De olhos abertos para a cultura japonesa Por Aline Negromonte
Mangás, Animês, Cosplays: o que são, porque têm um grande potencial atrativo e a onda de fãs brasileiros.
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Terra do Sol Nascente tem relações históricas com o Brasil. Este ano, completam-se 109 anos de imigração japonesa em nosso país. O segundo lugar no mundo onde mais se encontram japoneses é, justamente, o Brasil – com uma concentração particular em São Paulo, onde o Bairro da Liberdade é uma referência nacional. Não seria de admirar que muitos aspectos culturais nipônicos influenciem a cultura brasileira como um todo – até mesmo naquelas situações aparentemente improváveis, como no caso das sandálias de dedo, abertamente inspiradas em um calçado típico japonês. A culinária oriental também já passou a fazer parte do prato do brasileiro, o que pode ser observado na relativamente recente obsessão por sushis e temakis, que podem ser encontrados até mesmo no cardápio dos restaurantes selfservice e churrascarias. Mesmo quando não influencia diretamente, a milenar cultura japonesa provoca fascínio: belos quimonos, a sensualidade peculiar das gueixas, a bravura e honra dos samurais estão muito presentes no imaginário ocidental. Mas, de uns tempos para cá, a cultura pop japonesa também têm ocupado um lugar de destaque. Os mangás, os animês, cosplays e gêneros musicais como o J-rock e o J-pop têm cada vez mais fãs, no mundo todo, e no Brasil. Com suas peculiaridades, a ascensão da cultura pop também tem auxiliado a despertar ainda mais o interesse pelo Japão, seus
Mangás e Animês: intrinsecamente relacionados Os mangás são o equivalente japonês das histórias em quadrinhos, e os animês, das animações. Um dos divulgadores do mangá no ocidente foi Osamu Tezuka (1928-1989), o “Deus do Mangá”, que criou boa parte da estética do mangá como é hoje conhecida, como os grandes olhos, traços simplificados de personagens e cenários detalhados. Características como a narrativa cinematográfica e linhas de movimento nos desenhos também foram um pioneirismo dele. Tezuka tem seu próprio museu em Takarazuka, cidade onde nasceu no Japão. Ele é autor de mais de 600 mangás e 60 animês e seu personagem mais conhecido é Astroboy, (Testwan Atom), criado em 1952. De acordo com o jornalista britânico Paul Gravett, especialista em quadrinhos e autor de “Mangácomo o Japão reinventou os quadrinhos”, o termo “mangá” surgiu no século XVIII e foi usado pelo conhecido artista japonês Hokusai em 1814 para designar seus
livros de “rascunhos excêntricos”. Gravett também afirma que o mangá como o conhecemos hoje nasceu do encontro do Oriente com o Ocidente, do velho com o novo. Foi um caso de wakon yosai - “espírito japonês, aprendizado ocidental”. Para ele, parte desse “espírito japonês” se deve tanto aos kanjis, os ideogramas japoneses que utilizam uma linguagem simbólica, quanto à longa tradição nipônica de arte pictórica, que às vezes se aproxima do espírito dos quadrinhos. O professor de História da Arte do CES-JF, Thiago Berzoini, afirma que os mangás possuem traços e narrativas mais dinâmicas, além da leitura ser da direita para esquerda, o que os difere dos quadrinhos do ocidente. Eles podem demorar anos contando uma saga, mas possuem, salvo raras exceções, um final, o que também é bastante diferente da linguagem dos comics (quadrinhos norteamericanos), onde um super-herói pode ter 50 anos de histórias e sequer estar próximo de sua saga ter um fim. Outra característica Foto: Tofugu / Divulgação
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costumes e idioma.
