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Setembro 2018

Setembro 2018

PARQUE DE BELULUANE FAZ 18 ANOS, CHEGA À MAIORIDADE E QUER CRESCER

A insuficiência de infra-estruturas foi condicionando a captação de investimentos no Parque Industrial de Beluluane, o maior de Moçambique, ao longo dos 18 anos de existência. Mas até 2030 a situação vai mudar. Saiba como

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o parque industrial de be-

luluane ‘nascia’ no ano 2 000, A poucos quilómetros (16) de Maputo, era baptizado como o maior e mais promissor do país, dotado de uma capacidade para acomodar mais de 500 empresas. A chegada da Mozal, a maior empresa exportadora do país durante anos, baptizava-o, e parecia significar o princípio de uma grande zona industrial às portas da capital. Mas passados 18 anos, na idade da maioridade, regista ainda um número menor de empresas em actividade, apenas 38. Há quem entenda esta evolução como natural, por se tratar de uma economia em desenvolvimento, com um sector industrial transformador ainda incipiente, que pesa menos de 10% do PIB nacional. No entanto, apesar das atenuantes, a evolução é modesta se considerarmos a dimensão (quase 700 hectares) e a capacidade instalada. Ou seja, em 18 anos, o Parque explora apenas 7% da sua capacidade. Porque aderem pouco? São várias, as razões da aposta em instalar uma indústria em parques industriais. Com uma localização em pontos geralmente distantes das zonas residenciais, onde a terra é relativamente barata e em eixos logísticos (na proximidade de portos, aeroportos, caminhos de ferro ou eixos viários de acesso facilitado), podem facilmente concentrar a actividade industrial sem grandes riscos ambientais para as comunidades. Depois, a concentração das unidades no mesmo local traz, para além do mais, um conjunto de benefícios logísticos para o estabelecimento de negócios entre empresas das mais variadas áreas de actividade, com grande impacto da geração de postos de trabalho. Apesar disso, Onório Manuel, gestor de desenvolvimento de infra-estrutura do Parque de Industrial de Beluluane, explica à E&M que “de há vários anos o desenvolvimento do Parque tem esbarrado

no défice de infra-estruturas”, incluindo, prossegue, as logísticas, verdadeiramente indispensáveis para o normal funcionamento das indústrias de transformação que ali se poderiam instalar. E aí, registam-se casos de insuficiência do fornecimento de energia em qualidade e quantidade, e de saneamento. Problemas que, de resto, ainda não foram resolvidos, mas já há planos para que tal venha a acontecer... dentro de qualquer coisa como dois anos. Assim, o problema vai-se arrastando por mais alguns meses, com o fornecimento a não cumprir os requisitos necessários, um factor significativo o suficiente para retrair os investidores que pretendam instalar as suas indústrias naquele espaço, apesar de um outro conjunto de vantagens que os parques industriais oferecem, e porventura até são as mais decisivas: as fiscais. O Parque de Beluluane é uma Zona Franca Industrial (ZFI), ou seja, uma infra-estrutura cuja área de actividade é a industrial, delimitada e regulada por regimes especiais, destinada ao desenvolvimento de empreendimentos cuja produção seja destinada à exportação em pelo menos 70% do volume da produção anual). Esta ZFI resulta de uma parceria entre o Estado, representado pelo então CPI e a Chiefton Moçambique, tem um enquadramento fiscal diferenciado, proporcionando às empresas que ali se instalem um conjunto de benefícios fiscais e não fiscais que vão da isenção no pagamento de impostos sobre a importação (Incluindo o Imposto Sobre o Valor Acrescentado), de materiais de construção, equipamentos, acessórios, peças e outros bens destinados à prossecução da actividade licenciada nas ZEE´s (Zonas Económicas Especiais), e à isenção do IVA nas aquisições internas, do IRPC nos primeiros cinco exercícios fiscais; da taxa do IRPC em 50% do 6º ao 10º exercício fiscal; e da mesma em 25%, do 11º ao 15º exercício fiscal. Depois, há ainda benefícios não fiscais como a de poder actuar num regime laboral mais flexível, particularmente no que diz respeito à contratação de mão-de-obra estrangeira e a possibilidade de usufruir de uma política cambial livre, que permite ainda operações off-shore. No entanto, algumas das indústrias que já estão a operar no Parque (muitas nem sequer do ramo industrial), tiveram de investir em fontes alternativas para suprir as falhas logísticas do Parque. Assim, tiveram necessidade de investir em fontes de energia próprias e em furos de água (para suprir falhas no abastecimento), com a agravante de o lençol freático do distrito de Boane ser de água salubre, o que agudiza os custos de investimento inicialmente projectados para a sua actividade, anulando, de certo modo, uma parte dos benefícios contabilizados pelos incentivos de que as indústrias beneficiam através do enquadramento especial para as ZFI. “Todos estes factores têm concorrido para a fraca atractividade do Parque Industrial de Beluluane”, admite o gestor da infra-estrutura.

