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Nelson Capucho

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Mário Bortolotto

Mário Bortolotto

Jornalista, poeta e cronista. Publicou os livros de poesia Solta Chama (1980), Sundae Cogumelo (1984), Vida Vadia (1995), Hominimalis (2002/Atrito Arte) e Tropicorientao (2007/Atrito Arte) e o volume de crônicas O Jardineiro de Flores Estranhas (2002). Participou de várias antologias e teve poemas veiculados nas revistas Coyote, Nicolau, Garatuja, Poesia Sempre (Biblioteca Nacional), Babel e outras. Tem poesias publicadas em sites do Chile e da Espanha. Ganhou um prêmio nacional de poesia e dois prêmios nacionais de jornalismo.

A bolinha do Jadir

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Quem apareceu com a maravilha na repartição foi o Jadir. Era do tamanho de uma bola de tênis, de material macio e transparente, cheia de pontos luminosos no seu interior, o que conferia ao objeto um caráter ao mesmo tempo lúdico e místico. - Comprei de um camelô - ele explicou para a dona Zuleica, a secretária, sempre curiosa. - Pra que serve? - Na verdade, não sei. Achei bonitinha e comprei.

Na mesa ao lado, o Abreu resmungou: - Humpf!

No seu dialeto, poderia significar muitas coisas. Neste caso, queria dizer ‘‘que bobagem’’. Mas o Abreu era um daqueles sujeitos que quando acordam se sentindo feliz, logo pensam: algo deve estar errado. Então o Jadir não deu muita importância e sentou-se para trabalhar. De vez em quando não resistia e apalpava a bolinha sobre a mesa. Percebeu que aquilo era prazeroso e relaxante. Ficava rindo sozinho. Aí a dona Zuleica reapareceu: - Posso dar uma pegadinha? - Na bolinha? - É, só um pouco. Já devolvo. - Claro, claro.

O Pacheco foi até a mesa da secretária levar um memorando e percebeu que ela acariciava a esferazinha translúcida com uma serenidade oriental. E olha que dona Zuleica era do tipo eficiente-agitadinha.

- Que é isso? - Bolinha. - Hãã...e é gostoso? - Só. Maior barato.

A novidade se espalhou. Nas rodinhas de fofocas do cafezinho, no refeitório, nos corredores só se falava da bolinha do Jadir. - Dá uma sensação meio estranha assim por dentro da gente.

- Você pegou? - Só um pouquinho, né! - Soube do boy? - O que aconteceu, pelo amor de Deus? - Foi flagrado no banheiro com a bolinha. Estava desaparecido há mais de uma hora... - Menina, que coisa!

No dia seguinte, mais três funcionários tinham comprado bolinhas. Formavam-se filas nas mesas. Todo mundo queria experimentar. O Abreu naturalmente foi o último. E gostou. Não disse nada, é verdade, mas sorriu levemente. Em 17 anos de serviço era a primeira vez que isso acontecia.

O efeito da esfera logo se disseminou, desestressando o ambiente. As pessoas começaram a se vestir de modo diferente. Nada de paletós ou tailleurs; mais jeans, camisetas. - Prefiro o básico, entende? - Só.

Brincavam, contavam piadas. Rixas foram esquecidas.

Casais de namorados da repartição, que antes evitavam se olhar, por constrangimento ou medo de perder o emprego, agora trocavam beijinhos. O Helinho, rapaz introspectivo, esquisitão mesmo, certo dia subiu em uma cadeira e fez um discurso sobre ‘‘o filosófico e o metafísico’’, Foi engraçado. Até o Abreu aplaudiu.

Quem não estava gostando muita da festa era o seu Almeida, o gerente (que, aliás, nunca tocou na esfera). Primeiro fez uma advertência por escrito a todos os funcionários. Não adiantou. Resolveu procurar o diretor. Não gostava de incomodar o homem, mas o caso estava ficando grave, pô!

Explicou a situação. O diretor ouviu com o aparente desinteresse de sempre. Aí ordenou ao Almeida que fosse buscar uma das tais bolinhas. Queria ver se era esta realmente a causa da ‘‘insubordinação’’. Experimentou: - Humm...hummm

Não teve dúvidas: representava um perigo para a empresa. - Prazer e serviço não se misturam.

Baixaram uma norma proibindo ‘‘o manuseio e mesmo o porte do nocivo objeto no local de trabalho’’. Foi também contratado um psicólogo para avaliar periodicamente os empregados: todo aquele que apresentasse ‘‘desvio de comportamento’’ seria afastado de suas funções. Como exemplo, demitiram o Jadir. A maioria achou que estava certo. Ele não podia ter feito aquilo! Foi uma irresponsabilidade.

Aos poucos a repartição voltou ao normal.

Dizem que o Jadir pegou o fundo de garantia, montou seu próprio negócio e está indo muito bem. Vende bolinhas.

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