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Alex Guergolet

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Samantha Abreu

Samantha Abreu

Alexsandro Guergolet é antropófago formado em Letras pela UEL. Não escreve, transcreve leituras, momento em que procura se dissociar do que leu. Diverge de si mesmo a todo instante. Acredita que a literatura é, antes de tudo, resultado de muitas leituras. Perde seu precioso tempo tentando mapear o primeiro livro, pedra fundamental que sintetiza todas as ideias literárias. Pura quimera. Possui pós-graduação em Antropologia pela PUC e atualmente está matriculado no mestrado em Antropologia na UFPR.

Pierre

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Na saída do colégio, Pedro surpreendeu-se ao não encontrar seus pais. Desde a primeira série sempre fora recebido por eles com pipoca ou algum docinho, e como foi seu dia na escola hoje, Pedrinho? Pedro contava com 15 anos. Chegar em casa não lhe seria difícil, bastava caminhar um pouco, chegar até a estação de metrô e fazer as baldeações necessárias. Sentiu-se frente a uma liberdade arrebatadora, nunca tivera a cidade aos seus pés desta forma. Seus pais eram controladores, não lhe deixavam fazer nada, davam-lhe tudo o que queria. Escolheram sua escola, suas roupas, suas companhias e até mesmo seu time de futebol. A única missão de Pedro era satisfazer os desejos que muitas vezes não eram seus. Como tinha algum trocado no bolso, comprou uma lata de refrigerante e alguns chicletes - sua mãe o reprovaria! - de um vendedor próximo ao colégio. A próxima estação de metrô ficava a algumas quadras, por isso, Pedro, após abrir sua lata de refrigerante, colocou-se a caminho. Quando atingiu a esquina foi cercado por um grupo pequeno de pessoas. Surpreendeu-se com suas gargalhadas - eram terrivelmente altas - e por que olhavam em sua direção? Possivelmente riam de mim, Pierre. Uma das garotas do grupo interpelou-o pelo nome - Como sabiam meu nome? Pedro fez-se de desentendido, aproveitou o sinal aberto e atravessou a rua. Acreditava que seu gesto afastaria as pessoas, porém o grupo continuava a segui-lo, sempre rindo, em festa. - Pedrinho! Pedrinho! - Gritavam vez ou outra.

Aquilo o assustava. Não conhecia aquelas pessoas. Saía tão pouco de casa, seus pais não deixavam que fosse sozinho nem mesmo ao cinema. Teria feito algo esdrúxulo na internet? Estaria sendo alvo de algum flash mob? Apertou os passos em direção à estação Ternes, jogando o olhar para trás para se certificar se estava enganado, incrédulo com os acontecimentos. Percebeu que o grupo, inicialmente pequeno, havia aumentado muito e não dava mostras de que iria abandoná-lo. Tirando o caso da garota que o interpelara, ninguém mais ousou dirigir-lhe uma palavra sequer. Chegando à estação, comprou seu bilhete e percebeu que houve um princípio de confusão. O pequeno espaço não comportava tantas pessoas. Pierre caminhou em direção à catraca, esboçou uma atitude de quem iria atravessá-la, mas parou logo em seguida. Algumas pessoas entraram, confiantes de que ele faria o mesmo. Quando perceberam o engodo, insultaram-no de todas as formas. Pedro voltou à superfície e caminhou em direção a outra estação. O mapa do metrô de Paris oferece uma variedade grande de opções. Há estações por todas as partes sem que haja necessidade de caminhar muito para encontrar uma. Pedro decidiu descer a A. de Wagram em direção ao Arco do Triunfo. Percebeu, logo atrás, que ainda havia muitas pessoas no seu encalço. Precisava despistá-las, mas não imaginava como. Tinha medo de acionar a polícia e acharem que havia enlouquecido. Continuou pela A. de W. com passos firmes, passara pela R. de l’Étoile, mas, quando se viu na esquina da R. Brey, girou à direita e fugiu em disparada. Connard! Pôde ouvir ainda ao longe. O grupo,

atônito pela repentina escapada de Pedro, demorou algum tempo para se reorganizar. Decidiram, enfim, dividir-se em três pequenos grupos a fim de se adiantarem a Pedro. Dois deles seguiram em direção à Ternes e estação Argentine. O outro preferiu segui-lo pela R. Brey. Pedro podia sentir a atmosfera do ódio que exalavam seus perseguidores - perguntei-me, contudo, por quê, o que fizera, quais os motivos para isso? Correndo, dobrou a A. Mac Mahon. Sem saber ao certo qual destino tomar, continuou reto, atravessando a A. de Ternes e dobrando à direita na A. de Niel. Sentiu um forte tapa dado em sua nuca que fez com que seu boné caísse no chão. Fui roubado? Apertou mais o passo, estava desesperado, correu mais que pôde. Poderia chegar à estação Pereire quando, de repente, ouviu que o chamavam de dentro de um táxi. Subiu depressa e pediu que o motorista partisse o mais rápido possível. Pensou que não tinha dinheiro para pagar a corrida, mas isso já não importava, pelo menos estaria livre daquele grupo, daquela história absurda ocorrida numa manhã de. Respirou tranquilo, encostou todo seu corpo no banco, e, então, pôde ouvir a voz do motorista, uma voz que parecia vir de um filme noir: On vous fait peur, Pierre?1

1 Nós lhe causamos medo, Pierre?

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