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martina cavalcanti revista@cidadenova.org.br
“Devemos estar unidos
com um sentimento
de fraternidade e solidariedade” POLÍTICA Dono de longa biografia na vida pública, o ex-senador Eduardo Suplicy afirma sua convicção na superação de erros do PT e acredita na força do exemplo ético pessoal para fazer frente à atual crise política
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etista histórico, o candidato a vereador por São Paulo, Eduardo Suplicy (PT-SP), foi atingido pelo que chama de “tsunami” do PT, perdendo as eleições ao Senado para o tucano José Serra, após 24 anos de Casa. Ainda assim, permanece no partido e se destaca por ações nobres e raras na política atual, como a de doar um ano de seu salário aos cofres públicos. Cidade Nova conversou com ele sobre a situação política dias antes da votação do impeachment no Senado.
Cidade Nova – Como o senhor vê a atual crise enfrentada pelo 6
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país nas áreas política, econômica e institucional? Eduardo Suplicy – Nós estamos passando por uma situação extremamente grave e séria. Os ânimos estão muito exaltados. É importante pedir a todos maior serenidade. Será importante também que os 81 senadores possam votar com isenção, sentido de responsabilidade e equilíbrio. Ao se examinar em profundidade as razões que têm sido colocadas no processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, fica claro que não houve crime de responsabilidade por parte dela, que ela não cometeu qualquer ato ilícito, nunca realizou qualquer ação que pudesse
ser qualificada como utilização de recurso público para enriquecimento pessoal ou de qualquer pessoa de sua família. Se por ventura avaliarem que ela cometeu erros na condução política e econômica, o fato é que ela foi eleita de forma legítima em outubro de 2014 pela vontade de mais de 54 milhões de brasileiros e será importante assegurar a ela o exercício de seu legítimo mandato até 31 de dezembro de 2018. Tenho a convicção de que a presidenta conseguirá superar os obstáculos que têm se apresentado. É importante que ela consiga resistir a todas as pressões que têm caracterizado o atual momento político
Pedro França | Agência Senado
e colocar o Brasil no caminho certo de desenvolvimento econômico e social, em que se assegure a efetiva erradicação da pobreza absoluta e os passos necessários para a construção de um Brasil justo e civilizado.
Qual é sua avaliação sobre a atual divisão política da sociedade brasileira? É importante que nós brasileiros sigamos melhor as recomendações do papa Francisco, com o devido respeito às diferenças de opinião próprias do regime democrático, e que estejamos unidos, com um sentimento de fraternidade e solidariedade, tal como aconteceu quando tor-
cemos e aplaudimos juntos a seleção brasileira de futebol nas cinco vezes em que fomos campeões do mundo.
O senhor participou da fundação do PT, em 1980, e segue no partido até hoje. Como avalia a trajetória da legenda? Em 1979 eu era deputado estadual, meu primeiro cargo de representante do povo, eleito pelo MDB em 1978. Extintos MDB e Arena pelo governo militar ao tempo do presidente Ernesto Geisel, as lideranças sindicais e intelectuais que estavam formando o Partido dos Trabalhadores – tendo em conta a afinidade de propósitos e de ações
que eu e outros cinco deputados estaduais eleitos pelo MDB tínhamos com o novo partido – nos convidaram para sermos cofundadores do PT. Eu observei os seus estatutos, os objetivos de se dar voz e vez àqueles que por tanto tempo não exerciam efetiva influência sobre os destinos de nossa nação. Tendo em conta também os objetivos de construirmos um país mais próspero, com maior grau de equidade e de justiça social e considerando a firme defesa das liberdades democráticas (a livre expressão, a liberdade de associação, de ir e vir, de votar e de ser votado, a luta por eleições livres e diretas); considerando ainda que Cidade Nova • Junho 2016 • nº 6
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as transformações que pregávamos deveriam ser realizadas pela não violência, defendendo a ética, a transparência e a retidão em nossas ações, eu, então, abracei o PT e fui um de seus fundadores. Quero ressaltar que, nesses 36 anos, sempre agi de acordo com tais princípios e objetivos. Se numa organização tão grande, hoje com mais de 1,5 milhão de afiliados, algumas pessoas cometem erros graves, tais como o enriquecimento ilícito e malversação do dinheiro público, acredito que constitui nosso dever e meu dever contribuir para prevenir e corrigir esses erros. Nos lugares onde eu estiver, considero meu dever agir com toda transparência e retidão como tenho procurado fazer em todos os cargos que assumi até hoje: deputado estadual, deputado federal, vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, senador por 24 anos. Após o meu último mandato no Senado fui honrado pelo prefeito Fernando Haddad ao me designar secretário de Direitos Humanos e Cidadania, cargo que exerci até primeiro de abril passado.
