Do sonho à (nem sempre) conquista por Gustavo Pereira Jogadores de voleibol que atuam ou atuaram em Juiz de Fora contam as dificuldades encontradas no caminho até a profissionalização. Especialistas orientam sobre como lidar com as frustrações.
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Vencer por meio do esporte é o sonho de muitos jovens, mas poucos sabem as dificuldades e barreiras enfrentadas até a conquista do espaço em grandes equipes esportivas, seja no país ou no exterior. Em Juiz de Fora, há atletas que, depois de um longo período de esforço, têm conseguido se destacar. Este é o caso de Wagner Pereira da
Silva, 23 anos. Natural de Mar de Espanha, o jovem mudouse para Juiz de Fora e conseguiu apoio na equipe de voleibol do Granbery. Hoje, seis anos depois, o atleta comemora a contratação pela equipe Santa Croce, da Itália. Wagner também tem passagem pelas seleções brasileiras de base do vôlei e fala sobre como se deu esta conquista. A Revista
Periscópio foi buscar estas histórias de superação no esporte e mostra que, pelo caminho, alguns acabam tendo que mudar seus sonhos. Saiba também o que dizem os especialistas sobre a pressão vivida por estes jovens, que, muitas vezes, veem no esporte a maneira de “vencerem na vida” e se tornarem profissionais reconhecidos.
Do anonimato à glória Exemplos de superação e volta por cima não faltam. Notórios atletas, como Cafu, capitão do pentacampeonato da Copa do Mundo pelo Brasil em 2002, que foi rejeitado em nove testes até ser aprovado nas categorias de base do São Paulo, ou de Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho, que saíram ainda jovens de favelas para desfilarem seus talentos nos principais gramados do mundo. Um exemplo atual de alguém que conseguiu conquistar seu espaço no voleibol é o de Wagner Pereira da Silva. Nascido em Mar de Espanha, Wagner está agora com 23 anos de idade. Entretanto, ele contou que foi muito difícil se tornar profissional. “Eu venho de uma cidade pequena, de uma realidade onde tive muita dificuldade para treinar, pois precisava trabalhar e ajudar em casa. Só que, graças a Deus e à minha mãe, pude vir para Juiz de Fora, e aqui comecei a minha carreira ainda como atleta amador, mas o Didi, meu treinador, sempre me disse que eu iria vingar.” Em Juiz de Fora, Wagner iniciouse no esporte pela equipe do Granbery ainda jovem, e treinado por Marcus Vinícius, conquistou vários títulos tanto em âmbito regional, como também mineiro. Além disso, foi em Juiz de Fora que Wagner teve sua primeira sua primeira convocação para a seleção
mineira e brasileira de base.¬ Wagner soma passagens por SesiSP, Santo André, Montes Claros e Bento, equipe pela qual disputou a última temporada da Superliga e foi o maior pontuador do time na competição. O atleta contou um pouco do que o motivou a continuar batalhando por se tornar profissional: “Objetivo, força de vontade. Sempre corri atrás do que eu queria. Sempre assistia à final da Superliga, daí fui me dedicando para chegar aonde cheguei.” O agora jogador do Santa Croce, na Itália, ressaltou as dificuldades de ser tornar um atleta profissional: “Me lembro de ter jogado com muita gente, muitos atletas com potencial, mas que ficaram pelo caminho, seja porque precisaram começar a se sustentar e o dinheiro que recebiam no clube não era Wagner recebendo o troféu Viva Vôlei
passo a passo para se tornar um atleta
Orientação familiar: importante na condução e incentivo da criança/adolescente, principalmente no acompanhamento da sua carreira; Alimentação: Dieta balanceada (equilíbrio entre carboidrato e proteina), evitar frituras e gorduras; Treinos: Importante para o aprendizado e aprimoramento das técnicas; Persistência e foco: essencial não desistir do objetivo.
