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MerCado e FINaNças

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MaCro

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ComérCio livre em ÁfriCa, um misto de frustração e euforia

É normal duvidar da eficácia de qualquer experiência nova, mas no caso da Zona de Comércio Livre, a incerteza é acentuada e justificada, embora valha a pena reflectir sobre as vantagens que esta nova realidade pode trazer

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entrou em vigor, este mês, a Zona de Comércio Livre (ZCL) em África, que antevê a operacionalização do mercado comum, na que já é considerada a “maior mudança desde o fim do colonialismo” no continente. Trata-se de uma iniciativa que, desde cedo, agregou uma legião de adeptos (sobretudo políticos) pelo continente e pelo mundo. Mas também tem um número respeitável de entidades que não votam pela sua operacionalização (principalmente os empresários). O ponto de discórdia está no desnível de competitividade entre as economias. Enquanto uns acreditam no risco de dependência das mais fracas em relação às economias mais poderosas, podendo ‘matar’ o já incipiente nível de actividade económica de países como Moçambique, outros entendem que faz todo o sentido correr riscos, já que a fase desafiadora será passageira, e no fim o continente ir-se-á consolidar como um bloco económico estável. Em princípio, a ZCL tem como fundamento abrir o mercado a 1,2 mil milhões de pessoas, com a possibilidade de gerar riqueza para o continente, acelerando o investimento, diversificando a economia e aumentando o comércio, através da eliminação de barreiras tarifárias (o recente acordo prevê isenção a 90% dos produtos). Entre as estimativas optimistas da iniciativa, o destaque vai para a do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD): “A zona de comércio livre vai ajudar a aumentar em cerca de 50 mil milhões de

90%

A percentAgem de isenção de tAxAs do Acordo dA ZonA de comércio Livre AfricAnA

dólares as trocas comerciais, mas não é apenas isto. Se África for capaz de reduzir o desemprego entre os jovens para o mesmo nível do da população adulta, poderá acrescentar, entre 2020 e 2035, cerca de 5 mil milhões de dólares no PIB da região. E se conseguirmos aproveitar todo o potencial da Internet no continente, em 2030 conseguiremos adicionar 3,5 mil milhões de dólares ao PIB”, estimou (em Abril) o presidente da instituição, Akinwumi Adesina. Além disso, tem o potencial de permitir que os países se tornem mais fortes na busca de vantagens comerciais nas negociações com outros blocos comerciais fortes. Mas para ser bem-sucedida, ainda falta um conjunto de coisas fundamentais: “construir capacidade industrial, investir de forma maciça em infra-estruturas e assegurar as capacidades que as empresas precisam”, admite Adesina, num aviso que encaixa bem como ponto de partida para avaliar o que se vai passar na economia moçambicana no contexto da integração económica do continente.

seremos “engolidos” pelos grandes? empresários acham que sim A E&M ouviu o sector privado cujo parecer apresentou inúmeros argumentos que elucidam uma série de desvantagens para Moçambique. Céptico (embora não o admita), o presidente do Pelouro de Política Fiscal e Comércio Externo da Confederação das Associações Económicas (CTA), Kekobad Patel, começou por atacar a fraca matriz de exportações. “É preciso perceber que para aceder a um mercado é preciso produzir, daí que o grande problema é esse: nós não produzimos nada. E o pouco que produzimos é matéria-prima não transformada.” Para avaliar o impacto da abertura dos mercados ao nível do continente, o representante da CTA toma como exemplo o impacto da abertura da SADC para Moçambique que considera desvantajosa, a avaliar por um leque de problemas estruturais que encarecem a produção e a comperitividade, incluindo o custo do crédito à economia. “Neste momento Moçambique está isento de taxas aduaneiras apenas com países da SADC. Se esta base for alargada ao nível do continente, espera-se que o processo venha a ser faseado, mas porque temos uma base de exportações fraca, não é vantajoso. E não é só a posição da pauta aduaneira ou os direitos que contam na produção. Os custos devem ser equacionados. É mais caro produzir em Moçambique e, por isso, a base empresarial é fraca, daí que haja muito trabalho por fazer para assegurar que o ambiente de negócios seja favorável ao investimento. Há um conjunto de factores que alimentam a produção. Por exemplo, enquanto as taxas de juro dos empréstimos na África do Sul rondam os 9%, cá estão entre os 22%”, observou.

w ati iii

Ms

Rei de E-Swatini

“Temos de fazer do comércio livre um sucesso e para isso podemos contar com os nossos parceiros dos EUA que já estabeleceram áreas de Comércio Livre há bastante tempo… tenho a certeza que se criarmos fortes parcerias poderemos ver muitos benefícios”.

M Erson Mnangagwa Presidente do Zimbabwe EM

“A união pode ajudar-nos a desenvolver e modernizar as nossas economias. Creio que a Zona de Comércio Livre é um passo em frente que é absolutamente necessário para África. Neste caminho podemos relacionar-nos com outros parceiros, com mais força e dignidade”.

g ar Lungo Ed

Presidente da Zâmbia

“O acordo só será coroado de sucesso se nós, países africanos, desenvolvermos capacidade produtiva e criarmos mercado para o comércio”.

