em compreender a orientação sexual de seus filhos e filhas Redes Sociais: facebook.com/MaespelaDiversidade e instagram.com/ maespeladiversidade Astrans A Astrans foi fundada em 2010 por Alexia França visando o empoderamento das Travestis, Transexuais e Transgêneros. Tem como foco o desenvolvimento de ações e atividades buscando a inclusão social e laboral desse recorte da população LGBTQ+. Junto à Associação de Mães pela Diversidade e a AGES, formam o Coletivo Diversidade Positiva.

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Cia Cultural Motumbaxé A Cia Cultural Motumbaxé é um grupo composto por LGBTs que se propõe como um veículo de manifestação artística que se expressa através da dança, desenvolvendo uma proposta estética própria e diversa. O grupo fez parte da coordenação do Fórum LGBT Serra em 2016, além de participar de outros eventos, ações e atividades, como o Manifesto LGBT, rodas de conversas, seminários, palestras, eventos esportivos etc. Redes Sociais: instagram.com/motumbaxe_oficial Coletivo de Diversidade Sexual e Gênero em Anchieta O coletivo produz materiais didáticos e paradidático como animações com a finalidade de explicar conceitos como identidade de gênero e orientação sexual. Realizam o projeto “English to Transform” na cidade e buscam desenvolver outras atividades de educação em Direitos Humanos sobre a população LGBT. Redes Sociais: facebook.com/coletivoanchietadiversidade Coletivo Força Trans O Coletivo Força Trans tem como objetivo unir e criar estratégias de lutas para combater a transfobia, para lutar contra a desinformação e para fomentar a visibilidade de todas as pessoas trans, sejam elas binárias ou não binárias. Redes Sociais: instagram.com/forcatranses Coletivo O outro lado da História O Coletivo O Outro Lado da História é um grupo independente, que promove cultura no município de Anchieta. São os criadores da Passeata Cultural LGBTQ+ de Anchieta e da Semana de Reafirmação da Identidade Negra. Redes Sociais: instagram.com/o.outroladodahistoria


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Divergente O Divergente é um grupo formado por membrxs LGBT, cujo objetivo é discutir e propor ações positivas dentro dos campos dos direitos humanos, seguridade social, formação social, saúde e empoderamento, para auxiliar a população LGBT e lhe dar suporte. O grupo tem atuação no sul do estado, mais precisamente na cidade de Guarapari e região Sul do estado, mas também tem participação em reuniões e encontros na grande Vitória. Com forte viés social, o grupo busca entrar nos espaços públicos, e, ainda, atrair o público jovem para diálogo. Conta com ações em comunidades e possui um projeto só sobre retificação de nome para as pessoas transgêneras. Possui também assistência jurídica e psicológica, no intuito de proporcionar atendimentos ou encaminhamentos. Redes Sociais: instagram.com/divergentecoletivo Diversidade Tem Voz A Associação Diversidade Tem Voz surgiu em meio à conversas e troca de experiência entre amigos que tiveram a ideia de se unir para tratar de diversos assuntos, por entenderem que o ser humano é diverso e isso é o que nos torna iguais. O grupo tem como tema central a Diversidade Sexual e sua proposta é abranger diferentes ideias sobre sexualidade, gênero, corpos e demais aspectos que o ser humano possa ter como individual e comum. Redes Sociais: instagram.com/diversidadetemvoz_ Empoderades Empoderades é um coletivo que surgiu da necessidade de se falar sobre questões de gênero e sexualidade dentro da Universidade de Vila Velha (UVV). O coletivo é formado por estudantes da UVV e o intuito é se articular com estudantes de outras faculdades e escolas e que queiram contribuir para a temática. Redes Sociais: instagram.com/empoderades

