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report Novembro de 2008

Aripiprazol e o risco cardiometabólico Prof. Dr. John Newcomer O Dr John W. Newcomer, psiquiatra, é professor de Psiquiatria, Psicologia e Medicina da Washington University School of Medicine, St. Louis, Missouri. Ele realizou inúmeros estudos clínicos pelo National Institutes of Health (NIH) e o National Institute of Mental Health (NIMH).

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Os medicamentos antipsicóticos melhoraram significativamente o tratamento e o controle das grandes doenças psiquiátricas, mas as alterações metabólicas dependentes das doenças e dos tratamentos são hoje preocupantes. Estima-se que a esperança de vida dos pacientes psiquiátricos com transtornos graves é reduzida de 25 a 30 anos, em razão da altíssima prevalência de doenças cardiovasculares e de diabetes nessa população, decorrentes do estilo de vida, do sedentarismo, do tabagismo e dos efeitos adversos dos tratamentos. Uma das opções possíveis para diminuir a incidência da obesidade, da síndrome metabólica e das complicações cardiovasculares é o uso de medicamentos que não favorecem o ganho de peso e a resistência à insulina, primeiro passo antes da instalação do diabetes. Neste sentido, o Dr. John Newcomer realizou o primeiro estudo de grande escala, randomizado e duplo-cego, para avaliar o efeito da substituição da olanzapina por aripiprazol sobre o peso e os marcadores metabólicos como a taxa de triglicérides. Nas páginas seguintes, o Dr. John Newcomer comenta os resultados deste estudo e as soluções disponíveis para diminuir o risco cardiometabólico nesta população. Aripiprazol é um dos mais recentes antipsicóticos atípicos e é indicado no tratamento da esquizofrenia, dos transtornos esquizoafetivos, dos transtornos bipolares e outras doenças psiquiátricas severas. Uma das suas características é de não favorecer o ganho de peso, que é um dos efeitos adversos principais de todas as gerações anteriores de medicamentos antipsicóticos. 1


Prof. Dr. John Newcomer

Aripiprazol e a prevenção dos distúrbios cardiometabólicos

O estudo aripiprazol vs. olanzapina avaliou pela primeira vez a influência da substituição de medicamentos antipsicóticos sobre o ganho de peso e o risco de diabetes e de doenças cardiovasculares em pacientes psiquiátricos.

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Estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego, dos efeitos de aripiprazol em indivíduos com sobrepeso, com diagnóstico de Esquizofrenia ou Transtorno Esquizoafetivo, que estiveram em uso de olanzapina