Osamu Tezuka em 1979 com esculturas de seu personagem Astroboy
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é que esses mangás geralmente são em preto e branco, de formato reduzido (embora, às vezes, com muitas páginas) e impressos em papel jornal. No Japão, é muito comum ver mangás virarem animês, e dentre todo o volume de produção de animações, poucas não são adaptações de mangás. Sobre aquelas de roteiro original, um conhecido diretor no ocidente é Hayao Miyazaki, proprietário do Studio Ghibli, referência internacional em animação, e famoso por A Viagem de Chihiro (2001), longa vencedor do Oscar de Melhor Animação em 2003. Há perceptíveis diferenças culturais entre o mangá e as histórias em quadrinhos ocidentais, mas talvez a mais marcante é que, no Japão, o mangá é definitivamente popular, feito para as massas, e têm públicos diversificados. Para Berzoini, “o mangá possui estilos que tentam agradar todo tipo de público”. No Japão, de acordo com Gravettt, o mangá responde por 40% de todos os livros e revistas vendidos. Existem mangás de inúmeros gêneros, e com um nível de segmentação impressionante – atendem um público tão diverso como um jovem bombeiro e uma dona-de-casa de meia-idade. Duas classificações comuns são shonen, mangás para garotos adolescentes, e shojo, mangás para garotas adolescentes. (Mais informações sobre os gêneros de mangás no box da página a seguir). Além dos citados, há infinitos subgêneros, incluindo mangás e animês didáticos. As obras incluem temáticas difíceis de serem encontradas em outros lugares,
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como histórias em quadrinhos voltadas para o público feminino – shojo – com temas tão específicos como comédias românticas passadas em um universo de ficção científica. (As mangakás - cartunistas ou quadrinistas Souji Hajime, Natsuki Takaya são algumas das autoras que abordaram o tema). Parte do apreço dos fãs vêm do aspecto muito democrático dos mangás e animês, essa noção de que “tem para todos os gostos”. O leitor/espectador se identifica com as obras, se vê representado nelas e tem suas preferências respeitadas. A palavra dos apreciadores O ilustrador e aprendiz de tatuador Hokama Souza, 31 anos, que fez uma ilustração exclusiva para esta reportagem, foi muito influenciado pelo mangá e também pelo animê no passado, embora atualmente sua arte seja “diferente”. Suas principais preferências são os mangás mais antigos: Buda de Osamu Tezuka, Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima, e alguns mais recentes como Monster de Naoki Urasawa. Já nos animês, acredita que “cada estúdio possui características próprias”, mas gosta muito de Nausicäa do Vale do Vento, de Hayao Miyazaki, e de Túmulo dos Vagalumes, de Isao Takahata, do Studio Ghibli. Também destaca outros grandes estúdios como o Production I.G e o MadHouse, ambos com obras que gosta muito, como Ghost in the Shell, de Mamoru Oshii (adaptação do mangá de Masamune Shirow) e Perfect Blue, de Satoshi Kon. Já a professora de Artes Camila Sampaio, fluminense de 27 anos, conta que o início de sua trajetória
como fã de cultura pop japonesa e colecionadora começou com um mangá, aos seus 15 anos: Video Girl Ai, de 1985. O que a atrai nos mangás é o fato de gostar da estética em preto-e-branco, o que em sua opinião “não cansa a vista”, e por não terem muitas sequências, são histórias bem delimitadas, com início, meio e fim. Poucos mangás têm uma continuidade ao longo dos anos, como One Piece, por exemplo. Já o animê foi lhe apresentado pela televisão aberta brasileira, na década de 90, com “clássicos como Sailor Moon e Cavaleiros do Zodíaco.” Porém, em geral, ela prefere ler o mangá antes, sempre. “Hoje, meus estilos preferidos são shojo e guro [de terror]”. Outra importante diferenciação apontada por Camila é que ela se considera uma Otaku, uma palavra que tem conotações diversas no Brasil e no Japão. “Aqui, a gente vê o Otaku como um fã de cultura japonesa, só que no Japão, é qualquer pessoa aficionada por determinada coisa, e é com uma conotação negativa.” O mercado de mangás também cresce muito no Brasil. Inicialmente focado em publicações shonen, hoje há espaço para os mais diversos gêneros, como shojo e seinen. Antes dominado pela JBC editora (Japan-Brazil Comunication), atualmente o mercado também é dividido pela Panini, com o selo Planet Manga, L&PM e NewPOP editora, especializada em mangás. Localmente, em Juiz de Fora, a Taberna Conclave, referência em vendas de histórias em quadrinhos, também têm visto o aumento do público de mangás ao longo dos anos.
