Se não é a canção nacional, para lá caminha: a presentificação da nação na construção do samba e do

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proporcionadas pela empresa marítima. Alheio aos ideais racionais e científicos da civilização moderna, passava, então, desapercebida do país, a noção de coletividade capaz de formar uma nação digna desse nome.

Capítulo 3. Se Dentro do Brasil, Carioca é o primeiro, há um unico povo do mundo que canta o Fado: a questão da “origem” na construção do samba e do fado como “expressão do popular”

O estudo dos casos brasileiro e português expostos nessa primeira parte do trabalho teve o objetivo de demonstrar a “presentificação” da nação no processo de construção do samba e do fado como símbolos identitários nos seus respectivos países, definindo-os como “expressão do popular”. É a partir da segunda metade do século XIX que românticos e folcloristas, os primeiros vinculados ao Volksgeist (espírito, caráter, alma nacional), os segundos aos postulados positivistas, procuram instituir, frente às transformações impostas pela modernidade, uma ideia de povo ligada a uma suposta “originalidade” da nação. Segundo Michel de Certeau, depois da antessala romântica, é durante a III República Francesa (1870-1940) que a coletividade denominada “povo” se constitui como objeto de “ciência”. As acepções que o autor encontrou em revistas folcloristas da época demonstram que o termo popular estava “associado ao natural, ao verdadeiro, ao ingênuo, ao espontâneo, à infância”, e identificado com o camponês. Num dos discursos que reproduz, Certeau destaca uma definição de arte popular como “tudo aquilo que se produz ou se conserva no povo, longe da influência dos centros urbanos”. Buscava-se, assim, quase obcecadamente, identificar a “origem” dessas manifestações, uma vinculação que por muito tempo estará galvanizada no entendimento do que podia ser considerado “cultura popular”.401 Inspirado em Certeau, Durval Muniz de Albuquerque Junior afirma que, quando da emergência da noção de nordeste no Brasil do início do século XX, os “folcloristas ‘inventam’ o folclore, fabricam a cultura popular”. Trata-se, segundo ele, da “invenção de uma atividade

CERTEAU, Michel. “A beleza do morto”, In: ______. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 2012, p. 61-68. 401

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