Luz ao fundo do túnel Já há, no entanto, investimentos que fazem adivinhar melhores dias para o Parque de Beluluane. Para dar a volta ao quadro desfavorável, a Electricidade de Moçambique (EDM) já investiu na melhoria das condições de abastecimento em qualidade e quantidade. Além do mais, está em curso um projecto gerido pela própria EDM, financiado pelo banco alemão KFW, em montantes não especificados, direccionados para o aumento da potência da rede eléctrica no parque. Espera-se que o projecto esteja concluído até finais de

RECURSOS OCIOSOS

O baixo nível de exploração da capacidade instalada no Parque denuncia problemas conjunturais e estruturais, como a fraca disponibilidade de energia e água para o normal funcionamento. Mas, há mudanças em curso.

CAPACIDADE INSTALADA 500

38

CAPACIDADE EXPLORADA

FONTE Parque industrial de Beluluane

7%

É A ÁREA ACTUALMENTE EXPLORADA PARA A ACTIVIDADE INDUSTRIAL PARQUE INDUSTRIAL

2020, disponibilizando mais 120 Megawatts (MW), que permitirão a chegada de novas unidades de indústria pesada. Depois, o Parque está também a desenvolver soluções baseadas na energia solar e na utilização do gás que, inclusive, já está a ser fornecido pela empresa Matola Gas Company a algumas empresas como a Mozal, a Midal (uma empresa do Bahrein que fornece alumínio para cabos eléctricos) e a empresa nacional de cimentos Leão, que opera num sector em franca expansão. Em relação ao abastecimento de água, o FIPAG (Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água) está a instalar uma conduta que, garante, estará operacional até ao final do ano, e que irá melhorar consideravelmente o abastecimento. “A ideia é eliminar todas as barreiras que fizeram com que não nos desenvolvessemos como gostaríamos, mas acreditamos que dentro de alguns anos teremos melhores capacidades para acolher qualquer tipo de empresa, embora já estejamos a começar a fazê-lo, uma vez que estão lá a operar empresas de referência internacional”, referiu Onório Manuel.

Pleno emprego até 2030 Assim, com uma nova dinâmica em curso, espera-se agora que tudo o que não se conseguiu fazer em 18 anos, seja possível nos próximos 12, graças aos avanços alcançados e aos planos de captação de investimentos para o Parque. “O futuro reserva-nos sucesso porque os constrangimentos que enfrentávamos a nível de fornecimento de energia e de água já estão a ser acautelados. Caminhamos para termos infra-estruturas estáveis o que, juntando à janela de oportunidade que representa para as empresas estarem ali, nos deixa esperançados de que poderemos aumentar o número de empresas. Das actuais 38

