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SOCIEDADE
Um novo conceito que miscigena viagens e trabalho, em que o escritório passa a ser um qualquer lugar exótico num destino inesperado. Eles são de todo o lado e estão por todo o lado. Até aqui mesmo, em Moçambique
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o projecto wisinomad, que arrancou
no final do ano passado, e que embora baseado, para já, no continente africano, é constituído por uma equipa de proveniências muito diversas (Zimbabwe, Botswana, Holanda, Portugal, Peru e Dinamarca), é um excelente exemplo de um tipo de iniciativas que, ao longo dos últimos anos, se tem multiplicado a nível global e que pretende responder a uma nova comunidade, também ela cada vez mais globalizada: a dos chamados “nómadas digitais”. Mas quem são estes “nómadas digitais”? De uma forma sintética e simplificada, o “nómada digital” é todo aquele que aproveita o potencial da tecnologia hoje disponível, nomeadamente da internet, para realizar as suas tarefas profissionais de maneira remota, não dependendo de uma base fixa para trabalhar. Ou seja, é alguém que dependendo exclusivamente da internet para poder trabalhar, opta por fazê-lo a partir de qualquer ponto do mundo. A emergência dos “nómadas digitais” resulta de um conjunto variado de factores. Se é certo que a internet (e o modelo de “sociedade em rede”, para usar a expressão que o sociólogo Manuel Castells consagrou) é um deles, outros factores decorrem sobretudo das mudanças mais profundas desencadeadas pela “economia do conhecimento”, que caracteriza a 4ª Revolução Industrial, e as alterações que ela tem induzido no “mundo do trabalho” (e nos seus modelos tradicionais de funcionamento).
Novas profissões, novas realidades Reconhecendo este novo contexto, isto é, a existência de um número cada vez maior de indivíduos que, podendo trabalhar remotamente a partir de qualquer ponto do mundo (desde que exista uma boa ligação à internet), optaram por transformar essa possibilidade num “estilo de vida”, viajando incessantemente enquanto, em simultâneo, continuam a desempenhar as suas tarefas profissionais, a Wisinomad, como muitas outras organizações semelhantes, desenvolveu programas que pretendem servir esta “comunidade”. Assim, ela oferece aos “nómadas digitais” espaços de hospedagem (que podem ir de quartos simples a “suites”), espaços de cowork com internet de alta velocidade, zonas de lazer (ginásio, bar, etc.) e uma série de programas específicos que podem ir desde “tours” com uma vocação essencialmente turística até visitas a start-ups tecnológicas com o propósito de desenvolver acções de networking (para dar apenas um exemplo). Para além disso, a Wisinomad organiza também diferentes tipos de eventos que têm como objectivo pôr as comunidades locais a interagir como estes “nómadas” globais. Tendo começado a operar apenas no final do ano passado, já tem espaços no Quénia, Botswana e Ruanda. Mas o crescimento exponencial dos “nómadas digitais”, em anos recentes, levou também a um verdadeiro boom no segmento mais específico dos espaços de coworking no continente africano. Muitos destes, começaram por surgir, inicialmente, como estruturas de apoio a empreendedores locais, freelancers e, em especial, às comunidades tecnológicas
SOCIEDADE
Second Home, Lisboa: Um caso de sucesso de expansão de um conceito mais abrangente de cowork