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FEJUNES O FEJUNES (Fórum Estadual de Juventude Negra do Espírito Santo) é fruto da aglutinação de jovens comprometidas/os com a transformação social e tem como objetivo organizar a juventude negra do Espírito Santo numa perspectiva autônoma, quilombola, militante, protagonista, democrática, combativa e de resistência, na luta antirracista, contra qualquer forma de opressão, incluindo por orientação sexual e identidade de gênero, e pela emancipação do povo negro. Redes Sociais: facebook.com/fejunes e instagram.com/fejunes Fórum de Travestis e Transexuais do Espírito Santos - Forttes O Fórum de Travestis e Transexuais do Espírito Santos - FORTTES é um espaço coletivo de luta por um Estado livre da transfobia e promotor da paz. Redes Sociais: facebook.com/Forum-de-Travestis-e-Transexuaisdo-Espirito-Santo-FORTTES-795679070624519 Lares O coletivo LARES Aracruz é um grupo de LGBTQI+ do município de Aracruz que tem como propósito acolher, compartilhar vivências e quebrar o poderoso “armário” em que nos colocam. Para além disso, busca entender sobre as questões de gênero e sexualidade mais a fundo, bem como de questões étnico/raciais e as relações de poderes que permeiam o sistema de classe capitalista. O grupo é formado por trabalhadores dos mais diferentes segmentos, estudantes e militantes de diferentes causas. O movimento tem aproximadamente 1 ano de existência. Redes Sociais: instagram.com/coletivolares


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Fórum Estadual LGBT do ES O Fórum é um espaço de discussão e construção coletiva do movimento social LGBT+ do Espírito Santo e importante espaço de controle social. Como Fórum, o grupo tem contatos e abertura para a construção e efetivação das políticas públicas, junto ao poder público e membros da sociedade civil. Redes Sociais: facebook.com/Forum.LGBT.ES e instagram.com/forumlgbt.es Fórum Municipal pela Cidadania de LGBTI da Serra-ES O Fórum Municipal pela Cidadania de LGBTI da Serra - ES é um coletivo que se iniciou como grupo em 2019 e como Fórum em 2011. Atualmente, é o único fórum municipal do Espírito Santo sem interromper suas atividades. Dentre suas conquistas, a mais evidente foi a aprovação no legislativo municipal do manifesto LGBTI no calendário oficial de eventos da prefeitura. Dentre suas atividades estão: a organização de manifestos LGBTI, conferências municipais LGBT, seminários sobre temas diversos, rodas de conversa sobre saúde, piqueniques, luau e torneio de esportes. Redes Sociais: facebook.com/diversidadelgbtserra e instagram.com/serra.forumlgbti Grupo CORES Coletivo de Juventude LGBTQIA+ do Espírito Santo. Juntos pelo orgulho e respeito por meio da conscientização da igualdade como cidadãos e seres humanos. O grupo tem o compromisso de fomentar, criar e executar ações, eventos e atividades afirmativas de cunho sociopedagógico, cultural e político que promovam empoderamento da população LGBTQIA+ e o diálogo com a sociedade, visando superar todas as discriminações, não apenas as por orientação sexual e por identidade de gênero, como também por idade, raça, etnia, origem geográfica, condição socioeconômica, nível de escolarização, compleição ou condição corporal ou psíquica, e as que mais houver. Redes Sociais: facebook.com/pg/Grupocores e instagram.com/ grupo.cores

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Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade - GOLD A Associação GOLD é uma entidade sem fins lucrativos fundada em 2005 com a intenção de promover a cidadania e defender os direitos da população LGBT Capixaba. Tem como missão promover a cidadania e defender os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero Redes Sociais: facebook.com/associacaogold e instagram.com/associacaogold IBRAT-ES O Instituto Brasileiro De Transmasculinidade do Espírito Santo (Ibrat-ES) tem como objetivo lutar pelos direitos de todas as pessoas transmasculinas; dentre elas: homens trans, não binários e outras identidades de gênero transmasculinas; Com essa luta diária pretendem promover a qualidade de vida em todos os âmbitos. Alguns dos projetos do grupo são: Encontro Família no Parque, Bazar - Troca e Retroca, Rodas de conversas, Biblioteca do IBRAT-ES e Transpassando. Redes Sociais: facebook.com/IBRATES2015 e instagram.com/ ibrates2015 Koisa Koletiva O Koisa Koletiva é um coletivo artístico de protagonismo LGBTQI+ que acredita na “ousadia de ser o que quiser, na liberdade de experimentar e na forma do coletivo como agente de transformação. A ideia é intervir no que já existe com ideias diferentes e divertidas para transformar pessoas e cidades. Redes Sociais: instagram.com/koisakoletiva e facebook.com/pg/koisakoletiva


