Luanny Gonçalves

Page 1

Liberdade na Mochila, Pé na Estrada Por Luanny Gonçalves

Conheça o mochilão: Uma experiência capaz de mudar sua concepção sobre os desafios de percurso e vivência durante as viagens.

48


Uma experiência intensa e diferenciada, que cabe no seu bolso Em algum momento da vida, todos nós já nos deparamos com a vontade de largar tudo que faz parte da nossa rotina, dar uma pausa no estilo de vida atarefado em que nos encontramos. Para isso, cada um, de acordo com seus gostos e personalidades busca nesse momento encontrar equilíbrio em algo que

proporcione prazer e descanso para renovar as energias. Entre as principais escolhas estão as viagens. Ir para um lugar com visual e cultura diferentes, novas pessoas para conhecer e novas experiências de vida para trazer de volta, é, sem dúvidas algo revigorante. Infelizmente, nem sempre essa é uma opção fácil.

Os compromissos com faculdade, trabalho, família ou a falta de dinheiro podem nos obrigar a adiar ou até mesmo cancelar os planos, mas cada vez mais pessoas tem apostado em uma alternativa para tirar a ideia do papel o quanto antes e de forma econômica: o “Mochilão”.

se redescobrir. O mochilão tem conquistado cada vez mais adeptos e quem faz o primeiro garante que não larga mais. Apesar dessa prática ainda não ser muito difundida no Brasil, existem fóruns e sites especializados de compartilhamento de informações e dicas que proporcionam uma boa base para a crescente demanda. As próprias agências de turismo assumem que, mesmo com destinos semelhantes, as experiências finais de quem opta pela orientação de profissionais seriam bem diferentes de quem vai por conta própria. A agente Lívia Rampinelli afirma que o auxílio prestado proporciona maior comodidade e arrisca que exista uma diferença de perfil entre os viajantes: “Acho que,

além da questão financeira, devido às exigências desse estilo de viagem, o público é diferente. Pelo que vejo são pessoas mais jovens e que buscam algo mais que visitar os pontos turísticos”. Para a agente Flávia Valéria da Silva, o mochilão tem um grande diferencial dos roteiros programados com assessoria, que desperta o interesse das pessoas: “Acho que as pessoas que optam por mochilão buscam maior liberdade para aproveitar o percurso. Em agências provavelmente nós vamos montar um cronograma das atividades que serão feitas no local, lógico que tudo de acordo com a vontade do cliente, deixar tudo agendado para evitar preocupações durante o passeio, mas algumas pessoas preferem independência nesse sentido.”

Dedicação física e mental No entanto, o mochilão não é qualquer tipo de viagem, é preciso estar ciente de que apesar do menor custo, ele exige muita dedicação no percurso. A regra de ouro do mochileiro é viajar mais gastando menos, e isso é válido em relação a transporte, hospedagem e alimentação, ou seja, percorrer uma grande distância a pé, pedir caronas e ter menos conforto na hora de dormir faz parte da experiência. Outra carcterística importante destas viagens é o autoconhecimento. Os viajantes que seguem essa vertente geralmente buscam realizála sozinhos ou com pouca companhia, se abrindo mais para vivenciar o lugar e o momento, o que faz desta uma jornada com grande potencial para descontruir limitações pessoais e

49


Interação direta com a cultura local A cultura do mochilão é muito abrangente quanto ao perfil dos viajantes e oferece diferentes possibilidades o tempo todo. O contato com moradores locais pode mudar tudo que a pessoa tinha planejado até então. Uma dica de trilha menos conhecida, um bar incomum, uma festa típica da região ou feira artística

que esteja sendo realizada naqueles dias podem contribuir para uma interação mais efetiva com a realidade local. Para as pernoites, as barracas são as preferidas, mas os hostels também são uma opção e com uma boa pesquisa o mochileiro pode encontrar locais que troquem hospedagem pela

execução de algum trabalho, podendo assim estender sua temporada no local. Nada está tão definido na cabeça de um mochileiro que não possa ser negociado e alterado de uma hora para outra durante o percurso, e ainda garantir mais histórias pra contar, relembrar e inspirar o próximo movimento.

Não existe um passo-a-passo pois cada viagem é única, mas mochileiros experientes destacam pontos importantes para o planejamento, que é feito por conta própria. Ficou interessado? Confira no box abaixo!

Uma experiência sob medida 1

Defina quanto você pode gastar na viagem; Escolha o destino que te desperta maior afinidade dentro de seus interesses e condições;

3

Pesquise sobre o local: cultura, características geográficas, culinária; Planeje seu roteiro e busque relatos de quem já esteve no local em fóruns de viajantes, por exemplo;

5

50

2

4

Sobre os itens: cada destino tem suas particularidades. A recomendação principal é ter uma boa mochila e cuidado para não exagerar na bagagem, que vai o tempo todo com você.


