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Resumos comentados da literatura médica mundial. Volume 1 - Número 1
CONSELHO CIENTÍFICO Prof. Dr. Jair Jesus Mari, Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP/EPM Prof. Dr. Itiro Shirakawa, Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP/EPM Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior, Coordenador do Grupo Interconsultas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP Prof. Dr. Miguel R. Jorge, Chefe da Disciplina de Psiquiatria Clínica da UNIFESP/EPM e Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (1998-2001).
NESSA EDIÇÃO Um estudo internacional da relação entre sintomas somáticos e depressão ................. 1 Tipos de ataques de pânico e suas associações com distúrbios psíquicos e outras moléstias ....................................... 3 Cuidados a pacientes deprimidos com sintomas de ansiedade ............................... 4 Auto–avaliação de sintomas do tipo psicótico e o continuum das psicoses ........................ 5 A Erva de São João para depressão. Uma meta-análise dos ensaios clínicos bem definidos ................................................... 6 Tipologias de ansiedade, depressão e sintomas de somatização entre pacientes sem distúrbio mental formal ............................ 7
CÓDIGO 46.240
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As opiniões emitidas nesta publicação não refletem necessariamente a opinião de Laboratórios Biosintética
Um estudo internacional da relação entre sintomas somáticos e depressão Simon EG, VonKorff M, Piccinelli M, Fullerton C, Ormel J. N Eng J Med 1999;341(18):1329-1335. Comentários: Prof. Dr. Miguel R. Jorge
RESUMO Somatização é um aspecto da depressão frequentemente observado em pacientes de serviços de cuidados primários. Alguns estudos sugerem que pacientes de culturas não-ocidentais e de países em desenvolvimento relatam sintomas somáticos e negam sintomas psicológicos mais frequentemente que pacientes de culturas ocidentais e de países desenvolvidos. Estudos epidemiológicos e clínicos utilizando entrevistas estruturadas, entretanto, não têm revelado diferenças entre países ocidentais e não-ocidentais. No presente estudo, os autores utilizaram dados de um estudo colaborativo da Organização Mundial da Saúde para examinar esta questão em pacientes de serviços de cuidados primários de países representando diversas culturas, diferentes níveis de desenvolvimento econômico e tipos de cuidados à saúde. Três diferentes definições de somatização na presença de depressão foram utilizadas: depressão estritamente apresentada através de sintomas somáticos, depressão
acompanhada por pelo menos três sintomas somáticos inexplicáveis por doença física e depressão com negação de sintomas psicológicos pelo paciente. Países Representados: Alemanha, Brasil, Chile, China, Estados Unidos da América, França, Grécia, Holanda, Índia, Inglaterra, Itália, Japão, Nigéria e Turquia. Amostra, Instrumentos e Métodos de Avaliação: 25.916 pacientes de serviços de cuidados primário responderam ao questionário GHQ, através do qual se avalia a presença de dificuldades psicológicas em geral, dos quais 5.447 foram selecionados para responderem ao questionário CIDI (versão para cuidados primários), através do qual se pode fazer o diagnóstico de diversos transtornos mentais, inclusive depressão e somatização. Um médico classificava cada sintoma inicialmente identificado pelo entrevistador como medicamente explicável ou não. Outras perguntas procuravam determinar os sintomas presentes na atualidade e quais as razões pelas quais o pacien-
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te estava procurando aquele serviço. Resultados: 1.146 pacientes preencheram critérios para depressão, com uma prevalência global ponderada de 10% (variando de 1,5 a 27,3% nos diversos países). Considerando-se as diferentes definições de somatização, a proporção de pacientes com depressão foi de: • 69% (variando de 45% a 95% em diferentes centros) entre aqueles que apresentavam somente sintomas somáticos; • 50% (variando de 30% a 62% em diferentes centros) entre aqueles com sintomas somáticos inexplicáveis; • 11% (variando de 2% a 26% em diferentes centros) entre aqueles que negavam sintomas psicológicos à entrevista. No geral, 85% dos pacientes com depressão também apresentavam somatização por pelo menos uma das definições adotadas, porém só 4% deles apresentavam somatização de acordo com as três definições adotadas. A apresentação somente de sintomas somáticos era mais comum em centros onde os pacientes compareciam sem hora marcada e eram aten-
