Se não é a canção nacional, para lá caminha: a presentificação da nação na construção do samba e do

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PARTE II A MÚSICA COMO FOLCLORE URBANO

Capítulo 4. O samba, na realidade, não vem do morro nem lá da cidade

4.1. Nós fugíamos da polícia e íamos para os morros fazer samba: o morro como repositório da brasilidade no início do século XX

No primeiro capítulo deste trabalho demonstrou-se como, ao longo dos anos 1920, as transformações operadas sobre o samba colocaram em destaque reivindicações de sua maternidade – baiana ou carioca – no contexto de transição entre uma fase “folclórica” e outra “popular” na história do gênero musical. Nesse processo, enquanto as polêmicas protagonizadas por Sinhô revelavam o surgimento da noção de direito autoral – reforçada por outros depoimentos como o de Cartola ou o de Nestor de Holanda sobre a “bolsa da música popular” existente no Café Nice –, Francisco Alves consolidava carreira de sucesso como principal intérprete de sambas gravados em disco de 78rpm. Conforme ele mesmo revelou na entrevista a O Malho em 31 de agosto de 1929, o samba era, então, o ritmo mais vendido porque encontrava “mais éco na alma popular”.422 No início dos anos 1930, esse cenário musical levou dois importantes nomes da cena cultural carioca a discutirem as questões envolvidas no processo de ascensão do samba a símbolo nacional. Em 1933, Francisco Guimarães, o rei dos cronistas carnavalescos, popularmente conhecido como Vagalume nas páginas da imprensa do Rio de Janeiro desde o final do século XIX, publicou o livro Na Roda do Samba.423 No mesmo ano, Orestes Barbosa, repórter, cronista e poeta desde as primeiras décadas dos novecentos, publicou Samba, sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores.424 É da análise dessas obras que se ocupará este capítulo. Figuras que circulavam entre os sambistas, os autores, cada um a sua maneira, apresentam o cenário musical do Rio de Janeiro, mapeando os ritmos que circulavam na cidade, ALVES, Francisco. “Musicas e discos”. O Malho, ano XXVIII, n. 1.407, 31 de agosto de 1929, p. 43. GUIMARÃES, Francisco. Na roda do samba. Rio de Janeiro: Typ. São Benedicto, 1933. 424 BARBOSA, Orestes. Samba, sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores. Rio de Janeiro: Livraria Educadora, 1933. 422 423

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