dúvidas
frequentes Idade: início aos 8 ou 9 anos (salvo raras exceções) até 15 ou 16 anos; Altura: Vôlei e basquete exigem uma maior estatura, embora seja possível chegar ao alto nível sendo “baixo” com uma boa técnica; Escola x Esporte: O melhor é determinar um tempo para cada um e equilibrar os dois; Categoria de base: por mais que haja dom para o esporte, é necessário passagem pela base
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suficiente, ou porque foram dispensados de suas equipes e, devido a não terem outras propostas, foram obrigados a parar.” Após ter se tornado jogador de vôlei, Wagner lembrou que ainda passou por muitas barreiras: “Eu estava vindo de um momento muito bom, tinha voltado da seleção sub-23 muito confiante no meu trabalho, tanto que viajei com a seleção pro mundial e fui campeão da Copa Pan nos USA. Quando voltei ao Montes Claros, não estava conseguindo exercer o mesmo voleibol, era cobrado constantemente, tentei seguir uma linha de raciocínio que não era a minha, tentei ser um jogador que eu não sou, comecei a jogar sem meu sorriso no rosto sem poder de certa forma me divertir dentro da quadra. No meio disso tudo, tive que fazer uma cirurgia inesperada na bexiga que me fez sair do vôlei, e isso me fez perder tudo, tudo o que você pode imaginar. O brilho nos meus olhos foi embora, minha vida profissional não era mais a mesma, nem a pessoal. Quando saí de lá, senti um peso saindo das costas” Questionado sobre seu ídolo e uma frase marcante em sua vida, Wagner não titubeou, “Sempre fui fã do André Nascimento (cuja família reside em Juiz de Fora) pelo vôlei que ele jogava e por
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ser canhoto, tive a oportunidade de conhecê-lo ele e de trabalhar ao lado dele no Montes Claros, fiquei mais fã ainda. Uma frase que sempre vai me marcar, porque eu ouvia muito isso dos meus técnicos é: Você tem que matar um leão por dia, infelizmente o esporte é assim.” Após passagem de sucesso pelo Bento Vôlei, Wagner foi contratado pelo Santa Croce, da Itália, e, apesar de já ter viajado para o exterior para defender a seleção brasileira de base, confessou estar ansioso por sua primeira temporada fora do Brasil: “Essa temporada vai ser muito importante para mim, vai consolidar ainda mais tudo o que eu venho fazendo. Estou muito motivado para essa nova jornada, sei que não vai ser nada fácil, mas estou determinado. Tenho meus objetivos pessoais e ainda sonho em ir para a seleção principal.” Outro que vem conseguindo se manter no mercado do vôlei é o oposto Felipe Moreira Roque, de apenas 19 anos, que disputou sua última temporada pelo Minas Tênis Clube. O juiz-forano contou que, até os 16 anos, jogava vôlei apenas como esporte, mas que seu crescimento inesperado, alcançando 2,06 metros de altura, fez seu treinador ver nele um potencial atleta profissional. “Em meu primeiro campeonato
mineiro, eu percebi que todos me olhavam diferente, e que minha altura me proporcionou coisas boas, já que, após a competição, eu fui chamado para jogar pelo Minas Tênis Clube, um dos mais tradições clubes do Brasil.” Na temporada 2016/2017, o Minas passou por dificuldades financeiras, e, com isso, resolveu apostar em atletas mais jovens e que recebem menos do que medalhões. Devido a isso, o jovem Felipe foi promovido a segundo oposto da equipe. Entretanto, com lesões no plantel, recebeu a chance de ser titular logo em sua primeira Superliga, e, desde então, firmouse na equipe principal. “Essa é a minha primeira Superliga, é uma experiência completamente nova, pois nunca tinha jogado um campeonato desse nível. Ainda tenho que melhorar em muitos aspectos, eu penso em evoluir a cada dia para ser um jogador completo. Assim podendo me estabilizar no mercado do vôlei.” Entretanto, Felipe ressaltou as dificuldades da vida de um atleta: “Nós precisamos abdicar de muitas coisas, sair com os amigos, ter uma rotina certa, ficar com a família. O jogador vive viajando, e, quando não faz isso, está treinando ou descansando para o próximo jogo, e essa rotina é muito desgastante.”
