Depois da Lama

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Exemplar 597 Ano LVIII Nยบ 1 Janeiro de 2016 www.cidadenova.org.br

f r at e r n i d a d e e m r e v i s ta


fraternidade em revista

Edição 597 • Ano LVIII • nº 1 • Janeiro de 2016

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brasil Os jovens assumem cada vez mais protagonismo na sociedade. Exemplo recente é a ocupação de escolas públicas em São Paulo

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entrevista – Berenice Menegale Com uma vida dedicada à música, a pianista mineira transborda realização humana e se dedica à difusão do acesso a essa arte

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internacional As eleições presidenciais nos EUA têm reflexos sobre o mundo todo. O próximo pleito promete ser carregado de surpresas e sérias implicações

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família em foco As respostas nem sempre óbvias de famílias que buscam conciliar carreira e educação dos filhos

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chave de leitura Paralelamente à COP-21, aconteceu em Paris a reunião do Comitê Internacional Juvenil de “Religiões pela Paz”. O evento visto por um participante brasileiro

Beth Santos | PCRJ

Rovena Rosa | Agência Brasil

Antônio Cruz | Agência Brasil

A tragédia ambiental de Mariana mostrou a urgência de segurança e sustentabilidade. E alertou para o risco de dependência da mineração num país que esbanja oportunidades

18 cn em série – Desafios do milênio Na primeira série de 2016, os desafios que os países têm pela frente para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

seções 4 5 10 11 15 16 21 27 31 32 36

Cartas Ponto de vista Economia de Comunhão Sustentabilidade Periferias existenciais Outro olhar Tecnologia Radar América Latina Bem-estar Imagem Palavra de vida

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Espiritualidade em ato Abre aspas Esporte Psicologia Na ponta do lápis Crônica Artefatos Teen Na estante Som na caixa Claquete Cidade Nova • Janeiro 2016 • nº 1

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cartas

cartas@cidadenova.org.br

Seriedade e equilíbrio

editora-chefe Fernanda Pompermayer Conselho editorial Adriana Rocha, Darlene P. Bomfim, Emanuel Bomfim, Gilvan David de Sousa, Mariele Prévidi, Munir Cury, Sérgio Prévidi repórteres Ana Carolina Wolfe, Daniel Fassa, Thiago Borges Diagramação Giceli Valadares da Silva revisão Rafael Varela capa Giceli Valadares da Silva foto da capa Fotoarena | Folhapress

Pertenço a uma igreja batista e talvez seja o assinante mais antigo da revista Cidade Nova no Estado do Amazonas. Essa longa fidelidade tem por razão a seriedade e o equilíbrio com que os mais complexos temas são tratados; também, pelo fato de cada leitura ser uma chamada a lembrar-me de que não sou a única pessoa no mundo, e que preciso viver o amor cristão em que creio. Leland Barroso de Souza | por e-mail

Grata surpresa ao receber a Cidade Nova. Eu não conhecia essa revista de tão alto teor de ideias, com um olhar diferente, de formação. Muito obrigada.

Impressão Divisão Gráfica da Editora Abril S.A. Este número foi impresso em 26/01/2016 Número avulso: R$ 12,50 Revista mensal • Ano LVIII • Tiragem: 16.000 ISSN 0103-2518 • São Paulo • Brasil

fale com cidade nova Assinaturas assinaturas@cidadenova.org.br 0800.724.2252 (horário comercial) Fax: (11) 4158.8890 r 242 Licenciamento de conteúdo Os artigos desta revista podem ser reproduzidos parcial ou totalmente desde que sejam citados a fonte e o autor. Fotos e ilustrações: só com autorização escrita da Editora Cidade Nova. anúncios publicidade@cidadenova.org.br Editora cidade nova Rua José Ernesto Tozzi, 198 • Mariápolis Ginetta 06730-000 • Vargem Grande Paulista • SP • Brasil Tel: (11) 4158.8890 • www.cidadenova.org.br CNPJ 05059650/0001-26 • Publicação registrada no 4º Re­gistro de Títulos e Documentos de São Paulo sob o nº 5.334/76 A revista Cidade Nova pertence a uma rede mundial de 36 edições publicadas em 22 idiomas vendas Brasília: (61) 9982.2253; (61) 8231.1589 São Paulo: (11) 97589.8550; (11) 4158.8898 (11) 99822.1930; (11) 98342.8299 (11) 99875.2267