Gêneros de mangá e animê Kodomo: produzida para crianças bem novas (Hamtaro, Doraemon¹). Shonen: voltada ao público masculino adolescente; (ex: Naruto; Yu Yu Yakusho) Shojo: que é produzida visando as garotas adolescentes. (ex: Sailor Moon; Shojo Kakumei Utena²); Seinen: produzida pensando em um público mais focado em homens jovens e adultos. (ex: Sanctuary³; Monster); Josei: para mulheres jovens e adultas. (exs: Helter Skelter, Paradise Kiss). Gekigá: para jovens adultos, (A lenda de Kamui, Hi No Tori). Gêneros voltados para o público LGBTI: Yuri e Shojo-ai: voltado para lésbicas (Oniisama E; Blue Drop) o Yaoi e Shonen-ai: para gays, (embora muitas mulheres leiam ),(ex: Zetsu Ai, Eroica)
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Gêneros erótico: Ecchi e Hentai, (Love Junkies) Doujinshi: publicações independentes semelhantes aos fanzines. 3
Magia em movimento: os animês O primeiro animê foi realizado para os cinemas em 1917. Já em 1958, foi lançado o primeiro animê colorido e feito exclusivamente para a televisão, Manga Calendar, veiculado pela emissora TBS com produção do estúdio Otogi em 25 de junho de 1962. Um ano depois, Osamu Tezuka lançaria Astro Boy, baseado em seu mangá homônimo, através de seu estúdio de animação Mushi Productions. Para o professor Thiago Berzoini, o estúdio de animação mais relevante do Japão é a TMS Entertainment, que foi fundado em 1946 e continua ativo. “É uma companhia significativa no que diz respeito à produção de animê, e mesmo sendo antiga, continua tendo relevância, assim como o estúdio Ghibli, fundado em 1985, mas que possui grandes obras mais recentes, como A
Viagem de Chihiro, por exemplo.” Berzoini destaca também a Toei Animation, por ser uma das precursoras do animê como febre no Brasil, através das séries Cavaleiros do Zodíaco, que garantiu grande público, e também a série Dragon Ball e One Piece. “Não podemos deixar de lembrar da Madhouse, responsável por Sakura Card Captors e algumas adaptações da Marvel Comics para o público de animês, o que é um trabalho importante de diálogo entre as diferentes culturas de narrativas sequenciais. A casa levou os ícones dessa linguagem no ocidente, como X-Men e Homem de Ferro, para o Japão, em uma estética própria ao estilo dos animês. Existem outros grandes e relevantes estúdios, como a Sunrise (fundada em 1972). Acredito que os estúdios mais importantes continuam ativos desde décadas anteriores, não tendo necessariamente a
distinção entre recentes e antigos, pois mesmo fundados há décadas continuam produzindo cada vez mais e mantendo sua importância.” O fenômeno da popularidade de mangás e animês também mobiliza fãs na internet, alguns muito ativos, que se dedicam a traduzir e disponibilizar conteúdo para outros fãs: os chamados fansubers. “Fansub” é um termo em inglês vindo da junção entre Fan (fã) e Sub (abreviação de subtitle, ‘legenda’). Eles legendam animês e traduzem mangás, tornando-os compreensíveis ao grande público e deixam o download disponível na internet. Há um aspecto nebuloso a ser considerado, em relação aos direitos autorais. Mas muitos coletivos de fansubers se defendem enfatizando que nunca disponibilizam conteúdo licenciado no Brasil, então apenas ajudariam a divulgar a cultura pop japonesa como um todo.
