Demarcações: o custo de uma dívida histórica

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cn em série Conflito no campo

martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

Demarcações:

o custo de uma dívida histórica INDÍGENAS Apesar de ser garantida pela Constituição, a demarcação de terras indígenas ainda não foi concluída no Brasil. A indefinição alimenta conflitos entre índios e fazendeiros, e resulta em morte paulatina de uma população massacrada há séculos, além de prejudicar o meio ambiente

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ais de 500 anos se pas­ saram desde o início da Colonização do Brasil (1500-1815), um período que resultou em morte e escravidão de milhares de povos nativos, além de perda de seus territórios tradicio­ nais. Para compensar as etnias so­ breviventes, a Constituição de 1988 determinou a demarcação total de terras indígenas em cinco anos. Há mais de duas décadas esse prazo se esgotou e a dívida continua: 30% dos territórios indígenas brasileiros seguem sem regularização. De acordo com a Fundação Na­ cional do Índio (Funai), atualmente há 467 terras indígenas regulariza­ das, o equivalente a cerca de 13% do território nacional. Elas estão localizadas em todos os biomas bra­ sileiros, com concentração na Ama­ zônia Legal. Restam 204 territórios a serem demarcados. Pelos cálculos do Conselho Indigenista Missioná­ rio (Cimi), os números seriam ainda mais dramáticos. “Hoje são 1.116 terras indígenas no total, sendo 398 já regularizadas, enquanto as outras carecem de reconhecimento pelo Estado”, diz Roberto Liebgott, coor­ denador do Regional Cimi Sul. Para ele, apesar do prazo de demarcação ter sido descumprido, a Constitui­ ção representa um avanço por ga­

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Cidade Nova • Dezembro 2016 • nº 12

rantir aos indígenas o exercício da cidadania, o direito de lutar por seu território e pela manutenção de seu modo tradicional de vida.

Violência Alguns grupos indígenas, insa­ tisfeitos com a morosidade do pro­ cesso demarcatório de suas terras, optaram por realizar ocupações, o que gera conflitos com fazendeiros e com o governo. “Hoje, eles reto­ mam seus territórios, áreas de onde foram expulsos no passado, ampa­ rados pela Constituição”, defende Liebgott. Para o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), relator da CPI da Funai e vice-presidente na Câmara da Frente Parlamentar Agropecuá­ ria (FPA), as ocupações motivam a violência e seriam incentivadas por ONGs e entidades indigenistas. “É fácil jogar culpa no produtor quando há uma família e chegam 30 índios armados, como aconteceu no Mato Grosso do Sul”, diz. “O ín­ dio está sendo vítima de manipula­ ção. Se alguém responde com arma é porque o produtor é assassino; se não responde, o índio ataca e não tem punição. Quando alguém pro­ voca vai ser machucado, infeliz­ mente.” O Cimi nega a acusação e afirma que os ruralistas “visam tu­

multuar processos, criminalizar os indígenas e quem luta pelos seus di­ reitos, além de desqualificar a ação do Estado em demarcar terras”. Segundo a entidade, 54 indíge­ nas foram vítimas de assassinato em 2015, sendo cinco em virtude de conflitos fundiários. No total, 563 índios foram assassinados nos últimos dez anos. “Em 2015, regis­ tramos tortura por pistoleiros a mando de fazendeiros para impedir ou inibir indígenas na busca de seus direitos”, afirma Liebgott. Sobre a responsabilidade do go­ verno, o representante do órgão indigenista e o deputado estão de ­ acordo. “A culpa total é do governo. Índio e branco produtor são duas vítimas desse processo”, diz o deputado. “O novo governo tem que ter cautela e celeridade de fazer o plano diretor de demarcação de ter­ ras e resolver o problema de uma vez, não deixar muita gente se be­ neficiar a custas de índios e produ­ tores”, sugere. Segundo a Funai, existem confli­ tos em todas as regiões do país, com maior incidência nas regiões Nor­ deste, Sudeste e Sul, além do estado do Mato Grosso do Sul. Em resposta à reportagem, o órgão diz reconhe­ cer “o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais nos moldes


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