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V.4 - Ações Realizadas
a sua efetiva implantação. São os seguintes, de acordo com a informação disponível até o momento:
1' projeto: Milagre das Águas: Até o momento, foram cedidos 107 poços para produção de água, sendo 104 no Rio Grande do Norte e 3 no Ceará. Outros 27 poços estão em processo de cessão pela Petrobrás, com a possível participação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Cia. Hidrelê- trica do São Francisco (CHESF) e da SUDENE;
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2" projeto: Hortas Comunitárias: Foram criadas hortas comunitárias em Itumbiara (GO) - cerca de 91 has. - e Planura (MG) - 17 has. -, em terrenos cedidos por FURNAS, nas quais serão produzidas arroz, milho, feijão e hortaliças, com a colaboração das prefeituras locais e da EMATER. Por sua vez, a CHESF comunicou a implantação de hortas comunitárias em terras da empresa, em associação com a PETROBRÁS, mas sem especificar sua localização, nem as dimensões das mesmas;
3° projeto: Teleeducação: Segundo informações do representante da EMBRATEL na última reunião do "Comitê das Estatais", o convênio para a implementação deste projeto foi assinado em dezembro/93, embora a sua entrada em operação não esteja ainda definitivamente estabelecida;
4° projeto: Treinamento de Recursos Humanos para
Vigilância Nutricional: A EMBRATEL está em negociações com o Ministério da Saúde e a FIOCRUZ para a assinatura de um convênio para Educação à Distância via Satélite, nos mesmos moldes do projeto de Teleeducação;
9° projeto: Melhoria das Condições em Favelas e Periferias:
A respeito, foram comunicadas a realização de duas ações: em primeiro lugar, a construção, pela CEF - com a participação do INT e da Prefeitura local -, de uma praça dotada de uma infraestrutura mínima como telefone público, brinquedos para crianças, quadra múltipla de esportes, etc., no Jardim Santa Catarina em São Gonçalo (RJ), voltada basicamente para o lazer de seus habitantes, carentes de qualquer equipamento urbano com essa finalidade; além disso, a CEF está atuando junto à população local através de oficinas e cursos voltados para a educação ambiental e sanitária, para a cultura, para a questão do lixo, etc.. Por outro lado, FURNAS - junto com empresas como a LIGHT, a TELERJ e o BANCO DO BRASIL, e instituições como a UFRJ e o CEFET (Centro Federal de Ensino Técnico) -, inaugurou, em dezembro/93, um Centro Comunitário Bairro Nossa Senhora do Carmo e Vila Santa Tereza, em Bel fon Roxo, na Baixada Fluminense, composto de quadra poliesportiva, sala para cursos profissionalizantes, ambulatório médico de urgência, banheiros, copa /cozinha, praça de lazer e telefone público.
Estas são as ações já realizadas a partir dos projetos estruturais do "Comitê das Empresas Públicas". Os demais projetos encontram-se em fases distintas no, com frequência longo, processo que leva à sua implementação. Sobre os demais projetos (50, 6°, 7° e 8°) não se dispõe de nenhuma informação, até o momento.
Uma primeira questão a esse respeito, refere-se ao fato de que, dependentes da disponibilidade de tempo das pessoas indicadas para representar cada empresa no "Comitê" e nos subgrupos - as quais realizam, por assim dizer, uma "dupla jornada de trabalho", isto é, continuam desempenhando normalmente as suas funções de origem junto com a participação na Campanha Contra a Fome -, seu funcionamento está longe de ser estruturado e formalizado da maneira adequada, refletindo a descentralização própria deste movimento. Isto não significa, obviamente, que inexista um compromisso com o trabalho e os objetivos de cada subgrupo, mas que a dinâmica de seu funcionamento é afetada, tornando-se mais informal e menos sujeita às programações rígidas normais. Assim, apesar de estarem cumprindo com uma determinação institucional, encontram dificuldades para realizá-la satisfatoriamente dado que não foram liberados de suas funções normais nas empresas. Vinculado a esta questão, um outro fator que tende a criar certas dificuldades para o funcionamento dos subgrupos do "Comitê" refere-se à própria informalidade da ação destas instâncias, refletindo, mais uma vez, a descentralização e o caráter ad hoc com que têem sido, em geral, enfrentados os problemas e a condução da campanha tanto no "Comitê das Estatais", quanto na sociedade civil em geral.
Como se pode observar nas várias cartilhas que foram lan- çadas no inicio da campanha, indicando como, quem e onde organizar os comitês de ação da cidadania contra a fome, uma de suas principais características é exatamente a informalidade, a descentralização, a tentativa de "não burocratizar" o processo de participação éla cidadania no movimento, buscando com isso romper com os vícios tão comuns em outras formas de manifestação da sociedade que tem como resultado frequente um esvaziamento da participação social em tais processos. Esta informalidade tem, evidentemente, um duplo resultado prático que é facilmente constatável no contato com a experiência cotidiana da campanha. Por um lado, ao não "engessar" o movimento dos comitês, ela permite) estimula uma maior flexibilidade, uma maior capacidade de resposta às situações do dia a dia, assim como o desenvolvimento da criatividade na resolução dos problemas que vão surgindo na arrecadação, armazenamento e distribuição dos alimentos, roupas, remédios, brinquedos e demais atividades desenvolvidas pelos comitês. Por outro lado, no entanto, ela tende a dificultar a comunicação entre os comitês, a realização de ações conjuntas de maior envergadura, o compartilhar de experiências comuns, e, por vezes, até mesmo o estabelecimento de objetivos e metas comuns ao conjunto deles. A mesma dualidade de resultados decorrentes da informalidade vivida pelos comitês da sociedade civil, apresenta- se, às vezes de forma mais acentuada, nos subgrupos de trabalho e/ou nas ações conjuntas entre empresas no "Comitê das Estatais".
Por dever de ofício organizadas, hierarquizadas, treinadas na rotina burocrática, acostumadas ao trabalho sob pressão, as empresas estatais têm, evidentemente, uma certa dificuldade em adaptar-se a um ambiente de informalidade que, se espera resultados dos projetos elaborados, no entanto, não os cobra com a mesma resolução aplicada quando se trata dos trabalhos normais de cada empresa. Como já foi destacado anteriormente, embora tenha havido um compromisso formal com o documento de adesão das empresas públicas à Campanha Contra a Fome e a Miséria, a sua participação no "Comitê das Estatais" é voluntária e livre, podendo ser desfeita a qualquer momento, de tal forma que a integração aos projetos prioritários ou a concordância coin as resoluções tomadas em suas reuniões não é obrigatória, não tendo um caráter imperativo para cada um dos participantes.
Agregue-se a isto o fato de que a informalidade também implica na ausência de uma estrutura de apoio mais ou menos organizada em cada empresa para cumprir com a sua parte nestes projetos, dificultando ainda mais a resposta adequada às demandas que se formulam no "Comitê". Isto significa que, em geral, não foram designadas pessoas para trabalhar especificamente na campanha - que estejam a cargo somente de suas atividades-, nem, tampouco, espaços definidos para reuniões, para o armazenamento de material da campanha ou de bens arrecadados, nem computadores ou telefones especialmente para esse fim (ou a liberação de um tempo determinado para o uso destes instrumentos). Desta forma, dependente da disponibilidade de tempo, da boa vontade das pessoas, do empenho particular deste ou daquele representante no "Comitê", o comprometimento com o trabalho da campanha varia e se toma mais ou menos efetivo. Assim sendo, não é de todo surpreendente que, em vista da inexistência de uma instância formal capaz de de exigir resultados práticos, os subgrupos temáticos em que foi dividido o trabalho do "Comitê" tenham conseguido realizar poucos dos projetos que foram propostos como prioritários.
Não obstante, as dificuldades impostas pela informalidade não foram de tal monta que inviabilizassem ou paralizassem toda e qualquer iniciativa que tenha sido formulada nos trabalhos deste organismo. Na opinião de seu Secretário Executivo, foi essa mesma informalidade que, na ausência de uma cultura já sedimentada de trabalho conjunto entre as empresas, em especial em questões como as que estão envolvidas na campanha, permitiu que o realizado até este momento pudesse acontecer sem os entraves normais colocados por uma cultura e hábitos burocráticos, estes sim bastante arraigados no cotidiano das empresas e seus funcionários. Dessa forma, estimulou-se a criatividade, o reconhecimento imediato dos obstáculos e "gargalos" funcionais que iam dificultando, passo a passo, as ações do "Comitê" obrigando-o a redirecionar e redimensionar seus esforços, buscar novas formas de se alcançar os objetivos propostos, abrindo-se, ao mesmo tempo, uma via de comunicação entre as empresas, também ela informal, inexistente até então.
Esse canal de comunicação informal tem por base o contato pessoal desenvolvido pelos representantes de cada empresa no "Comitê das Estatais", visando a realização das propostas assumidas como prioritárias por essa instância. Se essa comunicação de certa forma já existia para assuntos bem específicos tratando de problemas ou projetos comuns de algumas destas empresas, ela se amplia de forma acentuada a partir das reuniões deste comitê e a partir dos trabalhos desenvolvidos em parceria por algumas das empresas que o integram. Essa "agenda" ou "acervo" de "parcerias possíveis" é vista como um dos principais ganhos ou resultados positivos da atividade realizada pelo "Comitê" até o momento. Pode parecer sem sentido se contentar ou apreciar a criação de algo tão virtual ou imaterial; no entanto, para aqueles que trabalham no mundo da burocracia e que conhecem seus vícios funcionais, toma-se algo bastante gratificante, e funcionalmente interessante, ver aberto um canal de comunicação inter-institucional que não se submete necessariamente aos caminhos "tortuosos" da estrutura burocrática e que possibilita um acesso rápido, pessoal, ao corpo técnico-dècisório das empresas.
Portanto, a informalidade, embora problemática em alguns aspectos, foi transformada em aliada dos integrantes do "Comitê" permitindo-lhes avançar apesar das dificuldades encontradas, resultantes seja da burocracia estatal, seja da ausência de uma vontade política clara para implementar as propostas, seja da falta de recursos, seja, enfim, da inexperiência de um trabalho conjunto dessas empresas no plano da assistência social ou na resolução de alguns dos problemas estruturais que marcam a sociedade brasileira. Voltaremos ao tema da informalidade, quando analisarmos as características mais relevantes da segunda fase dos trabalhos do "Comitê" e as dificuldades encontradas para a implantação dos seus projetos.
Outro fator a dificultar o trabalho dos subgrupos é o que se pode definá como uma fomiali7oção "incompleta" dos projetos prioritários do "Comitê". Ou seja, embora os objetivos estejam definidos, as populações-alvo reconhecidas, os parceiros identificados, falta, na verdade, um dos elementos mais importantes para a implementação de qualquer projeto: a definição do tipo e do montante de recursos a serem aplicados na sua execução e a origem destes recursos, isto é, como cada um dos parceiros envolvidos irá contribuir para a efetiva realização de cada projeto. A ausência deste item é, na verdade, um grande entrave dadas as dificuldades de caráter legal, financeiro e político de se lidar com recursos públicos, e, se não inviabiliza definitivamente a execução dos projetos, tende a obstaculizá-los, às vezes de forma indefinida.