Heranças do mochilão para a vida tipo de viajante são as plaquinhas indicando o destino pretendido, o que passa mais segurança para quem oferece a carona. Douglas conta que no início é provável passar alguns apertos pela falta de experiência e equipamentos adequados, como uma mochila específica ou barraca de camping, mas isso é algo que a cada viagem você vai aprendendo e descobrindo a capacidade de encontrar soluções e se aprimorar para a próxima. O estudante de jornalismo “No meu primeiro mochilão, Douglas Fernandes começou a eu não tinha ainda o material fazer mochilão em 2014, quando adequado para essas viagens e se mudou para Juiz de Fora para isso atrapalha mesmo o percurso. fazer faculdade de Apesar do trajeto jornalismo. Na época, planejado às vezes me o que o motivou a “A gente pode faltava um pouco de entrar nesse estilo foi a chegar onde noção do que fazer. questão financeira: “Eu minha escolha quiser, mas foiA pelo saí do emprego para vir trajeto mais para isso para cá e agora estou curto, mas como eram só estudando, aí falta só cidades pequenas tem que se dinheiro, né?! Então eu tinha muita movimentar” não apostei nas caronas e no circulação de carros e mochilão. Dessa forma como eu não consegui o dinheiro necessário é menor, carona perto da cidade eu acabei destinado apenas para alimentação, me precipitando, resolvi seguir a aluguel de hostel ou camping e estrada em busca de movimento uma quantia de segurança para uma eventual emergência.” Com a questão financeira amenizada, o tempo curto de universitário ainda limita um pouco as viagens, por isso destinos nacionais são os preferidos por Douglas atualmente, que já esteve em Tiradentes, Ibitipoca, Santa Rita do Ouro Preto, Ipatinga e Diamantina. Segundo o estudante, ao viajar dependendo de caronas é necessário se atentar para as melhores rotas em questão de movimento nas estradas, que definem as chances de se conseguir a carona e no caso de cidades turísticas ou universitárias esse processo é mais fácil. Uma particularidade que identifica esse

de carros andei por mais de 3 horas seguidas e nada. Nessa viagem eu senti todas as emoções possíveis desse tipo de viagens, descobri de fato o que é mochilar. Eu passei por extremos, sem equipamentos apropriados, barraca, lanterna, com frio e “perdido” em um lugar desconhecido e deserto. Mas quando você está sozinho, tem que tomar as decisões e enfrentar a situação, não dá só para ficar parado só esperando algo acontecer, é como na vida, foi ali que eu entendi que a gente pode chegar onde quiser, mas para isso tem que se movimentar. Outra coisa importante é que a gente precisa sempre de outras pessoas e esse é o grande paradoxo de mochilar, você vai só com Deus, mas no caminho vai precisar da ajuda de outra pessoa em algum momento e, voltando à analogia da vida, a gente se dá conta de que não importa o buraco que você se meteu sempre vai aparecer alguém para te ajudar se você permitir. E isso é fantástico!”

51


Inspiração para caminhada experiência de estar fora do país e conviver diariamente com tantas pessoas, a sensação foi de total descobrimento. “Tinha gente da Alemanha, Portugal, Vietnã, EUA, Suécia, Camboja, Índia... E sempre saia e chegava gente diferente, era uma mistura de nacionalidades, personalidades, simplesmente linda”, ele conta que a questão do idioma ficou baseada no inglês que é o local e No caso do economista Lucas Lopes Daniel, 24, a paixão por mochilões surgiu desde cedo visitando alguns lugares do Brasil. Durante o 5º período da faculdade, ele decidiu trancar os estudos e focar em seus projetos pessoais. “Senti a necessidade de devolver ao mundo o que foi dado a mim levando oportunidades a outras pessoas e decidi fazer isso compartilhando o conhecimento que adquiri”, afirma. Em meio a um trabalho voluntário, ele encontrou a motivação necessária para encarar o mochilão no exterior. Após ser selecionado para um projeto da Association Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales (AIESEC), que ensina finanças em escolas em diversos lugares do mundo, Lucas optou pelas Filipinas como destino em busca de uma nova cultura. Ao se abrir para essa experiência conheceu e conviveu com pessoas de diversos lugares do mundo, inclusive na própria casa onde ficou durante a realização do projeto, cerca de oito semanas: “Eram em torno de 15 pessoas, gente do projeto e outros intercambistas, e eu era o único da América do Sul”. Para alguém que nunca tinha passado pela 52

todos praticavam juntos. Durante a estadia nas Filipinas além de toda vivência com os novos colegas e com o pessoal das escolas, ele se expandiu ainda mais. “Nossa escala de trabalho era muito variada, aí a gente podia se programar pra viajar por perto. Fizemos umas três para aproveitar o lugar, uma delas chegou a quase uma semana”, lembra.