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Arte de Hokama Souza (@noiaillustration). Releitura de personagem de Cannon Fodder, de Katsuhiro Otomo, o mesmo diretor do icônico Akira. O curta é parte da obra Memories, que reúne diversos diretores consagrados de animê.
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Quando o personagem ganha vida Outros aspectos importantes são as práticas cosplayer. Cosplay é uma junção, em inglês, das palavras costume e play, que significam “traje” e “jogar”, respectivamente. Muitos fãs de cultura pop japonesa se vestem de personagens favoritos,
Moda Lolita
e os interpretam parcialmente. Ao menos uma fala ou gestual típico eles devem incorporar, e o traje deve ser feito por eles próprios, no melhor estilo do mantra punk “do it yourself”. Estes cosplayers têm a oportunidade de disputar entre si em grandes eventos, como as referências nacionais Anime Friends (SP) e Ressaca Friends (RJ) e as locais Anime Taikai, e Geek POP. A arquiteta carioca Agna Fabrícia Domingues, 30 anos, residente em Juiz de Fora, faz cosplay há 11 anos e tem seus motivos para preferir mangás e animês. “A estética oriental tem sua particularidade, com traços bem expressivos. Gosto de como conseguem captar emoções tão intensamente. Penso que esta seja uma das diferenças para os quadrinhos americanos... por terem um enredo extenso, os mangás conseguem privilegiar mais emoções e detalhes da narrativa. Outra diferença são os inúmeros segmentos japoneses.” A arquiteta também afirma que
A professora de Artes Camila Sampaio, 27 anos, além de frequentar eventos e ser entusiasta de mangás e animês, é apreciadora do estilo de rua japonês Lolita e participa de um grupo em Juiz de Fora, O Lolika Cute. “O estilo apareceu na década de 80, mas o grande boom internacional foi nos anos 2000. Hoje, há moda Lolita fora do Japão e criações artesanais. A China, por exemplo, é hoje um grande pólo de mercado e de apreciadores. Ele é relacionado à Era Vitoriana, alguns estilos ligados à moda adulta vitoriana e outros à infantil. A moda Lolita é recatada”, explica a professora, ressaltando que muitos mangás retratam personagens Lolita, o que gera identificação no público. Ela conta ainda que este ano foi criado um clube de Lolitas em Juiz de Fora, com mensalidade, bônus frequentes. O clube tem quatro encontros anuais temáticos.
seu primeiro cosplay foi Rogue, do jogo Ragnarok online. “Gostei de me fantasiar de Erza, de Fairy Tail, por sua imponência estética. Também gostei de Nami, de One Piece, e Madoka de Mahou Shoujo Madoka Magica, por serem um dos meus animes favoritos”. E completa: “Cosplay é você se sentir, por um dia, parte do universo fantástico. Um cosplayer eficiente deve, acima de tudo, ser feliz com o que faz”. Fabrícia também é sócia proprietária da Loja Sunny, um “ sonho de fã”, que vende artigos nerd e otakus (Galeria Secreta, São Mateus 262).
Foto: Acervo Pessoal
Alguns fãs de histórias em quadrinhos consideram que o mangá e animê tem uma estética própria identificável, mas seus personagens têm aspecto de ocidentais, tanto ao ponto que apenas alguns, como o mais conhecido longa-metragem Jin – Roh, um seinen, mostra personagens com “olhos puxados”. Mas eles estão entre uma minoria. Independente da estética, o simples fato de muitas histórias se passarem no Japão e retratarem costumes, assim como o empenho de fãs em aprender japonês para traduzirem conteúdos demonstra uma divulgação da cultura japonesa.
Fabrícia Domingues como Madoka, de Mahou Sojo Madoka Magica, em Juiz de Fora
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A multiplicidade dos eventos
HNT eventos e também começou a se interessar por animês com Cavaleiros do Zodíaco, além de Yu Yu Yakusho. Ele trabalha com cultura pop desde 2005. “Em média, fazemos três grandes eventos por semestre, e alguns menores. Como trabalhamos basicamente fora de Belo Horizonte, nossos eventos são Anime Pop, em Juiz de Fora, Anime Norte, em Montes Claros e Uai Drops, em Ipatinga. Em BH temos o Fórum de Quadrinhos de BH. Também temos caravanas para eventos externos, em São Paulo. Hoje temos público para todas as vertentes do universo geek e nerd.”
