A Lava Jato pode parar o Brasil?

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Brasil

martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

A Lava Jato

pode parar o Brasil?

POLÍTICA As maiores construtoras do país estão envolvidas no escândalo e têm sido penalizadas, afetando a já vacilante economia brasileira. Existe algum modo de fazer justiça sem afetar obras importantes para o crescimento do país?

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ete das dez maiores emprei­ teiras do país já tiveram executivos investigados na Operação Lava Jato. Fazem parte da lista Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e Construcap. Essas e outras cons­ trutoras sofrem acusações por for­ mação de cartel para se beneficiar em licitações e por pagamento de propinas a dirigentes da Petrobras e

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a agentes políticos em troca de ob­ tenção de contratos da estatal. Em meio à forte crise econômica e à necessidade de aumentar a in­ fraestrutura brasileira, o escândalo parece anunciar um desastre, já que são justamente as construtoras en­ volvidas no caso que estariam aptas a realizar as obras mais complexas. Muitos canteiros estão parados e correm o risco de serem completa­ mente interrompidos, resultando

também na demissão de milhares de trabalhadores. Afinal, é possível dar seguimen­ to a obras importantes sem deixar de punir corruptos? A resposta é sim. Mas as escolhas para fechar essa equa­ção são muito distintas. De um lado, há quem defenda a redução das penas para que as em­ presas sejam punidas sem prejuízo ao mercado e à sociedade. De outro, o argumento é que não se pode ame­


Odebrecht

Muitos canteiros estão parados e correm o risco de serem completamente interrompidos, resultando também na demissão de milhares de trabalhadores

nizar as sanções e que outras com­ panhias – menores associadas ou estrangeiras – deveriam tomar o lu­ gar das corruptas, dando continuidade às obras.

Prejuízos Após o escândalo, a situação eco­ nômica das construtoras é grave. Muitas empresas estão impedidas de serem contratadas ou participarem de licitações da Petrobras. A ­estatal

já bloqueou quase R$ 1 ­bilhão d ­ es-­ sas companhias, restituindo apenas 10% dos cerca de R$ 10 bilhões desviados. Pelas estimativas da Po­ lícia Federal, o rombo causado pela corrupção na petrolífera é ainda maior: R$ 19 bilhões. Já as garantias solicitadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desen­ volvimento Econômico e Social) – até então o principal credor das em­ preiteiras – aumentaram. A aprova­ ção de novos empréstimos despen­ cou à metade nos primeiros seis meses do ano na comparação com o primeiro semestre de 2014, para R$ 43 bilhões. Os projetos de infraes­ trutura, muitos deles tocados pelas empresas suspeitas, receberam 16% abaixo do liberado em igual inter­ valo do ano passado. Esses fatores contribuem para a inadimplência dessas empresas, que vêm atrasando o pagamento de suas dívidas no Brasil e no exterior. Conforme as dívidas vencem, fica evidente o desequilíbrio do fluxo de caixa e a opção da recuperação judicial se torna mais atraente. O instrumento, solicitado quando a companhia perde a capacidade de pagar seus débitos, é utilizado para evitar a falência da empresa e per­ mite a manutenção da produção e do emprego dos trabalhadores até sua reestruturação financeira. Até o momento, recorreram à recuperação judicial as construtoras OAS, com dívida de R$ 8 bilhões, Galvão Engenharia e Participações, com saldo negativo de R$ 1,6 bilhão, e Alumini Engenharia, R$ 1 bilhão no vermelho. Como resultado da piora nas contas das companhias, em mea­ dos de janeiro, as agências de clas­ sificação de risco, como Moody’s e Standard & Poor’s, cortaram as notas das grandes construtoras na­ cionais. O rating mede a capacida­ de de uma empresa de honrar suas

dívidas. Com uma nota menor, as companhias são vistas com descon­ fiança pelo mercado externo e ten­ dem a receber menos investimentos estrangeiros, bem como têm aces­ so limitado a crédito no mercado internacional. A operação tem provocado um efeito dominó no setor da constru­ ção civil e do petróleo. Empresas subcontratadas ficam sem receber e deixam de pagar seus fornecedores. Prevê-se que até mesmo redes de postos de gasolina poderão ser afeta­ das. Já pediram recuperação judicial as fornecedoras de equipamentos Iesa, do grupo Inepar, com dívida de R$ 3,5 bilhões, e Jaraguá Equipamen­ tos, negativa em R$ 700 milhões. Além do impacto da operação no caixa das empresas, o ajuste fis­ cal imposto pelo Ministério da Fazenda em tempos de crise eco­ nômica, atrasando pagamentos do governo federal, também pesa no bolso das construtoras. E a corda es­ toura primeiro do lado mais fraco: o dos trabalhadores. Estimativas da Força Sindical informam que 21 mil funcionários foram demitidos e cerca de 20 mil estão sem receber salários ou indeni­ zação por causa dos reflexos da Lava Jato. E os números podem ser ainda maiores. O setor da construção civil registrou um saldo negativo de 355 mil empregos formais de agosto de 2014 a julho deste ano, de acordo com dados do Caged (Cadastro Ge­ ral de Empregados e Desemprega­ dos), do Ministério do Trabalho.