Cabe esclarecer que, a rigor, não existe um documento detalhando cada um desses projetos prioritários, o que pode ser a expressão das dificuldades funcionais de cada um dos subgrupos de trabalho, criando problemas adicionais para sua implantação, já que inexiste uma programação formal que oriente a ação dos responsáveis por cada projeto. Por Outro lado, o que a não definição do montante de recursos a serem aplicados em cada projeto revela é uma dificuldade em se estabelecer responsabilidades precisas a cada um dos membros do "Comitê", de tal forma que elas possam vir a ser cobradas de cada um deles. Assim, numa perspectiva crítica, as decisões do "Comitê" e dos subgrupos correm o risco de serem vistas como algo parecido às tão comuns declarações de intenção utilizadas, com frequência, pelas burocracias de todo tipo para "mudar tudo sem mudar nada" e com isso enfrentar os desafios, as pressões e os interesses dos diversos grupos sociais.
Um terceiro fator que incide sobre a atividade dos subgrupos é o caráter político de toda decisão envolvendo o uso dos recursos públicos, e, portanto, a ação das empresas estatais até mesmo no plano "exdusivamente" assistencial (se é que se pode afirmar a sua existência). Por caráter político entende-se a necessidade de se levar em consideração os diversos interesses económicos, religiosos, políticos, etc., no momento em que se decide quanto, corno, onde, e por que se gastam os recursos e quem será o beneficiário, direta e indiretamente, isto é, no caso dos projetos prioritários, não só qual será a população atingida mas também, considerando-se o jogo partidário e os interesses políticos em cada região ou localidade, quem poderá se beneficiar politicamente das ações a serem implementadas. Daí a necessidade de se incorporar e de se negociar com as comunidades, as associações de moradores, as prefeituras e organismos municipais e estaduais e outras entidades que possam ter interesse no projeto proposto, o que, se, por um lado, tende a reforçar o caráter democrático das decisões tomadas, por outro, pode postergar a implementação dos projetos das empresas dada a constelação, com frequência contraditória de interesses em jogo. O reflexo deste processo sobre o trabalho dos subgrupos encontra-se na possível lentidão com que são tomadas as decisões relativas a cada ação, devido à necessidade de negociá-la em várias frentes, nem sempre confluentes entre si, retardando o processo. Embora fundamental para o sucesso dos objetivos de cada projeto, a negociação política não deixa, assim, de ser um possível fator de atraso na sua execução, o que também pode, pelo menos em parte, explicar as dificuldades encontradas no trabalho dos subgrupos do "Comitê das Estatais".
Assim uma das questões que se torna evidente a respeito da segunda fase dos trabalhos do "Comitê", é que as discussões travadas nestas reuniões tenderam a assumir um caráter marcadamente político, em relação às possibilidades e limitações da contribuição das empresas públicas para a realização dos objetivos da campanha (4). Esta politização dos debates é bastante natural considerando-se que, tratando-se de entidades vinculadas ao• aparato de Estado, os recursos que elas administram são, por definição, políticos.
A respeito, não está demais descartar aqui a imagem tão comum do Estado, ou do Govemo, como estando acima. dos interesses de todo tipo que caracterizam a estrutura da sociedade civil, velando pelo conjunto destes interesses sem se deixar influenciar por eles, ou sem tomar partido por este ou aquele segmento. Embora seja de se esperar que o aparato governamental, assim como seus dirigentes, não beneficie única e exclusivamente a um determinado setor da sociedade, não cabe, entretanto, esperar uma neutralidade absoluta frente aos diversos interesses particulares que pressionam pela satisfação de suas demandas específicas. O Estado nas sociedades contemporâneas está cada vez mais envolvido com os conflitos de interesse enraizados na sociedade civil, e, por esta razão, tende a "politizar" de maneira explícita a utilização de recursos que são, também por definição, escassos. Dessa forma, a simples menção aos recursos públicos - não importa se financeiros, técnicos, humanos, etc. -, é suficiente para trazer implitica a noção de disputas políticas em torno ao uso que deverá ser dado a estes recursos. Assim, nada mais "natural" que as discussões em tomo à participação das empresas estatais tenham assumido o tom político que se percebe nas diversas intervenções captadas nestas reuniões.
Entretanto, embora a incorporação dessas empresas à Campanha Contra a Fome tenha ampla repercussões políticas, as manifestações a respeito têm sido no sentido de considerar as questões políticas mais como um obstáculo á realização dos projetos prioritários do "Comitê" ou dos programas de cada empresa, do que como um estímulo para uma nova utilização dos seus recursos. Este tem sido, na nossa opinião, o teor das discussões dos representantes destas empresas insistindo mais nas dificuldades que isto representa, do que nos possíveis aspectos positivos (como, por ex., a luta pela transparência e pela honestidade no seu uso, ou a possível democratização de seu alcance beneficiando as camadas mais necessitadas da população) que possam estar envolvidos ou resultar dos conflitos políticos relacionados com a administração e o uso destes recursos. A política corre o risco de assumir, em uma tal perspectiva, um caráter negativo que pode contribuir, ao contrário, para reforçar uma visão tecnocrática e, talvez, autoritária das funções e dos mecanismos vigentes na esfera pública. Ainda que não necessariamente fácil de administrar, e podendo ter por vezes um peso considerável no atraso ou no postergamento das decisões, o elemento democrático que pode estar presente nas discussões em relação aos recursos das empresas estatais é, entretanto, básico para assegurar uma mudança de rumo no seu papel no desenvolvimento econômico e social do país.
Por outro lado, é também evidente, no histórico apresentado, que as dificuldades para a realização das diversas proposições de intervenção destas empresas na campanha, via "Comitê", continuam a se manifestar. Neste sentido, até o momento não havia sido constituído o cadastro de parcerias que era considerado um instrumento de importância central para a implementação dos projetos do "Comitê" e das empresas que o integram; tampouco existem informações sobre o avanço do banco de dados proposto como forma de acompanhar as ações das estatais, nem sobre o avanço no projeto de repeixamento dos Q.SRaNOS C1: ékpa corttrolados pot elas. O mesmo ocorre em relação às propostas de geração ô.e empreSo e lerda , sok sO teceMemente começaram a ser entrepes ao Secrettat.totxectm o do "Comitê das Estatais". Podemos retomar, então, as discussões a respeito do papel que a informalidade do "Comitê" joga nesse contexto.
Assim, segundo informações do seu Secretário Executivo, parece ser que a tentativa de conferir um grau mínimo de formalização aos trabalhos daquele organismo, pela via da constituiçâo dos diferentes subgrupos relacionados, acabou por ser derrotada, peio menos
até o momento, pelo que se pode definir corno o "vício de origem" da constituição do "Comitê das Estatais", e, de resto, da própria campanha contra a fome, isto é, a informalidade. Seu efeito principal tem sido ode não se poder contar com a adesão efetiva dos seus integrantes às resoluções tomadas nas 'reuniões, de fazendo com que este compromisso tenha dependido, essencialmente, da postura pessoal do representante de cada empresa, que, por sua vez, depende do grau de envolvimento de cada entidade na campanha; portanto, as empresas mais participantes são aquelas que oferecem um maior grau de confiabilidade em relação à implementação das decisões tomadas nas plenárias, o que tem muito a ver com o interesse/ compromisso daquele que a representa; ou seja, um pequeno círculo vicioso.
Do ponto de vista prático, a informalidade acabou por transformar os subgrupos de trabalho em instâncias que só funcionam quando se exerce algum tipo de pressão para que os acordos das reuniões sejam implementados. Desta maneira, como a empresa coordenadora de cada subgrupo é, em geral, a mesma que coordena na verdade a implantação de cada projeto, só têm sido levados a cabo aqueles projetos prioritários que coincidem com os programas particulares das empresas que encabeçam os subgrupos. Isto, talvez, seja inevitável considerando-se o fato de que ações conjuntas entre as empresas na área social não são, como dissemos, a norma da sua participação nesta área; no entanto, isso vai de encontro à proposta inicial de estimular o trabalho em parceria das empresas públicas, o que se tornaria a grande novidade, do ponto de vista operacional e institucional, da sua integração à campanha contra a fome no Brasil. Na realidade, portanto, os possíveis benefícios da informalidade para a condução da campanha, já apontados, estão cedendo terreno para suas consequências negativas, como as que acabamos de citar, transformando-a em um problema real para o "Comitê". Frente a essas dificuldades, aquilo que foi efetivamente realizado demonstra que quando existe um verdadeiro interesse, uni potencial importante das empresas estatais é acionado, conseguindo resultados significativos.
O problema da informalidade remete, assim, a uma questão particularmente relevante em um movimento como a campanha contra a fome: trata-se da questão do verdadeiro compromisso pessoal dos participantes com as ações e os objetivos a serem alcançados. Isto pode ser analisado, aproveitando o mote da campanha, a partir de uma dicotomia básica entre comportamento solidário, de um lado, e comportamento individualista, de outro, para colocar o problema em termos bem simples.
Na literatura sociológica que trata da questão da ação coletiva, ou seja, aquela orientada à aquisição de bens públicos - aqueles que só podem ser conseguidos com base na participação organizada de vários agentes individuais como, por ex., os aumentos salariais nas campanhas dos sindicatos -, é corrente a suposição de que os indivíduos tendem a fazer um cálculo do tipo custo-benefício, antes de decidirem se participam, ou não, de ações coletivas que irão beneficiar não só a eles próprios, como também a outros indivíduos com os quais não estão relacionados, e que não necessariamente se envolveram no processo para se conseguir o bem público (no nosso exemplo, greves, paralisações, lutas sindicais ou políticas, etc.), com todos os ônus que isso pode representar. Partindo, poisde uma perspectiva utilitarista, essa é, em geral, a estrutura do que se conhece como o "dilema do prisioneiro", no qual o comportamento egoísta tende a prevalecer sobre o comportamento solidário, com o risco de não se conseguir alcançar o bem público pela desconfiança mútua entre os interessados potenciais (5). Se essa é urna possibilidade real quando bens passíveis de mensuração estão em jogo, é de se esperar que, pelo menos teóricamente, este comportamento egoísta tenderá a se acentuar quando o objeto da ação coletiva são "bens públicos" incomensuráveis (a dignidade alheia, a plena cidadania, os direitos humanos, etc.).