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Mais empregos: até ao fim do ano serão 7 mil os trabalhadores do Parque

para as 500, de acordo com o nosso plano estratégico”, garante o representante do Parque. Por enquanto, a Mozal é o maior empreendimento ali instalado, e não é pequeno, sendo hoje a segunda maior exportadora do país (atrás da Vale Moçambique). Outras indústrias de peso que exploram o local incluem a empresa de cimentos Leão, a Capital Star Steel (que produz condutas utilizadas na indústria de petróleo e gás direccionadas à exportação), a Midal Cables (multinacional que adquire o alumínio da Mozal, produz cabos eléctricos e depois os fornece à EDM e outras empresas). Ainda no Parque está em contrução uma nova fábrica de cimentos que se vai chamar Seiko, e que deve iniciar actividade no próximo ano. Num outro ramo, a Godrej, uma fábrica de produção de cabelos artificiais que emprega mais de 2 000 pessoas, que foi inaugurada no final do ano passado. Por ali, e apesar de tudo, trabalham mais de 5 000 pessoas, e as perspectivas apontam para um crescimento para as 7 000 até ao fim deste ano. Do total das empresas, 60% estão dedicadas à exportação (estabelecidas na zona franca) e os restantes 40% na zona não franca, e produzem exclusivamente para o mercado interno.

PME, o trampolim Uma outra razão que concorre para o optimismo expresso nas ambiciosas metas do Parque Industrial encontra razão de ser na intenção de criar um espaço para integrar as Pequenas e Médias Empresas (PME), que representam quase 98% do tecido empresarial nacional, à luz de um acordo rubricado a 24 de Agosto passado

UMA APOSTA PARA MANTER... E AUMENTAR

Lá por fora não é diferente. Os governos desdobram-se em fórmulas cada vez mais “criativas” para criar parques industriais, tecnológicos ou logísticos, dentro do conceito de zonas francas Industriais, e colocar lá indústrias a operar. E há alguns exemplos dessa lógica, em todo o mundo. Em Junho, o governo angolano anunciava a criação de 50 parques industriais até 2022, com o objectivo de diversificar o ambiente económico dos municípios, tendo em conta o novo contexto macroeconómico. Já em Portugal, anunciou-se que vão ser investidos 11,5 milhões de euros na região do Alentejo para a expansão de zonas industriais e criação de novas zonas empresariais. Também em Moçambique, parece ter sido recuperado o sentimento de importância da aposta em parques industriais. Numa visita recente a Maputo, o vice-ministro dos negócios estrangeiros chinês, Zhang Ming, incluía na agenda do encontro com o Presidente Filipe Nyusi, a actualização dos entendimentos celebrados em Maio do ano passado aquando da visita de Nyusi à China e que prevê o investimento chinês, na construção de novos parques industriais e plataformas logísticas, de norte a sul do país.

com o Instituto para a Promoção das Pequenas e Médias Empresas (IPEME). “Entendemos que o Parque Industrial de Beluluane pode induzir a cadeia produtiva através das ligações empresariais”, disse Claire Zimba, director-geral do IPEME, explicando que “lá existem linhas de inclusão da produção nacional que podem ser contratadas pelos grandes empreendimentos”, assinala. Trata-se de um acordo que também está em linha com o que o IPEME já havia estabelecido com a Mozal na área do empreendedorismo social. Mais do que isso, o IPEME é também o provedor de informação das empresas através da base de dados que alimenta os processos de procurement da Mozal e pretende orientar esse processo a partir da experiência da ligação entre PME e empresas que estão na zona franca e no Parque Industrial para que, de alguma forma, entrem na cadeia de fornecedores e parceiros da Mozal. Nesse sentido, a Feira Internacional de Moçambique (FACIM) edição 2018 (que decorreu entre os dias 27 de Agosto e 03 de Setembro) foi a ocasião escolhida para a divulgação da possibilidade de as empresas operarem no Parque de Beluluane, “por se tratar do evento que mais concentra o sector produtivo da economia e onde há melhores oportunidades de parcerias que as PME podem desenvolver com o capital estrangeiro”, assinala Zimba.