A multicenter, randomized, double-blind study of the effects of aripiprazole in overweight subjects with schizophrenia or schizoaffective disorder switched from olanzapine Newcomer JW, Campos JA, Marcus RN, Breder C, Berman RM, Kerselaers W, L´italien GJ, Nys M, Carson WH, McQuade RD, Department of Psychiatry, Psychology and Medicine, Washington University School of Medicine, St. Louis, Missouri, J Clin Psychiatry 2008;69(7):1046-56 Objetivo: Os transtornos mentais severos são associados a risco aumentado de mortalidade cardiovascular relacionada à obesidade, o que aumenta o interesse para estratégias de redução de risco ligado ao peso e aos lípides plasmáticos, incluído o uso de agentes antipsicóticos com risco metabólico baixo. Este estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego comparou os efeitos metabólicos de aripiprazol vs. olanzapina em indivíduos com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo e com sobrepeso, que foram tratados anteriormente por olanzapina. Método: No total, 173 pacientes com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, de acordo com as definições do DSM-IV-TR, foram randomizados para receber aripiprazol (n = 88) ou olanzapina (n = 85) durante 16 semanas em um estudo realizado de março de 2004 a agosto de 2006. Os objetivos primários e secundários foram a observação da alteração média do peso e dos níveis dos triglicérides de jejum, a partir da linha de base. Resultados: Na décima sexta semana, o peso diminuiu significativamente no grupo aripiprazol vs. olanzapina (-1,8 kg vs. +1,41 kg; p < 0,001). Diferenças significativas nas taxas de triglicérides foram observadas com aripiprazol (redução) vs. olanzapina (aumento) em todos os controles laboratoriais. A perda significativa de peso ( ≥ 7% dos pacientes) foi maior em pacientes tratados com aripiprazol vs. olanzapina (11,1% vs. 2,6%; p = 0,038), e uma menor porcentagem de pacientes tratados com aripiprazol apresentaram um ganho de peso significativo (2,5% vs. 9,1%; p = 0,082). A média das alterações do colesterol total de jejum e do HDL-colesterol na décima sexta semana foi significativamente diferente entre aripiprazol e olanzapina, sem efeitos significativos sobre as taxas de glicemia. A média do escores do questionário Impressão Global de Melhora Clínica (Clinical Global Impressions-Improvement - CGI-I) foi de “sem alteração” até “melhora mínima”. Os escores de objetivos de CGI-I foram estatisticamente melhores com olanzapina (média ± DP = 3,09 ± 0,16) vs. aripiprazol (média ± DP = 3,74 ± 0,15; p < 0,001), e mais pacientes descontinuaram aripiprazol (N = 32/88; 36%) do que olanzapina (N = 22/85; 26%). Conclusão: Melhoras significativas do peso e dos lípides observadas após descontinuação do tratamento com olanzapina e substituição por aripiprazol ocorreram com evidência limitada de efeitos psiquiátricos negativos, em comparação com a continuação do tratamento com olanzapina. Os resultados sugerem que o valor potencial da substituição terapêutica envolvendo medicamentos antipsicóticos específicos pode ser considerado para reduzir o risco cardiovascular nesta população de pacientes.

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MH – Quais são os principais distúrbios metabólicos observados com os tratamentos antipsicóticos?

Dr. John Newcomer - Os pacientes com transtornos psiquiátricos graves apresentam uma prevalência muito elevada de todos os fatores de risco metabólicos para as doenças cardiovasculares e o diabetes. Os fatores de risco chave, que foram identificados pelo Framingham Study, por exemplo, são o sobrepeso, a hipertensão, a hiperglicemia, a dislipidemia e o tabagismo. A incidência desses fatores de risco é muito elevada em pacientes psiquiátricos. A razão é multifatorial, mas uma razão importante é o fato que os pacientes psiquiátricos têm um acesso reduzido aos cuidados médicos por causa da orientação terapêutica. Em outras palavras, o tratamento da doença psiquiátrica é privilegiado nestes pacientes, geralmente por boas razões, mas em detrimento das outras doenças que eles podem apresentar. No Brasil, como nos Estados Unidos, o sistema de saúde é fragmentado. O sistema psiquiátrico é separado do sistema geral de saúde, e o paciente catalogado como psiquiátrico não é rastreado, observado, acompanhado como o paciente com doenças comuns. Por exemplo, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 36% da mortalidade nos Estados Unidos, contra 50% nas décadas anteriores. A causa desta diminuição não é pelo fato da melhora da prevenção ou dos cuidados primários, mas pela melhora do diagnóstico e dos cuidados intensivos. Mas se considerarmos apenas a população dos pacientes com transtornos mentais graves como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, ou seja, 5 a 10% da população, esta

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população perde 25 a 30 anos de esperança de vida, não por causa de suicídio, como se acredita, mas por morte precoce em decorrência de doenças cardiovasculares. Outro exemplo característico é o tabagismo. Muitos esforços foram feitos para diminuir o tabagismo na população geral, e a taxa de fumantes, que era de 50%, foi reduzida a 25% aproximativamente. Mas estimase que 50 a 80% dos pacientes psiquiátricos são fumantes e consumem de 34 a 44% de todos os cigarros vendidos nos EstadosUnidos. Em psiquiatria, muitos pacientes têm uma prevalência elevada de fatores de risco como obesidade, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia, que, adicionados ao tabagismo, aumentam o risco de doenças cardiovasculares. As pessoas com esquizofrenia apresentam com muita freqüência um conjunto específico de fatores de risco cardiovasculares ligados à resistência à insulina, chamada de síndrome metabólica, que aumenta ambos os riscos de doenças cardiovasculares e de diabetes. Os níveis de triglicérides de jejum são um marcador habitual da resistência à insulina. Temos assim um aumento significativo de obesidade, de diminuição da tolerância à glicose e de diabetes tipo 2 na população dos pacientes esquizofrênicos, condições que podem aumentar pelo uso de tratamentos antipsicóticos. MH – Quais foram os objetivos e o desenho deste estudo?