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didos por qualquer médico do que nos centros onde eles tinham consultas previamente agendadas com um determinado médico, com quem faziam acompanhamento há mais tempo. Não houve diferença na prevalência de nenhuma das formas de somatização entre centros ocidentais e não-ocidentais ou pertencentes a países em diferentes estágios de desenvolvimento econômico. COMENTÁRIOS O não diagnóstico de estados depressivos em pacientes usuários de serviços de cuidados primários (de clínica geral) é fato já apontado por inúmeros estudos realizados em países de todo o mundo. A nosso ver, três fatores principais contribuem para isto: uma atenção médica por demais focada em sintomas físicos, o despreparo do clínico para lidar com sintomas de natureza psicológica e o menosprezo do profissional - em nosso meio geralmente pela pressa no atendimento - para inquirir sobre aspectos gerais da vida do paciente. O presente trabalho não só confirma a alta prevalência de depressão nestes serviços, como demonstra que em cerca de 70% dos casos ela se apresenta somente através de sintomas somáticos. Na realidade, pelo menos entre pacientes de serviços de cuidados primários, a depressão é antes uma síndrome somática que pode apresentar sintomas psicológicos do que uma
síndrome psicológica que pode se apresentar com sintomas somáticos. Ao dividirem os 14 países onde o estudo foi realizado em ocidentais/ não ocidentais e economicamente em desenvolvimento/desenvolvidos, os autores não confirmaram especulações de que seria mais próprio de populações de países não ocidentais e em desenvolvimento a apresentação de depressão através de sintomas somáticos, o que desmistifica uma certa crença de que pessoas de países ocidentais economicamente mais desenvolvidos seriam psicologicamente mais sofisticadas por apresentarem sintomas “mais elaborados” e não meras queixas físicas. Por outro lado, aspectos da relação médico-paciente como aquela que se verifica em serviços onde a atenção é menos personalizada (cada vez um médico diferente, consultas não agendadas, menor privacidade) se associam mais com a apresentação de sintomas somáticos, aparentemente por estes habitualmente merecerem maior atenção profissional em um serviço de clínica geral do que queixas de natureza psicológica. Finalmente, ressalto os resultados de que os dois centros com maior prevalência de depressão em todo o estudo foram os de Santiago do Chile (27,3%) e do Rio de Janeiro (18,3%), que apresentaram índices semelhantes de somatização. Em comparação com os demais países, os pacientes deprimidos dos centros de Santiago do Chile e do Rio de Janeiro apresentaram números mais altos para sintomas somáticos inexplicáveis do que para presença restrita de sintomas somáticos ou negação de sintomas psicológicos. Assim, médicos em postos de saúde ou ambulatórios médicos gerais no Brasil, devem particularmente suspeitar de depressão quando frente a pacientes com sintomas somáticos inexplicáveis.
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Tipos de ataques de pânico e suas associações com distúrbios psíquicos e outras moléstias Bovasso G, Eaton W Compr Psychiatry 1999;40(6):418-421 Comentários: Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior
RESUMO Alguns autores têm proposto a existência de subtipos de ataques de pânico. Uma classificação separa ataques com e sem a vivência de medo. Ataques sem a vivência de medo seriam caracterizados pela presença de sensação de taquicardia, tontura ou vertigem, sudorese ou tremores, ondas de calor ou frio, dor torácica e dificuldade para respirar. Ataques com a vivência de medo seriam caracterizados pelos mesmos sintomas físicos acrescidos do medo de morrer, ou perder o controle. Outra classificação separa ataques com e sem manifestação psicológica (fóbica e de ansiedade-despersonalização). Em um estudo, pacientes com ataques com sintomas físicos cardiovasculares apresentaram maior prevalência de problemas cardíacos, enquanto aqueles com sintomas psicológicos apresentaram maior prevalência de história de convulsões. Outra pesquisa revelou que pacientes com pânico e medo de se expor em público possuem maior associação com ansiedade enquanto aqueles com pânico e medo de perder o controle apresentam mais associação com depressão. Ataques de pânico foram também associados a outras condições médicas como diabetes e até mesmo ao câncer (possivelmente através da colecistoquinina). Os ataques de pânico podem pois constituir um sintoma da condição médica.