Célia | por e-mail

um detalhe num país de terceiro mundo chamado Brasil. Maria Marlene | por e-mail

Formar opinião Os artigos da Cidade Nova são muito bons, atuais. O Ponto de vista, por exemplo, me dá o todo da revista. Gosto muito de política, dos problemas brasileiros e dos questionamentos que são levantados. As dicas de Bem-estar e de Psicologia também são ótimas. A revista nos coloca no âmago do que está acontecendo no mundo e no nosso país. Sobre política ouvimos falar por toda parte, mas é a leitura da Cidade Nova que me ajuda a formar a minha opinião a respeito do que está acontecendo. Dirce Santana Rita | pelo WhatsApp

Descaso Gostei muito do artigo “Uma Lava Jato pra chamar de sua” (revista Cidade Nova, edição de outubro 2015), Neste contexto, por que o grande destaque mundial para países europeus, de primeiro mundo (a dor, a revolta pelos ataques pela intolerância)? Porém não maior que a dor e a revolta, por vezes silenciosa, das vítimas e pela agressão ao meio ambiente provocados pelo “caso Samarco”. O rompimento da represa foi um ataque violento a várias cidades, que devastou um povoado inteiro. Além de ceifar várias vidas humanas condena centenas de famílias que, para sua sobrevivência, dependem da bacia do rio Doce, agora contaminado. Por pura ganância, crime praticado por “Grandes Empresas Internacionais”, empresas de respeito de ‘Nome’! Não merece tanto destaque e é logo esquecido pela mídia. Afinal grandes criminosos de “colarinho branco” são somente

Crônica Muito bom o texto de Flávia Savary, “Fim sem fim” (edição de novembro 2015)! A autora não escreve com linha reta, mas circular, bom de ler… Ficou aquela expectativa pela revista do mês que vem para ver com o que ela nos surpreenderá, pois de fato se vê que é uma autora que escreve sem algemas. Fábio Bento | por e-mail

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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br


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rincipal atividade econômica de Minas Gerais, a mineração está incrustada na paisagem, no nome e na história do Estado. Desde o século 18, quando o modelo se consolidou na região, as tecnologias de extração e de segurança evoluíram, mas não o bastante para evitar grandes e periódicos impactos socioambientais. A tragédia mais grave ocorreu em 5 de novembro, quando uma barragem de rejeitos da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton, se rompeu no município de Mariana. A catástrofe provocou ao menos 15 mortes e cinco desaparecimentos, cobriu o rio Doce de lama, além de matar animais, destruir o distrito de Bento Rodrigues e comprometer o futuro de seus habitantes.

“Eu vou para Bento às vezes, agora que a lama tá seca e já dá para andar por cima. Vou em busca das minhas lembranças”, conta Expedito Lucas da Silva, 45 anos, motorista, apiculturista e pedreiro, morador do vilarejo antes do desastre tê-lo removido com mais de 600 famílias. “Consegui encontrar um retrato que tenho com a minha mãe, já falecida. Ela gostava tanto desse retrato que mandou fazer um quadro. Encontrei ele quebrado, mas vou mandar restaurar. E ainda vou conseguir de volta meu álbum de casamento”, diz, esperançoso. Para Expedito, ter se salvado do desastre junto com a família foi um verdadeiro milagre, já que nem o poder público nem as empresas responsáveis pela barragem emitiram alerta sonoro para avisar sobre o rompimento. “Tinha uma montanha pequena de pedra no meio do caminho que ajudou muito Bento não ser levado de uma vez. Deveriam construir alguma coisa

Antônio Cruz | Agência Brasil

MINERAÇÃO A tragédia ambiental de Mariana, em Minas Gerais, mostrou a urgência de medidas para tornar a mineração realmente sustentável. Mas não só: alertou para o risco de dependência de uma atividade exaurível e degradante num país que esbanja oportunidades