(em países como a África do Sul, o Quénia ou a Nigéria). Mas com uma população de “nómadas digitais” a circular com mais intensidade também por África, novos espaços começaram a emergir. Segundo dados de 2017 da organização Coworking Africa, no espaço de uma década surgiram, no continente africano, 250 novos espaços de coworking, sendo que 80% deles abriram só nos últimos três anos. O Egipto é actualmente o país com o maior número destas espaços (76), sendo um dos mais recentes (“The District”), no Cairo, frequentemente até citado como um modelo de excelência a nível internacional. Como seria de esperar, a África do Sul ocupa também um lugar proeminente, com 67 espaços de coworking, sendo que, mais de metade estão em Capetown. Outro mercado onde se tem verificado um surto de novos espaços de coworking é a Nigéria. Só nos últimos meses, novos empreendimentos como o Lagos Cowork, o Redahalia Workspace e o Leadspace abriram portas para concorrer com aquele que, até agora, tinha uma posição dominante, o Co-Creation Hub. Em Nairobi, no Quénia, o iHub foi apontado pela revista norte-americana ‘Fast Company’ como “um dos projectos mais inovadores em África”: com um staff permanente de 50 pessoas e 14 mil membros, o iHub é já hoje em dia, certamente, um dos mais dinâmicos no continente. Um dos aspectos que importa referir,
200
SÓ NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS, SURGIRAM 200 NOVOS ESPAÇOS DE COWORK NO CONTINENTE AFRICANO, 80% DO TOTAL REGISTADO NA ÚLTIMA DÉCADA. O EGIPTO E A ÁFRICA DO SUL SÃO OS MERCADOS COM MAIOR NÚMERO DESTES ESPAÇOS, DE ACORDO COM UM ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO COWORKING AFRICA
porém, é a variedade de abordagens que permeiam a criação destes coworks. Se é verdade que, em muitos deles, os perfis dos utilizadores se caracterizam sobretudo pelas suas ligações a start-ups tecnológicas importa, porém, não generalizar. É o caso, do Pawa254, situado também em Nairobi. Localizado num rooftop, com uma vista deslumbrante sobre a cidade, este cowork destina-se, essencialmente a artistas. E não se pense que todos se localizam em grandes centros urbanos. O SunDesk, abriu as suas portas na pequena aldeia piscatória de Taghazout (Marrocos) e oferece igualmente alojamento (até porque as praias circundantes são excelentes para o surf…). O mesmo se pode dizer das Ilhas Maurícias onde, para além de uma boa infra-estrutura em termos de conectividade, e de um ecossistema de empreendedorismo que tem apostado em criar pontes económicas com a Ásia e a Oceânia, o ambiente natural e paisagistico tem funcionado como um factor de atractabilidade, fundamental para captar o interesse dos “nómadas digitais”. Esta é, aliás, uma postura recorrente na região asiática onde espaços de cowork como o Kohub, na Tailândia, situado na paradisiaca ilha de Koh Lanta, procuram proporcionar aos “nómadas digitais” um ambiente informal e integrado na Natureza circundante de modo a permitir-lhes uma “experiência total” na qual a “comunidade de viajantes” possa combinar todas as diferentes dimensões da sua estadia (trabalho, lazer, turismo e networking).
O impacto crescente A expansão de espaços de cowork pelo mundo é um indicador que reflecte, em parte, o impacto que os “nómadas digitais” estão a ter neste nicho específico. Assim, no mais recente Global Coworking Survey, realizado pela Deskmag, as estimativas apontam para que o número de espaços de coworking chegue, em 2018, aos 19 mil, sendo que muitos dos espaços já existentes estão a planear expandir as suas operações. De sublinhar ainda que o continente africano é apontado por muitos especialistas como aquele em que haverá um crescimento significativo destes espaços. Outro dado interessante referido neste Global Coworking Survey é o carácter cada vez mais diversificado desta oferta. Assim, especialmente nos países mais desenvolvidos, os coworks tendem a assumir-se, progressivamente, como espaços
multifuncionais cujas propostas vão muito além do tipo de serviços e actividades que, de início, os caracterizavam. Para citar apenas um exemplo, veja-se o caso do “Second Home”. Depois do sucesso obtido com a sua abertura em Londres, o “Second Home” abriu um novo espaço em Lisboa (talvez a cidade mais dinâmica e procurada na Europa neste momento). Ocupando 1300 metros quadrados, o “Second Home” de Lisboa “é um espaço aberto, com mais de 1 000 plantas e árvores, com candeeiros e cadeiras de escritório diferentes, biblioteca, café e bar, salas de reuniões privadas, uma zona de bem-estar com sessões de