No presente estudo pretendeu-se investigar a validade de três subtipos de ataques de pânico: cardíaco, respiratório e psicológico (desrealização). O estudo utilizou os dados do Epidemiologic Catchement Area (ECA) dos anos de 1980 (3.481 indivíduos), 1982 (2.768 indivíduos) e 1993-1994 (1.920 indivíduos). A prevalência de pacientes com sintomas de pânico foi: 298 em 1980, 175 em 1982, 341 em 1994-95. Utilizou-se a escala multidimencional de sintomas de pânico. Os três tipos de ataques de pânico mantiveram-se estáveis ao longo das avaliações. A presença de desrealização foi mais preditiva para ocorrência de manifestações psiquiátricas mas não se associou com doenças físicas. Ataques de pânico com sintomas cardíacos foram mais desencadeados por eventos de vida estressantes, associaram-se com história de doença cardíaca e foram fator preditivo para agorafobia. A presença de distimia apresentou associação significativa com pânico com sintomas respiratórios e este foi fator preditivo de maior ris-
co para hospitalizações por câncer de mama e infarto do miocárdio. Estudos anteriores suportam a hipótese da depressão aumentar o risco para o câncer e um estudo sugeriu que antidepressivos poderiam aumentar o risco para o câncer independente da depressão. Entretanto os dados do atual estudo sugerem uma associação do ataque de pânico com sintomas respiratórios com a hospitalização pelo câncer independente da depressão. Essas diferenças não foram suficientes para se considerar a existência de entidades distintas. Entretanto o valor preditivo para a ocorrência de comorbidade com outras doenças deve ser considerado. COMENTÁRIOS Mais do que a proposta de uma classificação, a relevância do estudo é a investigação do valor preditivo desta classificação. Com relação à relevância dos resultados, o grande impacto fica com o maior risco para câncer de mama em pacientes com ataques de pânico com sintomas respiratórios. A relevância deste dado
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para a prática clínica ainda não foi estudada, mas merece atenção. Algumas questões merecem resposta: o pânico aumenta o risco para a ocorrência do câncer, e/ou complica a evolução do câncer aumentando a internação e/ou o sintoma pânico é uma manifestação inicial do câncer?
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Outro achado importante é a associação de pânico com desrealização e comorbidade psiquiátricas. Dados de literatura indicam que a comorbidade com outras patologias psiquiátricas piora a aderência ao tratamento e a resposta terapêutica. Atenção para esta associação na prá-
tica clínica é essencial para garantir a eficácia terapêutica A associação do pânico com sintomas cardíacos com eventos de vida desencadeantes indica que este subtipo possa necessitar uma intervenção terapêutica que inclua a abordagem psicoterápica.
Cuidados a pacientes deprimidos com sintomas de ansiedade Nutt DJ J Clin Psychiatry 1999;60[suppl17]:23-27 Comentários: Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior RESUMO A presença de sintomas ansiosos associados à depressão é freqüente em pacientes de atenção primária. De fato a manifestação mais comum é o quadro misto de depressão e ansiedade. Um estudo em atenção primária, revelou que 42% dos pacientes apresentavam transtorno misto de depressão e ansiedade, 19,2% depressão com sintomas ansiosos, 12,8% ansiedade e 10,3% depressão. Os sintomas ansiosos freqüentemente encontrados na depressão são preocupação moderada (72%), ansiedade psíquica (62%) e ansiedade somática (42%). Alguns sintomas são considerados tanto ansiosos como depressivos (medo, ataques de pânico, dificuldade para dormir e dificuldade em se concentrar). A importância em se reconhecer os sintomas ansiosos é que a presença destes em uma depressão está associada a pior prognóstico, quadros mais graves, maior comprometimento psicossocial, resposta terapêutica pior e mais lenta e maior risco para ocorrência de doenças crônicas e suicídio. Com relação ao tratamento, a presença de sintomas ansiosos asso-
cia-se a maior risco de efeitos colaterais, interrupção do tratamento antidepressivo e inadequação em tratamentos de outras condições psiquiátricas e não psiquiátricas. A piora inicial com agitação e ansiedade tem sido descrita com o uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Como estratégia para lidar com estes efeitos deve-se iniciar o ISRS com doses mais baixas e elevar a dose mais lentamente e/ou associar um benzodiazepínico (BZ). Antidepressivos tricíclicos (ADTc) e inibidores irreversíveis da monoaminoxidase (IMAO), embora sejam eficazes para tratar a depressão com sintomas ansiosos, possuem inúmeros efeitos colaterais fazendo com que sejam considerados de segunda escolha. A utilização do um inibidor específico de serotonina e noradrenalina (NaSSA) mirtazapina permite tratamento da depressão com melhora precoce dos sintomas ansiosos. A mirtazapina mostrou-se superior em reduzir sintomas ansiosos em pacientes com depressão em três estudos que a compararam com a paroxetina, o citalopram e a fluoxetina. A mirtazapina representa uma alterna-
