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coisas que ela conta é que uma vez ela estava há 20 minutos dando uma aula como professora convidada em uma escola quando um aluno levanta a mão e pergunta quando a palestra ia começar. Ela explicou que já tinha começado a aula e então ele disse: “não é uma palestra motivacional? Toda vez que pessoas em cadeira de rodas vêm aqui é para falar sobre motivação!” Na verdade, não é culpa daquele aluno ter se expressado assim, mas sim, de todo um conjunto de crenças da sociedade que não está pronta (e não se mobiliza para estar) para incluir PCDs e acaba valorizando ao extremo quando uma consegue chegar lá. Transformando-a numa verdadeira heroína. A gente já sabe qual é o nome disso, não é? Capacitismo. A inspiration porn, como a pornografia real, fornece uma espécie de prazer superficial e gratificação para quem assiste, enquanto a pessoa é representada como um mero objeto. Essa é uma das representações mais comuns do capacitismo. O grande problema de se pensar nas pessoas com deficiência como representações heróicas é que a ideia sobre a qual se constrói esse pressuposto é a de deficiência ser sinônimo de tragédia. Sendo assim, quem consegue superar toda a dificuldade e levar uma vida funcional estudando, trabalhando, praticando esportes, vira automaticamente um exemplo de motivação. Também é problemático o fato de que, na maioria das vezes, as histórias sobre pessoas com deficiência são contadas do ponto de vista de observadores sem deficiência, deixando de fora a perspectiva da pessoa com deficiência. Nós sabemos que para muitas pessoas ter uma deficiência implica dificuldades. Se eu te convidar a olhar os espaços que você mais freqüenta, você consegue dizer quantos deles são acessíveis para quem tem mobilidade reduzida? Aposto que são poucos. O mundo raramente se adapta para receber corpos que funcionam de maneiras diferentes. Mesmo assim, a foto de uma pessoa com deficiência trabalhando ou se exercitando na academia é só a imagem de alguém usando o seu corpo para fazer o melhor que ele é capaz. Ela não tem a obrigação de inspirar ninguém. Precisamos desassociar deficiência de tristeza/ tragédia/dificuldade. Não quero dizer que a vida de pessoas com deficiência é sempre fácil, porque muitas vezes é difícil mesmo. Mas pensa comigo: ao ver que existem dificuldades para PCDs, não é melhor que a sociedade pense em garantir acessibilidade do que ficar apenas parabenizando alguém por conseguir “superar os desafios”? Telefone: 31 983510361 Email: maryanacmoraes@gmail.com Instagram: @maryanapsi

Revista Livre Acesso #2 - Outubro - Novembro/2021 - pág.10


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