Indústria pesada, trabalho árduo A primeira preocupação é que no parque só opera a indústria transformadora, mas sabe-se que a quase totalidade das PME nacionais está distribuída pelas áreas de serviços e de comércio. E a questão é: quantas e de que sectores são as empresas moçambicanas de pequena ou média dimensão capazes de se instalar no Parque Industrial? A resposta dá a entender que o acordo entre o Parque e o IPEME apenas estabeleceu intenções. Mas na prática, há ainda muitas questões por acautelar. De acordo com Claire Zimba, será necessário, primeiro, “encontrar as PME que têm potencial de exportação, que com uma base facilitada podem usar aquela plataforma.“ Ou seja, após identificar e seleccionar as empresas com o perfil apropriado, o IPEME terá a missão de prestar apoio técnico e financeiro, no sentido de as capacitar para operar. “Na mesma linha, estamos a dizer que pretendemos dinamizar o processo de estabelecimento de parcerias entre o investimento estrangeiro (que já está no Parque) e o investimento nacional, promovido através das PME, mas utilizando a plataforma do Parque como um mecanismo facilitador do acesso, pela proximidade e sinergias que se criam, e que pode fazer com que parte da produção seja retida no país e outra seja exportada.” O exercício de capacitação das PME em Moçambique é contínuo, enquanto prevalecem as dificuldades deste segmento, que geralmente se resumem na fraca capacidade de gestão, contabilidade desorganizada e fraco poder financeiro para fazer face a uma conjuntura em que o acesso ao crédito é dificultado pelas taxas de juro praticadas pela banca comercial. À excepção do Parque Industrial da Matola, há alguns outros espalhados pelo país, nomeadamente as ZEE de Nacala (província de Nampula), de Mocuba (província da Zambézia), e Manga Mungassa (em Sofala), mas existem novos investimentos em perspectiva (alguns com o apoio chinês, ver caixa), uma vez que a estratégia para fazer crescer a economia passa mesmo por industrializar. E em força.

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JOGO É APOSTA GANHA… PARA OS COFRES DO ESTADO

Moçambique ainda não é um grande mercado de jogos de apostas de sorte e azar. Mesmo assim, e como era de esperar, o abrandamento económico acelerou a facturação de casinos, casas de apostas e de outros provedores. E só no primeiro semestre do ano já renderam mais de 200 milhões de meticais em impostos directos

“o jogador”, uma obra icónica de fiódor dostoiévski, conta quase tudo o

que se pode querer saber sobre o fenómeno do jogo. Da roleta aos jogos de cartas, em adrenalina que se torna viciante. Em Moçambique, os números do jogo têm aumentado, numa cadência que se nota, pelo menos na capital do país, onde existem agora dois casinos e algumas dezenas de casas de apostas e salas de jogos. Foi, de resto, aqui que o mercado mudou consideravelmente. Com a chegada das casas de apostas de jogos online, ele vem contribuindo de forma considerável para a economia nacional nos últimos anos. Não deixa de ser uma devolução ao que a própria economia criou: instabilidade e tensão social costumam ser bons parceiros de acasalamento propícios a gerar ordas de “consumidores” de jogo. O fascínio desta actividade quase tão antiga como a primeira de todas as actividades (uma das mais antigas lotarias foi feita na China há 2 500 anos para financiar a construção da Grande Muralha), é explicado pelo entretenimento e diversão, e mais do que tudo, o atalho para um ganho súbito e fácil. A tendência, é corroborada pelo porta-voz da AT, Fernando Tinga, que refere o aumento de receitas provenientes do jogo, no exercício fiscal do ano em curso, alimentadas grandemente pelas receitas colectadas através do Imposto Especial sobre Jogos. “Até ao primeiro semestre de 2018, as receitas geradas registaram um incremento de 44,9%, e ultrapassaram os 200 milhões de meticais, mas a meta é alcançar os 643 milhões até ao final do ano. Esta evolução é resultante do aumento de apostas nos casinos e salas de jogos, refere. Não há dúvidas que esta é daquelas actividades de probabilidades e que fazem sorrir alguns (poucos) e chorar outros (muitos). E a indústria de jogos de apostas não brinca com as probabilidades.

