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Eduardo Baccarin Costa

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Samantha Abreu

Samantha Abreu

Eduardo Baccarin Costa é professor, poeta, escritor e produtor cultural. Doutorando em Letras pela UEL, estuda a literatura produzida durante as Ditaduras de Brasil e Portugal no século vinte. Tem oito livros publicados (quatro romances e quatro coletâneas de poesia) e quatorze livros no prelo (doze romances, uma coletânea de contos e um de poemas) , além de quatro peças teatrais inéditas. Foi vice campeão do Concurso Poesia do Cinquentenário de Londrina (1984) com o poema Londrina de pernas abertas. Venceu por três anos consecutivos o Concurso da Editora Leia Livros na categoria prosa com os romances: O SOLITÁRIO DO 406 (2018), UM SOM DIFERENTE (2019) e LIBERDADE CONDICIONAL (2020). Classificou-se em primeiro lugar no Concurso Outras Palavras da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná na categoria romance com o livro APENAS TRÊS PALAVRAS (2020). Ministra cursos de oratória e escrita criativa.

Antônio Só

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Se existia um homem pacato, certamente este era Antônio Só. Invariavelmente calmo, nunca reclamava de nada da vida. Por mais que nada desse certo com ele, nunca se ouviu de Antônio Só, apenas uma palavra de lamento, de murmúrio em relação a seu destino.

No caso específico daquele homem, o advérbio que carregava como substantivo próprio, havia se tornado desde sempre um adjunto adnominal de sua existência. Invariavelmente acompanhando aquele sujeito: Só, sempre o Antônio estava só.

Morava numa edícula minúscula, mas muito bem cuidada e limpa que ficava no fundo do mercadinho onde ele trabalhava. Na varanda da casa do Antônio uma cadeira preguiçosa esperava os amigos que nunca apareceram. Preso, numa gaiola, estava Toninho, o canário que ele criava literalmente como se fosse um filho.

Naquela área travava diálogos com os seus melhores amigos: os livros. Apenas e tão somente ali, o mundo era perfeito, com encaixes precisos e harmônicos e com amores intensos e verdadeiros. Sim, Antônio Só tinha, na mocidade, vivido um amor. Mas foi roubado por um jovem que parecia amigo e inofensivo. Como sempre, não reclamou de nada. Afastou-se dos dois e passou a viver uma vida quase celibatária.

Depois, chegou a ter seu próprio negócio, sua casa ampla, seu carro do ano. Tudo, paulatinamente tirado por espertalhões que se aproximaram dele se apresentando

como pessoas interessadas em conhecê-lo melhor. Havia sido, na ótica de Antônio Só, apenas mais um deslize que ele cometera ao avaliar mal as pessoas. Não havia, portanto, motivo para se queixar ou se lamentar com os outros, com o mundo. Bastava resignar-se diante da impiedade do seu destino e do seu caminho.

Perdera também, por conta dos constantes fracassos, a crença em Deus. Não conseguia mais apegar-se a nada e tomara – erroneamente – para si o conceito que o amor celestial está diretamente relacionado com a sinceridade dos pregadores. E por conta disto, afastara-se da convivência apaziguadora, celestial, amorosa do Pai.

Assim, da maneira como viveu, Antônio Só morreu no domingo de Páscoa. De infarto. O coração não aguentou mais tanta solidão, tanto marasmo, tanto conformismo diante das adversidades. Na cabeceira da sua cama, a biografia de Sêneca. Estava quase tudo explicado. Vida sem o mínimo de drama e indignação, também estanca e paralisa a alma e o coração.

Cilada

O verso escorre na noite nublada o amor canta em cada canto em êxtases apaixonados a vida reescreve a poesia tirando a vida de qualquer cilada

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