Lei anticorrupção Criada em 2013, a Lei Anticor­ rupção prevê a punição de empresas envolvidas em irregularidades com multas e até a extinção das compa­ nhias. Por conta dessa legislação, pessoas jurídicas passam a responder judicial e administrativamente por Cidade Nova • Outubro 2015 • nº 10

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ações ilícitas de seus ­ f uncionários ou representantes que prejudicaram o bem público. Antes, os funcio­ nários envolvidos na corrupção de agentes públicos e em fraudes de li­ citações e contratos respondiam in­ dividualmente, como pessoa física, por corrupção passiva ou ativa. Apesar da nova lei, cortes de in­ vestimentos, demissões, paralisação de obras e queda no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) são usa­ dos pelo governo como mote para “punir os culpados e preservar as empresas”, ou seja, livrar as compa­ nhias enquanto seus funcionários são responsabilizados, como disse a presidente Dilma Rousseff. Para Alamiro Netto, professor de Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo), a punição deve ser aplicada às empresas independente­ mente das consequências à socieda­ de ou ao setor econômico que elas representam. “Num primeiro mo­ mento, essa punição pode resultar em problemas significativos à infra­ estrutura brasileira. Não há dúvida que são empresas fortes e de alta tecnologia, mas se a pessoa jurídica­ é beneficiá­ria da irregularidade, tem que ser punida”, defende. Segundo ele, após do afastamento dessas companhias, o mercado deve criar novos atores, sejam empresas nacionais ou estrangeiras, para suprir suas necessidades. “Se há demanda, há oferta. O problema pode ser resol­ vido a médio e longo prazo a partir do momento em que outras pessoas jurídicas entrem no mercado. Fun­ cionários demitidos pelas grandes construtoras já possuem know-how no setor e serão recontratados por es­ sas novas empresas”, aposta. Netto pondera que a Lei Anticor­ rupção tem alguns problemas técni­ cos, já que é muito recente e ainda de­ pende de regulamentação em várias esferas do poder, mas, ainda assim, tem potencial de representar avan­ 14

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ços. “As consequências da ­Operação Lava Jato vão colocar à prova a Lei Anticorrupção: se ela realmente veio com o ímpeto de atender à necessida­ de de punição a pessoas jurídicas ou se foi criada apenas para amenizar a opinião publica”, afirma. Para Denis Alves Guimarães, sócio da consultoria AGPR (Alves Guimarães Política Regulatória), não há opções do mercado nacional de empresas que possam ofertar os mes­ mos produtos e serviços das grandes construtoras envolvidas no escândalo. Segundo ele, é possível, sim, atenuar as penas dessas compa­ nhias sem causar prejuízos à socie­ dade e à economia. “Tanto a Lei de Defesa da Concorrência quanto a Lei Anticorrupção incluem critérios agravantes e atenuantes de pena. Se for aplicada uma lei menor por ra­ zão econômica, você não deixa de aplicar a lei”, afirma. De acordo com o advogado, há um consenso das autoridades e da sociedade civil de que a determina­ ção de cessão de atividades de uma empresa importante é uma solução extremada e deveria ser evitada. “O foco deve ser em impor penalidades que não inviabilizem financeira­ mente as empresas e focar nas pena­ lidades a indivíduos, sejam funcio­ nários ou administradores”, defende. Para Netto, essa diretriz seria como andar para trás, já que a ten­ dência mundial caminha justamen­ te na direção de que as empresas, e não apenas seus funcionários, se­ jam cada vez mais o foco do sistema jurídico em casos de corrupção.

Soluções Em depoimentos à Justiça, mui­ tos empresários investigados ale­ garam que o esquema de propinas sempre existiu, mesmo em outras obras, e faz parte da maneira como o sistema brasileiro funciona. Ape­

sar de definir como “­juridicamen­te fraco” esse tipo de argumento, Netto admite que a corrupção é um pro­ blema estrutural do sistema capita­ lista, deixando estragos não apenas no Brasil, como em outros países mais desenvolvidos, como Alema­ nha e Japão. Para ele, a única solução possível é haver mais transparência e maior atuação dos órgãos de controle, fa­ tores que têm avançado no país, na opinião do especialista. “É preciso transparência não só nas contas das companhias públicas, mas nas escolhas de membros das diretorias e nas decisões internas das corpo­ rações. No caso das empresas priva­ das, fala-se muito em mecanismos de governança corporativa, com adoção de códigos de ética e compliance, ou seja, a criação de cul­ tura de respeito ao cumprimento normativo. Esse é um grande tema das empresas no Brasil e no mundo e são mecanismos que vêm dando certo”, afirma. Para Guimarães, além da questão das investigações e das punições que ocorrem no âmbito da Lava Jato, é necessário aumentar a autonomia dos responsáveis pelos programas de compliance, tanto nas empresas públicas quanto nas privadas. “Se o responsável não tem facilidade de comunicar tudo o que acontece de errado aos altos cargos da empresa, ele não conseguirá trabalhar e o pro­ blema não será resolvido”, observa. Além disso, a má gestão das con­ tas empresariais deveria acabar, na opinião do especialista. “Por um período prolongado, houve prática­ de preços não condizentes com os valores de mercado com objetivo de fazer compensação política, o que gerou buracos nas contas da Petrobras. A má gestão é um proble­ ma economicamente maior, ainda que a corrupção moralmente seja mais complicada.”


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