Consideramos, no entanto, que a adesão massiva à Campanha Contra a Fome, a ampla manifestação de solidariedade social das pessoas e grupos direta ou indiretamente envolvidos neste processo, tende a questionar o pressuposto utilitário que fundamenta a análise precedente, e que sustenta que os indivíduos só se mobilizarão se seus interesses forem satisfeitos, ou, melhor dizendo, se os benefícios superarem os custos da ação. Como é rela. tivaMente fácil de perceber, campanhas envolvendo comportamento solidário não trazem, de forma necessária, benefício algum para uma parcela significativa dos que nelas tomam parte; é o caso, por ex., de muitos doadores, ou daqueles encarregados da distribuição dos bens arrecadados que, com frequência, não recebem por sua participação nada mais que agradecimentos, ou seja, "bens" imateriais, embora seja também frequente auferir benefícios com este tipo de comportamento, acumulando o que foi anteriormente mencionado, isto é, capital social, o qual pode ser muito importante para certos atores que buscam se afirmar ou sobressair no cenário social. Ainda que o comportamento solidário necessite da presença de alguns fatores importantes, como a confiança entre os participantes, e que o comportamento individualista seja perfeitamente compreensível em circunstâncias onde predomine o "jeitinho", a experteza, etc., é importante reconhecer que ele não é o único padrão possível de relacionamento entre os atores sociais.
Essa estrutura analítica pode, portanto, nos ajudar a entender melhor algumas das razões para a dificuldade de uma maior participação que as empresas públicas apresentam. Assim, embora todos os projetos do "Comitê" dependam das ações individuais das empresas que o compõem, é perfeitamente possível que estas'empresas encontrem dificuldades para romper com ações que projetam exclusivamente a elas, individualmente consideradas, no cenário ou "campo" social, na ausência de uma estrutura formal com capacidade de cobrança de resultados e com a inexistência de uma cultura funcional ou social que gere um comportamento solidário com certa naturalidade - em vez de reforçar o insulamento burocrático a que estão sujeitas. Ações coletivas, no sentido proposto acima, ficam então prejudicadas, não em função de atitudes "egoístas" por parte dessas empresas, mas por falta de um componente básico para se jogar o que os teóricos da ação coletiva definem como o "jogo do altruismo": a confiança mútua que decorre do enfrentamento cotidiano de problemas comuns aos parceiros deste tipo de ação. Neste sentido, manifestações concretas de solidariedade por parte destas empresas seguramente induzirão ações semelhantes nos demais membros do "Comitê", e provavelmente também em outros setores da sociedade, aumentando as chances de êxito na realização dos projetos de combate à fome voltados para a exploração do potencial sinergético destas empresas. Do contrário, e apesar de todas as declarações de intenção que façam, o comportamento "autocentrado" das empresas, como nos indivíduos, poderá inviabilizar ações coletivas com maior impacto e transcendência que aquelas realizadas em caráter individual. .
Entretanto, uma melhor compreensão acerca da participação de empresas e instituições públicas em uma campanha das dimensões e propósitos da que é liderada pelo Betinho, demanda uma discussão, por resumida que seja, a respeito das condições de caráter socioeconómico que contribuem para determinar e até mesmo estimular a sua presença neste movimento. A esta discussão estará dedicada o próximo segmento deste texto.
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VI- ESTADO, POBREZA, DEMOCRACIA
Acostumados às mostras de solidariedade de indivíduos e pequenos grupos na vida cotidiana da sociedade brasileira, comportamento este com frequência, embora não exclusivamente, fundado em profundas convicções religiosas estimuladoras da solidariedade e da caridade para com o próximo, não deixa de causar certa surpresa observar que atitudes, gestos, ações concretamente solidárias podem ser objeto da ação institucional em larga escala de instituições e empresas que, pela sua própria "natureza" - e na sua maioria - encontram-se vinculadas à lógica da racionalidade económica própria do mercado capitalista, em geral avesso às demonstrações de comportamentos não-utilitários ou às ações solidárias. Essa surpresa pode ser ainda maior quando tais ações são desenvolvidas por empresas públicas com frequência objeto de críticas de todo tipo em função da sua "ineficiência". "gigantismo", "desperdício", e outros adjetivos comumente utilizados para avaliar seu desempenho empresarial. Entretanto, tal surpresa pode, na verdade, demonstrar um significativo desconhecimento do papel social cumprido por várias, se não todas, dessas empresas as quais desenvolvem uma série de ações de assistência social que ultrapassam o limite estrito de suas funções econômicas (6).
Como os exemplos de empresas como Fumas, Petrobrás, DataPrev, Banco do Brasil e outras demonstram, ações de solidariedade institucional vêem sendo realizadas há já algum tempo, anteriores à Campanha da Fome, beneficiando a vários segmentos da sociedade, em particular a infância e a juventude social e economicamente carente; estas ações, no entanto, sempre foram desenvolvidas de maneira individual por cada empresa. Um dos aspectos mais relevantes da participação destas empresas na Campanha Contra a Fome, indicado por vários de seus representantes no "Comitê das Empresas Públicas", é justamente o fato de se ter conseguido, pela primeira vez, a estruturação de uma proposta coletiva de atuação destas empresas no combate a essa que é uma das mais perversas consequências da estrutura social brasileira.
A fome não é uma manifestação recente na vida do país; dir-se-ia, ao contrário, que ela é coetânea da formação da nossa sociedade, tal o grau de antiguidade e extensão deste fenômeno na sua história, inspiradora de leituras críticas da qualidade de uma "Geografia da Fome", de Josué de Castro, só para mencionar um dos clássicos das Ciências Sociais no Brasil. Entretanto, parece-nos correto afirmar que só recentemente a fome tornou-se um tema capaz de mobilizar a opinião pública e as instituições brasileiras no seu sentido mais amplo, isto é, não só os órgãos de Governo direta ou indiretamente vinculados de forma funcional ao combate de suas causas e efeitos, como também aquelas parcelas da sociedade civil mais organizadas e/ou participativas da vida política do país. As razões para a mudança de atitude frente a este fenômeno são múltiplas, cabendo, no entanto, destacar algumas delas.
Em primeiro lugar vale lembrar o estimulo representado pela diversificação estrutural da economia brasileira, um dos resultados mais evidentes do regime politico vigente no Brasil, entre 1964/1984, sobre, de um lado, a constituição e a atuação no cenário político de novos atores sociais organizados e lutando por seus interesses os quais, como era de se esperar, incluem não só uma maior participação na distribuição da riqueza econômica socialinente produzida, como também o acesso às decisões políticas que afetam as posições relativas de cada um no conjunto das diversas instâncias de poder; e, de outro, em contradição com o desenvolvimento estrutural alcançado, sobre a pobreza e a fome de uma parcela
significativa da população brasileira, em função do caráter concentrador de renda, baseado em investimentos intensivos em capital, gerando desemprego e dificultando o acesso da população trabalhadora ao mercado de trabalho e ao de bens e serviços. Embora na situação de condições necessárias mas não suficientes para a plena vigência de um regime democrático, ou poli árquico, na versão atual deste conceito (7), a presença e a luta de novos atores sociais foram, e são, de especial importância para que os "efeitos perversos" do processo de desenvolvimento econômico e social recente do país, entre os quais se destacam a fome e a miséria de amplos segmentos da população, sejam objeto do debate crítico e da busca de resolução pela via do conflito político dentro das regras institucionais vigentes. A diversificação dos atores sociais com voz - e voto - nas discussões acerca dos rumos econômicos, políticos e sociais a serem definidos para a sociedade brasileira - um de cujos cenários possíveis é a superação/eliminação da fome e da miséria -, parece-nos ser um dos fatores explicativos mais importantes para a inclusão do problema da fome na agenda pública do país neste momento da sua história; cabe recordar que vários destes novos atores, como por exemplo as associações de moradores das favelas, os sindicatos e as associações profissionais de uma série de categorias, assim como as comunidades eclesiais de base, entre outras, lidam com as questões da fome e a miséria cotidianamente, pressionando para a resolução dos problemas que acarretam.
Em segundo lugar, e relacionado com o ponto anterior sem, contudo, dele se derivar automaticamente, o papel desempenhado pela redemocratização do país após duas décadas de regime de exceção deve ser enfatizado, na medida em que tornou legítimas não só a atitude crítica frente à desigual distribuição da riqueza e à atuação do poder público no sentido de minorar seus efeitos, como também a organização e luta dos mais diversos segmentos da sociedade no sentido de fazer valer os seus variados interesses (econômicos, políticos, religiosos, etc). Se no regime institucional vigente entre 1964/1984, a organização e a luta políticas continham um elevado grau de risco para seus participantes, no tempo que se segue à abertura política e à promulgação da Constituição de 1988 - um dos momentos mais significativos deste (processo -, a sociedade civil deu mostras de uma vitalidade e de uma capacidade organizativa insuspeitadas que, frente à nova rea- lidade, puderam se manifestar e buscar suprimir as dificuldades de participação anteriores. Dessa forma, diversos atores sociais encontraram o espaço e a audiência necessários para tornar questões como o combate à fome, entre outras, um tema debatido e encarado por toda a sociedade como parte de uma agenda mínima de sua transformação democrática.
Um terceiro fator determinante desta mudança de atitudes, e também estreitamente vinculado aos dois fatores antes mencionados, refere-se à consciência, cada vez mais difundida, de que grande parte dos problemas sociais vivenciados pelo país, em particular aqueles que afetam a sua população mais carente nos centros urbanos, e mesmo nas zonas rurais, tem parte ao menos de sua origem no uso ineficiente ou indevido dos recursos públicos, cuja mostra mais recente foi evidenciada pelas investigações da CPI do Orçamento. O desvio deste tipo de recursos, ou o seu uso com fins exclusivamente políticos, colocando em segundo plano o combate às carências sociais de todo tipo que enfrenta a população pobre, foi se tornando, no curso do processo de revitalização da sociedade civil, um tema mais e mais discutido, criticado e condenado pela opinião pública, fazendo do combate a essas práticas uma marca registrada dos novos tempos em que parece se encontrar a sociedade brasileira.
O que queremos destacar aqui é que se percebe cada vez com maior clareza que os recursos públicos, auferidos por meio de impostos pagos pela maioria da população, passaram a ser vistos como um dos instrumentos mais importantes na melhoria da qualidade de vida da sociedade e no seu desenvolvimento econômico e social, e que a sua utilização deve ser objeto do mais estrito controle, sujeito a sanções penais, administrativas e políticas rigorosas. Mais uma vez, os exemplos do "impeadiment" do ex-Presidente Collor e da CPI do Orçamento parecem confirmar esta mudança de perspectiva em relação ao uso destes recursos, embora, claro está, muito ainda reste por fazer neste sentido. Uma das expressões mais relevantes deste mudança de perspectiva encontra- se na estruturação, em novembro de 1993, do "Movimento Pela Ética na Política" voltado para atuar como uma espécie de instância da sociedade civil encarregada de zelar para que os princípios da ética, da moralidade, da probidade administrativa, passem a vigorar na esfera da vida política e na gestão dos recursos públicos por parte do Governo, em seus vários níveis.
