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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br
O risco das agências de classificação ECONOMIA A nota de crédito do Brasil (rating) foi rebaixada por três agências de classificação de risco: Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch. Entenda o que aconteceu e saiba o que está por trás dessas organizações
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m dos maiores temores da equipe econômica do governo Dilma Rousseff e do empresariado brasileiro se concretizou no último mês de setembro: a agência de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do país, que passou do grau de investimento para o especulativo. A perda do selo de “bom pagador” significa que o país já não faz parte do seleto grupo de nações com baixo risco de não pagarem suas dívidas. Dessa forma, a economia brasileira passa a ser vista com mais desconfiança pelos investidores estrangeiros. Com a mudança, a agência desincentiva os investidores a aplicarem seu dinheiro no Brasil ao considerar a chance de levar calote concedendo empréstimos ao país maior do que em outra nação cuja nota é mais elevada. Para compensar o risco de continuar investindo em território brasileiro, os credores podem aumentar o valor dos juros. É como se você fosse pedir crédito no banco e não estivesse com as contas em dia, exemplifica o economista Antonio Carlos dos Santos, da PUC-SP. “Se você vai ao banco e possui um bom histórico, consegue o empréstimo. Se na análise das contas o gerente chegar à conclusão
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de que você é um devedor, ele pode até conceder o empréstimo, mas vai cobrar juro mais alto para compensar o risco de você não pagar sua dívida”, compara. A elevação da taxa de juros afeta os custos de financiamento para o governo e para as empresas locais, que podem repassar o aumento aos consumidores. Outra possível consequência é a redução da entrada de dólares no país, desvalorizando ainda mais a moeda brasileira. O dólar atingiu seu maior nível em 13 anos e já acumula alta de quase 50% ante o real em 2015. O Brasil foi rebaixado também por outras duas importantes agências de rating: a Moody’s e a F itch Ratings, mas mesmo descendo um degrau, o Brasil ainda conserva o grau de investimento. Se uma delas optar por seguir os passos da S&P, a situação ficará ainda mais complicada. Isso porque os estatutos de fundos de pensão e de investimentos bilionários exigem que o país tenha notas positivas em ao menos duas das três agências para aplicar em títulos da dívida do governo. Se a nota for rebaixada por mais uma instituição, os fundos e seus investidores ficam impedidos de investir no Brasil.
A decisão da S&P pode ser vista como um alerta para que o governo ajeite suas contas de maneira a impedir um segundo rebaixamento da nota. No entanto, essa forte influência das agências internacionais nas diretrizes da política econômica de um país é questionada por alguns especialistas. Outro ponto levantado é o fato de que essas entidades já cometeram erros consideráveis nas crises econômicas dos últimos anos, o que pesa contra sua credibilidade. Ainda assim, é inegável que os investidores precisam de informações confiáveis na hora de decidir sobre seus investimentos e as agências continuam sendo os instrumentos mais eficazes para atender a essa necessidade.
Quem dá menos As notas atribuídas pelas agências a títulos, empresas e países vão de AAA (o mais alto grau de qualidade de crédito), passando por C (níveis de risco de crédito excepcionalmente altos) até D (inadimplente em seus compromissos financeiros). No caso do Brasil, a nota da S&P passou de BBB- (qualidade de crédito boa) para BB+ (grau especulativo) com perspectiva negativa, ou seja, a
Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, comenta a perda do grau de investimento pelo Brasil, de acordo com avaliação da Standard and Poor’s, durante entrevista coletiva
nota pode cair ainda mais nas próximas avaliações. A Moody’s e a Fitch reduziram de BBB para BBB-, ou seja, ainda falta descer um degrau para o grau especulativo. Além disso, a S&P rebaixou o rating de mais de 30 empresas brasileiras. Elas também terão maior dificuldade de financiar seus planos de investimento, o que freia ainda mais a já estagnada economia brasileira. Por mais que o país venha a seguir as exigências da S&P para impedir novas quedas no rating, a recuperação do grau de investimento pode tardar. Segundo um estudo do Itaú Unibanco, o tempo médio para recuperar o selo de bom pagador é de 7,2 anos. O Brasil recebeu o grau de investimento em 2008 e o status à época foi comemorado como uma conquista da economia brasileira. A apresentação do Orçamento de 2016 no vermelho pela primeira vez desde a estabilidade monetária, a falta
de coesão do governo para aprovar as contas públicas, e as dificuldades de aprovar o ajuste fiscal no Congresso foram cruciais para o rebaixamento, de acordo com a S&P. Em seu relatório, a entidade apontou que “sem um desempenho inesperadamente melhor, a meta fiscal proposta no Orçamento geraria três anos consecutivos de déficits fiscais primários e uma elevação contínua da dívida líquida geral do governo”. A S&P acredita que o país somente voltará a crescer, ainda que modestamente, em 2017. Ao se reeleger, Dilma colocou o ortodoxo economista Joaquim Levy à frente do Ministério da Fazenda para agradar o mercado internacional e evitar o rebaixamento da nota brasileira. Os esforços, minados pela crise política e econômica, não surtiram efeito. “A série de eventos que levaram ao orçamento proposto nos sugere um enfraquecimento da coesão do gabinete da presidente
ilma Rousseff e contribui para D nossa avaliação de que há um enfraquecimento do perfil de crédito do país”, declarou a S&P.