tiva promissora para tratar depressão como sintomas ansiosos, uma vez que possui poucos efeitos colaterais e pode ser utilizada sem a necessidade de associação com um BZ. Em um fórum com especialistas levantou-se o efeito da mirtazapina sobre o peso. O aumento de peso raramente decorre de retenção hídrica e é mais comum em mulheres antes da menopausa. Uma referência prática indica que caso não ocorra aumento de peso até a sexta semana dificilmente este ocorrerá depois. Outro ponto levantado foi a pequena interferência na sexualidade, permitindo que a associação da mirtazapina possa melhorar a disfunção sexual de um ISRS. COMENTÁRIOS Os autores ressaltam a importância da presença de sintomas ansiosos em pacientes com depressão em atenção primária. Ressaltam aspectos epidemiológicos, psicopatológicos e terapêuticos, aqui com enfoque especial para a mirtazapina. O tema é de relevância maior. A dificuldade em se realizar o diagnóstico de depressão por parte de médicos
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não psiquiatras tem sido objeto de inúmeros trabalhos. Além de aspectos ligados à formação médica, à pessoa do médico, e ao sistema assistencial, peculiaridades da depressão podem dificultar seu diagnóstico. Aqui encontra-se o grande mérito deste artigo, oferecer aspectos técnicos ao médico que pode aprimorar sua prática clínica independente de sua formação
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ou local de trabalho. A presença de sintomas ansiosos sem dúvida alguma dificulta o diagnóstico de depressão, bem como favorece a prescrição indevida de um BZ isoladamente. Além dos ISRS e da mirtazapina, estudos indicam que antidepressivos com outros mecanismos de ação como a nefazodone, tianeptina e venlafaxina também possuem eficácia
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para a depressão com sintomas ansiosos. Vários trabalhos tem relatado a eficácia de antidepressivos para a ansiedade generalizada. Até o momento não se tem um consenso em relação à superioridade de eficácia um ou outro antidepressivo, cabe antes de prescrever avaliar o perfil de efeitos colaterais e possíveis interações medicamentosas.
Auto–avaliação de sintomas do tipo psicótico e o continuum das psicoses Van Os J et al Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1999;34(9):459-463 Comentários: Prof. Dr. Itiro Shirakawa RESUMO Os autores partem do pressuposto de Crow (1995), Eysenck (1952) e Kretschmer (1925) de que os estados psicóticos refletem dimensões a partir de variações da personalidade normal. Haveria, então, um continuum a partir da normalidade para os transtornos depressivos, destes para os esquizoafetivos, chegando às psicoses e esquizofrenia. Organizaram um estudo para examinar esta hipótese, como predito pela teoria do continuum de que há um aumento na gravidade dos sintomas psicóticos positivos a partir da normalidade, passando pelos estados depressivos. COMENTÁRIOS Os autores utilizaram a tradução francesa do questionário de auto – avaliação PDI (Peters Delusional Inventory), desenvolvido para medir especificamente sintomas positivos de psicose na população geral. O PDI foi aplicado em três grupos de pacientes: 1° grupo, 57 com psicose; 2° grupo,
245 considerados “casos” pelo GHQ12; 3° grupo, 378 considerados “não casos” pelo GHQ-12 e que passaram a compor o grupo controle. O grupo considerado “casos” pelo GHQ compõem-se de pacientes com sintomas de ansiedade e depressão. Os resultados mostraram que os três grupos diferiam nas dimensões de psicose, tendo o grupo controle escore menor, pacientes com psicose escore maior e o grupo GHQ “casos”, escore intermediário. A partir dos resultados os autores propõem que a teoria do continuum normalidade-depressão-psicose explicaria os achados. O trabalho reacende uma velha polêmica em psiquiatria, se os quadros nosológicos são independentes, ou variam de acordo com o grau e gravidade dos sintomas. As conclusões
parecem um pouco precipitadas pois não é possível chegar-se à conclusão do continuum apenas por uma única avaliação sintomatológica. Os sintomas medidos não são específicos, a seleção das amostras não foi homogênea e haveria necessidade de, pelo menos, ser utilizada uma escala estruturada para confirmação dos diagnósticos. Por enquanto, a polêmica deve continuar, Se o diagnóstico categorial sofre a crítica da sobreposição de sintomas, o diagnóstico dimensional também não dá conta de todos os fenômenos da psiquiatria. Talvez, estudos mais completos que levem em conta aspectos genéticos, neuro-imagem de estrutura cerebral, neuro-imagem funcional e avaliação neuropsicológica possam começar a esclarecer um pouco mais a questão etiológica em psiquiatria.