Assiste-se neste sentido, na nossa opinião, ao que se pode chamar de uma redefinição dos limites legítimos entre as esferas pública e privada na sociedade brasileira. Isto é, embora de uma maneira ainda não completamente acabada, parece estar ocorrendo uma ampla reavaliação do que são e de quais seriam as relações lidas como válidas entre estas esferas, apontando para uma nova concepção do "público" como sendo uma instância verdadeiramente vinculada a interesses e processos político/administrativos/econômicos mais amplos, envolvendo à sociedade como um todo, para além de interesses exclusivamente privados deste ou daquele segmento. Como em qualquer processo ainda não cristalizado de forma definitiva, talvez ainda seja cedo para afirmar com toda certeza que este é verdadeiramente sentido das mudanças recentes que se podem observar no cenário político /ideológico brasileiro; os indícios, não obstante, parecem apontar com particular evidência nesta direção, que não implica na supressão da contradição de interesses entre os vários segmentos da sociedade, nem do conflito político como forma de resolução dessa contradição. O que está em jogo aqui não é, evidentemente, a validade da existência de interesses distintos em confronto por impor-se aos demais, mas a utilização dos diversos mecanismos públicos com vistas a beneficiar, exclusiva ou prioritariamente, a certos segmentos privados em detrimento de outros, ou da maioria deles. O espaço público que parece estar em gestação hoje no Brasil é, portanto, fundado na diferença de interesses e de perspectivas entre os vários grupos sociais, mas voltado para a inclusão e legitimação dessa diferença.
Em quarto lugar, e isso é de importância central, um novo conceito de cidadania, mais amplo do que aquele legado pelatradição liberal, foi sendo gestado ao longo desse processo de lutas democráticas, de tal forma que, se num primeiro momento seu foco principal centrava-se na reconquista dos direitos políticos usurpados pelo regime militar, uma vez readquiridos estes direitos (livre organização, livre expressão, fim da censura, etc) o movimento social passou a incorporar novas expressões e necessidades sociais como parte integrante de uma nova concepção de cidadania plena. Dessa forma, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer e à diversão, à alimentação, à livre expressão da sexualidade, a luta contra a discriminação racial e religiosa, a afirmação dos direitos civis das minorias sociais, etc., se tornaram elementos fundamentais de uma definição mais ampla de cidadania
global que não mais se limita à expressão tradicional da participação política a qual, embora fundamental do ponto de vista das lutas sociais pela redemocratização, mostraram-se limitatadas frente à realidade social brasileira, mareada por uma profunda desigualdade no acesso aos bens públicos mencionados, assim como aqueles negociados no mercado (8). Mais uma
vez, de uma maneira mais ou menos explicita, mais ou menos acabada, mais ou menos consciente, esta nova concepção de cidadania parece estar na base dos diversos movimentos sociais de todo tipo que marcaram a vida do país nos últimos anos; ela, sem dúvida, se reflete não só na criação de uma campanha da fome, pelo Betinho, como também, parecenos, na sua ampla aceitação e disseminação por toda a sociedade brasileira, de norte a sul do país, em todos os estratos sociais, envolvendo organizações religiosas diversas, empresas, partidos politicos, artistas, sindicatos, a imprensa escrita e eletrônica (com a "honrosa" exceção da Rede Globo de Televisão) e outras formas de ação organizada no combate à fome e à miséria, em especial as Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Uma última questão merece ser destacada, e se refere aos resultados sociais e, portanto, políticos, das concepções econômicas neo-liberais que tentou-se implantar no Brasil em anos recentes, em particular a partir dos diversos planos econômicos de combate à inflação. Como é do conhecimento corrente, um dos resultados mais significativos das politicas econômicas baseadas no neo-liberalismo é, aqui e em outros países como a Inglaterra por exemplo, um incremento significativo do desemprego - tendo como principal razão a recessão provocada pela restrição à atividade econômica do Estado e o maior grau de competição entre empresas com nível de desenvolvimento tecnológico diferenciados - e, portanto, uma queda do nível de renda e consumo no país. O efeito agregado é uma diminuição, por vezes brutal, na qualidade e no nível de vida da população, reforçada pela retração da atividade do setor público nos setores sociais mais importantes como saúde, educação e seguranca. O fato é que, no plano da consciência social dos diversos atores com voz ativa no cenário político nacional, a fome e a miséria, assim como outros problemas vividos pela sociedade brasileira, afirmaram-se cada vez mais como um fenômeno cujas raizes devem ser buscadas na dinâmica própria da sociedade, agravado mas não determinado essencialmente por fatores naturais. À medida que essa consciência se toma um elemento partilhado por segmentos cada vez mais amplos da sociedade, ela se toma também um importante instrumento de luta social. A fome, e os vários outros problemas sociais, passam a ser vistos, portanto, como um fenômeno social e, como tal, passível de mudança ou eliminação.
Embora esta perspectiva possa parecer o mais evidente senso comum, o seu efeito, quando ela se toma patrimônio comum de vários atores e instrumento de luta por seus interesses não deve ser desconsiderado. Nos referimos aqui não à vivência concreta, cotidiana, da fome no Brasil, própria a vários dos novos atores sociais mencionados, mas à sua percepção e elaboração conscientes por parte destes atores, fazendo da fome o objeto de lutas políticas e sociais de significativo impacto na vida da sociedade brasileira.
Os fatores relacionados acima criaram, por assim dizer, um ambiente propício não só para que fosse deflagrada uma campanha contra a fome e a miséria no país, como para a participação dos mais diversos setores e agentes sociais na mesma dando origem a um movimento único na história recente do país por sua capacidade de mobilizar a solidariedade social em larga escala, para além de limitações de caráter religioso, ideológico, social e político. Neste sentido, é perfeitamente compreensível que algumas das mais importantes empresas públicas do país tenham se congregado para fazer parte da Campanha Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida que tomou conta da sociedade brasileira ao longo de 1993, projetando-se no presente ano como uma luta contra o desemprego.
Cabe recordar que várias das empresas estatais que estão envolvidas nesta campanha são um símbolo importante da afirmação da nação brasileira, além de terem desempenhado um papel de especial relevância no seu desenvolvimento econômico e social, em particular a partir da década de 1930. Em tomo dessas empresas criou-se uma verdadeira "malha" de valores, símbolos, expectativas, ligados a um comportamento comprometido com uma participação decisiva na transformação e modernização do país, de tal forma que, do ponto de vista da sociedade, sua integração a uma campanha do tipo da proposta pelo Betinho é vista com naturalidade já que aponta, mesmo que de maneira pontual, para o cumprimento destas expectativas por parte da sociedade. Boa parte das críticas de que são objeto estas empresas deriva-se, justamente, da sua inadequação, ou não correspondência, a uma concepção "ideal" de que, na condição de empresas públicas, deveriam ter um comporta- mento mais orientado a satisfazer tais expectativas e não ter uma atuação marcada, segundo seus críticos, pela ineficiência, pelo desperdício, por privilégios de todo tipo, por se transformarem em "cabides" de emprego, dificultando a sua adequação ao "ideal" de que são objeto.
•Assim, a participação destas empresas, cuja expressão "institucional" é o Comitê das Empresas Públicas, expressa de forma clara as mudanças de perspectiva relacionadas anteriormente no que se refere tanto às origens e efeitos deste flagelo que é a fome de cerca de 32 milhões de brasileiros, como uma possível reafirmação da postura destas empresas relativamente ao papel que as mesmas podem, ou devem, cumprir na sociedade brasileira, seja contribuindo para o seu desenvolvimento econômico seja oferecendo soluções dos mais diferentes tipos para a resolução de seus graves problemas sociais. Cabe, neste sentido, destacar dois elementos que a sua participação na campanha contra a fome revelou: de um • lado, a grave desarticulação funcional do Estado brasileiro, e, de outro, o grande potencial de que dispõem estas empresas para ajudar no combate à fome e ao desemprego, considerando-se o montante de recursos de toda ordem (financeiros, técnicos, humanos, políticos, etc.) que detêm.
A desarticulação do Estado é um dos resultados mais significativos da política neo- liberal adotada pelo Governo Collor, manifesta na reforma administrativa realizada que levou à extinção de diversos órgãos da administração pública federal e à demissão, ou colocação em disponibilidade, de milhares de funcionários públicos entre 1989/1992, embora, • como é óbvio, este processo não tenha começado com este governo. Isto é, não se pode afirmar que existe um momento prévio no qual o Estado tenha sido particularmente bem articulado, em termos funcionais, e outro, pós-Collor, em que este se apresenta corno desarticulado; o que ocorreu na verdade foi um agravamento. acen tuado de uma característica já presenfe antes dele. Portanto, sem colocar em questão aqui a necessidade ou não de uma tal reforma administrativa, e sem querer responsabilizar exclusivamente as ações tomadas neste último período, parece certo que a forma adotada, a ausência de critérios técnicos • definidos e a falta de uma ampla discussão com a sociedade, em particular seus setores mais organizados e com o próprio Congresso Nacional, levou a uma profunda "desintegração" do aparato de Estado e, com ela, a uma ampla desorganização das atividades e do fun- cionamen to do Governo brasileiro nos últimos anos, como é frequentemente ressaltado pelos analistas políticos. O resultado deste processo se faz sentir em vários setores da vida social do país, destacando-se aqueles que afetam diretamente a qualidade de vida da população, como atestam as crises que atingem o sistema de saúde, a estrutura da educação no país, o sistema previdenciário e de transportes e a segurança publica, e, em particular, nos setores
vinculados ao tema da campanha contra a fome, como é ocaso do desperdício de alimentos, apodrecidos nos inúmeros armazéns e silos utilizados pelo Governo Federal na estocagem de diversos grãos que integram a cesta básica da população.
Essa desarticulação do Estado tem, por outro lado, um impacto nada desprezível sobre a possibilidade de um trabalho con- junto dos órgãos e empresas que o integram, dificultando o desenvolvimento de atividades integradas em vários campos, em especial naquelas relacionadas com a assistência ou a solidariedade social. Como se pôde perceber nos diversos contatos com funcionários das empresas estatais para a condução dessa pesquisa, esta é uma das razões mencionadas com maior frequência pelos representantes das empresas no "Comitê das Estatais" para tentar explicar as dificuldades encontradas para realizar ações integradas e coordenadas entre si, num trabalho que foi idealizado, em princípio, como sendo fundamentalmente de parceria entre elas. Ou seja, os problemas enfrentados pela administração do Estado manifestam-se também no limite encontrado por estas empresas para a realização de um trabalho conjunto, quando o propósito não é o de realizar atividades exclusivamente empresariais; assim, sendo a solidariedade social, quando muito, um objetivo secundário destas empresas - se é que se pode afirmar que ela é um dos seus objetivos -, torna-se óbvio que ações em parceria neste terreno exigirão um esforço bem maior do que aquele dispendido para outras tarefas mais de acordo com o seu perfil empresarial. Dessa forma, embora não seja de nenhuma maneira uma surpresa o seu engajamento na campanha, tampouco o é deparar-se com estes entraves ao seu trabalho integrado, fruto de uma conjuntura administrativa pouco propícia para ações desta natureza.