Mudanças Para se recuperar e tentar evitar novos rebaixamentos, o país terá que aumentar a arrecadação fiscal, com a criação de novos impostos, e diminuir ainda mais os gastos públicos, medidas que afetam diretamente a população brasileira. O cenário de mais impostos, menos gastos e juros altos resulta em mais recessão econômica, elevando o desemprego e diminuindo salários. Bruno de Conti, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), critica que a manutenção ou a recuperação do rating esteja acima de outros objetivos da política econômica. “Acho um exagero completo e um atentado à própria democracia. Dilma Cidade Nova • Novembro 2015 • nº 11
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internacional foi eleita com uma plataforma e, ao invés de atender ao desejo do eleitorado e objetivos nobres do país, direciona a política econômica à manutenção do rating. A escolha de Levy foi com essa missão”, afirma. O especialista explica que o ajuste fiscal foi iniciado, mas gerou uma recessão ainda maior. A queda do Produto Interno Bruto (PIB) dificulta a continuidade do ajuste sob o risco de afetar programas e indicadores sociais. Conti lembra que os investimentos públicos já caíram 40% desde o início do ajuste, afetando, inclusive, a área da educação.
Critérios Segundo o analista Carlos Muller, da Geral Investimentos, para dar nota a um país, as agências avaliam fatores como perspectiva de crescimento e taxa de juros. “Acredito que são bons critérios, sim, até porque são adotados em todos os países. Não é um critério enviesado, é um critério-padrão”, afirma. Já para Santos, por melhores e mais completas que sejam, as informações serão sempre imperfeitas e afetadas pela subjetividade. “O impacto das notas recebidas por países desenvolvidos é menor ou nulo quando comparado com os chamados países em desenvolvimento, como Brasil e Rússia”, afirma. Devido à sua origem norte-americana, as agências desconhecem singularidades de outros países, especialmente os mais pobres, o que influencia nas notas, aponta o economista. Com o rebaixamento, o Brasil possui a mesma avaliação da Rússia, que sofreu embargo internacional por conta da guerra na Crimeia e foi afetado pela baixa do petróleo. Eduardo Velho, economista-chefe da Invx Global, defende que muitos analistas das agências são brasileiros ou já trabalharam no Brasil 30
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e, portanto, conhecem o país o suficiente para avaliar sua economia. “São agências independentes. Não é assim tão simples: há analistas-sênior, júnior, além de comitês que avaliam as contas antes de definir uma nota”, sustenta. As instituições possuem funcionários em países periféricos, portanto o problema não é esse, concorda Bruno de Conti. “Mais que pautadas por desconhecimento, as decisões das agências são opções políticas. Muitas vezes elas só sancionam o que o mercado internacional está propondo”, afirma. “Quando rebaixaram a nota do governo Dilma é como se estivessem insatisfeitos com o governo, o que não tem a ver apenas com a capacidade de o país honrar suas dívidas”, aponta o economista. “Por trás de critérios pretensamente técnicos, há disputa do papel do Estado na economia. O governo Dilma foi bastante interventor, o que contraria a economia liberal defendida pela agência e por seus clientes”, opina.
Falhas Na quebra do mercado imobiliário americano, epicentro da crise que se alastrou pelo mundo em 2008, ações do setor e de bancos que se mostraram “ativos podres” eram classificadas como sólidas e confiáveis pelas agências de classificação de risco. Apesar de o episódio ter abalado a credibilidade das agências na época, as entidades se recuperaram e continuam influenciando fortemente o mercado e as diretrizes da política econômica de muitos países. Para Eduardo Velho, o problema não é das agências, mas das empresas que alteraram seus balanços para parecer que estavam em situação melhor antes de a crise estourar. “Não dou tanto descrédito para as agências
de rating, mas admito que elas ficam um pouco reféns de agentes econômicos que manipulam os dados que elas analisam”, comenta. “A credibilidade das empresas de auditoria diminuiu mais do que das agências.” “Como alguém que ajudou a levar a uma crise monstruosa como a de 2008 continua tendo credibilidade? É um absurdo!”, opina Santos. Para ele, a necessidade do mercado de ter referências sobre o destino de seus empréstimos e a falta de alternativas além das agências de rating para fazer isso são algumas das razões pelas quais elas ainda são levadas a sério. O economista admite também que essas instituições ficaram mais rigorosas e procuraram reduzir a subjetividade após 2008, já que elas dependem da credibilidade para manter e atrair mais clientes.
Perspectivas Bruno de Conti ressalta a necessidade da regulação dessas agências, já que são muitos os conflitos de interesses envolvidos em sua atuação. “As agências são privadas e seu objetivo último é obter lucro. Uma agência pública não teria esse interesse”, propõe. Para Santos, está nas mãos dos grandes fundos de investimento a sobrevivência dessas entidades. “Eles continuam usando os serviços das três instituições. Enquanto eles não mudarem a avaliação que possuem em relação às agências, não há o que fazer.” Ele acredita que as críticas às entidades podem levar ao surgimento de outras agências no mercado financeiro ou na esfera pública. Mas mesmo no caso de agências públicas, haveria o risco de influência políticas nas decisões. Conclui: “É difícil ter agência de avaliação de risco que esteja imune ao excesso de subjetividade, à influência política ou à influência de país de origem”.