A que o senhor atribui a crise enfrentada atualmente pelo partido? Infelizmente aconteceram erros, desvios de conduta por parte de pessoas que exerceram funções-chave na administração de governos do PT. É preciso considerar que tanto no governo do presidente Lula quanto da presidenta Dilma foram criados instrumentos tais como a Controladoria Geral da União e também foram fortalecidos órgãos como os da Polícia Federal e da Procuradoria [Geral da República] que têm contribuído significativamente para desvendar atos de corrupção e contrários ao interesse público. Infelizmente, o desvendar destes epi- 8
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sódios – o que obviamente era necessário – contribuiu para agravar tanto a crise política quanto a econômica. Exemplo disso tem sido a dificuldade do governo da presidenta Dilma em conseguir tramitar com sucesso medidas de política econômica como a reforma tributária, incluindo a criação do imposto sobre fortunas e da CPMF, que poderiam estar contribuindo para a diminuição do déficit público.
Em 1992 o senhor propôs a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de PC Farias, que culminou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Há semelhanças entre o impeachment de Dilma e o processo que levou ao impedimento de Collor? Na minha avaliação, depois de apurados os fatos sobre os procedimentos de Paulo César Farias e do governo Fernando Collor, ficaram evidentes os graves erros cometidos, caracterizando crime de responsabilidade. Houve um movimento praticamente unânime, quase que consensual, da opinião pública de que Collor deveria ter seu mandato impedido, bem como sofrer a suspensão de seus direitos políticos por oito anos, conforme prevê a Constituição. No caso da presidenta Dilma, não está evidenciado que ela tenha cometido qualquer malfeito que possa ser qualificado como crime de responsabilidade.
Mesmo que o processo de impeachment não seja aberto, o governo Dilma terá credibilidade para continuar o mandato? Tenho convicção de que sim. Ela poderá então examinar melhor, com maior tranquilidade, os diversos caminhos alternativos que têm sido propostos, e terá maior condição de implementá-los. Eu mesmo dei uma
sugestão que considero importante. Desde junho de 2013 já escrevi 35 cartas à presidenta sugerindo que ela constitua um grupo de trabalho para estudar quais as etapas previstas na Lei 10.835, de 2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula em 8 de janeiro de 2004. A presidenta Dilma tem dito a mim que vai me receber assim que passar esse momento difícil. Trata-se da Renda Básica de Cidadania: toda e qualquer pessoa – não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, inclusive estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais – deve ter o direito de participar da riqueza comum de nossa nação. É um direito à cidadania. Com o progresso do país, mais e mais, a renda básica estará sendo suficiente para atender às necessidades vitais de cada pessoa.
Qual cenário o senhor espera em caso de aprovação do impeachment ? Não será fácil. A cada medida que for anunciada, se por ventura vier a ferir os interesses dos trabalhadores e da população mais carente, haverá forte resistência. Mas eu espero e tenho confiança de que o impeachment não vai prevalecer.
O senhor é a favor da volta de Lula em 2018? Dentro do Partido dos Trabalhadores o Lula constitui uma das lideranças mais fortes e tem todos os pré-requisitos para voltar à presidência. No PT há também muitos outros valores, felizmente, que poderão ser considerados. Mas até lá muita coisa vai acontecer.
Como o senhor vê a atuação da Justiça nos recentes episódios de divulgação das escutas telefônicas de Lula e de prisões de
políticos e empresários envolvidos na Operação Lava Jato? A divulgação das conversas telefônicas de Lula e Dilma constituíram um abuso e quebra da privacidade de duas pessoas importantíssimas no Brasil. O próprio juiz Sérgio Moro foi advertido e chegou a pedir desculpas. E espero que ações como essas não se repitam. Sobre as prisões, na medida em que houve evidências muito fortes de enriquecimento ilícito, temos que respeitar a ação da Polícia Federal e da Justiça.