O tema da desestruturação do Estado brasileiro fica ainda mais evidente, quando se analisa o segundo aspecto de destaque na participação das empresas estatais na campanha contra a fome, isto é, o do seu potencial indutor de desenvolvimento e bem-estar social. Como se pode observar nas propostas elaboradas por cada uma destas empresas e que acompanha o documento formal de adesão à campanha, comprometendo a sua participação, são inúmeras as áreas de contribuição potencial que tais empresas apresentam e que poderiam incidir de maneira inquestionável na diminuição e/ou superação definitiva de alguns dos graves problemas sociais que afetam a sociedade brasileira contemporânea. Algumas dessas potencialidades eram desconhecidas até a sua publicação nestes documentos, pelo menos para a opinião pública em geral.
Tomemos, por exemplo, a questão da seca no Nordeste do Brasil, fenômeno que se encontra na raiz de vários dos problemas sociais mais sérios vividos por nossa sociedade, entre os quais se destacam a excessiva migração para os grandes centros urbanos, a violência no campo, parte significativa da prostituição infantil nas cidades do nordeste, etc. Somente uma das empresas estatais envolvidas na campanha contra a fome, no caso específico a Petrobrás, pode contribuir de forma significativa para minorar o drama da sêca pois, na sua atividade de extração de petróleo do subsolo, tem com uma frequência importante encontrado não o petróleo, mas água nos poços que perfura naquela região. Frente a isso, a empresa se dispôs a colocar estes poços e a tecnologia necessária para fazê-los funcionar à disposição das comunidades localizadas nas imediações dos poços por ela perfurados e nos quais se encontrou água. Ou seja, a partir de apenas uma das suas atividades-fins, a prospecçãoextração de petróleo, a empresa criou, de forma talvez não esperada, um instrumento valioso no combate à seca no Nordeste demonstrando pelo menos parte do potencial, muitas vezes desconhecido, que existe nas suas atividades cotidianas e que nem sempre são aproveitados em toda a sua extensão.
Os exemplos são múltiplos, e vão desde a formação/treinamento/aproveitamento de mão de obra oriunda dos segmentos mais carentes da sociedade, inclusive os deficientes físicos, até a solução de problemas relacionados com saneamento, habitação, alimentação, produção na forma de cooperativas, aproveitamento de terras e espelhos d'água para a produção de alimentos (hortas comunitárias, peixamento de represas, etc) e geração de empregos, entre outros (ver Anexo 3). Todos eles apontam para a possibilidade de uma nova utilização dos recursos destas empresas, conferindo-lhes um sentido social e não exclusivamente econômico como até há pouco eram concebidos, muito embora este sentido social possa e deva ter importantes repercussões econômicas no âmbito da produção de alimentos, do mercado de trabalho, etc. Isto não significa, evidentemente, que uma nova concepção do que são as empresas estatais, de como devem se relacionar com a sociedade como um todo e de qual deva ser a utilização ótima dos recursos que manejam, já se encontre estruturada e seja parte integrante da "cultura" funcional destas empresas. Entretanto, parece daro que, embora incipiente, uma nova forma de conceber não só as empresas públicas como também os recursos mais amplos administrados pelo Estado, encontra-se em gestação, se os indícios representados pelos programas apresentados pelas empresas são corretamente interpretados aqui. Tampouco se pode negar que, do ponto de vista de vários de seus quadros funcionais mais importantes, outro deveria ser o papel destas entidades na dinâmica global da sociedade, apontando com frequência para uma concepção muito próxima daquela que hoje começa a se manifestar na sociedade; no entanto, a possibilidade de implementação de perspectivas diferentes é, normalmente, tributária de condições sociais mais amplas que parecem só agora estar se gestando e criando o ambiente adequado para a introdução de mudanças relevantes nesta área.
O tema da desarticulação atual do Estado brasileiro não deve, portanto, induzir à crença de que, em qualquer dos seus ní- veis de atuação, o aparato de governo seja, em condições normais, perfeitamente articulado. Ao contrário, a estrutura normal de seu funcionamento tem por base uma real e, por vezes, profunda autonomia dos diferentes setores que o compõem de maneira que os conflitos, as contradições, os interesses divergentes, estão frequentemente dificultando, quando não impedindo, que as políticas e os programas de governo sejam efetivamente implementados. A desarticulação, portanto, não pressupõe como superação a total eliminação das contradições presentes no Estado, mesmo porque, lidando com esferas da realidade diferentes, os interesses vinculados a elas também o serão de forma que a convergência plena de ação é praticamente impossível, a não ser em situações excepcionais; a desarticulação mencionada refere-se muito mais ao fato de que o aparato de governo não funciona como um sistema de "vasos comunicantes", dificultando o intercâmbio e o trabalho conjunto entre cada segmento do mesmo, que tende, normalmente, a operar voltado exclusivamente para si próprio. Neste contexto, é compreensível a dificuldade encontrada pelas diversas empresas públicas em realizar um trabalho conjunto; na ausência de uma estrutura que viabilize e facilite a comunicação entre elas, é difícil que elas possam, no curto prazo, aproveitar na sua totalidade o potencial sinergético que possuem.
O que importa reconhecer de qualquer forma é que, acompanhando as transformações experimentadas pela sociedade brasileira nos últimos anos, as empresas estatais também parecem sinalizar o caminho para um novo uso dos recursos reais e potenciais de que dispõ em para realizar as suas atividades-fins aproximando-se, neste sentido, dos objetivos mais amplos da Campanha Contra a Fome relacionados com o aumento da qualidade de vida e do bem-estar da população do país. O caminho, apesar disso, não é dos mais fáceis dado que, por definição, os recursos públicos nas sociedades marcadas por desigualdades
tão profundas como a nossa, são sempre objeto de disputas de caráter político e econômico tisacks aos diversos interesses e concepções do que são e de como devem ser utilizados tais recur'sos. A participação das empresas estatais na Campanha Contra a Fome cao poderia, portanto, escapar a esta disputa.
A expressão mais evidente das controvérsias em tomo à destinação que deve ser dada aos recursos controlados pelas em- presas estatais, e ao próprio sentido de tais empresas no sue à campanha se refere encontra-se no curto mas significativo debate travado, entre o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e o editor do jornal "O Estado de São Paulo", nos dias 19 e 20 de outubro de 1993. Num artigo intitulado "O Setor Público e a Fome", o líder da campanha contra a fome relacionou algumas das principais contribuições das empresas estatais à luta travada para erradicar a fome e a miséria, defendendo a importância da sua par- ticipação e reconhecendo não só a trajetória de redefinição do seu sentido público pela qual passaram estas empresas, como também o potencial para a produção do que ele classificou como "verdadeiros e novos milagres", aludindo ao projeto da Petrobrás acima mencionado que tem o sugestivo nome de "Milagre das Águas". O autor, por outro lado, em crítica dirigida ao processo de privatização por que passam boa parte das empresas estatais - em geral, aquelas com maior potencial de rentabilidade e produtivi- dade, pelos parâmetros do mercado -, defende a necessidade de se "reafirmar e democratizar o sentido do público e de integrar e comprometer as empresas públicas com os interesses fundamentais da sociedade. Colocá-las no seu lugar a serviço de todos", reconhecendo na campanha contra a fome, "um fator fundamental para dar a essas empresas um sentido de cidadania e transforma-las em poderosas alavancas do desenvolvimento e da democracia". Não bastasse essa defesa explícita da necessidade de se manter no âmbito do setor público as. empresas estatais, pelo menos as principais dentre elas, dirigindo-as para um maior compromisso social, o autor acena também com a necessidade de se dar um "sentido social" às empresas privadas, o que motivou um editorial contundente por parte daquele jornal.
Nele, o articulista, depois de admitir a importância e a capacidade de mobilização da solidariedade lograda pela campanha, critica duramente ao Betinho por "abandonar a inocência que congrega pela execração que divide" e por assumir a função de "juiz profano que decide a quem pertence o reino da felicidade política eterna", com base em critérios exclusivamente pessoais. O ponto central da crítica radica, evidentemente, na defesa das estatais empreendida no artigo citado; na opinião do editor do "Estadão", as mesmas estatais tão elogiadas pelo líder da campanha contra a fome se constituem rium dos exemplos mais gritantes do desperdício e da falta de controle exercido pelo governo sobre os recursos públicos, cuja faceta mais escandalosa se encontraria nos benefícios concedidos aos funcionários destas empresas na forma de altos salários, de aposentadorias integrais, de fundos de pensão riquíssimos os quais, ironia das ironias, destinam grande parte de seus recursos a investimentos nos mais variados tipos de empresas privadas (shoppings, hiperrnercados, ações de empresas privatizadas, etc). Dessa forma, o editorial aproveita para também criticar a tentativa de se encontrar um suposto "sentido social" às empresas privadas; com isso tentou-se mostrar que as empresas públicas estão longe de ter o monopólio das ações capazes de minorar o estado de miséria em que se encontram 20% da população brasileira. O editorial não se ocupa de. uma defesa explícita das empresas privadas, dedicando-se muito mais a atacar a imagem de compromisso das empresas estatais com a causa social que o artigo do Betinho supostamente tentou passar para o público.
Como se vê, o tema envolve muitos interesses, seja de ordem política, ideológica ou econômica, muito embora a campanha em si tenha logrado um alto grau de unanimidade apesar das vozes discordantes que se ouvem aqui e ali acerca de seus métodos e objetivos. Não se pode esquecer, portanto, que unia reorientação no sentido dado às empresas estatais é um processo que envolve mudanças bastante amplas em várias áreas da vida sodal e que, por essa razão, estes conflitos de interpretação serão inevitáveis e que os mesmos fazem parte do processo de construção de uma sociedade democrática. Parece-nos, entretanto, licito afirmar que, apesar das dificuldades enfrentadas pelas empresas públicas, um passo importante neste sentido foi dado com a sua integração à campanha contra a fome.
Para finalizar com esta rápida análise de alguns dos determinantes socio-políticos mais gerais tanto do surgimento da campanha contra a fome e a miséria, quanto da participação das empresas públicas na mesma, gostaria de esclarecer dois pontos para que não fique a impressão de que acredito que, dadas as condições relacionadas e havendo o envolvimento de empresas do calibre das estatais aqui mencionadas, existiria já, 1) a satisfação adequada das expectativas mais amplas dos diversos atores sociais participantes do processo de redemocratização brasileira recente,e, 2) a democratização real dos objetivos e da utilização dos recursos daquelas empresas, entendento por este conceito uma reorientação de seu desempenho de tal forma que, direta ou indiretamente, os segmentos menos favorecidos da sociedade se beneficiem dos resultados de sua atividade empresarial, por meio da assistência social, do acesso a programas de treinamento de mão-de-obra, de assistência técnica em vários planos, etc.