Fotos: Aline Negromonte
Em Juiz de Fora, a produtora de eventos Priscila Montini, 37, da Tsuru eventos, foi apresentada ao animê em 1995, com Cavaleiros do Zodiáco, e desde então virou fã de animês e mangás. Desde 2014, está à frente do Anime Taikai, que reune fãs de Juiz de Fora. “Ano passado, tivemos o Nichi Festival voltado para cultura japonesa no CCBM. Logo após, a Exposição de Quadrinistas, Mangakás, Ilustradores e Fanfic do Brasil, onde recolhemos obras do Brasil inteiro e expomos no CCBM. Nosso principal evento, porém, é
o Anime Taikai, que reúne mais de 60 atividades contando com salas temáticas e oficinas.” A produtora completa que houve uma mudança também nos temas, que não são exclusivamente nipônicos: “Hoje, as feiras são chamadas de multitemáticas pois reúnem temas de todas as esferas: nerd, otaku, geek e até abrangendo artes e literatura. Então, está bem bacana. Minha satisfação é poder trazer por poucos dias uma Neverland, onde você pode ser o que quiser”. Já o promoter de eventos Mário Guedes de Almeida, belorizontino de 31 anos, é da
Vencedores do Concurso Cosplay do Geek POP em 10 de junho de 2017, em Juiz de Fora. Da esquerda para a direita: 1º lugar: Sasuke Uchiha, do Naruto, 2º lugar: Naruto Uzumaki, 3º lugar: Shoutmon, do Digimon.
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Fotos: Aline Negromonte
Acima, à esquerda: Concurso Cosplay do Geek POP. À direita: Ichigo Kurosaki, e Rukia, do Bleach. Abaixo: Sasuke, do Naruto, visual típico de bandas k-pop, e Natsu, do Fairy Tail.
Estes eventos são voltados para otakus e apreciadores não tão fanáticos, como é o caso de Jefferson Calixto, paulista de 25 anos, técnico em tecnologia da informação. “Os mangás me atraem porque eles são muitos desprendidos de explicação, quando se lê, já se subentende que você já conhece um pouco da cultura japonesa. As histórias que curto são assim, como As Guerreiras Mágicas de Rayaerth e Death Note, que adoro. A história deste é muito complexa e pesada.” Ele gosta de ir a estes eventos, para obter novos conhecimentos, além de “ver gente de cosplay de personagens eu não conhecia antes, conhecer gente nova e me divertir com amigos, criar ciclos de leitura de mangás e trocar experiências”. Eventos maiores, além de reunirem inúmeros fãs de mangás, animês e videogames, e promoverem o desfile de cosplayers,
também difundem os lançamentos de editoras e produtoras de filmes, e têm mostras de cultura japonesa tradicional, como demonstração de lutas de samurais. É também por isso que há quem considere que o mangá e o animê são uma ponte para a curiosidade sobre a cultura japonesa como um todo. Sobre os eventos e a prática cosplayer, é notável, também, um interesse mercadológico envolvido (nenhum dos citados é gratuito, e há merchandising das editoras). Embora não seja esta a intenção porque a cultura cosplay valoriza o faça vocêmesmo, muitos cosplayers compram apetrechos para seus trajes, ainda que sejam apenas alguns acessórios. É por isso que alguns fãs criaram o irônico “cospobre”, uma prática cosplayer bem humorada, em que os cosplays são feitos com materiais do cotidiano. Há quem
encare isto como um ato político, ir a um destes grandes eventos de “cospobre” e não participar do desfile oficial, propositalmente. Outros o fazem apenas por diversão. E é justamente a diversão que une todos. Além dos mangás, animês e videogames, muitos são fãs de música pop e rock japonês, o J-pop e J-rock. O Anime Friends, todo ano, traz músicos de renome e populares no Japão (The Gazette, YUI) para o deleite dos fãs brasileiros, em que muitos decoram ou aprendem a letra com a ajuda dos fansubers da Internet. Para quem é fã, se trata de um espetáculo emocionante. Gostando ou não, a cultura pop japonesa está cada vez mais presente no mundo e no Brasil. A Terra do Sol nascente continua, e continuará, influenciando nossas terras tupiniquins. Sayonara!