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maior para barrar o alagamento e dar tempo pro pessoal se refugiar”, sugere. O pior desastre ambiental do Brasil tornou consensual a necessidade de rever as normas de segurança e a regulamentação da atividade para evitar novas catástrofes. Além do risco de rompimento de barragens, a mineração traz uma série de consequências como a destruição da paisagem onde as minas são exploradas, o intenso consumo de água, o risco de contaminação dos rios e o rebaixamento do lençol freático, que pode refletir em mudanças de nascentes. E Minas está coalhada de cenários como esse. “É preciso desmistificar [a ideia de] que o impacto da mineração é pontual. A mina é pontual, mas como afeta a bacia hidrográfica, seus impactos se alastram”, afirma Bruno Milanez, professor de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde coordena o Grupo Política, Mineração, Ambiente e Sociedade.

Bola de lama Os resíduos da mineração geralmente ficam depositados em grandes barragens, como a que se rompeu em Mariana. Atualmente, Minas Gerais possui 754 barragens, sendo 450 voltadas à atividade mineradora. De acordo com levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), 29 estruturas não possuem segurança adequada. O desastre mais recente foi o quinto do tipo registrado no estado em 15 anos. “O rompimento de barragem é inerente à atividade mineral. Temos que parar de tratar como acidente”, afirma Milanez. “A pergunta que deve ser feita não é ‘será que vai acontecer outro?’, mas sim ‘quando acontecerá o próximo?’”. Segundo o engenheiro, é necessário proibir a construção de barragens próximas a locais habitados. Além disso, o volume dos rejeitos deveria sofrer restrições para evitar a poluição de uma bacia hidrográfica inteira­, como ocorreu com a do rio Doce. Milanez defende ainda o veto à construção de barragens dispostas em degraus, no sistema conhecido como alteamento a montante, condição que potencializou o incidente de Mariana. “Para baratear o sistema de rejeito, a empresa optou por barragens coladas umas nas outras. Em outros terrenos ou microbacias, os rejeitos não convergiriam sobre outras barragens nem sobre Bento Rodrigues”, aponta Milanez. “Foi uma decisão de alguém da empresa permitida por alguém do Estado”, alerta. A catástrofe ocorreu em um terreno que reunia três barragens. Na do Fundão, eram armazenados 55 bilhões de litros de rejeitos. Após se romper, um volume de 40 bilhões de litros se deslocou e levou parte da de 24

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Santarém, localizada logo abaixo da primeira. No total, uma torrente de lama de 62 bilhões de litros se espalhou pelo rio Doce, em Minas Gerais, passando pelo Espírito Santo até desaguar no Atlântico. As barragens de Santarém e de Germano, no mesmo terreno, correm o risco de se romper. A Germano está com fator de segurança de 1,22, enquanto a Santarém tem 1,37. Para ser considerada segura, a barragem deve ter uma nota mínima de 1,5. Segundo a Samarco, obras emergenciais estão sendo feitas nas duas barragens. Outra importante lição trazida pelo desastre é a transformação do rejeito do estado líquido para o sólido. Armazená-lo na forma líquida, como acontece hoje, implica em maior volume e dispersão mais veloz em caso de rompimento. “É necessário assentar o rejeito, tirar água dele e dispô-lo em forma de pasta, constituída de 70% de sólido. Hoje, apenas 30% é seco”, afirma o professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Hernani Mota de Lima. O engenheiro acrescenta que a construção desse tipo de barragem gera acúmulo de rejeitos com muita água entre eles, o que aumenta o risco de desastres. “São tantos processos conhecidos, divulgados e tecnicamente factíveis para ressecar o rejeito… A dificuldade é o alto custo”, diz. Ainda assim, Lima acredita que a tragédia condenou de vez a disposição de rejeito na forma líquida e deve haver em breve uma mudança na legislação que a proíba definitivamente.