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LGBT-ES: O portal da Diversidade O site da comunidade LGBTQIA no Espírito Santo/Brasil. É um veículo informativo especialmente desenvolvido para a diversidade sexual capixaba. O registro social da cena gay, travesti, bi, lesbica, trans+ no ES. Redes Sociais: facebook.com/lgbtes e instagram.com/lgbtes Núcleo Pedra Coletivo LGBT que trabalha questões ligadas a saúde e assistência da população LGBT do Sul do Espírito Santo. Redes Sociais: facebook.com/nucleopedra Rede Estadual RNP+ Grupo que realiza debates e encontros sobre pessoas LGBTI vivendo com HIV/AIDS. Realizam esse trabalho juntamente aos municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Serra. OGES - Orgulho LGBT do Espírito Santo A OGES atua no Conselho Municipal de Direitos Humanos de Vitória. O grupo realiza o Festival do Orgulho e é responsável pelo projeto Dando uma Mão de resgate social para pessoas trans. Redes Sociais: facebook.com/orgulholgbtvix Santa Sapataria - Coletivo de Lésbicas da Grande Vitória A Santa Sapataria é o único coletivo de lésbicas do Espírito Santo. O grupo teve origem em 2009, na cidade de Vitória, e promove ações direcionadas especialmente às lésbicas como rodas de conversa, exibição de filmes/curtas e debates. Entre as atividades promovidas pelo coletivo estão o Papo Santo e a Batucada Sapatão. O grupo é responsável pela Marcha Pela Visibilidade Lésbica, realizada pela primeira vez no estado em 2018.

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Redes Sociais: facebook.com/santasapataria e instagram.com/santasapataria Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do ES - SINDIUPES O Coletivo de Diversidade Sexual do Sindiupes foi criado para desenvolver o debate com a categoria da Educação acerca da Diversidade Sexual na Escola. Sua missão é combater a LGBTfobia no espaço escolar e levar formação aos trabalhadores em Educação do ES. Para tanto, participam de diversos espaços onde há o debate sobre a Diversidade. Redes Sociais: facebook.com/sindiupes Resisto ES Coletivo LGBT, não partidário, com atuação no estado do Espírito Santo. O RESISTO.ES é um grupo de advogadas(os) e psicólogas(os) que se uniram com o intuito de ajudar voluntariamente a população LGBTQ+, que sofre violência discriminatória em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero no Estado do Espírito Santo. Redes Sociais: instagram.com/resisto.es

PARTIDOS POLÍTICOS Setorial LGBT do PSOL O Setorial LGBT do PSOL - ES existe no estado desde 2014. Desde então tem organizado as/os LGBTs do partido, realizado formações, reuniões, atividades diferentes sobre a temática. Além disso, tem como objetivo pautar as questões dentro do partido em época ou não de eleição e também promover debates externos com a população balizados sempre pelo princípio revolucionário, libertário e de esquerda. Redes Sociais: facebook.com/LGBTdoPSOLES


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PDT Diversidade Capixaba Atuante desde de 2013 e fundado, oficialmente em 22 de agosto de 2015. É uma organização política LGBT para promoção de políticas públicas e defesa dos Direitos Humanos da População LGBT. Configura-se como um instrumento político que tem como base o trabalhismo e a justiça social, assim como os Direitos Humanos como chave para o progresso do Brasil. No Espírito Santo o PDT – Diversidade foi fundado em março de 2018 e é o Diretório LGBT dentro do Partido Democrático Trabalhista. Redes Sociais: facebook.com/pdtdiversidadecapixaba PSB LGBT O Movimento Socialista LGBT promove a igualdade de gênero, o combate à homofobia e ao machismo. Ligada ao ideário socialista, defende a diversidade afetivo-sexual na busca de uma sociedade mais justa e igualitária para homens, mulheres, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Redes Sociais: facebook.com/psblgbtesanto Secretaria LGBT - PT A Secretaria LGBT do PT nasceu para empoderar e fortalecer a luta LGBT por direitos, pela diversidade no interior do partido, nos estados, nas cidades, junto com o movimento de mulheres, com a juventude, com o movimento popular e o movimento sindical.

