“A política é mais complicada que time do PSDB contra o do PT”

Page 1

entrevista

martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

“A política é mais complicada que time

do PSDB contra o do PT” POLÍTICA Com a entrevista ao senador Cristovam Buarque (PPS-DF), encerramos a série de diálogos com lideranças políticas, procurando ouvir diferentes vozes, com respeito e abertura

E

x-petista, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) já mudou três vezes de legenda para manter-se fiel aos valores do que denomina como “seu partido”. Crítico aos governos petistas, votou pela abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, mas aguarda o julgamento para decidir se o mandato deve ser interrompido de fato. Cidade Nova conversou com esse ferrenho defensor da educação sobre a crise e as saídas para um futuro melhor.

Cidade Nova – Como fica a atual crise enfrentada pelo país após o impeachment? 6

Cidade Nova • Julho 2016 • nº 7

Cristovam Buarque – Nós estamos enfrentando essa crise há muitos anos. O impeachment pode agravá-la ou solucioná-la. A crise é muito séria porque a política é feita para levar o povo ao progresso, e, no Brasil, estamos fazendo uma política que divide pelas regras políticas, falta de partidos, ausência de ideologia, corrupção… O Brasil está ficando para trás porque não investe em educação, ciência e tecnologia. Isso vai gerando crises. Somado a isso, o governo da Dilma foi muito irresponsável com inflação, recessão, desemprego e foi tomado também, embora não ­Dilma pessoalmente, por denúncias

de corrupção. O resultado é a crise que nós temos. Com o impeach­ ment vem a crise de legitimidade do novo presidente e o risco da volta de Dilma com insegurança muito grande por falta de apoio parlamentar.

Como o senhor avalia o governo interino de Michel Temer? A nomeação de ministros que estão sob suspeição na Lava Jato foi um erro. Ele já teve que substituir dois [ao tempo da entrevista, o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, não havia se exonerado do cargo] e provavelmente virão outros. Desfez o Ministério da


Waldemir Barreto | Agência Senado

Cultura e, felizmente, voltou atrás. Desfez o Ministério da Ciência e da Tecnologia, o que eu considero um grande erro, e espero que volte atrás também. Mas, na economia, ele está tomando medidas que podem recuperar a credibilidade que a sociedade e os empresários precisam para voltarmos a crescer, retomar nosso nível de emprego e não deixar que a inflação volte. Agora, progresso na área social eu acho difícil, tanto pela crise fiscal como pela ideologia deles. Mas não haverá retrocesso na parte de assistência, como Bolsa Família e os programas sociais em geral, porque seria uma estupidez gravíssima.

Antecipar as eleições presidenciais poderia solucionar a crise? É difícil fazer uma eleição apressada, mas essa é a única maneira de trazer legitimidade plena e, sobretudo, fazer o reencontro da nação brasileira. Hoje, nós estamos divididos como em uma disputa de futebol, entre os que são a favor da Dilma e do PT e os que são contra. Sou favorável [à nova eleição], mas não vejo grandes chances de isso acontecer porque exigiria uma reforma da Constituição, o que implica em dois terços dos votos na Câmara e no Senado, duas vezes em cada um e, além disso, exigiria que Dilma e Temer aceitassem. Senão, eles en-

tram na Justiça e vão dizer que esse entendimento não seria constitucional, mesmo com a reforma. As eleições só aconteceriam no caso de um grande entendimento nacional. Mesmo assim acho que vale a pena a gente continuar lutando. Pode ser como a pedagogia da catástrofe: quando as coisas estiverem muito ruins, a gente aprende e faz uma solução desse tipo.

Qual é sua maior preocupação agora? Meu pensamento é decidir­se o melhor para o Brasil é o impeach­ ment­, com todo o custo de destituir a presidente eleita com milhões de Cidade Nova • Julho 2016 • nº 7

c 7


entrevista

martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br

votos, ou a volta da presidente Dilma sem maioria no Congresso, sem um programa de governo, com todas as marcas negativas que deixou, de recessão, desemprego e inflação. Estou pensando nisso: como vou votar?

O senhor ainda não se decidiu? Não, porque ainda não teve o julgamento. É como se você entrasse num campo de futebol e não soubesse para quem torcer. Mas não estou em torcida de futebol, estou em decisão sobre o futuro do meu país. A política é mais complicada que o time do PSDB contra o time do PT. Eu votei pela abertura do julgamento, como é que agora decido antes dele começar? Sou da Comissão do impeachment. Como vou sentar lá já sabendo meu voto antes de analisar a defesa da Dilma? Aí o julgamento seria uma farsa e a comissão deveria ser extinta. Vou ter que esperar o julgamento. Isso sim é política. Ser a favor ou contra não é política, é torcida.