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A Erva de São João para depressão. Uma meta-análise dos ensaios clínicos bem definidos Kim HL, Streltzer J, Goebert D J Nerv Ment Dis 1999 Sep; 187(9):532-8 Comentários: Prof. Dr. Jair Jesus Mari
RESUMO A erva de São João, o extrato do Hypericum perforatum, é considerada como tratamento alternativo nos Estados Unidos e amplamente utilizada em países europeus, principalmente na Alemanha. Há vários estudos na literatura que reivindicam sua eficácia terapêutica na depressão e outros que contradizem estes resultados. Há também trabalhos de revisão sistemática e metanálise que apontam para sua eficácia, embora tenham sido criticados por terem agregado resultados de estudos com metodologia questionável. Como o assunto continua controvertido na literatura, os autores decidiram realizar uma revisão sistemática restrita aos estudos de bom rigor metodológico. Os estudos selecionados deveriam ter um desenho de ensaio clínico controlado duplo cego, diagnóstico padronizado de depressão e avaliação do desfecho clínico através da escala de Hamilton. A comparação deveria se restringir à placebo ou outros antidepressivos. A estratégia de busca na literatura foi bem descrita assim como os bancos de dados pesquisados (Medline, Psychlit e Psych Index). Foram selecionados 6 ensaios clínicos (4 comparando com tricíclicos e 2 com placebo), com um total de 650 pacientes apresentando estados depressivos leves, moderados e graves. Os estudos não selecionados foram devidamente descritos pelos autores.
COMENTÁRIOS O desfecho clínico principal adotado foi de redução acima de 50% ou escore inferior a 10 na escala Hamilton. As análises estatísticas seguiram o método mais rigoroso, de efetividade ou intenção de tratamento, e todas comparações foram realizadas após testes de homogeneidade das amostras. Todos ensaios clínicos descreveram o método de randomização, assim como os procedimentos para manter o estudo duplo cego. As doses de extrato do Hypericum variaram de 200 a 900 mg por dia. Em 3 estudos os antidepressivos usaram a dose padrão de 75mg (amitriptlina, maprotilina e imipramina), mas um com amitriptilina usou somente 30mg. A maioria dos pacientes apresentava entre 15 e 24 pontos na escala Hamilton, compatível com níveis depressivos leves e moderados. A duração dos estudos foi de 4 a 6 semanas, sendo 5 deles conduzidos na Alemanha. Na comparação com placebo, agrupando-se os resultados das taxas de resposta para 6 semanas, houve uma taxa positiva de 73% para o Hypericum e de 38% para o placebo. O Risco Relativo foi de 1,48 (I.C. 95% 1,03, 1,92). 12% não concluíram o estudo no Hypericum e 20% no placebo, com efeitos adversos mínimos nos dois grupos. Na comparação com tricíclicos, após seis semanas de seguimento, a
taxa de resposta ao tratamento foi de 64% para o Hypericum e 66% para os antidepressivos, demonstrando eficácia semelhante nos dois grupos. As taxas de drop outs foram respectivamente de 13% no Hypericum e 16% nos antidepressivos, beneficiando o Hypericum (RR= 0,65, 95% I.C. 0,36, 0,94). A freqüência de efeitos adversos foi de 47% para os tricíclicos e de 26% para o Hypericum (RR=1,72, 95% I.C. 1,30, 2,14). Os autores concluíram que o Hypericum foi mais efetivo que placebo e apresentou efetividade semelhante aos tricíclicos, no tratamento de curta duração, para casos de depressão de leve à moderadamente graves. Para invalidar estes resultados seriam necessários 34 estudos não publicados (o problema do file drawer). Os autores questionam a validade e reprodutibilidade da escala Hamilton neste estudos e criticam a ausência de detalhes do treinamento dos avaliadores na escala. Trata-se de um bom estudo de revisão sistemática, que adota a estratégia de agregar os resultados dos melhores trabalhos de pesquisa na área. A superioridade da Erva de São João sobre o placebo, comprovada com um odds ratio de 1:5, aponta para um efeito relativamente modesto da droga, à semelhança de outros estudos com antidepressivos clássicos e de nova geração. O estudo sugere que o Hypericum apresenta um risco menor de efei-
