Portos, por quê? - Revista Cidade Nova

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martina cavalcanti cartas@cidadenova.org.br

agência Petrobras

cn em série Carga pesada

Portos, por quê? LOGÍSTICA O sistema de transportes é um fator crucial para o escoamento da produção nacional e o consequente desenvolvimento econômico do país. Na primeira série de reportagens do ano, Cidade Nova traz um diagnóstico dos gargalos e potencialidades dos nossos principais modais, a começar pelos portos

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ão 8,5 mil km de costa lito­ rânea e 90% das exportações­ feitas por transporte marítimo. Ainda assim, o Brasil investe apenas 0,8% do PIB em transporte de cargas. Não é à toa que amarga o 130º lugar entre 142 países avaliados no quesito qualidade dos portos em relatório do Fórum Econômico Mundial. A precária situação portuária afeta a competitividade internacional do país, inclusive quando o assunto é a sua principal commodity: a soja. A safra deste ano deve bater novo recorde, mas faltou infraestrutura para

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o escoamento. Principal importador do grão do Brasil, a China chegou a cancelar a compra de um carregamento de 600 mil toneladas por causa do atraso provocado pelas extensas filas de embarque no Porto de Santos, em março do ano passado. “Tem soja nos Estados Unidos e na Argentina, países que acabam sendo escolhidos em caso de atraso”, diz Glauber Silveira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil). Segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Brasil tem prejuízo

anual­de US$ 23 bilhões por conta de portos e estradas ruins. “Todo ano a gente perde US$ 5 bilhões de custo com frete. O setor poderia estar plantando muito mais se tivesse escoamento eficiente”, calcula. Grande parte do comércio exterior do Brasil passa pelos sobrecarregados portos de Santos, no litoral paulista, e de Paranaguá (PR). Santos responde por quase 30% de toda a carga internacional. Para distribuir melhor a produção de grãos, portos do Norte e do Nordeste precisam entrar na conta. “Deveríamos estar exportando pelo


menos 40 bilhões de toneladas por Belém e São Luís, mas não exportamos nem dez bilhões de toneladas”, lamenta o representante da Aprosoja. Entretanto, os produtores já têm motivo para ficarem mais tranquilos, segundo o sócio da Macrologística, Renato Casali: os portos Vila do Conde e de Santarém, no Pará, devem apresentar o maior crescimento do setor nos próximos anos. Próximos do Centro-Oeste, do Canal do Panamá, da costa leste dos Estados Unidos e da Europa, eles deverão atender a uma grande demanda da produção agrícola no mercado externo e interno, acredita o consultor. “Os dois [portos] receberão 80% da demanda de milho, soja, óleo e algodão”, calcula Casali, que também aposta na redução de frete como resultado da mudança. “90% das empresas que atuam no agronegócio vão começar a operar no Porto Vila do Conde. Nisso, cai pela metade o preço de transporte. Se hoje é necessário pagar R$ 250 por tonelada, de Sorriso (MT) a Santos ou a Paranaguá, será possível fazer o transporte pela metade do preço, o que representará muitos milhões de economia por ano.” Para Manoel Reis, professor de logística da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), a redução da demanda de cargas em Santos permitirá que o principal porto do país e maior da América Latina se concentre em sua principal vocação: a de movimentar cargas de alto valor agregado.

Acesso A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) nega haver saturação no Porto de Santos, que deve bater recorde de movimentação em 2013, e garante sua capacidade de atender à demanda do mercado. Para a entidade, o grande

problema está na acessibilidade externa ao porto. A necessidade de investimentos na infraestrutura ao redor do porto é unanimidade. Analistas, produtores e representantes dos portos apostam na urgência de licitar rodovias, ferrovias e hidrovias para agilizar o escoamento nos portos, barateando o processo e tornando-o mais eficiente. Para Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), o país investe muito pouco. “Não adianta só as empresas modernizarem os terminais portuários, se o caminhão e o navio custam a chegar no porto”, reclama. “Tudo isso causa tempo improdutivo enorme. Para ser eficiente, o porto tem que ter uma velocidade muito grande.” Os custos logísticos cresceram no Brasil, atingindo 11,5% do PIB em 2012. Com 7,1%, o transporte foi o setor que mais pesou no aumento, segundo uma pesquisa do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). O resultado foi agravado pelo frete rodoviário, que chegou a R$ 259 por mil toneladas transportadas vezes quilômetro útil (TKU) no ano passado. O estudo mostra que são muito mais competitivos os fretes dos modais ferroviário (R$ 43), dutoviário (R$ 49) e hidroviário (R$ 59). A Codesp enumera algumas medidas públicas para resolver o problema da infraestrutura. Segundo a companhia, o governo de São Paulo está construindo um novo dispositivo de acesso na rodovia Anchieta. A entidade também afirma que está prevista uma readequação rodoviária na chegada à cidade de Santos e uma duplicação de acessos ferroviários.

