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Amos Ben Gershom | GPO
internacional
Israel e Estados Unidos:
parceria histórica por um fio GEOPOLÍTICA Divergências sobre a criação do Estado Palestino e o acordo nuclear firmado com o Irã compõem o cenário mais crítico enfrentado pelos dois países nos últimos anos
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o dia 2 de abril centenas de iranianos saíram às ruas para comemorar o pré-acor do nuclear assinado com seis potências ocidentais, entre elas os Estados Unidos, país com o qual o Irã não mantém relações diplo máticas desde 1979. O anúncio foi recebido com buzinaço em Teerã e elogiado por líderes das nações de senvolvidas pela esperança de aca bar com as sanções econômicas e de diminuir os riscos da produção de bombas nucleares. Se, por um lado, o pacto rompe barreiras erguidas durante décadas entre inimigos históricos, por ou tro, arruinou a tradicional aliança
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entre o governo norte-americano e Israel, um severo crítico do acordo. O caso agrava um dos momentos mais críticos enfrentados pelos dois países em anos. O clima começou a esquentar du rante a campanha eleitoral israelen se, em março deste ano. Foi quando o premiê Benjamin Netanyahu esteve no Congresso americano – a convite dos republicanos e sem avisar a Casa Branca – para criticar o acordo nu clear com o Irã, até então ainda em fase de negociação. Em busca de seu quarto mandato, Netanyahu decla rou também, um dia antes do pleito, que não permitiria a criação de um Estado palestino caso fosse eleito.
A atitude irritou Barack Obama, defensor da solução de dois Estados para o conflito árabe-israelense, e parece isolar cada vez mais Isra el num cenário onde tem prevalecido o diálogo entre Ocidente e Oriente Médio. Apesar das desavenças, a alian ça estratégica entre Washington e Jerusalém não corre o risco de aca bar por completo. Segundo especia listas ouvidos por Cidade Nova, os países, que já enfrentaram outros problemas ao longo de sua história, devem superar mais esse impasse. Mas não vão sair sem cicatrizes e arranhões: a campanha por um boicote mundial a Israel só tem aumen
tado, assim como os casos de antis semitismo nos Estados Unidos.
Acordo nuclear O pacto assinado com o Irã procu ra reduzir significativamente a capa cidade de o país utilizar seu progra ma nuclear para a criação de bombas em troca de acesso aos mercados e aos ativos que foram bloqueados por sanções internacionais. Se as exigên cias forem descumpridas, porém, as sanções serão restabelecidas. Entre os compromissos firmados, estão a redução do número de centrí fugas, que passarão de 19 mil a seis mil, o não enriquecimento de urâ nio durante 15 anos no complexo nuclear de Fordo, além do acesso de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) às plan tas nucleares do país por 25 anos. Apesar de não eliminar o enri quecimento de urânio pelo Irã, o pacto é uma maneira de as nações desenvolvidas ganharem tempo na delicada questão diplomática com o país, que já se arrasta por 12 anos. A resposta do premiê israelense à notícia foi irredutível. “Israel não vai aceitar um acordo que permita a um país que deseja nos aniquilar desenvolver armas nucleares”, rea giu Netanyahu, exigindo aumento de pressão sobre o Irã para obter um resultado mais favorável. Para ele, em um pacto perfeito não poderiam faltar a proibição to tal ao enriquecimento de urânio e o reconhecimento ao direito de existência de Israel, um pedido tido como impossível, já que os dois paí ses são inimigos. Obama tentou acalmar os âni mos do aliado reafirmando que os Estados Unidos jamais assinariam um acordo que pudesse representar uma ameaça a Israel. “Se alguém mexer com Israel, os EUA estarão lá”, garantiu. Netanyahu, porém,
insiste que “ainda há tempo para conseguir um melhor acordo”. O assunto promete se desenro lar em mais desentendimentos até o fechamento do pacto definitivo, previsto para acontecer antes de 1º de julho.
Mudança de visão Depois das ocupações militares caras e malsucedidas no Iraque e no Afeganistão, os Estados Unidos se riam incapazes de abrir fogo contra o Irã, como parece desejar Israel ao se opor a uma solução diplomática. Além disso, na atual missão norte -americana de destruir o Estado Is lâmico no Iraque e na Síria (ISIS), a cooperação com o regime iraniano é indispensável. “O acordo nuclear ajuda o com bate contra o ISIS e promove a paz regional para a qual o Irã era o gran de obstáculo com a preocupação de que esse país estava se tornando uma potência atômica”, analisa Ar gemiro Procópio Filho, professor ti tular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). O crescimento do Estado Islâmi co no Oriente Médio motivou uma nova forma de encarar os proble mas na região, com mais diálogo e menos armas, acredita o professor Adriano de Freixo, coordenador da Graduação em Relações Internacio nais da Universidade Federal Flumi nense (UFF). “Os conflitos armados criam um vazio de poder que é ocupado por grupos extremistas. Então, Estados Unidos e o Ocidente passaram a pensar melhor na forma de intervir no Oriente Médio. É mais vantajo so chegar a um acordo do que gerar uma instabilidade que permita exis tir um governo mais extremo do que existe hoje”, conclui. O pensamento tem predominado na condução da diplomacia pelo Ocidente hoje.