Lucas não esconde a segurança que adquiriu nessa experiência muito menos a empolgação que o levou à sua viagem desse ano para o Chile. “Queria novamente ir em um lugar onde pudesse ter uma realidade diferente daqui do Brasil e, como gosto muito de aventura decidi ir acampar no Atacama por cinco dias, de lá acabei aproveitando e conhecendo Santiago, Vina del Mar e Valparaíso”. A programação dos 12 dias no Chile foi 100% mochilão, “Foi uma loucura, fiz tudo pela internet, bolei uma estratégia para dormir nas cidades alguns dias e conhecer os pontos turísticos também, além de saber sobre transporte público, etc...” Dessa vez, a comunicação foi mais complicada e o jeito foi improvisar: “No Chile em geral ninguém fala muito bem inglês, eu falava um Portunhol e um Italianol. Várias vezes também tive que ajudar estrangeiros que só falavam inglês, foi assim com um casal de ingleses e uma moça

da Coréia. Mas no geral, com o português você consegue.” Entre barraca e hostel, os dias no país ofereceram a Lucas diversas sensações: “No deserto do Atacama faz temperatura negativa a noite e muito calor durante o dia. Tive realmente que me adaptar principalmente a isso, mas fiz muitas amizades no camping. Eu amei Santiago, moraria lá facilmente. Fiquei impressionado com o valor que eles dão para cultura, praças, coisas ao ar livre. Pessoas se reúnem na praça para tocar

música, recitar poesias, namorar, bater papo, não importa a hora do dia, sempre tem gente fazendo isso! Não gostei de Vina del Mar, achei que tinha muita gente, muito comércio etc.. mas as praias são lindas! Valparaíso é uma cidade meio feia, mas com explosão de cultura urbana, com grafites, vielas tipo labirinto etc.. e lá tive a oportunidade de conhecer uma das casas do Pablo Neruda (La Sebastiana), foi muito bom, eu sou um leitor assíduo de poesias e crônicas.”

53


Parceria com instinto aventureiro Apesar de mochileiros em sua maioria optarem por viajar sozinhos, para Livia Mara Silva, 29, e Atila Arthur de Almeida Santos, 28, os mochilões começaram de fato após o casamento. Ela farmacêutica e cursando mestrado e ele engenheiro elétrico, ambos fazem uma verdadeira ginástica para conciliarem suas folgas e conseguirem colocar em prática os planos de viagem. “Nós temos 10 anos juntos, antes de nos conhecermos, viajávamos bem menos. Nos conhecemos ainda jovens e também não tinhamos muitas condições de viajar para longe, mas desde o início, sempre que possível viajamos pelo Brasil”, conta Lívia. Eles contam que apesar de não ser possível planejar tudo nesse tipo de viagem é necessário estudar o básico do lugar e ir devidamente equipado, de acordo com as condições de cada destino. “Olha, tem que ter coragem e fazer bastante pesquisa. Em nosso primeiro mochilão, fomos para a Patagonia e a gente nao tinha nem roupa pro frio. Nem barraca boa pra acampar. Fomos com tudo emprestado, hoje já temos tudo que

54

precisamos e assim é bem melhor”, afirma Atila. O último mochilão foi para um clássico trio percorrido por muitos mochileiros de uma só vez, por serem países próximos: Chile, Peru e Bolívia. Lívia conta que essa viagem, em especial, também é fruto de um sonho de criança dela de conhecer Machu Pichu. “Eu tenho uma tia que trabalhou com turismo e sempre que a visitava ficava perdida no meio das revistas de viagens. Foi então que eu vi a foto de Machu Pichu e prontamente aquele destino se tornou um sonho. Aproveitando as condições que eu e meu marido temos hoje, resolvemos estender um pouco mais essa viagem para os países vizinhos, e essa também é uma interessante forma de economizar dinheiro, visto que o mais caro de todas viagens são as passagens aéreas”. No planejamento dessa vez utilizaram fóruns, sites e blogs de relatos de viagem, mas Lívia reconhece que não é possível planejar tudo como nas viagens tradicionais, mas que essa é a melhor parte: “Planejamos as

coisas mais no geral, o básico mesmo. Lá é outra história: surgem vários imprevistos, só vivendo dia após dia mesmo. O caminho que percorremos não foi fácil. Você pensa em desistir várias vezes. A altitude maltrata e cobra um preço caro por te mostrar todo aquele universo. Mas depois de um tempo você não liga mais se a mochila está pesada, se aparecem mais uma ou duas bolhas. Você simplesmente passa a viver como o lugar te exige. E aí é que vem todo aprendizado de um grande mochilão.” Apesar de todas as dificuldades, Lívia completa: “O retorno pra casa é bom. A gente volta mais leve, porque aprende a valorizar o que realmente importa e dar menos importância para uma situação difícil sabendo que não vai durar para sempre”. “A experiência para nós significou recomeço e fortalecimento. Fortalecimento da nossa relação, mais confiança e recomeço de uma nova trajetória, com outros pontos de vista e um interesse ainda maior pelo mochilão. Já estamos pensando no próximo”, completa Atila.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.