Antônio Cruz | Agência Brasil

Moradores de distritos atingidos temem que o desastre caia no esquecimento

O subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada, da pasta de Meio Ambiente de Minas Gerais, Geraldo Vitor de Abreu, declarou que o governo está analisando alternativas de ressecamento do rejeito e formas de tratá-lo sem o uso de água. O estudo é conduzido por especialistas, numa força-tarefa criada pelo governo de Minas Gerais após a catástrofe. A conclusão deve sair neste mês.

Diversificar O minério de ferro é um dos pilares da economia da mineração, além de item crucial na pauta de exportações do país. Em 2015, até outubro, foram contabilizados quase US$ 12 bilhões em embarques de minério de ferro, 7,4% do total de vendas brasileiras ao exterior. A produção brasileira é a segunda maior do mundo e o quadrilátero ferrífero, que inclui Belo Horizonte e outros municípios mineiros, como Mariana, Itabira e Ouro Preto, produz mais da metade do ferro de todo o Brasil. A economia de Minas Gerais é profundamente dependente da atividade, que responde por 17% do Produto Interno Bruto do Estado. Somente em Mariana, 80% da arrecadação vem da mineração. Com a paralisação da Samarco, impedida de atuar após o desastre, a previsão é que a arrecadação caia 30% já neste mês. Assim como o petróleo, a extração de qualquer tipo de minério tem data para acabar. Com o esgotamento das jazidas, tem fim também os milhares de postos

de trabalho gerados pela mineração, assim como toda a movimentação econômica em torno dela. “O Estado não pode se beneficiar dessa atividade sem criar outros vetores de crescimento econômico e social”, afirma o chefe do Departamento de Ciências Econômicas e Gerenciais da Ufop, Fábio Viana de Moura. Segundo Moura, os recursos gerados pela mineração deveriam ser aplicados em atividades sustentáveis como agricultura e turismo. “Investir na produção de leite, carnes, queijos e frutas de alta qualidade e em agroindústrias que agreguem valor a esses produtos poderia ser uma das saídas”, recomenda. “Relacionar uma atividade à outra: produtos gourmet, turismo gastronômico e todo o ambiente bucólico da região de Mariana, por exemplo, representa um potencial a ser explorado.” Infelizmente, são escassos os exemplos de aplicação dos recursos da mineração na diversificação da pauta econômica em Minas. O professor Lima cita a mina de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo, como um caso bem-sucedido. Lá, o fundo gerado pela mineração financiou oportunidades para empreendedores de atividades independentes. Já em Itabira, a história é bem diferente. No início dos anos 2000, a Vale avisou sobre o fechamento, em 2025, da mina explorada no município. “A cidade entrou em polvorosa, todo mundo achando que Itabira ia acabar”, conta o engenheiro Milanez. Às pressas, a prefeitura fez um plano de incentivo a pequenos empresários, mas acabou emprestando dinheiro sem qualquer orientação sobre como empreender. O projeto resultou na criação de empresas fornecedoras da Vale, reforçando a dependência da mineração na cidade. Diante dos grandes riscos gerados pela atividade mineradora, outra aplicação importante são os programas sociais. “Os recursos gerados pelas empresas devem ser integrados ao orçamento público para o bem-estar social, em especial à comunidade a margem de minas e barragens”, afirma o economista Moura. Abreu, subsecretário do Meio Ambiente de Minas, afirma que um programa de estímulo do governo para alimentar atividades econômicas perenes e benefícios sociais será lançado neste ano. Segundo ele, o programa Cidades Sustentáveis, fruto de Conferência da Organização das Nações Unidas realizada em setembro, se desdobrará em programas estaduais. “São considerados

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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

i­nvestimentos em saneamento, saúde, educação, habitação, economia solidária e vocação econômica da região”, diz, sem detalhar como o projeto será implementado.