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tos adversos quando comparados com baixas doses de tricíclicos. Em relação aos problemas metodológicos do estudo de revisão sistemática, podem-se notar os seguintes problemas: a) os autores apontam os intervalos de confiança, sem descrever o nível de significância estatística dos resultados; b) não houve padronização na avaliação de qualidade dos
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artigos; c) os dados extraídos não passaram por um teste de reprodutibilidade entre os investigadores; e d) não houve uma comparação dos resultados usando-se a técnica de funnel plot. Em termos de pesquisas futuras, podem-se sugerir as seguintes recomendações: a) há necessidade de um tempo mais prolongado de observação para se avaliar eficácia, adesão ao
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tratamento e possíveis efeitos adversos; b) não foi incluído nenhum estudo comparando a eficácia do Hypericum os anti depressivos inibidores da captação de serotonina e de nova geração; e c) não há na literatura ensaios clínicos de efetividade, com longa duração de tratamento, para avaliar o custo-benefício do Hypericum com os novos anti depressivos.
Tipologias de ansiedade, depressão e sintomas de somatização entre pacientes sem distúrbio mental formal Piccinelli M, Rucci P, Üstün B, Simon G Psychol Med 1999;29 (3):677-688 Comentários: Prof. Dr. Renério Fráguas Júnior
RESUMO Manifestações subliminares, ou seja, que não chegam a configurar um diagnóstico psiquiátrico são tão ou mais comuns do que os transtornos psiquiátricos propriamente ditos tanto no setting médico psiquiátrico como não psiquiátrico. Entretanto, indivíduos com depressão subliminar apresentam significativa incapacitação e prejuízo do funcionamento social. Estimativas indicam que a depressão subliminar é responsável por uma parcela igual ou mesmo superior à de transtornos afetivos no que diz respeito à utilização de serviços de saúde, uso de psicotrópicos, e comprometimento em geral. Apesar destes dados, a classificação dos transtornos subliminares é ainda pouco valorizada, sendo de modo geral considerados como categorias residuais nas classificações. O sistema binário de classificação ou seja, tem ou não tem determinado diagnóstico psiqui-
átrico, não contempla pacientes com manifestações subliminares. Dentre os procedimentos disponíveis para realização do diagnóstico, os autores do atual estudo salientam o método estatístico de análise de grau de afiliação (grade of membership-GoM). Assim, ao invés de uma categorização binária o paciente recebe um grau de afiliação em relação aos diversos “tipos puros”, ou seja a análise estatística fornece o grau com que o indivíduo se afilia ao “tipo puro” depressão, ansiedade, somatização e assim por diante. O presente trabalho é um estudo multicêntrico em que foi utilizado o General Health Questionnaire (GHQ). Os pacientes foram divididos em três grupos: com diagnóstico psiquiátrico, com manifestações subliminares e com manifestações mínimas. Indivíduos foram considerados com manifestação mínima quando apresentavam menos que três sintomas quer fossem depressivos,
ansiosos ou somatoformes. Para a análise foram excluídos pacientes com diagnóstico psiquiátrico formal e pacientes com manifestações mínimas. Foram estudados 1.617 indivíduos, e investigou-se a afiliação maior ou menor destes em relação a 6 tipos puros (somatização, tipo misto ansiedade e depressão, ansiedade generalizada, sintomas esporádicos, problemas de sono e ansiedade/pânico). Apenas 12 indivíduos apresentaram todas as características de um tipo puro. A maioria apresentou graus variados de afiliação a mais de um tipo puro: 306 (18,9%) apresentaram afiliação a 2 tipos puros, 686(42,4%) a 3 tipos puros, 470(29,1%) a 4 tipos puros, 134(8,3%) a 5 tipos puros e 9 (0,6%) a 6 tipos puros. Afiliação ao tipo “somatização” foi preditiva de grande incapacitação. Afiliação ao tipo misto “ansiedade-depressão” foi preditiva de comprometimento de saúde, uso de sedativos, história de