Qual é sua avaliação sobre a atual divisão política da sociedade brasileira? É muito arriscada essa divisão por duas razões. Primeiro, porque política democrática é [feita] com diálogo. Mas o que o PT diz o PSDB não entende, e vice-versa. O que estou dizendo nenhum dos dois entende. É impossível fazer democracia dessa forma. Essas mobilizações pró e contra o impeachment parecem uma disputa entre Flamengo e Fluminense. As pessoas que são a favor não percebem que cassar o mandato de uma presidente é ruim para a democracia, no sentido de que mudamos o que estava previsto. Os que são contra não percebem que a continuação de um governo que desorganiza a economia é ruim para o progresso 8

Cidade Nova • Julho 2016 • nº 7

do país. Qualquer um dos dois casos será uma tragédia. Temos que decidir por uma maior ou menor. E aí é preciso muita reflexão. O outro ponto é que é uma divisão não por propostas. Ninguém está discutindo rumos para o Brasil. O próprio governo atual interino está preocupado – e é natural – com as contas. Preocupado em chegar ao final do ano pagando aposentadoria sem gerar inflação. Enquanto os países sérios trabalham com a perspectiva de décadas na frente, nós trabalhamos, no máximo, com a de meses. Debater onde queremos que esteja o Brasil daqui a 30 anos, aí sim seria um debate político bonito. Como era antes, entre capitalistas e socialistas.

O senhor esteve entre os defensores do governador de Pernambuco Miguel Arraes (1916-2005) em 1964. Qual a diferença daquela situação para a atual? Naquele caso, mataram dois colegas meus. Havia o Exército cercando o Palácio [das Princesas]. O golpe prendeu, matou, exilou… Estão acontecendo as mesmas coisas de 1964? Não, não estão. Como é que teve golpe e Dilma mora no Palácio da Alvorada? Em todas as repartições do governo no Brasil há a foto da presidente Dilma. O Congresso e as instituições estão funcionando. No caso do Collor, foi golpe? O processo é o mesmo, previsto na Constituição. Golpe não é. Está dentro das regras da Constituição, seguiram-se todos os trâmites. Seria absurdo não abrir esse processo. Há suspeita de crime da presidente e não se pode negar que há um clima que favorece a abertura do processo diante de tanta corrupção e irresponsabilidade do governo Dilma. Não abrir seria jogar para debaixo do tapete, ignorar esse clima.

Na sua opinião, como a História lembrará desse episódio? Vamos ser julgados negativamente pela História porque fracassamos em fazer com que o Brasil avance. Nossa geração ficará como fracassada, mas como golpista, não. Isso não tem a menor possibilidade. Como não ficaram em 1992 os que votaram pelo impeachment do Collor. Essa narrativa de golpe foi criada por algum publicitário muito competente, mas não resiste à realidade. Todos nós brasileiros somos responsáveis por ter, pela segunda vez na democracia, um presidente que não conclui o mandato. Se ela [Dilma] concluir o mandato, ou seja, se o impeachment passar, é possível que nós sejamos julgados também por ter trazido de volta um governo que talvez leve o Brasil a uma recessão, ao desemprego, a uma perda de posição no cenário internacional ainda maior. Nós seremos julgados, essa geração inteira de brasileiros, principalmente nós, os políticos, de uma maneira muito negativa. Não tenho a menor dúvida.

O senhor foi membro do PT até 2005. Como avalia a crise em que a legenda se encontra? A legenda perdeu seu vigor transformador. Eu entrei no PT para transformar o país e a sociedade, porque o Brasil não podia mais ser escravocrata e analfabeto. Ajudei a fazer isso como governador do Distrito Federal e como ministro da Educação no governo Lula. Mas o PT desistiu dessa ideia de transformar o país e passou a ser um partido tradicional como os outros, ainda que com um pouco mais de generosidade. A generosidade do Fernando Henrique Cardoso era de 4 milhões de Bolsas Escola. A do Lula foi de 12 milhões no Bolsa Família. Aumentou a generosidade, mas não o vigor transformador. O poder virou o objetivo e aí há


­ argem para corrupção, conchavos, m alianças… É uma pena, porque o PT parecia o único partido transformador, mas acabou sendo enterrado pela corrupção generalizada. Eu espero que o PT volte daqui a uma geração. A corrupção foi de alguns membros, não do partido.