Dr. John Newcomer - Sabemos que vários medicamentos antipsicóticos podem favorecer o ganho de peso, entre outros a olanzapina, enquanto que antipsicóticos atípicos, como aripiprazol, não têm alguma

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influência ou uma influência limitada sobre o peso e os lípides sanguíneos, como já foi demonstrado em vários estudos observacionais. Nosso objetivo, neste trabalho, foi realizar o primeiro estudo multicêntrico e duplo-cego, com pacientes randomizados e duração total de 16 semanas, para observar o efeito da substituição de medicamentos sobre os fatores metabólicos que favorecem o ganho de peso e os distúrbios lipídicos. No total foram selecionados 173 pacientes com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, diagnosticados há mais de 10 anos e tratados por olanzapina durante 6 anos em média. O índice de massa corporal (IMC) da maioria dos pacientes era superior a 30 kg/m2. Os pacientes foram randomizados em 2 grupos, e receberam uma dose diária de 15 mg de aripiprazol durante 2 semanas, depois ajustada entre 10 e 30 mg/dia durante as 14 semanas seguintes. Os pacientes do grupo olanzapina continuaram o tratamento anterior. Os objetivos primários do estudo foram comparar o efeito de aripiprazol vs. olanzapina sobre o peso a partir da linha de base até a 16ª semana. O segundo objetivo foi comparar as alterações nos níveis de triglicérides de jejum. O terceiro objetivo era comparar a segurança, a tolerabilidade e a eficácia de aripiprazol vs. olanzapina. MH – O seu estudo mostra a melhora dos níveis de triglicérides e de colesterol em pacientes tratados por aripiprazol. De que forma isso pode ser importante na prática clínica?

Dr. John Newcomer - O efeito mais significativo do tratamento com aripiprazol foi

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a redução de peso de 1,8 kg após 16 semanas, contra um ganho de peso de 1,41 kg no grupo tratado com olanzapina. A redução de peso foi ainda maior quando o tratamento anterior com olanzapina foi superior a 6 meses. O segundo objetivo, que foi o efeito sobre os triglicérides, mostrou também uma redução significativa e rápida da taxa de triglicérides – a partir da 4ª semana - com diminuição de 14,46% na 16ª semana em relação a linha de base, versus aumento de 5,29% no grupo tratado por olanzapina. Como no caso do peso, a melhora da taxa de triglicérides foi maior nos pacientes com tratamento prolongado com olanzapina.

“A população dos pacientes com transtornos mentais graves perde 25 a 30 anos de esperança de vida, não por causa de suicídio, como se acredita, mas por morte precoce em decorrência de doenças cardiovasculares” Podemos observar um efeito positivo sobre o colesterol, com aumento significativo do HDL-C e diminuição do LDL-C no grupo aripiprazol. O efeito sobre a glicemia de jejum, a insulina de jejum e a glicemia de 2h pós-prandial é neutro nos dois casos.

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Isso é importante porque a elevação dos triglicérides é considerada como um marcador precoce do diabetes, anterior aos distúrbios biológicos e metabólicos do diabetes.

“Se o objetivo é diminuir o risco cardiometabólico, entre a opção de acrescentar um tratamento da dislipidemia ou reduzir o risco com a substituição do tratamento antipsicótico, a última opção é preferível”

MH – Qual é a vantagem de substituir o tratamento antipsicótico, ao invés de continuar o mesmo medicamento associado ao tratamento da dislipidemia?