Commodities A oscilação do preço do minério de ferro no mercado internacional é outro fator para desincentivar a dependência da mineração em MG. A tonelada da commodity, que chegou a US$ 187 em fevereiro de 2011, despencou para os atuais US$ 46. “O Estado se prepara para ter arrecadação X, mas vem Y. Isso faz com que programas ambientais e sociais fiquem comprometidos. Não é uma forma saudável de garantir desenvolvimento”, opina Milanez. “O Brasil tem muita potencialidade na área de serviços, tecnologia e cultura. Desenvolvemos [desde] monitoramento de desmatamento a um sistema eleitoral reconhecidos internacionalmente. A gente tem coisa muito mais interessante para fazer do que exportar minério”, opina. Além de afetar a balança comercial e a arrecadação de royalties pelo Estado, a baixa das commodities também pode comprometer o investimento das empresas em segurança. Milanez cita um estudo dos canadenses Michael Davies e Todd Martin, segundo o qual o número dos acidentes acompanha o pico do preço do minério extraído. Com a queda nas cotações, para manter uma taxa de retorno razoável, as mineradoras seguem expandindo, mas têm de apertar o cinto porque tiveram muitos gastos e contraíram dívidas no período anterior. É aí que mora o perigo. Ao intensificar a produção para ganhar no volume e cortar os custos para garantir o lucro, aumentam os acidentes de trabalho e os rompimentos de barragem. De 2000 a 2007, quando foram registrados dois acidentes em Minas, a cotação do minério de ferro estava em seu patamar mais baixo. Uma alta mais intensa se deu a partir de 2008, sem incidentes. Houve nova retração em 2014, quando mais um rompimento foi registrado. O declínio prosseguiu até que, em 2015, registrou-se a maior tragédia ambiental do país. “Ainda não podemos afirmar se houve redução de custos na prevenção e no cuidado das barragens. Mas é notória a redução de investimentos das mineradoras desde o final de 2014, quando o preço do minério caiu no mercado internacional”, afirma o economista ­Moura. “Antes da tragédia, já sabíamos de funcionários sendo demitidos pela Samarco.” De acordo com o Ministério do Trabalho, de maio de 2014 a abril de 2015, o Brasil demitiu cerca de 10 mil pessoas a mais do que contratou na mineração, o maior número desde 2004. 26

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Solidariedade a toda prova A tragédia de Mariana suscitou uma onda de comoção, conscientização e solidariedade nacional. Do Brasil inteiro foram enviados mantimentos, água, roupas, eletrodomésticos. Pessoas se deslocaram até a cidade mineira para prestar ajuda in loco na acolhida de desabrigados e em trabalhos de remoção. A prefeitura de Mariana até precisou suspender o envio de doações! “Recebemos um volume muito grande de doações de todo o país. Estamos enviando as ajudas também para outras cidades que tiveram problemas [com a contaminação do rio Doce pelos rejeitos], principalmente Barra Longa e Governador Valadares”, declarou o coordenador do centro de convenções Alphonsus de Guimaraens, Vanberto de Paula. As dependências do centro ficaram abarrotadas de alimentos. Tudo foi organizado por data de validade e por itens. Duas salas do centro foram climatizadas; alimentos que necessitam de refrigeração foram armazenados em freezers.

Mudanças Para evitar incidentes futuros e garantir uma atividade mineradora mais segura e sustentável, os especialistas defendem maior responsabilização das empresas e melhores condições de fiscalização por parte do governo. Essas mudanças deveriam ocorrer na legislação e pela aplicação adequada das normas já existentes. “É inadmissível um Estado que vive da mineração investir pouco em fiscalização. Falta carro, há pouca gente e o fiscal não recebe diária ou veículo para ir a campo ver as barragens de perto”, diz Lima. Abreu concorda que é preciso ampliar o quadro de técnicos e melhorar a tecnologia de monitoramento. “Se Chernobill foi um marco para que a energia nuclear entrasse em outro patamar de segurança e de normas, o desastre em Mariana cria um novo paradigma para a mineração e a disposição de rejeitos”, compara. Seu Expedito também espera que seja assim. “Tenho saudades de Bento, era um bairro onde todo mundo se ajudava. A gente formava uma grande família. É um sofrimento muito doído não só de um, mas de muita gente em torno desse rio”, diz. “É uma lembrança que vai, mas a gente fica.”


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