A história do jogo está cheia de ‘pequenas grandes’ tragicomédias. Conta-se que até o Rei Sol, Luís XIV de França, (1643 e 1715) o mais rico de todos os soberanos franceses, quando resolveu restaurar um pavilhão de caça para o transformar no que é hoje o Palácio de Versalhes (o mais opulento de toda a Europa e classificado como património da Humanidade pela UNESCO) decidiu enganar os seus amigos com uma lotaria privada para financiar o projecto. Assim, organizou uma lotaria no dia do seu casamento e os convidados que participassem habilitavam-se a prémios. No entanto, quando foram conhecidos os resultados, foi o rei e o seu círculo de amigos, quem conquistou todos os grandes prémios. Os convidados ficaram furiosos e ele acabaria mesmo por devolver o dinheiro aos participantes. Não terá sido o caso, mas é comum jogo e desgraça aparecerem associados. Tradicionalmente são chamados jogos de fortuna ou de azar aqueles nos quais a possibilidade de ganhar ou perder não depende da habilidade do jogador. Verdade é que, no senso comum, se a casa ganha sempre, a procura por esse tipo de espaços se tem mantido alta e, aliada à crise económica que afectou Moçambique nos últimos três anos, a oferta de jogos parece ter acontecido nos segmentos de mercado que não conheceram tempos difíceis, pelo contrário. Em 2016, ano em que a crise financeira atingiu o seu auge, a receita do Imposto Especial sobre Jogos foi de 256 milhões de meticais. No ano seguinte, o Estado arrecadou 296 milhões meticais, um crescimento superior a 16%, e para este ano, mais um salto de mais de 100%, para os 643 milhões. Não haverá nenhum ramo de actividade a crescer a esta cadência.

Aposta contra a crise Um exemplo concreto desta realidade viu-se em Portugal quando, durante a crise económica do início da década, se registou (em 2012) um pico no incremento nas receitas da Raspadinha (um jogo com resultado imediato) de 81,7%, atingindo um valor astronómico de 376,5 milhões de euros em receitas, num só ano. Em Moçambique, embora a indústria de jogos de fortuna ou de azar concernente aos casinos nunca tenha sido massificada (ao contrário do Totobola, outro dos mais antigos jogos de sorte e azar no país), a entrada das plataformas de jogos online reinventou o mercado, tornando os jogos cada vez mais acessíveis ao bolso da maioria dos cidadãos. Isso levou a que também muitos casinos tenham começado a criar as suas próprias salas de jogo online que permitem apostas para todo o tipo de bolsos. O Casino Polana é um bom exemplo desta realidade, detendo a Betsete, uma casa de apostas online que ‘oferece’ prémios de 2 milhões de meticais. São inúmeras e variadas as ofertas nesta área, havendo sites como o Betarena, a Primier Lotto, Betsete, Bet365, Betmaster e muitas outras que já se tornaram comuns nos navegantes da Web no país. A maior parte destes sites acaba por oferecer ao jogador diversas opções, embora quase todos se circunscrevam às partidas de futebol, basquetebol, ténis, futsal e corridas de cavalos.

50

A INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS REFERE A EXISTÊNCIA DE MAIS DE 50 SITES DE CASAS DE APOSTAS NO PAÍS. UM FENÓMENO RECENTE QUE REQUER ATENÇÃO

UM MERCADO EM CRESCIMENTO

As receitas sobre jogos têm vindo a crescer desde 2015. A razão para este aumento tem a ver com o abrandamento da economia, e com o crescente número de estrangeiros que visitam Moçambique

Em milhões de meticais

643

256 296

2016 2017 2018(1)

(1)Previsão FONTE Autoridade Tributária Internet elevou número de jogadores À E&M, a Inspecção-Geral de Jogos refere a existência de mais de 50 sites de casas de apostas no país. Um fenómeno novo, ao qual será necessário prestar alguma atenção. De acordo com Anuário Khan, da TREVO DA SORTE, os jogos de apostas online no país têm-se traduzido num mercado que ainda está em evolução, “tendo em conta que o acesso à internet, hoje em dia, tornou-se mais fácil”. E com isso, “as casas de jogos online expandiram-se porque qualquer pessoa pode tentar a sua sorte com um simples smartphone, através de uma aposta a qualquer hora, e em qualquer lugar, num determinado tipo de desporto.” Só a Trevo da Sorte conta com uma base de dados de mais de 10 mil usuários por dia, tendo já atribuído um prémio de 300 mil meticais desde que lançou o seu site. As apostas online tornaram-se num grande negócio à escala global avaliado hoje na casa dos 2 biliões de dólares por ano. No entanto, nem tudo é claro neste mundo. Na negociação clássica em bolsa, por exemplo, ela é regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CMVM): o investidor compra papéis de uma companhia e torna-se dono de uma quota. Anualmente, a companhia é obrigada a prestar contas ao mercado e a divulgar balanços financeiros com números sobre despesas e ganhos, além do planeamento de médio e longo prazo, que determinam a lógica de um determinado investimento e lhe dão motivos para comprar ou vender. É um jogo que oferece mais controlo (e garantias) ao jogador, digamos assim. Mas, também menos lucros. A capitalização bolsista em Moçambique (da BVM), por exemplo, não con-

