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Ventos de mudança na operação do fomento
Epidemiologia da pandemia da covid-19
Pedro Rodrigues Curi Hallal Professor titular da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel). Editor-chefe do Journal of Physical Activity and Health. Bolsista de Produtividade 1A do CNPq A epidemiologia é a ciência que estuda as doenças nas populações. Diferentemente da clínica, focada no indivíduo, a epidemiologia é uma ciência populacional, focada no coletivo. Uma maneira didática de abordar uma doença, sob a perspectiva da epidemiologia, é dividi-la em cinco componentes, cada um com as perguntas científicas básicas correspondentes, como vemos a seguir:
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Magnitude Qual a quantidade (absoluta ou proporção) de pessoas na população com a doença?
Causas Por que algumas pessoas desenvolvem a doença e outras não?
Consequências Quais as consequências da doença para a saúde, no curto, médio e longo prazo?
Intervenções O que pode ser feito, nos níveis individual e coletivo, para evitar a doença?
Políticas Quais políticas estão sendo adotadas, nos âmbitos local, estadual e nacional, para enfrentar a doença?
Nesse texto, abordarei cada um desses componentes no que se refere à pandemia de covid-19.
Magnitude
A covid-19, doença causada pela infecção pelo vírus SARS-CoV-2, foi inicialmente reportada na China, na virada entre os anos de 2019 e 2020. Em poucos meses, alastrou-se pelo planeta, iniciando pela Europa e chegando a praticamente todos os países do mundo em meio ano. Existem várias fontes de dados sobre a magnitude da covid-19, sendo que as principais medidas utilizadas se referem a quantidade de casos e de óbitos pela doença.
A estimativa da quantidade de casos de covid-19 deve ser interpretada com cautela, visto que as estatísticas oficiais, baseadas em casos confirmados, representam uma subestimativa da magnitude real da doença na perspectiva populacional. Isso porque a testagem ocorre de maneira seletiva, especialmente em pessoas sintomáticas.
Até o dia 17 de setembro de 2021, o sítio eletrônico https://www.worldometers.info/coronavirus/ indicava a existência de 228 milhões de casos confirmados de covid-19 no mundo, sendo 21 milhões deles no Brasil. Destaca-se que o Brasil possui 2,7% da população mundial, mas concentra 9,2% dos casos confirmados de covid-19 no planeta.
Baseando-se nas estatísticas oficiais de casos confirmados, seria estimado que 10% da população brasileira (21 milhões de 211 milhões) já tivesse sido infectada pelo vírus SARS-CoV-2. No entanto, a estimativa da prevalência real da infecção somente é possível a partir de dados de estudos de base populacional, onde a população é amostrada para participar da pesquisa, independentemente da ocorrência ou não de sintomas. Dados do Epicovid19, estudo epidemiológico conduzido em 133 cidades brasileiras, espalhadas por todos os estados, estimaram uma prevalência de infecção por SARS-CoV-2 de 14,7% em janeiro a março de 2021. Inquérito sequencial realizado no Rio Grande do Sul (Epicovid19-RS) estimou em 20% a prevalência de infecção em abril de 2021 (HALLAL et al., 2021a). Inquérito sorológico realizado em São Paulo sugeriu que 1/3 da população adulta já havia sido infectada até maio de 20211 .
