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José Antonio Pedriali

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José Maschio

José Maschio

Jornalista há mais de três décadas, tendo atuado, entre outros jornais, na Folha de Londrina, Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo. É autor de dez livros. Entre eles, O poeta da rebeldia (Atrito Arte) e Fuga dos Andes (Record)

A figueira da minha infância

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Havia uma figueira, e era sob ela que, à noite, meu irmão Marco, meus primos Gilberto e Cristina e eu - escoltados por tio Pedro - nos sentávamos, num banco de pedra.

A figueira ficava no início da Avenida Paraná, em seu entroncamento com as ruas Quintino Bocaiúva, Tupi e Ceará (hoje Hugo Cabral). Centro de Londrina.

Era o cenário em que o tio contava suas histórias, que não tinham fim - não pela extensão, mas pela diversidade.

Quando ele se cansava, ou quando nossa capacidade de absorver suas narrativas havia se esgotado, dedicávamo-nos a uma brincadeira impossível hoje: tentar adivinhar o modelo do carro que passaria por nós.

Impossível hoje devido à quantidade de carros e diversidade de modelos. No início dos anos 60, que é quando nos sentávamos sob a figueira, a passagem de um carro era um acontecimento - e os modelos, todos importados, eram Fords, Chevrolets, Buicks...

Quando ouvíamos o barulho de um carro, dávamos as costas à rua pela qual ele trafegava, fechávamos os olhos e arriscávamos o palpite.

A figueira, explicava tio Pedro, tinha grande simbolismo: fora a primeira árvore plantada durante a administração de Hugo Cabral (1947-51), que promoveu um amplo e pioneiro programa de arborização.

O plantio dessa árvore, li muito tempo depois, foi

assistido por dezenas de pessoas. Entre elas estava o médico Jonas de Faria Castro Filho, o doutor Joninhas. Ele foi um dos fundadores do Aeroclube, que teve participação destacada nesse programa de arborização.

O local sofreu profunda transformação. A Avenida Paraná foi fechada para veículos a partir desse ponto até a rua Minas Gerais, dando origem ao Calçadão. Isso foi na primeira administração de Antonio Belinati (1977-82). O piso, projetado por Jaime Lerner em petit-pavê, era preto e branco e formava desenhos geométricos.

A figueira resistiu a tudo. À mudança paisagística, à evolução da cidade, ao tráfego de veículos e de pedestres, à geada que pulverizou nossos cafezais em 1976... ... até que um prefeito, que buscava uma obra de visibilidade para deixar sua marca para o futuro, e esse futuro era sua reeleição – praticamente impossível devido às acusações a que responde -, sepultou o passado.

O piso do Calçadão exigia uma ampla reforma, não há dúvida, mas - à revelia dos arquitetos e destruindo um patrimônio histórico - o prefeito Homero Barbosa substituiu o petit-pavê pelo pavere suas cores e desenhos por um salamaleque que faz lembrar o arco-íris.

Não bastasse isso, o (por enquanto) prefeito autorizou o maior dos crimes: a erradicação da figueira que resultou do esforço e da visão de futuro de uma geração de homens e mulheres que construíram os pilares da nossa cidade.

Há poucos dias, o (por enquanto) prefeito autorizou o corte de outras árvores - ipês amarelos e sibipirunas, entre outras - em outro ponto do Calçadão.

A natureza não reage. Ela se vinga.

Os eleitores se vingam através das urnas, mas provavelmente não terão esse prazer com o (por enquanto) prefeito: a Câmara tem munição suficiente (disposição é outra coisa) para cassar seu mandato...

A morte da figueira da minha infância, da figueira da infância das árvores de Londrina não pode ficar impune!

(Esta crônica foi publicada em 7 de agosto de 2011 no blog josepedriali.com.br Homero Barbosa foi cassado em 30 de julho de 2012. A natureza se vingou, e teve pressa).

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