Em relação ao primeiro ponto, qualquer observador, por superficial que seja, da cena brasileira dos últimos anos, facilmente concordaria com a afirmação de que, à exceção da reconquista da plena vigência democrática no plano político, poucas ou nenhuma das expectativas generalizadas em relação a uma melhoria da qualidade de vida, de uma melhor distribuição da renda nacional, do acesso à casa própria, de uma diminuição dos níveis de desemprego, do fim da violência policial e da impunidade, de melhoria nos sistemas de saúde e educação, e de uma ampla reforma agrária, entre outras, foram cumpridas na qualidade e extensão esperadas pela sociedade. Na verdade, contrariando as esperanças da maioria dos agentes que contribuiram para a redemocratização do pais, a pobreza, a desigualdade e os conflitos distributivos tenderam a aumentar e não a diminuir na passagem do anterior para o atual regime político brasileiro. Não só o desempenho da economia não foi capaz de absorver o crescimento demográfico do período - apesar do crescimento em alguns anos, a recessão foi a tôni- ca na maior parte da década de 80 e 90-, como as políticas econômicas adotadas pelo Governo e a inflação sempre crescente inviabilizaram a incorporação e/ou a permanência de grandes contingentes de trabalhadores ao/no mercado de trabalho, reforçando, dessa forma, a frustração das expectativas de uma maior partici- pação na riqueza social
Os exemplos mais eloquentes dos dilemas presentes na sociedade brasileira atual em função destas dificuldades econômicas, podem ser encontrados, como já se afirmou, nas crises da previdência social e dos sistemas de saúde e educação, incapazes de atender à demanda crescente dos diversos segmentos da sociedade, devido à crônica falta de recursos do Governo Federal, agravada pelos dispositivos constitucionais que transferem recursos para estados e municípios sem a correspondente transferência de atribuições nestas áreas. Portanto, até mesmo pelas expectativas não cumpridas, pelas esperanças não realizadas,
movimento que hoje se espalha pela sociedade brasileira é também fruto do processo que levou à construção de uma poliarquia "híbrida", para usar a expressão de W.C. dos Santos (op. cit., pgs. 77 e ss.)
Em relação ao segundo ponto, espero ter ficado claro que embora as empresas públicas tenham, com sua integração ao "Comitê das Estatais", dado um passo importante no sentido de redefinir sua postura e sua participação no processo de desenvolvimento econômico do país conferindo-lhe um sentido mais social, uma mudança mais ampla e profunda na sua inserção na vida da sociedade brasileira depende de uma série de fatores, alguns dos quais foram mencionados acima, que seria arriscado afirmar ya estarem atuando plenamente e indicando esta direção para aquelas empresas. O que nos parece estar ocorrendo é a existência - no dinamismo próprio de sociedades que estão, por assim dizer, buscando encontrar seus caminhos-, da possibilidade de uma reorientação dos objetivos destas empresas com alguma factibilidade real, sem, não obstante, ser uma certeza absoluta que isso virá a ocorrer. Portanto, nada está de antemão assegurado nem se pressupõe aqui uma evolução necessária no sentido sugerido ao longo do texto; no entanto, parece-nos que esta é uma possibilidade bem real considerando-se as transformações da sociedade brasileira apresentadas de forma resumida neste trabalho.
Estado, pobreza e democracia constituem, pois, três das principais variáveis envolvidas com a criação das condições sociais capazes de explicar o surgimento de um movimento com as características e o propósito da "Campanha Contra a Fome", de um lado, e a incorporação a ela de uma série de empresas e instituições públicas, de outro. Estes três fatores estão, acima de tudo, profundamente vinculados entre si e com as possibilidades reais de uma transformação dos aspectos mais perversos do desenvolvimento recente da sociedade brasileira. A manutenção dos níveis atuais de pobreza social da população é, seguramente, uma ameaça à continuidade do processo de mudanças democráticas das estruturas políticas e sociais do país, o que, por sua vez, pode comprometer a própria tentativa de se adequar o funcionamento, a dimensão e os objetivos do Estado brasileiro às demandas e necessidades do momento atual da nossa sociedade. Parece evidente, dessa forma, que a única possibilidade de se manter e aprofundar o processo de mudanças mencionado é, portanto, alavancar o combate à pobreza, lutar para que as conquistas democráticas - objetivas e subjetivas, isto é, a aceitação da democracia como um mecanismo básico para a convivência social contemporânea - se mantenham e se ampliem, e.exigir que o Estado se adapte e contribua para alcançar estes objetivos. Esse processo, longo e difícil, demanda a participação dos diferentes setores da sociedade, incluindo entre eles, as empresas e instituições públicas; seu envolvimento na campanha contra a fome deve então ser visto, apesar das limitações e dificuldades apontadas no texto, como um fator particularmente positivo neste sentido, contribuindo para elevar os níveis de vida da população brasileira, para a consolidação democrática e, quiçá, para que um novo espaço público seja construído na sociedade brasileira.
2a PARTE
PRINCIPAIS AÇÕES DAS EMPRESAS ESTATAIS
VII - PRINCIPAIS AÇÕES REALIZADAS PELAS EMPRESAS ESTATAIS NA CAMPANHA CONTRA A FOME E A MISÉRIA.
Nesta parte do texto serão apresentadas aquelas ações de maior significado desenvolvidas pelas empresas públicas na Campanha Contra a Fome até o momento. Como se poderá notar, elas estão divididas em ações estruturais e emergenciais, obedecendo às diferenciações entre o que foi realizado pela empresa, enquanto instituição, e o que seus funcionários fizeram, por iniciativa própria, para minorar a fome e a miséria da população carente da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro. Queremos recordar que a quantificação realizada não pretende ser absolutamente correta, já que o registro das ações de cada comitê é, com frequência, incompleto; por esta razão, os dados apresentados são relativos a valores aproximados, que, no entanto, permitirão ao leitor fazer-se uma idéia do trabalho desenvolvido pelos comitês, e do seu significado para a população carente.
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EMPRESA: Banco do Brasil S.A. - Dados relativos às ações emergenciais somente, devido à falta de informações sobre as ações estruturais no Estado do Rio de Janeiro.
OBSERVAÇÕES: Corno se comentou ao princípio do texto, o Banco do Brasil criou comités em cada uma das suas agências espalhadas pelo país. Por este motivo, os dados a seguir referem-se às ações real izadas por 39 comitês do Banco do Brasil que responderam a um questionário enviado para cada um dos comitês de Ação da Cidadania criados em todo o Estado do Rio, dado que a entrevista se mostraria uni instrumento inviável para cobrir todo este universo. Esta pesquisa por questionário faz parte de um levantamento sobre os comitês do Estado a ser publicado em outro volume pelo Núcleo de Pesquisa do 1SER. Em função do grande número de comitês, optamos por não apresentar, nos anexos, dados relativos a cada um dos mesmos.
AÇÕES ESTRUTURAIS: Participação, através da Fundação Banco do Brasil, na construção do Centro Comunitário Bairro Nossa Senhora do Carmo e Vila Santa Tereza, em Belfort Roxo (RJ), ação esta realizada por FURNAS em parceria com outras empresas públicas.
AÇÕES EMERCENCIAIS: Total arrecadado entre julho-dezembro/93: - Tickets-refeição: 10.915 - Dinheiro: CRS 785.200,00 + US$ 9.400,00 Estes recursos foram convertidos em: - 74.798 kgs. de alimentos e ern 4.958 cestas básicas; - 1.500 litros de leite e cerca de 1000 latas de óleo de cozinha, -30 cobertores e 100 sacos de algodão para fraldas, -4.520 unidades de medicamentos diversos, e grande quantidade de produtos de higiene pessoal e de limpeza; - também foram arrecadados 285 sacos de roupas, além de um sem número de brinquedos e outros bens (colchões, berços, etc.).
- BENEFICIÁRIOS:
- Centro Educacional Deolindo Couto, - Casa Geriátrica São Mateus, - Centro Comunitário Lídia dos Santos (Creche Patinho Feliz), - 23 famílias atendidas pelo Hospital do Andaraí, - Fundação Leão XIII, - Hospital Cafres Cuinle, - Cruzada Social São Pedro, etc.
- EMPRESA: Banco do Nordeste do Brasil (BNB) Dados relativos às ações emergenciais, devido a que a instituição não desenvolve ações estruturais no Estado do Rio de 3anciro (ver Anexo 4)
LOCAL: Sede do BNB, Rua do Rosário, 103, si, Centro, Rio de Janeiro, RJ.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Não realizadas no Estado; este tipo de ações é realizado funda mentalmente nos Estados do Nordeste do País, onde a sua atuação é bastante expressiva.
- AÇÕES EMERCENCIAIS: Total arrecadado entre outubro/93 - janeiro/94: - Desconto em folha equivalente a 5% do salário mínimo vigente no mês, por um período de 6 meses, com base em Contrato de Cidadania assinado por funcionários do BNB, o qual pode ser renovado a critério das partes envolvidas: CRS 217.642,00 (US$ 1.700,00).0s recursos arrecadados são transformados, mensalmente, em cerca de 27 cestas básicas.
- BENEFICIÁRIO: - Casa de Caridade - Instituição Cristã Espírita de Estudos e Benefícios.
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- EMPRESA: Caixa Económica Federal (CEF) (ver Anexo 5)
- LOCAL: Sede da CEE Av. Rio Branco, 174, 19° andar, Centro, Rio de Janeiro- RJ.
AÇÕES ESTRUTURAIS: - Programa de Melhoria da Qualidade de Vida: - Cessão de espaço para alfabetização e oficinas de trabalhos manuais (Projeto Of icinas do Saber); - Implantação do Projeto de Desenvolvimento Comunitário no Jardim Santa Catarina, em São Gonçalo, envolvendo a montagem oficinas de educação para a saúde, ecologia e educação ambiental; oficinas de cultura, sociabilidade e lazer; a realização de mutirão para a limpeza do valão local (com a parceria da Prefeitura e do INT), c a construção de urna praça pública com e equipamento poli-esportivo e telefone público (doação da TELERJ). Foram gastos, em fins de 1993, cerca de CR$ 1.864.000,00 na contratação de assistentes sociais não vinculadas à CEF e na compra de latões de lixo para o local (equivalentes a US$ 6212,00).
-AÇÕES EMERGENCIAIS: Total arrecadado entre os meses de maio-outubro/93: - Tickets-refeição: CRS 2384.544,00 (US$ 39.158,00); - Dinheiro: CRS 110.000,00 (US$ 1255,00). Estes recursos foram convertidos em 35.164 kgs. de alimentos diversos.
- BENEFICIÁRIOS:
As ações emergencia is, realizadas no âmbito do projeto "Novo Amanhecer", beneficiaram a cerca de 67 instituições entre as quais se encontram, por exemplo:
- Casa Geriátrica São Mateus, - Casa Santa Gertrudes, - lar de Nazareth, - Orfanato Lar Estrela da Manhã, etc.
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EMPRESA: Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social' DATAPREV ( ver Anexo 6).
LOCAL: Rua Prof. Olvaro Rodrigues, 460, Botafogo, Rio de Janeiro - R.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: - Programa de Geração de Empregos para Deficientes Físicos e Auditivos. - Contratação de 140 deficientes, sendo 17 deficientes físicos e 123 deficientes auditivos; o convênio contempla instrução regular de 1" e 2" graus, além dos benefícios concedidos aos empregados da DATAPREV (vale-refeição vale-transporte, assistência médica, etc.)
