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Samantha Abreu
Professora, pesquisadora e produtora cultural. Graduada em Letras, especialista em educação e mestre em estudos literários pela Universidade Estadual de Londrina. Participa e organiza eventos literários, faz curadoria e programação, ministra oficinas e cursos na área de literatura, linguagem e escrita. Publicou os livros “Fantasias para quando vier a chuva” (Orpheu, 2011); “Mulheres sob Descontrole” (Atrito Arte, 2015); “A Pequena Mão da Criança Morta” (Penalux, 2018); e “Debaixo das Unhas” (Olaria Cartonera, 2020), além do e-book “O coração e o voo” (Secretaria de Cultura do Paraná, 2021). Integra as antologias “O Fio de Ariadne” (Atrito Arte, 2014); “29 de Abril: o verso da violência” (Patuá, 2015); “Um Dedo de Prosa” (Atrito Arte, 2016); “Sob a Pele da Língua” (Cintra, 2019); “Nòmadas”(Atrito Arte, 2018); e “As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira” (Arribaçã, 2021) com autores de todo o país. Já foi publicada em sites, revistas e teve textos adaptados para o teatro. Faz parte do Coletivo VERSA, que pesquisa e divulga a literatura produzida por mulheres, e possui três coletâneas publicadas. Recebeu, em 2020, o prêmio Outras Palavras de obras literárias, da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná.
Faz sol
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Logo agora que a chuva parou, que voltamos a ter vinis na estante. Agora, bem agora que não queremos mais ter tudo, pois estamos de folga, que não precisamos calçar sapatos, que a lua de mel mora no sofá de veludo. Bem agora.
Estava chovendo antes de ser hoje. Antes de ser este cabelo ruivo secando com o vento, antes de ser vida acontecendo a partir das dez da amanhã. Mas dormir é sonho que também é noite. Bem agora que dormir é sonho, eu escuto esses gritos lá fora e corro pra ver a morte, o ardor, a bomba. Bem agora, bombas. Explosões que não são coloridas e a gente querendo um banho morno seguido de pijama, cama pra dois, nossa comida. Bem agora que acabou a comida, que o sapato aperta, que a gente desaprendeu a dançar, já não temos cabelos nem sono nem os sonhos.
O que é que a gente vai fazer quando a guerra acabar?
De tudo o que me resta e que não seja amor, seja o portão de partida despedida, de pequenas causas diárias. Eu sangro momentos, derreto venenos e morro nos cotidianos fins.
Ainda prefiro a mortalha envolvendo afazeres não entranhados. Quero a devastação irreversível de qualquer pequena vida vã.
É como se no centro de todo barulho tudo, de repente, fosse eco. Ressonância dentro do vácuo e todo o cenário em câmera lenta.
Eu-estátua enquanto o mundo flutua agitado e implora: pressão nos nervos e pescoço pulsante. Medo do agudo de fora, medo do escuro de dentro, cisma com a música que ele sussurra enquanto entra e faz serenata.
Ninguém vê enquanto a vida se arrasta, só eu e você.