meditação, ioga ou pilates, possuindo também uma área cultural para sessões de cinema, música ao vivo ou palestras”. Mas os “nómadas digitais” estão também a obrigar a indústria do turismo a encontrar modalidades inovadoras que permitam responder a estes novos “viajantes”, cuja lógica escapa aos “formatos” tradicionais. O aparecimento de agências de viagens, como, por exemplo, a “Remote Trip”, concebidas para servir especificamente este “nicho” de mercado são um bom indicador das mudanças em curso. A “Remote Trip” oferece não apenas “pacotes” de viagem (de 3 e 6 meses) orientados para as necessidades mais comuns dos “nómadas digitais” - o que significa identificar as condições logísticas apropriadas (níveis de conectividade da internet, tipos de espaços de cowork existentes, possibilidades de networking, etc.) – como criou um “Remote Trip Starter Kit” para aqueles “nómadas” que possam pretender estadias mais prolongadas e queiram mesmo estabelecer-se no local de destino por periodos de duração indefinida. Este “Remote Trip Starter Kit” inclui, assim, todo o tipo de informações úteis que ajudem a integração. À semelhança da “Remote Trip”, várias outras agências especializadas, como a Roam, a Hacker Paradise, a WiFi Tribe ou a Remote Year, para citar apenas algumas, oferecem hoje todo o tipo de programas de viagens. E surgiram, entretanto, inúmeras organizações cujo objectivo principal é dar apoio e fornecer informação actualizada aos “nómadas digitais”. Da pioneira “Nomad List”, em cujo website, é possível obter todo o tipo de dados, sempre actualizados, sobre dezenas de cidades no mundo inteiro, até à mais recente “Digital Nomad Resource Page”, passando por fóruns de discussão como o Dynamite Circle, o Location Rebel ou o Nomad Forum, ou ainda conferências internacionais como a DNX Global, existe hoje todo um ecossitema especificamente orientado para esta nova “comunidade”.
À semelhança da “Remote Trip”, outras agências especializadas como a Roam, a Hacker Paradise, a WiFi Tribe ou a Remote Year, criaram oferta direccionada a este nicho dos nómadas digitais
Se África é o lugar, Moçambique pode vingar? Aqui chegados, a questão que se coloca é, em particular, o facto de o continente africano ser aquele onde se espera um maior investimento no desenvolvimento de iniciativas destinadas a acolher esta “população errante” de “nómadas digitais”, e até que ponto pode Moçambique disputar um lugar neste novo circuito global. As opiniões recolhidas entre os operadores turísticos e os detentores de espaços de cowork são unânimes em considerar, como seria expectável, que o país possui um enorme potencial, sobretudo em termos das suas caracteristicas paisagisticas e ambientais, para atraír este novo segmento de mercado. Mas faltam-lhe algumas das condições básicas e cruciais, nomeadamente, uma conectividade fiável, cobrindo adequadamente o país e com um preço atractivo. Sem esta condição de base, que é aquela que determina, em primeiro lugar, as escolhas dos “nómadas digitais”, dificilmente poderá Moçambique aspirar a um lugar de relevo. Embora com lacunas há muito identificadas e que afectam, genericamente, o desenvolvimento da indústria do turismo, os operadores sublinham ainda que, no caso dos “nómadas digitais”, as debilidades existentes são ainda mais críticas pois o “nicho” de mercado representado é constituído por uma população que, embora aspire a um “estilo de vida” informal, não deixa de ser uma população “sofisticada” com elevados padrões de exigência. Isso implicaria, entre outros aspectos, que as autoridades definissem e implementassem estratégias específicas (como acontece em Cape Town, referida como um bom exemplo) para captar este novo tipo de “turistas” os quais, embora possam, em termos quantitativos, não ser ainda relevantes o são, certamente, pelas mais-valias que podem representar, em especial, em termos reputacionais pois funcionam, dada a sua vocação global, como “influenciadores de opinião”.