- AÇÕES EMERGENCIA1S: Total arrecadado entre julho-dezembro/93: - Tickets-refeição: CRS 511.720,20 (US$ 7.169,00); estes recursos foram transformados em 150 cestas básicas; - Venda de material descartável: total de CRS 119.931,00 (USS 873,00); - Venda de adesivos da Campanha de Prevenção Contra a AIDS: CRS 26.000,00; - Venda de camisetas com slogans da Campanha Contra a Fome: CRS 114.000,00 (USS 830,00); - Venda em consignação de produtos (agendas e camisetas): CRS 69500,00 (USS 506,00); - 330 brinquedos.
BENEFICIÁRIOS: - Refúgio de Meninos e Meninas de Rua- REMER; - Projeto "Se Essa Rua Fosse Minha";
República das Crianças;
Dispensário dos Pobres Imaculada Conceição - Irmã Zoé; - Enfermaria nela do Hospital Gafrée Guinle; - Inst. Nacional de Educação dos Surdos (INES); - Comitê da Cidadania de Botafogo.
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- EMPRESA: Centrais Elétricas Brasileiras, S.A. - ELETROBRÁS. (ver Anexo 7)
- LOCAL: Avenida Presidente Vargas, 642, 10° andar, Centro, Rio de Janeiro - RI.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Por ser a Holding do Sistema Elétrico, as ações estruturais da ELETROBRÁS são, na verdade, realizadas pelas empresas que integram o sistema, como FURNAS e LIGHT, sob a sua coordenação. Tais ações serão mencionadas, pois, oportunamente. Entretanto, a empresa chegou a doar, dentro do seu Programa de Educação, mobiliário e maquinaria em desuso, como arquivos, mesas, cadeiras, armários, microcomputadores e máquinas de escrever.
- AÇÕES EMERGENCIAIS: Total arrecadado e distribuido entre junho-outubro/93: -6 toneladas de alimentos a partir da doação de tickets, - doação de CRS 3014.272,00 (USS4.062,00), - festa para 800 crianças na Semana da Criança, - 16 caixas de roupas.
- BENEFICIÁRIOS: - Paróquia Nossa Senhora da Conceição, era Itaboraí-RJ,
Associação dos Antigos Alunos dos l'adres Jesuítas.
6
EMPRESA: Empresa Brasileira de Telecomunicações - EMBRATEL (ver Anexo 8).
- LOCAL: Av. Presidente Vargas, 1012, Centro, Rio de Janeiro - RJ
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Assinatura de Convênio entre a EMBRATEL e os Ministérios da Comunicação e da Educação, para a cessão de um canal de satélite para transmissão de ['Trigramas educacionais atingindo cerca de 200 mil escolas de I" grau em todo o país, beneficiando a 23 milhões de crianças entre? c 14 anos. Sua implantação deve custar cerca de USS 120 mil por mês à Empresa. Outro convênio nos mesmos moldes, beneficiando a área da saúde está também por ser assinado.
- AÇÕES EMERGENCIAIS:
Total arrecadado e distribuido entre junho-outubro/93: 9235 kgs. de alimentos, convertidos em 510 cestas básicas; - 32 caixas de roupas: - 10 caixas de remédios.
- irsy..bw.vse.x1.‘raos:. - Os bens arrecadados Innen doados especialmente para: - Junta de Assistência Social; - Lar da Tia Neguinha; - Cruzada Paulo de Tarso;
Lar Batista da Criança.
7
EMPRESA: Financiadora de Estudos e Projetos - 1:NEP (ver Anexo 9).
LOCAL: Praia do Flamengo, 200, 13° andar, Flamengo, Rio de Janeiro - RJ.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Atuando espedficamente na área de financiamento de estudos e pesquisas, a FINEP havia liberado US$ 160.000,00 para atividades ligadas à infância e aos adolescentes desenvolvidas pelo !BASE e pela Universidade Santa Ursula. Além disso, vários outros projetos de difusão de informações ode pesquisa estão sendo avaliados para liberação de recursos.
- AÇÕES EMERGENCIAIS: - Total arrecadado e distribuído entre julho-outubro/93:
Tickets-refeição: CR$ 212.069,00 (US$ 4.265,00) Estes recursos foram convertidos em: - 72 cestas básicas; - 30 cobertores; - 10 sacos de roupa e brinquedos; - várias unidades de produtos de cama, mesa e banho.
- BENEFICIÁRIOS: -Asilo Instituto Sagrados Corações de Jesus c Maria; - Famílias carentes do Morro Azul (Flamengo); - Orfanato Lar de Daniel Cristóvão; - Empregados da CONSERVADORA FLUMINENSE; - Comunidade carente de Alcântara, em São Gonçalo - RJ.
8
- EMPRESA: Fundação Oswaldo Cruz- FlOCRUZ (ver Anexo 10).
LOCAL: Av. Brasil, 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro • RJ.
AÇÕES ESTRUTURAIS: - Curso de Aperfeiçoamento em Sistemas de Vigilância Nutricional, treinando cerca de 1500 multiplicadores na região Nordeste; - Organização do Fortim de Debates sobre as Políticas de Combate à 1:ome. - Estímulo à organização de cooperativas de trabalhadores entre os moradores das favelas próximas à FlOCRUZ, para substituição progressiva dos contratos de terceirização de setores como limpeza e manutenção.
AÇÕES EMERGENCIAIS: - Através de um Contrato de Cidadania, 310 funcionários permitem o desconto de 0,5% de seu salário mensalmentedesde o mês de setembro/93, o que permite a comprado cestas básicas para cerca de 50 famílias.
- BENEFICIÁRIOS: - Famílias carentes de pacientes do Hospital Evandro Chagas.
9
- EMPRESA: Fumas Centrais Elétricas, S.A. (ver Anexo 11).
- LOCAL: Rua Real Grandeza, 219, Botafogo, Rio de Janeiro - RJ.
AÇÕES ESTRUTURAIS: - Construção e inauguração doCentro Comunitário-Bairro Nossa Senhora do Carmo e Vila Santa Tereza, em Belfort Roxo (RJ), beneficiando a cerca de 5000 fandhas. Esta obra foi realizada em parceria com outras empresas públicas como a LIGHT, a CEF, a TELERJ, o CEFET, a LIFRJ e Fundação Banco do Brasil; - Cessão de 91 has. de terras em Iturnbiara (GO) e de 17 has. em Planura (MG), para produção de alimentos, à comunidade local; o mesmo convênio foi assinado em Angra dos Reis e Campos (RJ) e em outras cidades do pais; - Repeixamento na Unisa de Marimbando (SP);
Cursos de alfabetização de adultos, para duas turmas de 20 alunos, a cada quatro meses, em curso noturno. - Cursos de noções de higiene e de aproveitamento de ervas medicinais; - Coleta de 10 toneladas de papel reciclava] em Angra dos Reis (RJ), que foram vendidas, tendo os recursos sido destinados às comunidades carentes da
localidade.
AÇÕES EMERGENCIAIS:
Total arrecadado até novembro/93; -2317 kgs. de alimentos, mais 200 latas de óleo e 65 cestas básicas; - 18 caixas (54x46x36cm) de remédios e 150 caixas de remédios definidos pelas instituições beneficiadas; - 1400 fraldas, 8 dúzias de calças plásticas e 120 mamadeiras; - 30 cobertores e 30 toucas de lã; - 1440 lápis, 425 apontadores, 280 réguas, 800 borrachas, 200 canetas, 1200 cadernos grandes, 240 pratos plásticos, 240 canecas e 240 colheres; - 25 caixas de brinquedos.
- BENEFICIÁRIOS: - Hospital Jesus; - Educandário da Misericórdia; - Pequeninos de Jesus; - Fundação Leão XIII; - Asilo São Mateus; - Movimento Fé e Amor; - Abrigo Cristo Redentor; - Recanto da Criança Feliz; - Centro Educacional Deolindo Couto; - Ação Cristã Vicente Moretti; - Escola Comunitária da Vila Santa Tereza.
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- EMPRESA: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta tisca - IBGE (ver Anexo 12).
- LOCAL: Av. Franklin Roosevelt, 166, 10" andar, Centro. Rio de Janeiro - RJ.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: As ações do IBGE são, na verdade, subsidiárias às ações de outras empresas públicas, atuando na área de geração de informações. Dessa forma, foram publicados até o momento dois Boletins Informativos contendo dados sobre os diversos fatores sociais vinculados à pobreza; também foi publicado o "Mapa do Emprego e do Desemprego no Brasil".
AÇÕES EMERGENCIAIS: Não foi informada nenhuma ação deste tipo.
- BENEFICIÁRIOS: Empresas públicas e outros interessados na Campanha Contra a Fome.
- EMPRESA: Instituto Nacional de Tecnologia - INT (ver Anexo 13).
- LOCAL: Av. Venezuela, 82, 2' andar, Centro, Rio de Janeiro - RJ
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Voltado para ações de saneamento, o INT realizou a limpeza do valão do Jardim Catarina, São Gonçalo, onde a CEF construiu uma praça pública, além de ter doado luvas para a limpeza que contou com a participação da população local.
- AÇÕES EMERGENCIAIS: Não foram relatadas ações deste tipo.
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- EMPRESA: Light Serviços de Eletricidade S.A. (ver Anexo 14).
- LOCAL: Av. Pres. Vargas, 642, Centro, Rio de Janeiro - RJ.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: - Convênio com a Fundação São Martinho para financiamento dos estudos e assistência para cerca de 50 menores indicados pela instituição; - Cessão de terras para hortas comunitárias em Nova Iguaçu (RJ); - Emissão de Contas de Luz dupla para doação de recursos para o Fundo Interreligioso.
- AÇÕES EMERGENCIAIS: - Só foram realizadas duas campanha de doação de tickets-refeição, totalizando CR$ 1.170.679,00 (US$ 52.763,00), que foram transformados em: - 1464 cestas básicas, - 1163 quentinhas, - 150 kgs. de açúcar, - 150 kgs. de farinha, - 228 latas de óleo, - 75 kgs. de café, - 200 kgs. de outros alimentos, - 45 colchões, 21 cobertores, 53 travesseiros, e 68 toalhas.
- BENEFICIÁRIOS: - Comunidade de Jardim Gratnacho, em Duque de Caxias (RJ), - Abrigo dos Sofredores de Rua, Duque de Caxias (RJ), - Orfanato Lar Estrela da Manhã, Itaguar (RJ), - Associação Beneficente São Martinho, - Creche Maternal Tia Aparecida, - Paróquia da Imaculada Conceição, Duque de Caxias (RJ), - Internato Associação das Filhas de Maria Imaculada.
- 13
- EMPRESA: Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS (ver Anexo 15).
- LOCAL: Av, Chile, 65, Centro, Rio de Janeiro, RJ.