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Da Zona da Mata ao outro lado do mundo
Foto: Acervo pessoal
Você já desejou trabalhar com algo que aprecia, desde muito jovem? Pois é exatamente isso que o artista Tulio Almeida da Silva, 31 anos, natural de Matias Barbosa, conseguiu realizar. Tulio Minaki como é conhecido, hoje trabalha numa das maiores empresa de games do Japão, a Square Enix, responsável pela franquia Final Fantasy. Sua função, como “3D Character Artist” é pegar os desenhos que os artistas fazem e construílos em 3D pra que possam ser colocados dentro dos jogos. Super fã do game, é dele a ilustração que abre essa reportagem, uma releitura da personagem Edea Kramer de Final Fantasy. Formado no Bacharelado em Artes na UFJF em 2011, ele mora há quatro anos em Chiba, província ao lado de Tóquio e de lá contou um pouco de sua trajetória.
Há quanto tempo você gosta de mangás e animês? Quais são os seus favoritos atualmente, e por quê? Gosto de animês desde que eles começaram a passar na extinta TV Manchete. Comecei assistindo Cavaleiros do Zodíaco e Dragon ball! Comecei a gostar de mangás logo depois, quando eles começaram a ser lançados no Brasil. Atualmente, o trabalho tem ocupado bastante tempo, então não tenho acompanhado muito a cena. Dos animês que eu vi até hoje, gosto muito do clássico Cavaleiros do Zodíaco e de um animê chamado Nichijou! Recomendo muito. Dos mangás que eu li até hoje, Vagabond, de Kazuo Koike e Goseji Kojima, é um dos melhores na minha opinião.
morando por lá e que às vezes voltavam a passeio e contavam como era o país. Mas meu primeiro contato de verdade veio aos 22 anos, quando fui contemplado com uma bolsa de estudos por um convênio entre a UFJF e a Universidade de Kanda no Japão. A bolsa tinha como objetivo o estudo da língua e da cultura japonesa e, como sempre tive curiosidade, caiu perfeitamente pra mim. O idioma, de início, é bem complicado, porque não se parece com nada que a gente conhece. Mas com o tempo vai ficando mais tranquilo de aprender. A única coisa que ainda acho bem difícil é a leitura... são muitos ideogramas que você tem que aprender e nem mesmo os japoneses sabem todos.
Mangás, animês e games influenciaram nas suas ilustrações, na sua arte? Até que ponto? Quais são suas maiores influências e que autores admira?
Quando decidiu trabalhar com games? Sempre foi seu foco? Como foi o processo de ser aceito no mercado de trabalho nipônico?
Foi o que mais me influenciou, com certeza. Sempre gostei dos traços bem expressivos dos animês e jogos japoneses. Comprava revistas que falavam sobre o assunto e lembro que sempre tentava copiar algum desenho (que na maioria das vezes, era Dragon Ball (risos). Com relação aos autores, gosto muito de dois artistas que já desenharam para Final Fantasy, (minha série de jogos favorita), Akihiko Yoshida e Tetsuya Nomura.
Eu decidi que queria trabalhar com jogos quando eu joguei Final Fantasy VIII, pra PlayStation 1. O jogo era tão bonito (na época) que me impactou de tal maneira a querer trabalhar com jogos no Japão. O processo pra ser aceito na empresa onde eu trabalho hoje foi como normalmente acontece nas empresas do Japão mesmo. Envio de currículo e portfólio e pelo menos três entrevistas. O fato de eu saber japonês pra entrar na empresa contou muito também.