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segue concorrer com as promessas de capitalização de uma infinidade de combinações de apostas num Manchester United-Liverpool, que podem variar entre os 10% (as mais baixas) e os 5 000%, em casos de combinações de resultados menos expectáveis. Nenhum negócio o consegue prometer, de resto. Só o da sorte, mesmo, e se calhar por isso é que ele dá tanto azar, por vezes. Também dá trabalho. Qualquer investidor experiente garante que deixar grandes somas de dinheiro aos cuidados da sorte não pode ser um factor racional. Para obter 20% de ganho — a rentabilidade média numa temporada promissora —, é fundamental um processo de avaliações minuciosas e, dizem vários estudos sobre a matéria, são necessárias entre quatro a seis horas de estudo diário para entender o potencial de lucro de uma determinada partida, seja de que desporto for. Tudo porque as análises aos intervenientes de um determinado jogo, podem envolver centenas de dados, tão variáveis como o tipo de competição, os resultados mais recentes, o desempenho dos jogadores titulares, as médias de golos, cantos, cartões amarelos... No entanto, pelo que ouvimos no mercado, este tipo de jogador não é o mais comum. A maioria dos jogadores, querem mesmo é sentir a adrenalina da sorte, escapar ao azar, e ganhar dinheiro correndo riscos. É por isso que “este segmento tem vindo a crescer nos últimos anos, sendo que o número de pessoas que aderem a esse tipo de apostas não pára de aumentar”, diz Khan. Sem discriminar as receitas ganhas pela empresa que representa, o responsável explica que “há dois anos havia receio em aderir a esse tipo de jogos na nossa sociedade, mas isso parece ter mudado. Agora o número de apostas é bastante mais considerável e a nossa convicção é a de que estamos, agora sim, num mercado que evolui como outros, porque a realidade é que durante anos se notou uma grande estagnação.” Jonas Júnior, da Lotto Moçambique, uma outra plataforma de jogos de apostas, concorda, e defende mesmo a indústria dos jogos: “A economia moçambicana tem vindo a ganhar muito através dos jogos de fortuna e de azar, e assim o mercado nacional deixou de ser fechado. Já merece atenção de muitos investidores estrangeiros nesta área e sabemos que isto é apenas o começo”, frisa. Mas, o que mudou? Há quem diga que o novo regulamento da Lei de Jogos (aprovado em 2017) serviu para impulsionar o desenvolvimento desta actividade, ao permitir um enquadramento legal mais favorável ao aparecimento de novos casinos e casas de jogo (tendo, no fundo, danco carta branca a uma liberalização do mercado). No entanto, Moçambique está ainda longe de ser um destino de jogo como Macau, Las Vegas ou Singapura (os maiores do mundo), que construíram toda uma economia em torno disso, o que até alavancou uma outra indústria essencial para o país: o turismo. Regressando ao exemplo de Macau, ela é considera hoje considerada a capital mundial dos jogos de sorte e azar, ge-

Sorte ou azar: mercado tem vindo a crescer e estará cada vez mais associado ao turismo

“Número de apostas é bastante mais considerável e a nossa convicção é a de que estamos, agora sim, num mercado que evolui como outros, porque durante anos se notou uma estagnação”