Lado B do esporte Mas nem todos conseguem se sustentar apenas no esporte, e, mesmo que essa seja uma paixão, o sonho, muitas vezes, acaba sendo frustrado, ou é necessário ser mudado. Caso de Vinícius Ribeiro, 24 anos, apaixonado por vôlei desde a infância, o atleta amador contou que ser jogador profissional sempre foi um objetivo distante, e que, apesar de não ter conseguido essa meta, esforça-se para não abandonar sua paixão. Formado em administração, em 2015, Vinícius formou uma equipe de voleibol amador, juntamente com amigos. “A equipe foi formada por ex-atletas da UFJF e do Clube Bom Pastor, além de novos talentos.” Vinícius contou que a criação do time foi muito positiva, pois assim é possível disputar vários campeonatos em Juiz de Fora e região, além de ser uma oportunidade de se aproximar de um atleta profissional. Laerte Stroppa, 22, é um dos atletas da equipe e, na temporada 2015/2016, chegou a ser inscrito na
Univôlei recebe premiação de um dos campeonatos que venceu em 2016.
Superliga pelo JF Vôlei. O estudante de direito e jogador nos tempos vagos falou da importância do vôlei amador, que permitiu a ele essa oportunidade. “Desde novo eu treinava vôlei e pensei até em me profissionalizar, mas só em 2015 voltei a disputar campeonatos e aí surgiu a oportunidade de jogar a Superliga, que é o principal objetivo de quem quer ser atleta, e o Univôlei me ajudou a chegar lá”, destacou Laerte. Marcus Vinícius, mais conhecido como Didi, é outro que sempre foi apaixonado pelo esporte e, quando jovem, sonhava em se profissionalizar. Entretanto não conseguiu essa realização e, após concluir a faculdade de educação
física, viu na carreira de treinador uma oportunidade de não se desligar do vôlei. “Eu sempre quis ser jogador de vôlei, só que era muito baixo (1,63 m), e, com isso, nunca consegui realizar esse projeto na minha vida. Desta forma, tornar-me técnico de voleibol veio como uma possibilidade de continuar vivenciando o esporte, que carrego em meu DNA.” Didi ressalta que viver do esporte é muito difícil: “Sempre trabalhei com o vôlei de base, e, assim, vejo que muitos atletas têm dificuldades em se tornar profissionais e acabam ficando no meio do caminho. Além disso, nós sofremos com viagens, distância da família e baixos salários, o que desestimula muitos atletas.”
Opinião do especialista Larissa Resende, que é psicopedagoga, ressaltou a importância de o jovem ter em mente que esporte e estudos devem andar juntos, principalmente para não ocorrer uma frustração tão grande caso o adolescente não consiga se profissionalizar: “Tanto na escola como no esporte, o que vai sustentar de forma positiva será a auto-organização, planejamento e execução. Sem eles, fica insustentável obter resultados positivos. Ambos geram conhecimento, disciplina, sociabilidade, relação intrapessoal e interpessoal, resiliência, dentre inúmeros processos que o inserem e corroboram com seu desenvolvimento pleno nos dois ciclos.”
Questionada sobre como deve ser o tratamento com a criança/ adolescente que tem como objetivo se profissionalizar no esporte, Larissa enfatizou: “Reforço a tese que tudo pode tomar um caminho diferente, a partir do discurso que é adotado dentro do seio familiar, no momento em que os pais demonstram que estão juntos para apoiá-los em seus sonhos, mas, que, para a realização deste sonho, há um grande caminho a ser traçado e percorrido.” A psicopedagoga destacou ainda que o esporte não pode ser o único foco do jovem: “Caso se tornar profissional seja a única meta do adolescente, existe uma grande chance de ele se frustrar, já que
muitos acreditam que se dedicando unicamente ao esporte podem alçar um lugar de destaque ou que estariam com seus futuros garantidos para o resto de suas vidas, e, quando a realidade não mostra isso, fica complicado reciclar esse sonho.” “Faz-se necessário planejar com eficácia em prol de um grande objetivo de vida, seja ele de que âmbito for, mas, como tudo em nossas vidas, precisamos ser cautelosos em não alimentar e cativar esses sonhos, porque hoje estamos limitados pelo modismo exacerbado de um “auto veículo” condutor, perturbador e regulador que é a mídia, que cria em muitos jovens um sentimento de que o esporte pode torná-lo famoso e rico.” 77