GRUPOS DE ESTUDOS NEPS - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sexualidades O Núcleo foi criado através da Portaria 35/2013 e aprovada na sessão

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da plenária realizada no dia 23 de Julho de 2013. Nesse espaço tempo produtivo de bons encontros, tem servido e potencializado os estudos de gênero e sexualidades. Redes Sociais: facebook.com/nepsufes GEPSs - Grupo de Estudo e Pesquisa em Sexualidades O Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidades (GEPSs) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) surgiu em 2010 com a proposta de permitir encontros de sujeitos que desejam discutir questões relativas a sexualidades, gênero, cultura, educação, etnia, etc., e como essas invenções e práticas culturais se engendram nos currículos que produzimos e que nos capturam nos cotidianos. Fundado pelo professor Dr. Alexsandro Rodrigues, com apoio do professor Dr. Hiran Pinel, o grupo tem atraído, desde sua fundação, pesquisadores e intelectuais praticantes de áreas que vão desde a Educação até a Administração, passando pelo Jornalismo, pelas Ciências Sociais, o Direito, as Medicinas, etc. Num movimento que nos lembra a emersão dos Estudos Culturais, por ser adisciplinar e não disciplinável, o grupo abarca diversos discursos e apreende temáticas e olhares variados, propiciando aos participantes a oportunidade de compartilhar seus saberes e fazeres e ressignificá-los a partir da perspectiva do outro. Redes Sociais: facebook.com/groups/contatogepss Núcleo Interinstitucional de Pesquisa em Gênero E Sexualidades Nupeges/UFES/Estácio Trata-se de um núcleo de pesquisa interinstitucional que tem foco para os estudos de gênero e sexualidades. Seu objetivo é realizar estudos e pesquisas em gênero e sexualidade em articulação com o campo da educação e áreas afins. Atualmente está realizando a pesquisa “Gênero, sexualidade e ideologia no estado do Espírito Santo: desdobramentos sobre as políticas públicas educacionais”. A investigação se propõe a acompanhar e compreender as políticas de gênero para a educação nesses municípios, bem como, as ações dos/as professores/


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as em relação à produção e implementação dessas políticas no âmbito educacional, em especial a partir do surgimento do movimento da denominada ideologia de gênero. Redes Sociais: facebook.com/nupeges

GRUPOS QUE NÃO ESTÃO MAIS EM ATIVIDADE Associação de Travestis e Transgêneros do Espírito Santo - ASTRAES A Associação de Travestis e Transgêneros do Espírito Santo é uma organização da sociedade civil, com sede e atuação na Cidade de São Mateus, norte do Espírito Santo. Já desenvolveu projetos de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, em parceria com Editais da Secretaria Estadual de Saúde. Também já realizou manifestos LGBT+ na cidade, contribuiu para a organização de Conferências Municipais e já promoveu debates sobre Direito e Cidadania LGBT+. Associação Gabrielense de Apoio à Homossexualidade - AGAH A Associação Gabrielense de Apoio à Homossexualidade (AGAH) desenvolveu projetos de promoção da cidadania LGBT+ em São Gabriel da Palha. Grupo Girassóis Criado em meados de 2004, o Girassóis nem chegou a ser, de fato um grupo. Tratava-se de uma lista de e-mails iniciada pela Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Vitória (Semcid) com a participação de alguns grupos, associações e ongs identificados na época, cuja temática fosse exclusiva ou tangencialmente referentes às orientações sexuais e à identidade de gênero. O grande feito do Girassóis aconteceu despretensiosamente: pela frequência de suas reuniões outros grupos da grande Vitória e do estado como um todo ficaram sabendo de sua