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depressão maior e história de agorafobia, sugerindo que este tipo possa indicar uma forma residual de um transtorno mental formal. Afiliação ao tipo “ansiedade generalizada” foi preditiva de um ligeiro decréscimo no risco para história de depressão maior. Afiliação ao tipo “ansiedade/pânico” foi preditiva de uma melhor percepção da saúde e um discreto aumento no risco para história de depressão e pânico/ agorafobia. Afiliação ao tipo “sintomas esporádicos” foi preditiva de diminuição de incapacitação de acordo com a autoavaliação. Afiliação ao tipo “problemas de sono” não foi preditiva de nenhuma das variáveis selecionadas. O fato da afiliação ao tipo “somatização” ter sido preditiva de incapacitação, remete ao questionamento do número de sintomas somáticos utilizados para se realizar o diagnóstico. O próprios critérios internacionais já vem sendo diminuído este número para o DSM-IIIR eram necessários 13 sintomas, para o DSM-IV 8 sintomas e para o CID-10 são necessários 6 sintomas O transtorno formal ansiedade/ depressão vem sendo reconhecido como uma categoria diagnóstica por vários autores e critérios diagnósticos. É considerado como transtorno para o CID-10 e como entidade necessitando de mais estudos no DSM-IV. A afiliação ao tipo ansiedade/depressão no presente estudo foi preditiva de história de depressão e ansiedade, indicando que este tipo possa também representar uma variável evolutiva e não apenas uma categoria a mais. A inexistência de um tipo puro de depressão subliminar remete à suposição de que sintomas depressivos subliminares de fato possuam a tendência a ocorrer em conjunto com sintomas ansiosos e sejam melhor compreendidos se considerados den-
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tro de uma categoria mista, o que ainda requer mais estudos. Com relação aos tipos “ansiedade generalizada” e “ansiedade/pânico” somente o tipo “ansiedade/pânico” foi preditivo de história para transtorno do pânico, indicando uma distinção entre este transtorno e o transtorno de ansiedade generalizada. A utilização da técnica estatística não pretende ser um modelo substitutivo à avaliação clínica, mas sim uma complementação para superar alguns impasses e dificuldades diagnósticas. COMENTÁRIOS A delimitação doença/não doença tem evoluído na direção de cada vez mais se considerar como transtornos mentais manifestações menos exuberantes. Em parte, pode-se atribuir esta mudança ao desenvolvimento de medicamentos eficazes com menos efeitos colaterais. O presente trabalho avança ainda mais nesta direção, sintomas submilinares que não chegam a configurar um diagnóstico, acarretam incapacitação, utilização de serviços de saúde, utilização de psicofármacos e possuem associação com história de transtornos psiquiátricos. Parece portanto imperativo a manutenção de investigações científicas destes quadros mesmo que se mantenha a denominação de transtornos submilinares. O fato de não delimitarem um tipo puro de depressão subliminar
pode decorrer da amostra utilizada, uma vez que a pesquisa envolveu indivíduos que procuraram assistência primária este pode ser um fator de distorção. Em outras palavras, pacientes com sintomas subliminares depressivos puros podem procurar o médico de atenção primária raramente, mas o fazem quando têm também sintomas ansiosos associados. Outro aspecto é que os dados foram obtidos através de auto avaliação, e os sintomas podem ser interpretados como características normais do indivíduo e não serem relatados. Deve-se salientar que o sistema de diagnóstico psiquiátrico ainda é um tanto precário, considerando-se a ausência de marcadores fisiopatológicos. O problema, entretanto, não se encerra neste ponto. Este talvez seja o grande mérito deste trabalho, tornar evidente que indivíduos raramente apresentam tipos puros completos, apenas 12 (0,7%) em 1617, e a maior parte 686 (42,4%) dos indivíduos apresentaram filiações a 3 tipos puros. Em outras palavras torna-se difícil estabelecer um critério dicotomizado que contemple tamanha variedade de manifestações. Algumas linhas de pesquisa com estudos investigando a fisiopatologia podem trazer alguma luz ao sistema de classificação e à definição de caso/ não caso. Entretanto este sistema de afiliação oferece por enquanto um complemento útil para o melhor desenvolvimento de pesquisas e conseqüente melhor assistência.