Se não é a canção nacional, para lá caminha: a presentificação da nação na construção do samba e do

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entre vida e morte do samba traduz um choque entre grupos sociais diversos [...], a partir da qual se valoriza um espaço social onde se cria uma verdade estética em contraposição a um movimento externo que pode destruí-lo”.627 Assim, a perenidade da questão que atravessa os 80 anos que separam a entrevista de Caetano da publicação de Na roda do samba é justamente o que garante a relevância da obra de Vagalume. Segundo Jorge Caldeira, ela institui, assim, “um problema de fundo, importante para entender a natureza social da música popular no Brasil”.628

4.3. A cidade temperou a alma do morro: Orestes Barbosa e a influência do Rio de Janeiro moderno sobre o samba

A edição d’O Malho de 7 de setembro de 1933 divulgou Samba, sua historia, seus poetas, seus músicos, o livro publicado por Orestes Barbosa meses antes, como uma obra que deveria despertar aguçada curiosidade por tratar de um tema muito em voga.629 O teor do texto reforça o status que o gênero musical alcançava naquele momento como manifestação da cultura nacional. “O samba”, diz ele, “é uma revolução. É uma vitória das massas contra as elites”. Embora o comentário marque um posicionamento bastante claro em relação ao gênero musical, expondo um recorte de classe, o articulista afirma que a matéria não iria “dizer pró ou contra” o samba e sim divulgar o livro em questão. “Tratando da historia, e dos poetas, e dos músicos, e dos cantores do samba”, afirma, “acha jeito o Sr. Orestes Barbosa de falar de um mundo de gente, de Esquilo e Pitagoras [...]. São poetas, são filósofos, são cientistas dos mais

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CALDEIRA, Jorge. A construção do samba / Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007, p. 73. 628 CALDEIRA, Jorge. A construção do samba / Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007, p. 73. Segundo o autor, essa ideia de uma “verdade estética” ligada aos “produtores populares” cunhada por Vagalume, balizou as principais análises contemporâneas sobre o samba, a partir da década de 1960. No capítulo intitulado “Coisas nossas, nossas coisas”, Caldeira compara as interpretações de José Ramos Tinhorão, de Muniz Sodré e de Enio Squeff e José Miguel Wisnik. Ver nota 45 acerca do debate historiográfico sobre o conceito de “música popular brasileira”. 629 A de M. “Samba”, O Malho, ano XXXII, n. 14, Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1933, p. 34. De acordo com Carlos Didier, o livro foi publicado entre julho e agosto de 1933 (DIDIER, Carlos. Orestes Barbosa: repórter, cronista e poeta. Rio de Janeiro: Agir, 2005). 190


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