35%

É A PERCENTAGEM TRIBUTADA SOBRE A FACTURAÇÃO DE TODOS OS JOGOS DE FORTUNA E AZAR EM MOÇAMBIQUE

rando cerca de sete vezes mais receitas do que Las Vegas, a segunda maior. E é mesmo em Macau que se encontra actualmente o maior casino do Mundo. O Venetian Macao, que se destaca não só pelas suas dimensões, mas também pelo que oferece, contando com mais de 3 000 máquinas de jogo, 870 mesas, entre poker, roletas e muitos outros; três centros comerciais, quatro piscinas, inúmeros restaurantes, um hotel com cerca de 3 000 quartos, e até um canal para passeios de gôndola, mimetizando a tão famosa quanto romântica cidade italiana. A estratégia de agregar serviços gerou uma indústria bilionária. E em Moçambique, algo também parece estar a mudar. Ou pelo menos, há essa intenção. Com apenas quatro casinos, em três cidades, dois em Maputo, um em Pemba e outro na Beira, (apenas dois estão inseridos em hotéis), o novo regulamento dos jogos prevê a obrigatoriedade de, a partir de agora, os novos casinos que queiram abrir portas estejam integrados em unidades hoteleiras, associando jogo, e turismo, e incluindo tudo na indústria do lazer, como de resto, acontece um pouco por todo o mundo. Também no continente africano, embora o segmento não esteja ainda no mesmo patamar de outros mercados mais desenvolvidos, existem localizações onde o jogo tem vindo a ganhar expressão, sendo a África do Sul o país que maior número de jogadores detém, um facto que não está dissociado do poderio económico do país. E, está ali, de resto, o Rio Casino Resort, em Klerksdorp, o maior casino de toda a África, com 257 slot machines e 12 mesas de jogos integrados num complexo hoteleiro com cerca de 70 quartos e vários restaurantes.

O lado social do jogo Se, por um lado, a crise trouxe mais jogadores (essencialmente nacionais) às casas de jogos, a recuperação económica trará mais estrangeiros até elas. E é por isso que o crescimento do segmento de jogos de sorte e azar está também ligado, ao crescimento da indústria extractiva e dos hidrocarbonetos que atraem os investidores internacionais. Graças a esses recursos, muitos investidores de todo o mundo (na maior parte expatriados, como norte-americanos, chineses e sul-africanos) têm vindo a entrar no país em busca de oportunidades para investir. E o aumento de receitas provenientes dos jogos de apostas, principalmente no último ano, “terá um pouco destes dois ingredientes”, adianta a Autoridade Tributária. Por outro lado, é histórico o lado social do jogo, cujas receitas foram sempre (ou uma percentagem) canalisadas para obra social. No entanto, a indústria de jogos não tem ainda em Moçambqiue o impacto a nível social que uma Santa Casa da Misericórdia tem em Portugal, por exemplo. A entidade que tutela os jogos de sorte e azar em Portugal desde o século XVII, chegou no ano passado aos 3,5 mil milhões de dólares de receita. Distribuiu 1,7 mil milhões em prémios aos apostadores, e atribuiu 718 milhões a projectos de assistência social (alguns até em Moçambique, como a Casa do Gaiato, por exemplo). A sua ligação ao país, de resto, faz-se através da SoJogo, a Associação Gestora dos Jogos Sociais de Moçambique, da qual é parceira juntamente com a ELAM (Empresa de Lotarias e Apostas Mútuas de Moçambique) e na qual assume uma “gestão socialmente responsável da exploração dos jogos de diversão social, contribuindo para o entretenimento de toda a população e gerando receitas para o financiamento exclusivo de actividades sociais.” Fundada em 2004, disponibiliza jogos como a Lotaria, o Totoloto e o Totobola, um dos mais populares ainda hoje. Mas, os jogos tradicionais têm vindo a perder o lugar para os digitais, e até para outros, em plataformas como as mobile. Nos últimos anos, tem havido um incremento dos concursos e passatempos feitos através do telefone, em que quem queira concorrer pode pagar, através do seu saldo telefónico. Há alguns operadores no mercado que o fazem em Moçambique (muitos deles, trazendo a experiência de Portugal, onde este é um segmento em crescimento, que vai das chamadas de valor acrescentado para ganhar prémios em dinheiro, participando em programas de televisão ou passatempos). E há até operadoras de telefonia móvel que apostam neste segmento. Em 2014, a Vodacom lançava um passatempo aos seus clientes, que consistia em respostas a questões, habilitando-se a vencer telemóveis e a um prémio final de um milhão de meticais. Ofertas como estas multiplicaram-se ao longo dos anos. FIlipe Mendes, antigo director-geral da Go4Mobility no mercado moçambicano, uma multinacional da área das soluções mobile, explica que, “esse foi um fenómeno que no entanto não durou muito, porque não era um mercado suficientemente regulado. Muitas dessas promoções e prémios, e não falo daquelas feitas pelas grandes operadoras, mas por um conjunto de empresas que surgiram nessa fase para lançarem os seus próprios concursos, limitavam-se a cobrar o dinheiro e a nunca divulgar as listas das entregas dos prémios que prometiam, e que levavam as pessoas a jogar”, explica. Ainda assim, o telemóvel parece ser um excelente lugar para jogar. No ano passado, a Lotto Moçambique entrou no mercado, anunciando prémios de 20 milhões de meticais. Basta acertar num número... e esperar pela sorte, claro.