:AÇÕES ESTRUTURAIS: - Atividades relacionadas com o Programa da Criança, beneficiando cerca de 1500 crianças nas• Cidades do Rio de Janeiro e Duque de Caxias, através de acompanhamento médico-odontológico e do fornecimento de material esportivo e educacional, além de lanche, - Recrutamento de 148 menores entre 14 e 18 anos, para receberem orientação profissional remunerada e beneficios sociais da empresa, - Implantação de hortas comunitárias no Municipio de Campos (RJ), num total de 270 hortas, que produzem 2 toneladas de alimentos por mês, beneficiando 1350 famílias e 65 entidades entre escolas, creches e entidades filantrópicas, - Cessão de 107 poços para produção de água no Nordeste.
- AÇÕES EMERGENCIAIS: - Total arrecadado e distribuido entre julho-novembro/93: - Distribuição de 13 kgs. de mantimentos a cerca de 100 faniflias no Bairro do Caju, Cidade do Rio de Janeiro, - Doação de 3.950 kgs. e 250 latas de alimentos diversos, - Distribuição de 4 toneladas de alimentos em Macrié (RJ) - Doação de 590 Kits escolares (cadernos, lápis, borracha e apontador) durante a semana da criança.
BENEFICIÁRIOS:
Casa de Luciá,
Creche São Francisco de Assis, - Comunidade Noel Rosa, - Congregação Espirita Francisco de Paula, - Funcionários das empresas prestadoras de serviço à Pe- trobrás, - Fundação de Assistência ao Estudante, - Ação Cristã Moretti.
14
- EMPRESA: Serviço Federal de Processamento de Dados - SERPRO (ver Anexo 16).
- LOCAL: Rua Pacheco Leão, 180, J. Botânico, Rio de Janeiro (RJ).
AÇÕES ESTRUTURAIS:
- Com base no "Projeto Pmfissionalizante", a empresa incorporou cerca de 60 menores entre 14 e 17 anos, preparando-os para tarefas administrativas.
- AÇÕES EMERCENCIAIS:
- Total arrecadado entre julho-novembro/93: - Tickets: CR$ 1339.049,00 (USS 21.308,00), - 107 kgs. de alimentos, - 931 pares de sapatos, - 73 colchonetcs, - 535 brinquedos, - cerca de 300 unidades de produtos de limpeza (sabonete, escova de dente, desodorante e pasta de dente).
- BENEFICIÁRIO: Todos os bens e recursos arrecadados são doados à Escola Maria de Nazaré.
15
- EMPRESA: Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ (ver Anexo 17)
- LOCAL: Av. Pasteur, 250, Praia Vermelha, Rio de Janeiro • RJ
AÇÕES ESTRUTURAIS: A UFRJ decidiu concentrar seus esforços relativos àCampanha em alguns municípios da Baixada Fluminense onde já vem desenvolvendo trabalhos junto às Prefeituras locais e junto aos movimentos sociais da região. Neste sentido, já foram realizados os seguintes produtos, vinculados à área de atuação da instituição, isto é, à produção de conhecimentos:
Diagnóstico das questões envolvendo a gestão urbana dos Municípios da Baixada Fluminense; - Diagnóstico preliminar da área da saúde destes Municipios; - Seminário de Segurança Alimentar, preparatório para a Conferência sobreSegurança Alimentar de julho/94 em Brasflia; - Diagnóstico preliminar sobre a área da educação dos Municípios da Baixada Fluminense; - Diagnóstico sobre os problemas enfrentados pelos pequenos produtores rurais do Estado do Rio de Janeiro.
- EMPRESA: Cia. Vale do Rio Doce (ver Anexo 18)
- LOCAL: Av. Graça Aranha, 26, Centro, Rio de Janeiro - RJ.
- AÇÕES ESTRUTURAIS: Não se dispõe de informações acerca destas ações, embora a empresa tenha formalizado 10 projetos para atuação a nível estrutural.
- AÇÕES EMERGENCIAIS:
4.
- Total arrecadado até novembro/93: - US$ 2.500,00 em dinheiro, utilizados na compra de equipamentos para montagem de uma cozinha industrial e para o treinamento demão de obra feminina no ramo de confecções; ambos os gastos estão voltados para cursos de capacitação profissional de jovens; - distribuição mensal de 74 cestas básicas.
- BENEFICIáRIOS: - Instituto Brasileiro de Inovações em Serviço Social (113155), - Casa do Menor Trabalhador.
Total de recursos arrecadads através de ações emergenciais:
Tipos de ação
Tickets (unid) Total (aproximado)
10.915 *
Dinheiro em espécie
em tickets
Total
CR$ 2.920.000,00 ( US$ 30,000)
CR$ 5.820.000,00 ( US$ 125,000)
CR$ 8.740.000,00
( US$ 155,000)
Esses recursos foram convertidos em:
cestas básicas alimentos diversos sacos de roupa cobertores
7.530 130.000 quilos 350 110 brinquedos 2.000 unidades diversas e inúmeros outros bens como remédios, material escolar, colchões, fraldas, etc.
'O pequeno n° de tickets apontados se deve ao fato de que a grande na orla dos cainhes de funciohários comunicou a arrecadaçáo de ticketsna larma do valor em cru zelos reais que representa o montante doado: este valor aparece na rubrica dinheiro.
VIII- CONCLUSÃO
Gostaríamos, para concluir este trabalho, de formular algumas comentários acerca da participação dos funcionários das empresas estatais na Campanha Contra a Fome, devido à sua importância para a realização dos objetivos deste movimento.
VIII. 1 - AÇÕES EMERGENCIAIS
1.1 - Acerca do grau de mobilização dos funcionários
Uma das principais características da participação das empresas estatais na Campanha Contra a Fome, foi a elevada, e rápida, resposta encontrada entre seus funcionários aos apelos lançados pelos formuladores do movimento. Embora de forma diferenciada em relação ao tipo de trabalho desenvolvido, aos recursos arrecadados, à relação com as instituições beneficiadas, ao seu papel no trabalho realizado pela empresa na campanha, etc., os funcionários das empresas públicas integrantes do "Comitê das Estatais" logo se tomaram um dos principais atores desta campanha. Trabalhando em empresas que os críticos não poucas vezes definiram como "ilhas da fantasia", devido aos benefícios trabalhistas percebidos, os empregados das estatais demonstraram uma grande sensibilidade aos problemas sociais representados pela miséria e pela fome, e, das mais mais variadas maneiras, contribuiram para que os objetivos da campanha fossem atingidos.
Essa grande mobilização, entretanto, não se traduziu necessariamente em um envolvimento massivo com as tarefas cotidianas realizadas por cada comitê de funcionários nestas empresas. Prova disso é que o número de integrantes dos comitês em cada empresa sempre foi pequeno, particularmente se comparado com o total de empregados em cada uma delas. Assim, um número limitado de integrantes teve a responsabilidade de levar adiante todas as atividades definidas como prioritárias por cada comitê; apesar disso, e embora reconhecendo que a colaboração de mais pessoas teria seguramente contribuido para que os resultados fossem mais significativos, os resultados apresentados podem ser considerados bastante expressivos de um importante compromisso com a causa da solidariedade sodal apresentado pelos funcionários das estatais. Não se trata aqui somente do montante arrecadado, mas também do desenvolvimento de uma consciência social diferente, na qual o interesse pelo destino das demais pessoas na sociedade toma-se um de seus eixos principais, manifestando-se, portanto, na nossa opinião, uma importante mudança qualitativa na visão de mundo destas pessoas.
Essa afirmação pode ser facilmente comprovada, através cia leitura dos inumeráveis boletins, cartazes, folhetos e demais instrumentos de propaganda utilizados pelos diversos comitês para incentivar a participação dos funcionários nas tarefas da campanha, apelando sempre para a consciência da necessidade de prestar ajuda e solidariedade à população carente em todo o país, e em particular na Cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Esta ajuda está voltada, principalmente, para as diversas instituições de assistência social à infância e à juventude carente, assim como a idosos na mesma situação; a assistência direta às comunidades, sem a intermediação de alguma entidade de utilidade pública, é rara entre os comitês pesquisados.
Assim, a participação dos funcionários das empresas públicas na Campanha Contra a Fome, teve resultados não só quantitativos de importância, como, o que nos parece especialmente significativo, resultados qualitativos da maior relevância. Embora possa ser ainda cedo para avaliar a longevidade destas mudanças, e seus efeitos para além da campanha iii propriamente dita, é nítida a presença de elementos valorativos tendentes a reforçar o compromisso social dos funcionários com a situação vivida pelos setores mais carentes, buscando, com isso, romper pelo menos em parte o isolamento, o insulamento individual, a que as condições do país tem levado os membros da sociedade em geral a adotar como • estratégia preferencial de vida.
1.2 - Os resultados positivos da informalidade.
Outro ponto a destacar, de forma aparentemente contraditória, é que, no plano das ações emergenciais, a informalidade, que se constituiu em um dos obstáculos para a plena realização das propostas estruturais de combate à fome, tomou-se um fator positivo em termos da capacidade e mobilidade de ação que permitiu aos comitês de funcionários das estatais levar adiante suas propostas específicas neste mesmo sentido. Com isso queremos destacar que os membros destes comitês, apesar de contar em geral com o apoio das empresas, gostariam de ver seus esforços tendo repercussões institucionais mais importantes, dando origem, por exemplo, a programas permanentes de ajuda da empresa para o combate à fome e à miséria; dessa forma, há a aspiração da construção de uma certa formalidade e reconhecimento dos comitês, e do seu trabalho, dentro da empresa, embora isto possa produzir um certo engessamento da sua mobilidade. Entretanto, o aspecto que merece ser posto em relevo aqui, é que, pelo menos nos momentos iniciais da campanha, a rapidez com que foram formados os comitês e a liberdade com que passaram a atuar, foi resultado da informalidade com base na qual foram estruturados, permitindo-lhes uma agilidade na resolução de problemas, na definição das atividades a realizar e das instituições a beneficiar, que seria difícil de obter se um clima de formalização, ou de burocratização dos comitês, prevalecesse na campanha.
Ora, como se sabe, este é uh n movimento marcado desde o começo - como se pode deduzir das cartilhas para a formação de comitês disseminadas pelo país afora -, pela total liberdade, e, portanto, informalidade, na constituição e na condução das atividades de cada comitê. O importante na campanha, ressaltavam as cartilhas, era que os membros da sociedade pudessem exercitar sua cidadania, ampliada para além dos limites estritamente políticos em que era tradicionalmente considerada, e assim contribuir para que os membros menos favorecidos da sociedade possam, como os mais favorecidos, ter acesso ao exercício da cidadania plena, que passa a incorporar os direitos às condições que tornam a vida humana digna de ser vivida, e que incluem o acesso à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e ao lazer. A informalidade permitiu, dessa forma, tanto na sociedade em geral como nas empresas públicas, que as iniciativas dos membros dos diversos comitês fossem viabilizadas sem que os entraves da formalização impedissem ou dificultassem seu empenho na consecução das diferentes atividades emergenciais propostas por cada comitê.
Portanto, se a informalidade traz algumas limitações do ponto de vista material, em função da ausência ou dificuldade de acesso aos recursos necessários ao desempenho destas tarefas, do ponto de vista da "administração" dos comitês ela contribuiu positivamente