empresariado excluído? Muitas decisões sobre a formação de blocos regionais são de “âmbito político e não aprofundam as implicações económicas”, defende Kekobad Patel, para quem as decisões da SADC e a da União Africana “terão sido também tomadas nessa base e só depois, quando os problemas económicos se manifestam, o sector privado é consultado”. Falando em concreto sobre Moçambique, revelou ainda que “não estamos a ser consultados porque a preocupação é reforçar a SADC e depois ver o que se faz”, o que acaba por dificultar a exploração da vantagem dos acordos. “No caso da União Africana, seremos todos engolidos pelos grandes, principalmente pela África do Sul, Quénia (que tem feito um esforço notável no desenvolvimento da indústria local), pela Nigéria (quando aderir), pelo Egipto e por Marrocos. A abertura dos mercados em África poderá conduzir ao encerramento das poucas indústrias que há”, lamenta. Um caso de estudo sobre o assunto é o da Nigéria, uma potência económica do continente que ainda não aderiu à ZCL. O Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, argumenta que o país “precisa de mais tempo para analisar o documento”. Sani Yan Daki, da Associação Nigeriana de Câmaras de Comércio, Indústria, Minas e Agricultura, também é céptico quanto à eficácia da medida. “A Nigéria ainda é uma economia em desenvolvimento. Os países que estão a fazer pressão para a criação da Zona de Comércio Livre, como Marrocos, Egipto ou Tunísia, são menores que a Nigéria em termos de recursos nacionais, mas ao nível do desenvolvimento estão muito mais à frente”. Uma opinião que diverge da de um empresário do mesmo país, Tope Fasua, que defende que “a Nigéria é considerada a maior economia de África. Se a Alemanha, a maior economia da União Europeia (UE), defende a criação de um mercado comum naquele continente. E creio que a Nigéria deveria, com toda a certeza, fazer o mesmo em África”.

mercado e finanças

Produção de açúcar beneficiou, em muito, com as taxas impostas à importação. Como será a partir de agora?

um ComérCio, de faCto, em pequena esCala

Na primeira fase operacional, o acordo de livre-comércio pretende remover as tarifas de 90% dos produtos de cada país, o que se espera que venha a impulsionar as trocas comerciais entre os países africanos, que actualmente representam cerca de 17% do comércio total no continente, segundo dados do Departamento de Comércio e indústria da Comissão da União Africana. No caso concreto de Moçambique, em 2018, gastou 6,1 mil milhões de dólares em importações, dos quais 2,2 mil milhões na Ásia e apenas 1,8 mil milhões em África. Do outro lado da balança, a economia nacional realizou 5,2 mil milhões de dólares principalmente na Ásia (2,2 mil milhões). Para os países africanos Moçambique exportou apenas mil milhões de dólares tendo a vizinha África do Sul como principal destino.

A adesão à ZCL foi feita sem a devida planificação. O caminho devia ter sido feito “estreitando parcerias com a China, Índia, Vietname ou Singapura, um conjunto de potências económicas que conseguem produzir a baixo custo

decisão precipitada? Voltando ao país, o sector privado entende que a adesão à ZCL foi feita sem a devida planificação. Segundo o presidente do Pelouro de Política Fiscal e Comércio Externo da CTA, o caminho devia ter sido feito “estreitando parcerias com a Ásia (China, Índia, Vietname, Singapura), onde estão um conjunto de potências económicas que conseguem produzir a baixo custo e cuja quantidade de pessoas representa uma oportunidade para aumentar as exportações, aproveitando a vantagem da facilidade de acesso (ao Índico) para nos impor perante os concorrentes da África Ocidental que, usando a mesma estratégia, explorariam o mercado ocidental (América e Europa) através do Atlântico”, sugeriu, para de seguida criticar: “Alguém devia estar a fazer este estudo... mas se questionar se alguém estará a fazê-lo, verá que não!” Com uma matriz de exportações de produtos transformados, um défice de infra-estruturas acentuado e um ainda ambíguo ambiente de negócios (que vai de capulanas e a Tanzânia também. Então a abertura do mercado faz com que África dê o primeiro passo para perceber que, para ter uma posição no mercado mundial, tem de criar agregados de suplier side. Em vez de Moçambique exportar caju sozinho tem que criar mecanismos para o fazer em simultâneo com a Tanzânia e a Zâmbia, é isto que o mercado comum africano tem de começar a fazer”, esclarece o ministro da Indústria e Comércio, Ragendra de Sousa. Questionado sobre as taxas que o país pretende cortar para zero, como um dos primeiros objectivos do acordo de livre-comércio, o ministro revelou que Moçambique já colocou a zero todas as taxas de importação e exportação dentro da SADC. No entanto, ressalvou: “tenho de ir à África do Sul falar com o meu colega para implementarmos, mas se não fizermos nada a culpa não é deles, é nossa. Já o fizemos e agora falta exigir a implementação”. A colocação denota um nível preocupante de incertezas numa altura em que o futuro do comércio em África se tornou bem presente.

colocando Moçambique entre os piores no Índice de Competitividade Global da economia), fica nítida a necessidade de uma preparação mais profunda no quadro da integração económica do continente, sob pena de ver concretizadas as previsões mais pessimistas. Mas não é o que parece estar a acontecer. Em Junho passado, a E&M procurou saber junto do Governo que instrumentos estariam já a ser accionados. Até à data, ainda não havia um posicionamento firme. “Nesta altura, decorrem também estudos para apurar o impacto da iniciativa em Moçambique”, admitiu Amílcar Arone, prometendo que só um mês depois (Julho corrente) haveria de se tornar pública a estratégia nacional neste domínio.

“suplier side”, a estratégia A expressão significa complementaridade entre as economias. Ou seja, “eu sou exportador de açúcar, a Suazilândia (agora Eswatini) também, então nós somos competidores. Eu sou produtor

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