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CNPq e a divulgação científica

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Memorial

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Negacionismo e fakenews: contexto atual e estratégias de enfrentamento

Ildeu de Castro Moreira Professor do Instituto de Física e do Programa de Pós-graduação em História das Ciências, Ensino de Física e História da Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vice-coordenador do Instituto Nacional de Comunicação Pública da CT. Foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 2017 a 2021. Bolsista de Produtividade 1C do CNPq Éuma constatação geral o surgimento recente de uma onda de negacionismo e fake news no mundo. Esta onda pode ter, e já tem tido, consequências graves, em particular no contexto de problemas nos quais a ciência exerce um papel indispensável para seu enfrentamento, como é o caso da pandemia atual e dos impactos das mudanças climáticas. É essencial se contrapor firmemente e com eficiência a estas ondas. Isto deve ser feito levando-se em conta o aprendizado anterior, já acumulado ao longo de séculos em situações similares, e experiências e pesquisas recentes, que possibilitam entender melhor este fenômeno social complexo.

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A tentativa de deslegitimar a ciência e enfraquecer as orientações e os instrumentos dela decorrentes é particularmente grave para a sociedade nesse momento de crise sanitária. Trata-se de um fenômeno global, mas que no Brasil ganhou uma dimensão maior por causa da atuação negacionista de setores governamentais. O impacto enorme da pandemia poderia ter sido atenuado e centenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas se tivesse havido uma ação em acordo permanente com as orientações científicas e sanitárias e sem o boicote de autoridades públicas. O Brasil possui vasta experiência no enfrentamento de epidemias e em pesquisas e

práticas de saúde pública. A criação e a consolidação de importantes instituições científicas brasileiras, como o Butantan e a Fiocruz, se deram em enfrentamentos a epidemias e na produção de vacinas e soros desde o início do século 20. A maioria de nossa população, por sua vez, reconhece e valoriza estas ações, o que é comprovado pelo amplo interesse na vacinação.

Neste texto vamos tecer, de início, considerações gerais sobre o contexto atual e razões da emergência do negacionismo e das fake news para, em seguida, esboçar algumas propostas de ação, que nos parecem importantes para a reversão ou atenuação deste quadro preocupante. Como primeira observação, destacamos que tal fenômeno não surgiu agora, embora tenha adquirido muita força e amplitude com a internet e as redes sociais. Mas atitudes negacionistas e fake news não são coisa nova. Sempre aconteceu que pessoas façam, aceitem ou propaguem afirmações em contrário a evidências científicas, com apelos ideológicos, emotivos ou até mesmo escorados em argumentos pretensamente científicos. Também não é novo o fato de meios de comunicação deturparem e esconderem dados e evidências, assim como o de pessoas, e às vezes populações inteiras, embarcarem nessas canoas. A aceitação e propagação de negacionismos e teorias falsas, e seu uso como manipulação política, também são antigas e foram usadas como estratégia por governos e poderes autoritários. Nos primórdios da ciência moderna, os embates de Galileu com os cardeais, que se negavam a aceitar as evidências que o telescópio descortinou, são um exemplo. A reação às novas ideias evolucionistas na biologia, no século XIX, ilustra também o fenômeno. Quase um século atrás, na Alemanha nazista, o negacionismo levou à rejeição de teorias científicas produzidas por judeus, como a teoria da relatividade de Einstein. No regime stalinista, as ideias de genética moderna foram descartadas por um pretenso caráter burguês, como se verificou no caso Lysenko, que teve graves consequências para a economia e para a sobrevivência de milhões de soviéticos.

É fato que o surgimento da internet e das redes sociais introduziu novos fatores e possibilitou uma mudança drástica na escala das informações que circulam, no número de pessoas atingidas, na sua rapidez e no custo envolvido. Praticamente todas as pessoas podem ser agora fontes de informação e o acesso a ela se tornou muito mais amplo do que anteriormente. Filtros e limitações tradicionais para a difusão da informação foram rompidos. De um ponto de vista democrático, estes avanços decorrentes da ciência – o que

Foto: Unsplash

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