Se não é a canção nacional, para lá caminha: a presentificação da nação na construção do samba e do

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A passagem de uma concepção “folclórica” a outra “popular” configura-se, assim, como a primeira transformação até sua consolidação como símbolo identitário nacional no âmbito da música nos anos 1930. Naquele contexto, Sinhô buscava imprimir uma identidade carioca ao samba aproximando-se, contudo, da tradição musical dos baianos da região “Pequena África” como índice de originalidade. Desde o início do século XX, o Rio de Janeiro, então capital federal, despontava como modelo de cidade moderna ao restante do país. Inspirada nas reformas efetuadas pelo prefeito Haussmann em Paris, a abertura da Avenida Central em 1904, versão local do boulevar francês, inaugurava a Belle Époque brasileira, orientada por um paradigma civilizatório europeu.100

1.1.1. Entregue o samba aos seus donos: a polêmica com Hilário Jovino101

Na edição do Jornal do Brasil de 8 de janeiro de 1919, o jornalista Vagalume anunciava: “o Carnaval deste anno sera fertil nos sambas”. Contudo, apontava um problema: os sambas são verdadeiros arranjos ou colchas de retalho, como succede com o famoso Pelo telephone, com que o Maestro Donga fez sua estréa e aguçou o appetite dos seus collegas.

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Sobre as transformações da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, inspiradas nos ideais civilizatórios do modelo francês, e suas implicações sobre as manifestações populares ligadas, sobretudo, à cultura de matriz africana, ver: NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; VELLOSO, Monica Pimenta. As tradições populares na Belle époque carioca. Rio de Janeiro: Funarte, 1988. Sobre os papéis político e cultural da então capital federal no início da República ver: SEVCENKO, Nicolau. “A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do rio”, In: ______ (org.). História da vida privada no Brasil. v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 2004; CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, cap. 1 101 A polêmica de Sinhô com Hilário Jovino foi definida através da bibliografia e do levantamento das edições do Jornal do Brasil publicadas entre janeiro de 1918 e março de 1920, disponíveis da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/). As letras das composições foram transcritas a partir de audições disponíveis nos acervos sonoros digitais do Instituto Moreira Salles (http://www.acervo.ims.com.br/) e da Biblioteca Nacional (http://acervo.bn.br/sophia_web/), com o auxílio das obras: ALENCAR, Edigar de. Nosso Sinhô do samba. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968; ALENCAR, Edigar de. O Carnaval carioca através da música. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1965, 2 v; “Sinhô”, Nova História da Música Popular Brasileira. São Paulo: Abril Cultural, 1977, p. 6 (1 disco sonoro); CABRAL, Sérgio. Pixinguinha: vida e obra. Petrópolis, RJ: Lumiar, 1997. As datas de gravação contaram com a orientação de: SANTOS, Alcino [et. al.]. Discografia brasileira 78 rpm (1902-1964). Rio de Janeiro: Funarte, 1982, 5 v. 47


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