Assentamentos No centro das desavenças entre Estados Unidos e Israel também está o histórico de Netanyahu sobre as sentamentos israelenses em territó rios ocupados por palestinos, agra vado por sua declaração anti-Estado palestino no Congresso americano. Em 2012, Obama se indignou quando o premiê israelense autori zou mais de mil novas moradias na Cisjordânia em retaliação à decisão da ONU de reconhecer a Palestina como Estado observador. Durante os dois últimos mandatos de Ne tanyahu, a população nos assen tamentos cresceu 5% por ano, so mando 70 mil novos colonos entre 2009 e 2013. Ainda assim o governo norte -americano continuou financiando a política agressiva de Israel, para a qual destinou US$ 20 bilhões. Os EUA também trabalham firme para proteger o aliado das consequências das suas ações nos territórios ocu pados, como atestam os cerca de 40 vetos dos Estados Unidos no Conse lho de Segurança da ONU para pro teger Israel e impedir a autonomia da Palestina. No entanto, a retórica eleitoral de Netanyahu, contrária à criação de um Estado Palestino, provocou um endurecimento no discurso dos Estados Unidos, que pela primeira vez considerou punir o aliado em votações da ONU. “As medidas que os Estados Uni dos tomaram na ONU haviam se baseado nessa ideia de que a solução com dois Estados é o melhor resulta do”, disse o porta-voz da Casa Bran ca, John Earnest, apesar de o premiê israelense ter amenizado a posição após vencer as eleições. “Agora nosso aliado nesse diálogo disse que já não está mais comprometido com essa solução. Isso significa que teremos de reavaliar nossa posição a respeito Cidade Nova • Maio 2015 • nº 5
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internacional desse assunto, e é isso o que vamos fazer de agora em diante.” Um menor apoio norte-america no na ONU resultaria em um maior isolamento diplomático de Israel, num momento em que cresce tam bém na Europa a oposição à amplia ção de assentamentos israelenses. No Oriente Médio, Israel também é de poucos amigos, já que só man tém relações com o Egito e a Jordâ nia, enquanto seu principal parceiro, os Estados Unidos, amplia cada vez mais sua gama de parceiros da re gião. “Israel não pode se isolar tanto. O país tem que chegar a um denomi nador comum”, opina Procópio.
Entre tapas e beijos As identidades políticas opostas dos líderes israelense e americano são outro fator complicador da re lação, segundo o especialista da UnB. Netanyahu lidera um governo de direita ligado aos falcões repu blicanos, opositores ao democrata Obama, mais à esquerda na política norte-americana. “Falam até de cri se de espionagem, o que tem desa gradado o presidente americano”, alerta Procópio. A postura radical israelense tem incomodado bastante Obama e ou tros líderes ocidentais. “Israel é vis to como baluarte da civilização oci dental no meio do Oriente Médio, mas por conta dessas violações su cessivas está sendo gerado um forte desgaste com os Estados Unidos”, afirma Freixo. Apesar das diferenças, o presi dente norte-americano voltou a de clarar recentemente sua fidelida de ao parceiro do Oriente Médio. “Mesmo em meio às discordâncias que eu tive com o primeiro-minis tro Netanyahu, tanto sobre o Irã quanto sobre a questão palestina, eu tenho enfatizado que a nossa de fesa de Israel é inabalável”, afirmou. 30
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Netanyahu, antes de criticar o colega norte-americano, fez ques tão de elogiá-lo por seu permanente apoio a Israel e ressaltar os laços que os unem. “A notável aliança entre Israel e Estados Unidos sempre es teve acima da política, e deve per manecer sempre acima da política”, discursou ao Congresso dos EUA. Os conflitos políticos entre os dois países não são de hoje. Os exem plos de rixas históricas vão desde a declaração do Estado judaico, em 1948, por David Ben-Gurion, até a
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Apesar das desavenças, a aliança estratégica entre Washington e Jerusalém não corre o risco de acabar por completo. Mas não vão sair sem cicatrizes e arranhões
continuidade da Operação Escudo Defensivo, por Ariel Sharon, em 2002, à qual George Bush era publi camente contra. Ainda assim, nenhum deles afe tou permanentemente essa forte relação que faz de Israel o maior beneficiário no total da assistência econômica e militar direta dos Esta dos Unidos desde a Segunda Guerra Mundial, com o financiamento de 20% a 25% do orçamento israelense de defesa por contribuintes norte -americanos. “É um casal que ain da não está falando em divórcio”, resume Procópio.
Cicatrizes Além da interdependência tecno lógica e militar entre os dois países, a forte presença da colônia judaica nos Estados Unidos estreita os laços. “Essa comunidade é influente, tem poder econômico e muita representativi dade no Congresso. As pressões desse grupo são importantes para o quadro político norte-americano”, diz Freixo. Porém, a inimizade provocada na sociedade estadunidense pelas recentes declarações de Netanyahu tem afetado a numerosa colônia judaica nos Estados Unidos. Prova disso é o surgimento de casos de an tissemitismo em algumas universi dades norte-americanas, como rela tado pelo jornal The New York Times. De acordo com a publicação, houve um esforço para impedir uma estudante de participar do conselho de uma governança estudantil da Universidade de Califórnia, no mês passado, só por ser judia.
Solução Para o professor Adriano Freixo, a necessidade de afirmação do Es tado de Israel a todo momento está no cerne de quase todos os conflitos entre os dois países ao longo da his tória. “São muito mais divergências pontuais, mas que não ameaçam a aliança construída historicamente. Os conflitos são superados pela im portância de Israel no Oriente Mé dio”, pondera o especialista. Segundo ele, a solução dos dois Estados é a única maneira de se ten tar construir a paz na região e evitar mais conflitos com os Estados Uni dos: “Para isso os radicais dos dois lados têm de ser isolados”. Está aí uma reflexão para que eleitores israelenses e norte-ameri canos tentem inaugurar um novo capítulo dessa histórica e complica da amizade.