Luíza Erundina (PSOL), Heloísa Helena (PSOL) e a própria Marta (PMDB), colegas com os quais o senhor tem afinidade, deixaram o PT. Por que o senhor se mantém no partido, apesar de muitos de seus eleitores e familiares pedirem sua saída? É verdade que pessoas com quem tenho muita afinidade saíram do PT. Ainda ontem quando me pediram para estar no Centro Paula Souza, onde os estudantes protestavam contra a presença da Polícia Militar, estive lá e encontrei a Erundina e o Carlos Giannazi, que estão no PSOL. Quando aconteceu o episódio do Pinheirinho em 2012, juntamente com os deputados Ivan Valente e Giannazi, eu estive muito presente e solidário. Eu continuo no PT. Há pessoas que por vezes dizem a mim pelo Facebook que gostariam que eu fundasse um partido ou mudasse de sigla. Mas a maior parte das pessoas que manifestam sua opinião fazem elogios e apoiam o que eu tenho feito. No último sábado, postei no Facebook que fui assistir a um show de Chico César, na Livraria Cultura. Quando ele me viu na plateia, me saudou e as 600 pessoas me aplaudiram fortemente. Escrevi: “Lavei a alma depois daquele triste episódio
na Livraria Cultura, em que umas dez pessoas me ofenderam”. Essa mensagem teve 15,3 mil curtidas e 510 comentários. No ato do Anhangabaú, no domingo, eu não conseguia andar meio metro sem ser parado para tirar fotografia e ser fotografado, foi difícil até caminhar. Eu não tenho cogitado sair do partido agora ou em qualquer outra ocasião. Sou a favor da fidelidade partidária. Tenho procurado tomar medidas para prevenir e corrigir erros. No ano passado, quando se propôs que houvesse proibição de doações de pessoas jurídicas e limitação da doação de pessoas físicas a partidos e candidatos, eu fui designado relator do projeto de lei do senador Jorge Viana, que coibia a contribuição de pessoas jurídicas. Dei meu parecer favorável a isso e também propus que a contribuição de pessoas físicas tivesse o máximo de R$ 1.700 por candidato. Infelizmente no primeiro semestre de 2014 isso não foi aprovado, mas depois o Supremo Tribunal Federal, por tudo que passou no Congresso, e levando em conta o que diz a Constituição, resolveu proibir a doação de pessoas jurídicas. Achei muito positivo. Também coloquei em prática a transparência na minha campanha. Qualquer doação que eu recebesse estava registrada em tempo real na minha página na internet. São medidas como essas que eu proponho.
O senhor ficou 24 anos no Congresso e em 2014 não foi reeleito ao cargo de senador. A crise enfrentada pelo PT tem a ver com essa derrota? Sim. Nos estados do Norte e do Nordeste, a presidenta Dilma teve mais de 70% dos votos. Nos estados do Sudeste, bem menos. No estado de São Paulo aconteceu um verdadeiro tsunami, pois, no primeiro
turno, Dilma teve 25%. O nosso bom candidato, ex-ministro da Saúde, o Alexandre Padilha, teve 18%. Eu tive uma boa votação, foram 32,5%, 6,6 milhões de votos, mas espero poder superar isso.
Enquanto se assomam denún cias de desvios de verbas públicas, o senhor doou o seu salário de secretário para o Fundo de Cidadania da prefeitura pau listana. Como estimular mais ações solidárias como essa entre os políticos brasileiros? Da remuneração de secretário de Direitos Humanos, em 13 meses, recebi uma quantia próxima a R$ 176 mil e resolvi colocar nesse Fundo de Cidadania. Era minha intenção fazer a doação desse fundo para o Fundo Brasil de Cidadania que eu tinha sugerido à presidenta Dilma para abrir. Como ela não me concedeu audiência e como o prefeito Haddad resolveu abrir uma conta do Fundo de Cidadania da Prefeitura de São Paulo, eu resolvi fazer doação para esse fundo. Eu até disse no meu discurso que quem quiser fazer doações dessa maneira também pode. Tenho um projeto de lei que foi aprovado por consenso no Senado e que tramita na Câmara, para instituir um Fundo Brasil de Cidadania, constituído de diversas fontes: desde parte dos royalties decorrentes da exploração dos recursos naturais, parte das receitas de serviços e obras públicas, 50% da receita de alugueis e imóveis pertencentes à União e doações voluntárias. A lei sobre o fundo ainda não foi aprovada na Câmara. Tendo em vista minha doação, Felipe de Paula, secretário de Direitos Humanos, me disse que está preparando a apresentação de um projeto para instituição da Renda Básica de Cidadania no município de São Paulo e nele vai haver possibilidade de doações. Cidade Nova • Junho 2016 • nº 6
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