Dr. John Newcomer - Frente ao risco muito elevado de doença cardiovascular ou de diabetes nesta população, temos, teo­ ricamente, diferentes opções. A primeira seria incentivar a dieta alimentar e o exercício físico, a segunda é de acrescentar um tratamento da dislipidemia a base de estatinas ou de fibratos, por exemplo. Neste último caso, deveríamos considerar os efeitos adversos potenciais do tratamento da dislipidemia e as dificuldades de adesão. Se o objetivo é dimi-

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nuir o risco cardiometabólico, entre a opção de acrescentar um tratamento da dislipidemia ou reduzir o risco com a substituição do tratamento antipsicótico, a última opção é preferível. Enfim, devemos considerar o risco de diabetes. A partir deste ponto de vista, o tratamento com aripiprazol é favorável. O estudo foi realizado em pacientes com IMC elevado, mas sem diabetes, e por uma duração limitada a 16 semanas. Efetivamente os dois tratamentos não alteraram significativamente a glicemia, a insulinemia ou a glicemia pós-prandial. Não é surpreendente na medida que os pacientes, no estádio de resistência à insulina, conseguem manter a taxa normal de glicemia por hipersecreção compensatória de insulina. Mas o tratamento antipsicótico é um tratamento de longa duração e o risco diabético aumenta com a continuação do tratamento. MH - Quais são as dificuldades que você encontra na substituição de tratamento?

Dr. John Newcomer – Isso é a questão importante, que interessa todos os psiquiatras. Podemos concordar sobre a diminuição do risco cardiometabólico, mas a questão chave é saber se o tratamento é tão eficaz sobre o transtorno mental. Nesta população de pacientes, a substituição de medicamentos não é fácil, porque são tratamentos continuados por muitos anos, e já foi observado que os pacientes que seguem um tratamento de longa duração com o mesmo medicamento aderem melhor do que os que trocam de tratamento, independentemente do medicamento envolvido. A decisão deve ser tomada em função do risco inerente ao transtorno psiquiátrico e ao risco metabólico.

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Em nosso estudo, acompanhamos a substituição de medicamento pelo escore do Clinical Global Impressions-Improvement (CGI-I), que mostra que, para a maioria dos pacientes, a substituição de tratamento está avaliada com impressão “sem alteração” ou “alteração mínima”, o que significa que a substituição é geralmente aceita sem dificuldades. Enfim, a olanzapina é mais sedativa do que o aripiprazol, o que pode em alguns pacientes modificar a reação ao tratamento e os sintomas da doença. A substituição de medicamento necessita, às vezes, a adição de um tratamento de curta duração a base de benzodiazepinas, para melhorar a sedação, se for necessário. MH – Quais são os estudos atualmente em desenvolvimento para avaliar os distúrbios metabólicos em psiquiatria?

Dr. John Newcomer – As grandes associações médicas, como American Diabetes Association, American Psychiatric Asso-

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ciation, American Association of Clinical Endocrinologists ou The North American Association for the Study of Obesity, já concluiram que os antipsicóticos podem agravar o risco para obesidade, diabetes e dislipidemia e sugeriram que este risco deve ser considerado no momento da decisão de tratar. Os resultados atuais fornecem uma base experimental para um consenso, pelo qual os pacientes tratados por medicamentos antipsicóticos que desenvolvem um ganho de peso significativo, ou hiperglicemia ou dislipidemia, deveriam trocar para um tratamento com risco menor. O estudo Comparison of Antipsychotics for Metabolic Problems (CAMP) está atualmente em desenvolvimento e vai estudar a eficiência de diferentes antipsicóticos em pacientes com esquizofrenia ou transtornos esquizoafetivos, nos quais a substituição de medicamentos poderia ser indicada, baseando-se no risco identificado de doença cardiovascular apesar do controle adequado dos sintomas psiquiátricos.

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