Se não é a canção nacional, para lá caminha: a presentificação da nação na construção do samba e do

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Novamente, aqui, ele atribui um suposto comportamento cultural ao povo português vinculado à formação da raça. Com uma personalidade “sentimental e triste”, “indolente”,364 o povo português colocaria-se passivo e indiferente aos vícios que o classificavam como uma nação atrasada. Era preciso corrigir, dessa forma, as deficiências da sociedade sintetizadas no fado. Conforme já se destacou anteriormente, nessa versão d’O Cruel e Triste Fado, caracterizada por um texto curto que manifesta as animosidades geradas pelo Ultimatum inglês, o tom agressivo deve justificar o fato de Rocha Peixoto não ter assumido a autoria do artigo. A riqueza desse documento reside justamente no caráter sintético e explosivo de seu conteúdo, que o coloca perfeitamente inserido no “traumatismo patriótico” gerado pelo recebimento do memorando britânico em janeiro daquele ano de 1890.365 Dessa forma, o texto, de um lado, aborda o diagnóstico da decadência elaborado por Oliveira Martins na senda da Geração de 70; de outro, endossa a visão negativa do fado e de sua constituição histórica como objeto da tradição popular portuguesa nos termos definidos por Teófilo Braga. Se nas versões posteriores o argumento central do artigo não se modifica, percebe-se nelas uma opção pela erudição, procurando amenizar o tom agressivo da primeira. Na versão definitiva a partir de 1893, mantém-se a visão negativa do fado tomada de Teófilo Braga, agora num texto visivelmente elaborado de acordo com as “simbólicas” e o “modelo literário histórico-psicológico” de Oliveira Martins.

2.3. Todo o temperamento d’um povo lá dentro: a versão definitiva a partir de 1893

Viu-se que a versão definitiva d’O Cruel e Triste Fado foi publicada pela primeira vez no jornal O Primeiro de Janeiro, de 8 de dezembro de 1893, já então assinada por Rocha

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PEIXOTO, Rocha. A anthropologia, o caracter e o futuro nacionaes. Revista de Portugal, Porto: Lugan & Genelioux, vol. III, n. 18, 1890, p. 689. 365 LOURENÇO, Eduardo. Portugal como Destino seguido de Mitologia da Saudade. Lisboa: Gradiva, 1999, 4456, grifo no original. 119


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