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atividade e entraram em contato para participar. Nascia assim o que hoje conhecemos como Fórum Estadual LGBT+. Grupo CAOS@ÇÃO Coletivo Universitário de Diversidade Sexual que se originou a partir de um grupo de universitários que participou do VIII Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual (ENUDS), realizado em 2010 em Campinas-SP. O grupo se reuinia quinzenalmente e promovia ações como o Cine Caos@ção, que realizou debates a partir da exibição de filmes temáticos. Em 2011 e 2012 realizaram atividades na Ufes voltadas para o debate das questões de diversidade sexual e gênero. Grupo Respeito, Identidade Homossexual, Trabalho e Orgulho GRIHTO Com sede em Nova Venécia, o Grupo Respeito, Identidade Homossexual, Trabalho e Orgulho foi fundado em 2005 e realizou atividades para a promoção da cidadania LGBT+ no município. GRUPO PLUR@L - Grupo de Diversidade Sexual Surgiu em 2004 a partir da constatação, por parte de estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), de que o ambiente universitário era carente de uma discussão sobre o tema da diversidade sexual. Triângulo Rosa O Triângulo Rosa foi um grupo de discussão sobre a temática LGBT, fundado no dia 12 de março de 1987, em Vitória. A data, em 2013, se tornou o Dia Municipal Contra a Homofobia na capital do Espírito Santo como uma homenagem ao grupo. O grupo, que contava com aproximadamente trinta e cinco integrantes, se reunia prioritariamente no Teatro Carlos Gomes e se articulava de maneira secreta, já que naquela época a homossexualidade e a transexualidade eram temas ainda bas-


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tantes desconhecidos da sociedade de maneira geral. Núcleo Universitário Voltado ao Estudo da Multidiversidade Sexual e Gênero (Nuvem) O NUVEM (Núcleo Universitário Voltado ao Estudo da Multidiversidade Sexual e Gênero) foi criado em setembro de 2015, na Multivix, em Vitória. Foi um grupo que desenvolvia estudos e debates interdisciplinares acerca das dimensões de gênero e diversidade sexual nas práticas sociais, com o objetivo de promover atividades comprometidas com transformações sociais, fortalecendo o enfrentamento do sexismo, da homofobia, da patologização das identidades trans e de outras práticas discriminatórias na contemporaneidade. O NUVEM desativou suas atividades em dezembro de 2017, com o egresso dos estudantes fundadores.

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Ato Público pelo Fim da LGBTfobia, 2010. Foto: Acervo pessoal de Antônio Lopes.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2ª Conferência Estadual LGBT do Espírito Santo, 2011. Foto: Acervo pessoal de Antônio Lopes.

Esportes da Diversidade, 2018. Foto: Acervo pessoal.

Reunião do Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo, 2016. Foto: Acervo do Fórum Estadual LGBT.


MOVIMENTO LGBT+ CAPIXABA

ENTREVISTADOS/ENTREVISTADAS E PESSOAS QUE SE DISPUSERAM, DE ALGUMA FORMA, A AJUDAR NO CONTEÚDO DESTE LIVRO

As entrevistas presentes neste material foram realizadas em períodos distintos e com finalidades diversas. São elas: 2012/2013 | Para o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da Carolina Maria, um livro-reportagem chamado “Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem: a Luta LGBT no Espírito Santo”; 2017 | Para o livro Desaquendando a História Drag: no mundo, no Brasil e no Espírito Santo, escrito por Lucas Bragança; 2019/2020 | Para este livro. Alexsandro Rodrigues

Carlos Alberto Santos

Aline Passos

Carlos Eduardo M. de Melo

Anderson Pestana

Leber Teixeira de Oliveira

Andressa de Lavietein

Deborah Sabara

Andréxia Simon

Diego Herzog

Ângela Jackson

Durvalina Maria Sesari Oliosa

Antônio Lopes

Edson Ferreira / Edanamara

Ariane Meireles

Elizabeth Medeiros

Becy Brewr

Fábio Veiga

Brisa

Francisco Spala

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Gabriela Monteiro

Randas Freitas

Gabriela Boldrini

Renata Campbell

Gean Carlos Nunes de Jesus

Renan Cadais

Genivaldo Lievore

Ricardo Nizio

Gilmar Ferreira

Roberta Goronsio

Guilherme Vello

Sérgio Rodrigo

Helloy Scárdua

Tânia Alves

Jam

Tarsila Open

Jésio Zamboni

Tiago Mello

João Victor

Vanilly Borghi

Jorge Castro

Vital Baccon

Júlio Broseguini

Viviana Corrêa

Kássia Loubach

Waldo Motta

Layza Lima

Waleska di Pigalle

Lorena Padilha

Wallace Breciani

Luciana Rodrigues Luís Felipe Avelar Luiz Claudio Fortuna Kleaim Marcos Vinícius Estanislau Murilo Lopes Teixeira Perly Cipriano Philip Netto Rafael Benedito Rafael Alcântara Rafael Quadros Amaral Rafael Ribeiro