Em relação à mortalidade, o mundo registrava, até o dia 17 de setembro de 2021, 4,7 milhões de mortes, sendo 589 mil delas no Brasil (12,5%). Na mesma data, o Brasil era o segundo país com mais mortes, em números absolutos, e o oitavo país com maior mortalidade para cada 1 milhão de habitantes (RITCHIE et al., 2021)
Causas
No Brasil, dados do Epicovid19 sugerem que a distribuição da infecção pelo SARS-CoV-2 é similar entre homens e mulheres e não apresenta diferenças marcantes por idade – ou seja, o risco de infecção independe do sexo ou da idade. No entanto, marcadas diferenças foram observadas em relação ao nível socioeconômico e à cor da pele auto relatada. O estudo Epicovid19 identificou uma nítida relação dose-resposta entre infecção por SARS-CoV-2 e nível socioeconômico; quanto
Foto: Unsplash
Contribuições da ciência brasileira no desenvolvimento de vacinas contra a covid-19
Claudia Jurberg Assessora de imprensa da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro. Professora das pós-graduações do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz e do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis/ UFRJ. Cientista do Nosso Estado pela Faperj. Bolsista de Produtividade 2 do CNPq
Jorge Elias Kalil Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Professor adjunto das universidades dos EUA, George Washington, DC e Case Western Reserve Cleveland. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Bolsista de Produtividade 1A do CNPq
Santuza Teixeira Professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais. Líder de grupo do INCT Vacinas e sub-coordenadora do Centro de Tecnologia de Vacinas (CTVacinas). Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Bolsista de Produtividade 1B do CNPq Ricardo Gazzinelli Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Bolsista de Produtividade 1A do CNPq
Amilcar Tanuri Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Bolsista de Produtividade 1B do CNPq
Jerson Lima Silva Professor titular e diretor do CNRMN da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Presidente da Faperj desde 2019. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Bolsista de Produtividade 1A do CNPq
Foto: Unsplash
Em 1804, o marquês de Barbacena trouxe a primeira vacina ao Brasil, tendo inclusive a primazia de receber uma dose. Era contra a varíola que incidia em território nacional. Das incertezas e desconfianças iniciais, foram necessários quase 30 anos para que a imunização contra a doença se tornasse obrigatória e contribuísse para sua erradicação, que se deu apenas em 1971. Pouco mais de 100 anos se passaram da chegada da primeira vacina para que o país tivesse seu próprio complexo produtor de imunizantes com a criação, em 1900, do Instituto Soroterápico do Rio de Janeiro, futura Fundação Oswaldo Cruz e, logo em seguida, em 1901, o Instituto Serumtherápico, atual Butantan, que têm papéis preponderantes na história das vacinas no país. Entre retrocessos, como o conhecido episódio da “Revolta da vacina”, em 1904, a avanços como a criação do Programa Nacional de Imunizações, em 1973, o Brasil é mundialmente reconhecido pela sua capacidade de cobertura vacinal, tanto pela ampla gama de imunizantes aplicados gratuitamente na população como pelo desafio geográfico, alcançando comunidades distantes em um país de dimensões continentais.
Essa breve história expressa pouco da nossa complexidade, mas pode nos ajudar a elucidar fatos sobre o atual enfrentamento da pandemia pelo coronavírus no país. E mais: revelar como a comunidade científica brasileira, apesar das adversidades, procurou dar respostas rápidas, e como as agências de fomento foram essenciais, durante a crise sanitária mundial, responsável por mais de 220 milhões de casos e de quatro milhões e meio de vidas dizimadas pelo vírus SARS-CoV-2, até setembro de 2021.
A pandemia da covid-19 trouxe transformações para toda a humanidade e impactou mundialmente as comunidades científicas e profissionais de saúde, abarcando questões complexas como infraestrutura hospitalar, formação de recursos humanos e desenvolvimento de tratamentos eficazes e vacinas preventivas. Se antes um imunizante demoraria 10 a 15 anos para ser elaborado, em menos de um ano diversas vacinas foram desenvolvidas, testadas e aplicadas em países dos sete continentes. Das tradicionais com vírus inativados (mortos), atenuados (enfraquecidos), com vetor viral (vírus geneticamente modificado para produção de proteínas pelo corpo, provocando uma resposta imunológica) ou com tecnologias revolucionárias como as de RNA mensageiro (produto sintético que dá ao organismo as instruções para produção de proteínas e estímulo à resposta imune), há cerca de 100 vacinas em desenvolvimento no mundo, sendo 11 delas já em uso contra covid-19, de acordo com dados de setembro