O sistema político brasileiro e a estrutura dos partidos dificulta um projeto sério de governo? Eu não mudei nenhuma vez de partido, eu mudei de siglas. As siglas brasileiras não correspondem a partidos políticos. Partidos têm um conjunto de ideias, um arcabouço ideológico, uma unidade moral entre os seus militantes. Essas siglas, hoje, nenhuma tem, incluindo a minha atual. Eu continuo no meu partido, que quer fazer revolução no Brasil. Essa revolução virá a partir do dia em que a escola do filho do trabalhador for a mesma escola do filho do patrão.

O atual Congresso é tido como o mais conservador dos últimos anos, além de haver muitos parlamentares implicados na Lava Jato. Como o senhor avalia a atual formação do Legislativo? Fizemos com o Legislativo brasileiro o mesmo que fizemos com as universidades e com a sociedade: democratizamos sem educar. Ao fa­zer isso, caímos numa espécie de massificação que degrada as coisas. O Parlamento brasileiro vai continuar assim por muito tempo até que tenhamos um processo de educação coletiva. No passado não havia democracia. Durante o Império nem eleição havia de verdade. Mas era um Parlamento muito educado, refinado, que orgulhava o país… Felizmente o democratizamos, que é o mais importante, mas faltou educar. Aí temos essa vergonha de Parlamento do qual eu faço parte.

O senhor é um dos criadores do Bolsa Escola, embrião do Bolsa Família – implementado em todo o país a partir do governo Lula. Como o senhor avalia o programa? Pode parecer pretensioso, mas eu fui o mentor do Bolsa Escola, embora tivesse um pouco de inspiração no Eduardo Suplicy, quando ele defendia o [programa] Renda Mínima. Eu peguei essa ideia e pensei: para ter uma educação máxima, é preciso ter uma renda mínima vinculada à educação. Quando assumi o governo, fui o primeiro a implantar o Bolsa Escola. Depois, veio FHC. Lula ampliou o programa, mas cometeu erros. Primeiro, quando se muda o nome “escola” por “família”, muda a ideia de que a renda vem porque o filho estuda para a ideia de que a renda vem porque a família é pobre. Segundo os neurolinguístas, isso gera uma perda de consciência do beneficiário. Segundo, ele passou o programa do Ministério da Educação para o Ministério do Desenvolvimento Social. Isso melhorou a gestão, mas piorou muito o impacto transformador, já que misturou um programa educacional com Bolsa Gás e Bolsa Alimentação.

O que é preciso para transformar o país socialmente? Federalizar a educação de base, fazer com que a educação seja uma questão nacional, de responsabilidade da União. Que as 53 milhões de crianças que estão entrando na escola, em qualquer lugar do Brasil, tenham a mesma qualidade escolar, professores ganhando o mesmo bom salário, selecionados em concurso nacional de máximo rigor, dedicados, avaliados, em prédios bonitos, confortáveis e bem equipados e todos em horário integral. Se fizer isso, em 15 ou 20 anos, o Brasil será

outro. Senão, por mais que construamos estradas, represas e voltemos a crescer, o Brasil continuará como é hoje: violento e desigual.

O PT usa o argumento de que a mídia foi parcial em relação ao impeachment. Como o senhor avalia o papel da imprensa na crise? A mídia não está apenas contra Dilma, tanto é que já derrubou dois ministros do governo Temer em sete dias. A mídia está fazendo seu papel muito corretamente: divulgando o que descobre. Nem está descobrindo, mas, sim, indo atrás do que a Polícia e a Justiça descobrem. Se ela não fizesse isso, seria conivente. Não acho que esteja sendo parcial. Tenho escutado tanta pancada no Aécio [Neves (PSDB-MG)], envolvido na Lava Jato, e de tanto empresário… O que eu lamento é que no Brasil de 200 milhões não chega a 20 milhões os que leem os jornais. A liberdade de imprensa não é grande como deveria ser, mas por falta de leitores, não porque as notícias estejam erradas. De vez em quando erram, mas existe a Justiça para reclamar e eles são obrigados a pagar multas.

Qual é o lado bom da crise? É difícil dizer na perspectiva do presente. Como é difícil encontrar algo bom na morte de um parente no calor da situação. Décadas depois, com a perspectiva do tempo, é que vamos dizer que aquela crise foi boa para o Brasil. Mas é preciso lembrar que a Lava Jato não vai trazer nenhum benefício se nós eleitores não mudarmos. Um juiz pode prender um político corrupto, mas não elege político honesto. Ele tem o mesmo direito de voto que eu. Na hora de votar, temos que substituir políticos presos pela Justiça por políticos honestos. Cidade Nova • Julho 2016 • nº 7

9


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.