NÚMEROS EM CONTA

AQUECIMENTO GLOBAL AUMENTA FACTURA ENERGÉTICA

em julho passado, representantes de 47 países estiveram reunidos na sede da ONU, em Nova Iorque, para analisar o ‘estado da arte’ dos objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS). E a falta de progressos em várias áreas, como a do acesso a energia (essencialmente ‘limpa’) por parte dos países em desenvolvimento, gerou preocupação. Nesse sentido, governos, doadores e bancos de desenvolvimento assinalaram o compromisso de “aumentar o ritmo de investimentos em energia renovável para as pessoas em situação de pobreza, e que ainda permanecem ‘fora da rede’.” No estudo “Sustainable Energy”, elaborado em 52 países, Índia, China, Sudão, Nigéria, Brasil, Paquistão, Indonésia, Bangladesh e... Moçambique, são apontados como ‘alvos fáceis’ para as consequências do aquecimento global e da subida das temperaturas, que levarão a um inevitável acréscimo do consumo energético. Números que dão (ou tiram) alguma luz sobre o futuro.

14 mil milhões

Um estudo da Universidade de Birmingham, na Grã-Bretanha, projecta que o número de aparelhos de ar condicionado poderá quadruplicar até 2050, impulsionando um aumento considerável no consumo de energia.

1 100 000 000

estão ainda hoje ‘fora da rede, cerca de 13% da população mundial’. Um número assustador, e ainda muito distante da meta dos ODS, que preconiza acesso global a energia, até ao ano de 2030.

630 000 000

desses 1,1 mil milhões são moradores em favelas perto das grandes cidades. 470 000 000

a grande maioria destes ‘excluídos energéticos’ estão nas áreas rurais.

+ 38 000 mortes

Estima-se que, por todo o mundo, entre 2030 e 2050, o aumento das temperaturas provoque inúmeras fatalidades. Em Maio passado, uma onda de calor (mais de 40 graus) provocou a morte de mais de 60 pessoas em Karachi, no Paquistão.

21%

É a meta até 2030. Mas, hoje, apenas 17,5% do consumo total de energia provém de fontes renováveis, sendo 9,6% de energias como a geotérmica, hidroeléctrica, solar e eólica.

1%

É a percentagem do financiamento global para o sector da energia destinado às renováveis.

3 000 000 000

Mais de 40% da população mundial não tem acesso a tecnologias e combustíveis limpos para cozinhar. A poluição do ar nas residências é responsável por 4 milhões de mortes anuais.

A ENERGIA DE MOÇAMBIQUE

Em 2018, apenas pouco mais de um quinto da população tem acesso à rede eléctrica nacional

100%

10% 21%

2010 2017 2030(1)

4%

É a percentagem de pessoas com acesso a energia renovável ou ‘limpa’

(1) Previsão FONTE Ministério dos Recursos Minerais e Energia

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