Estrutura As filas nos portos também podem ser reduzidas com a melhoria

da sua estrutura interna. A criação de estacionamentos para caminhões e o aumento da capacidade de armazenamento são algumas sugestões para ganhar tempo e reduzir perdas. Segundo a Codesp, pátios regu­ ladores estão sendo viabilizados em um sistema chamado Portolog. “Os ca­ minhoneiros aguardarão nestes­ pátios a chamada para descer a serra de forma organizada e fazer a entrega nos terminais”, explica a companhia. Em relação aos armazéns, a entidade informa que o Porto de Santos tem capacidade de armazenamento de cerca de 2,5 milhões de toneladas de granéis sólidos, “número que tem atendido com folga a capacidade de embarque”. Não é o que dizem os produtores de soja. Para Silveira, a capacidade é insuficiente. “Hoje podemos armazenar 70% da produção. Se essa capacidade não aumentar, na próxima safra ficaríamos com 50 milhões de toneladas a céu aberto”, estima. Para os importadores o problema são as taxas de armazenagem e o atraso na entrega do produto. “O importador tem que arcar com o preço a mais. É muito difícil repassar custo, o cliente não aceita. É um risco do negócio”, diz Christopher Mendes, diretor financeiro da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei). Outro modo de garantir o rápido escoamento da produção, evitando cancelamentos e custos extras, é trazer a indústria para perto do porto, aponta Cavali. Segundo ele, investir nas áreas retroportuárias contribui para o desenvolvimento econômico do local. Manoel Reis também apoia a questão retroportuária, já que, para ele, criar grandes armazéns no porto não é uma tarefa fácil nem conveniente. “Os produtores agropecuários têm que mandar logo seus produtos para o mercado. Não po- c Cidade Nova • Janeiro 2014 • nº 1

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cn em série Carga pesada dem esperar muito, senão há perdas muito grandes”, alerta.

Burocracia No Brasil, o tempo médio de desembaraço da carga nos portos é de cinco dias, bastante superior ao registrado na Alemanha (um), nos Estados Unidos (três) e em Hong Kong (0,6), segundo dados do Banco Mundial. A Codesp destaca que o programa Porto Sem Papel, implantado recentemente, diminuiu sensivelmente o número de documentos e os trâmites para a liberação de cargas, mas, para especialistas e produtores, a burocracia continua sendo um entrave. O presidente da ABTP admite o avanço, mas aponta que os próprios órgãos federais resistem a seguir o sistema único previsto no Porto Sem Papel. “Não adianta ter terminais modernos se a eficiência deles é prejudicada pela má administração portuária. Há excesso de burocracia nos portos e a mão de obra carece de treinamento”, afirma. Uma possível solução seriam portos trabalhando 24 horas. De acordo com a Secretaria Especial de Portos (SEP), com a medida, que já está sendo implementada nos principais portos do país, o custo com logística deve cair em média 25%.

Legislação Em 2013 a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei dos Portos, estabelecendo um novo marco regulatório para o setor. Uma das mudanças da nova legislação foi permitir que os terminais privados movimentem carga de terceiros. A mudança agrada especialmente a Associação Brasileira de Terminais Portuários. “O governo, que tinha fechado o diálogo com o setor empresarial, agora tem grande 16

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oportunidade de abrir investimentos imediatos de R$ 10 bilhões com os terminais privados”, diz Wilen Manteli. Os Terminais de Uso Privativo (TUPs) movimentam atualmente 65% das cargas no sistema portuário, enquanto os portos públicos respondem por 35%. Para aumentar ainda mais os investimentos privados, o governo pretendia lançar, ainda em 2013, editais de concessões para os portos de Santos e do Pará, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu as licitações. Segundo o tribunal, os editais estavam incompletos e, para

Os custos logísticos cresceram no Brasil, atingindo 11,5% do PIB em 2012. Com 7,1%, o transporte foi o setor que mais pesou no aumento

alguns terminais, não havia definição de tetos máximos das tarifas. Como as exigências são obrigatórias, a decisão deve atrasar a concessão. No total, o governo planeja oferecer 29 áreas no primeiro bloco. A previsão de receita no período das concessões é de R$ 38 bilhões. “A pressa é inimiga da perfeição. O governo licitou cinco áreas públicas e, do nada, quer pular para 29 terminais, o que é complexo, exige muitos esforços”, diz Manteli. “O governo deveria priorizar áreas públicas ociosas e licitá-las primeiro”, sugere. Já o professor Manoel Reis acredita que o governo deve insistir nas concessões, mas realizar estudos

mais cuidadosos. “Tentar qualquer outra coisa é perder tempo”, opina.

Potencial Para Renato Casali, sócio da Macrologística, apenas o pensamento global poderá resolver os problemas do transporte marítimo no país. “Precisa melhorar portos, mas também os acessos. É necessária uma visão global – da produção até a exportação.” Segundo ele, a meta seria dobrar a participação brasileira no mercado internacional, atualmente em 1%, e chegar a pelo menos 2% do que é comercializado no mundo. Tudo vai depender da capacidade de exportação do país, já que soja e demanda internacional não faltam, acredita Glauber Silveira. “Todo ano, o setor está mandando dez bilhões de toneladas a mais para fora. O potencial é grande”, diz. A evolução é gradual, mas acontece. Segundo o Banco Mundial, o país saltou da 61º posição no ranking de competência em logística, em 2007, para o 45º lugar em 2012. Com as concessões, a taxa de investimentos em logística no Brasil deve alcançar 22,2% do PIB em 2018, de acordo com o levantamento Perspectivas do Investimento 2014-2017. Na infraestrutura, as maiores taxas estão concentradas em portos e ferroviais. Somente os portos terão R$ 34 bilhões, R$ 19 bilhões a mais que o período de 2009 a 2012, uma variação de 124%. Se as previsões se concretizarem e o Brasil conseguir driblar os gargalos do setor portuário, o país poderá finalmente aproveitar vantagens do transporte marítimo, como maior capacidade de carga, redução de custos, menores danos ambientais e menor risco de acidentes, fatores essenciais para aumentar sua competitividade global.


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