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A AUTORA Nasci na Bahia, mas vim morar no Espírito Santo muito nova e

aqui criei minhas raízes. Me graduei em Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo e foi a realização de um sonho. Sonhadora convicta, na época da faculdade eu achava que iria “mudar o mun-

do” com as reportagens que viria a escrever. O mercado de trabalho,

entretanto, “triturou meus sonhos tão mesquinhos” rapidamente e logo percebi que talvez não seria nos jornais impressos da vida que eu poderia, efetivamente, fazer algo para tornar o mundo melhor. As

injustiças sempre me inquietaram muito. Inclusive, com quatro anos eu disse para a minha mãe que queria ser como um certo grupo re-

volucionário guerrilheiro que vi na TV. Na verdade, me considero um pouco parte de um grupo guerrilheiro mesmo, mas a nossa arma é a informação, nosso objetivo é a equidade de direitos e as nossas trin-

cheiras são os cotidianos massacrados pelo preconceito. Sempre na ativa, já compus o Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania

e dos Direitos Humanos LGBT+, participo do Fórum Estadual LGBT+, do Coletivo Santa Sapataria e já fui coordenadora de Políticas de Diversi-

dade Sexual na Prefeitura de Vitória. Ser lésbica, mulher e preta nessa sociedade não me permite descansar por muito tempo, mas “gente é

pra brilhar”, né? Por isso, nos descansos eu amo ouvir histórias, es-

tar com pessoas queridas, fazer planos loucos e observar as minhas duas gatinhas pela casa. Me faz muito feliz um café da manhã em

família, contemplar o que posso conhecer do mundo e agradecer por poder ver tanto. Me desanuvia a mente assistir uma boa série ao lado

da minha doce esposa, tocar uns instrumentos de percussão de vez em quando e ler um bom livro deitada na rede durante o entardecer. Por fim, me enche de orgulho poder não apenas fazer parte do Movi-

mento LGBT+ Capixaba mas também ter a honra de poder contar uma parte da sua história neste livro.

cakis.moreira@gmail.com

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O AUTOR Sou filho um casal que não deve bater muito bem da cabeça (já

que me deram uma tatuagem de aniversário de presente antes dos

18 anos - e sim, ela é horrorosa). Nasci em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, mas por um mero erro de percurso, já que passei minha infância em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Me graduei

em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo,

onde também me tornei Mestre em Comunicação e Territorialidades. Atualmente, me desdobro pra trabalhar e estudar entre Rio e Vitória,

visto que sou doutorando em Comunicação pela Universidade Fede-

ral Fluminense. Por lá, desenvolvo uma pesquisa sobre o compartilhamento de nudez em ambientes digitais - a famosa putaria virtual.

Vivo correndo atrás do tempo e me desdobrando nos projetos que

invento, mesmo sabendo que pra dar conta, vou precisar perder a cabeça. Sou apaixonado por viagens - tipo, mesmo, deixo de sair, beber, comprar, só pra poder viajar. Também gosto de contar histórias, ler

histórias e livros de ficção e biografias. A essa altura você também

percebeu que sou viciado em escrever com vírgulas. Sou sagitariano, mas dou gargalhadas quando conheço alguém que realmente acre-

dita em signos (me desculpe se for o seu caso). Como pesquisador, sempre me interessei pelo indizível, pelo marginal, pelo que não é

falado, pelo que causa, abala e choca. Escrevi o livro “Desaquendando

a História Drag: no Brasil, no Mundo e no Espírito Santo”, o primeiro livro sobre a temática no Brasil. Me faz feliz conhecer novas culturas e entender que o mundo vai mundo além do que a gente imagina; estudar, sobre qualquer coisa; escrever, sobre algumas coisas; comer bem - que definitivamente não quer dizer comer saudável - dirigir, dar presentes e finais de semana preguiçosos.

lucasbragancafonseca@gmail.com


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Este livro foi diagramado na fonte Glegoo, em corpo 9. Sua publicação foi financiada pelo Fundo Estadual de Cultura do Espírito Santo, da Secult-ES, por meio de projeto contemplado pelo Edital 002/2018 - Diversidade Cultural Capixaba.




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