OPINIÃO
Políticas, Investimentos e Instituições: o Caminho para o Sucesso?
Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique
o modelo clássico advogado por robert solow (1954), lau-
reado Prémio Nobel de Economia, explica o crescimento pela acumulação de capital, mostrando que as taxas de crescimento da renda per capita variam com a intensidade do capital. A evidência empírica comprovou que a acumulação do capital não é o factor preponderante na determinação do crescimento, mas também o crescimento da produtividade. Elhanan Helpman (2004), professor de Harvard, aborda a correlação entre a evolução da produtividade e as altas taxas de investimento na Coreia do Sul, defendendo que o aumento da produtividade torna os investimentos mais lucrativos. No entanto, a equação do crescimento fica incompleta se não for colocado em perspectiva que a diferença da evolução da produtividade entre diferentes países e períodos pode estar ligada à educação, pesquisa e inovação. Hoje, é comumente aceite que a ciência, tecnologia e inovação revolucionaram a economia, tornando o conhecimento uma fonte de vantagem comparativa entre as empresas e as Nações. Por outro lado, parece evidente que a revolução referida foi possível graças às instituições que propiciaram e induziram as novas descobertas. Autores como Douglass North (1990) e Daron Acemoglu & James Robinson (2013) postulam que um clima de investimentos em novos e promissores negócios está dependente de instituições que protegem as empresas dos políticos, as firmas pequenas das grandes e os novos investidores de interesses económicos enraízados. Esses autores enfatizam que políticas económicas erráticas são o reflexo de instituições ruins, que não conseguem controlar a inflação, mantendo a taxa de câmbio sobrevalorizada, tendo elevados déficits fiscais e dívidas públicas insustentáveis. Em países com instituições fracas é frequente a sociedade ter reduzido controlo sobre a classe política, o que induz a uma corrida desenfreada, e muitas vezes sem ética, para ganhar o poder, havendo pouca cooperação entre os diferentes grupos e fertilizando o terreno para a ocorrência de crises. Nesse contexto, os empresários têm maior aversão ao risco e tendem a escolher investimentos dos quais se podem desfazer mais facilmente, o que contribui para a instabilidade económica. Em muitos países em vias de desenvolvimento, se é verdade que a volatilidade da dívida pública é prejudicada por eventos externos, não é menos factual que também deriva da desarticulação das políticas económicas, da fragilidade fiscal e da instabilidade política. Portanto, é expectável que um déficit modesto na balança de pagamentos, o aumento dos fluxos de capitais e um crescimento moderado da dívida pública promovam o crescimento económico inclusivo e, permitindo o aumento da produtividade, a acumulação de capital e a opção inequívoca pela economia baseada no conhecimento. Paul Krugman (2012) e Jeffrey Sachs (2009) não têm dúvidas que uma dívida pública elevada, e de qualidade duvidosa, é nefasta para o crescimento e desencoraja os investidores. Referem que os investidores receiam que os governos aumentem os impostos, reduzam os investimentos públicos e que isso resulte numa alocação ineficiente dos recursos, levando à queda da produtividade e à redução do emprego e da renda para as famílias. O que pode redundar num ciclo vicioso, em que a recessão precisa de ser contrariada com políticas económicas activas que resgatem as energias dormentes do sector privado e o seu talento empreendedor. Projectos económicos estruturantes são necessários, tal como micro e meso iniciativas económicas que restabeleçam a confiança e estimulem o consumo. Criar mais empregos e gerar renda para as famílias são compatíveis e devem estar alinhados com medidas visando o combate à pobreza e às gritantes disparidades sociais. A transformação estrutural da economia vai depender da convergência de visão e de acções concretas entre os sectores económicos tradicionais e as novas oportunidades que se abrem com a exploração de recursos naturais como gás natural, carvão, areias pesadas, grafite, ouro, rubis, entre outros. Vai depender, também, de uma melhor ligação económica entre os grandes projectos e as PME´s.