Quando e como foi seu primeiro contato com o Japão? O que achou, à primeira vista, do idioma, dos ideogramas e dos costumes japoneses?
Você que se formou no IAD/UFJF, fez algum outro curso? Onde estudou japonês?
Na verdade meu primeiro contato com o Japão veio desde muito pequeno. Sempre tive tias 72
Não fiz nenhum curso depois do IAD. Meus estudos de japonês começaram em casa, quando eu ganhei um dicionário de uma tia muito querida.
A vida no Japão é muito boa! Mas como tudo na vida tem suas coisas boas e ruins. O que eu mais gosto aqui é a segurança e a praticidade que o país me oferece. Não tenho medo de andar à noite por praticamente nenhum lugar e isso é impagável na minha opinião. Em relação a praticidade, como moro bem próximo a Tóquio, não preciso ter carro, posso depender completamente do transporte público daqui (que no caso são os trens). Gosto muito desse lado prático do Japão. Em contrapartida, a vida pessoal aqui é um tanto quanto solitária. O que eu percebo é que o Japão funciona muito bem como uma sociedade...todos se respeitam e respeitam o que é público também. Mas com relação aos amigos e família, os japoneses têm uma visão diferente da que nós temos. Às vezes dá a impressão que os japoneses não se importam muito com as pessoas que são mais próximas a
Uma coisa que achei curiosa desde que cheguei no Japão é que os japoneses são muito mais viciados em animes do que eu imaginava! Mas eles são MUITO mesmo. Você percebe que algumas pessoas realmente queriam namorar ou ter aquele personagem do animê ao seu lado sempre, sabe. É uma coisa que está em outro nível... E por conta disso, a quantidade de animês que o Japão produz é absurda. Eu não fazia ideia antes de chegar aqui, achava que só tinha aqueles mais famosões mesmo....tipo DBZ e Cavaleiros do Zodíaco. Hoje eu vejo o tamanho absurdo que esse mercado alcança aqui no Japão....e é de se respeitar! Há alguma história peculiar que tenha acontecido com você no Japão que gostaria de compartilhar? Uma coisa que sempre acontece comigo aqui, que acho engraçado, é que, por eu não ser japonês, muitas vezes os japoneses não esperam que eu fale a língua deles. (Eles sabem que é um idioma difícil, mesmo). Então, toda vez que eu vou perguntar alguma informação em uma estaçao de trem, por exemplo, eles sempre tentam me responder em inglês (mesmo eu tendo perguntado tudo o que eu queria em japonês!) Essa é uma situação que eu ainda dou risada e acho engraçado, e que acho que vai continuar a acontecer por muito tempo.
Foto: Acervo pessoal
Sobre animes, mangás e games japoneses, gostaria de acrescentar alguma coisa?
Na exposição “Complete Works of Saint Seiya, em Tóquio, junho de 2006 Foto: Tulio Minaki / Divulgação
Pode contar um pouco da sua vida no Japão? O que mais contrasta com a sociedade e cultura brasileiras, na sua opinião?
eles...mas na verdade é um jeito diferente de gostar mesmo, eu acho. É bem complicado entender como funcionam as relações aqui.
Snow Queen Halia, arte original Foto: Tulio Minaki / Divulgação
Posteriormente, pra reforçar os estudos, fiz um curso de um ano com o professor Marcelo Borges Vieira, aí de Juiz de Fora mesmo, pra ter uma base mais reforçada. Mas como o japonês é uma língua bem complicada, eu só consegui falar e desenvolver o idioma depois de ter vindo estudar aqui no país, em 2008. Frequentei durante um ano e meio a Kanda University of International Studies, na qual tínhamos somente aula de japonês de quatro a cinco dias por semana. Foi uma experiência maravilhosa e que com certeza me ajudou muito a conseguir alcançar meus objetivos.
Versão de Túlio para o personagem Zell Dincht, de Final Fantasy VIII.
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