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Mais do que uma família
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CAPÍTULO
Mais do que uma família
MORELLI 40 ANOS – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO
Às 7h30 em ponto da segunda-feira, um se-
nhor de cabelos brancos passa pelo portão que dá acesso à fábrica. Mais uma semana de trabalho vai começar. Uniforme alinhado e barba feita. Pelos corredores, cumprimenta uns, faz brincadeiras com outros e repara quando algum colega está ausente: “será que ele está bem?”.
Algum desavisado poderia confundir aquele senhor de 70 e poucos anos, calmo e discreto, com qualquer colaborador da área administrativa. Não fosse um detalhe abaixo da foto em seu crachá: a palavra “diretor”.
Oraci Morelli é o fundador e proprietário da maior fabricante de produtos ortodônticos da América do Sul, a Morelli. Uma gigante da Odontologia mundial instalada na cidade de Sorocaba, cuja capacidade fabril supera a marca de cinco milhões de peças distribuídas no mercado mensalmente, além de manter mais de 2 mil diferentes itens em seu portfólio, sendo a marca mais completa no País.
Obviamente, pelas regalias inerentes ao cargo, Oraci poderia chegar um pouquinho mais tarde em sua própria indústria. Mas, ele não suporta chegar atrasado. Também não precisaria usar uniforme e nem dividir a mesa do refeitório com os funcionários da fábrica na hora das refeições, mas nada disso o incomoda, pelo contrário, ele se sente como parte da família que ajudou a construir.
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Nos finais de semana, o refúgio de Oraci é o seu sítio, nos arredores de Sorocaba. Isso não significa, no entanto, que o contato com a natureza é a válvula de escape que ele procura para aliviar as tensões: longe das máquinas da Morelli, o seu canto favorito é a oficina particular, onde passa horas adaptando seu avião de pequeno porte. Ou, quem sabe, arrumando a porteira, ajustando a máquina de solda, inventando alguma traquitana envolvendo a furadeira e o esmeril... Só não consegue ficar parado.
Outra coisa que ele também não faz é levar trabalho para casa. Oraci separa bem as coisas: não discute projetos e nem compartilha problemas da fábrica com a esposa ou com as duas filhas, bem diferente do homem que na empresa se envolve em tudo o que puder acompanhar.
Enquanto circula pelos corredores e escadarias da empresa no caminho até sua escrivaninha, no terceiro andar, seu celular o ajuda a não se perder na agenda do dia: sabe que, em alguns minutos, será entrevistado por uma equipe de reportagem para contar a história da Morelli.
Para a gravação, os produtores desse vídeo usaram como cenário o museu da empresa. Tripés de iluminação, câmeras e um monitor de 40 polegadas foram posicionados ao lado de uma poltrona. Nas paredes da sala, recortes de jornal, fotografias antigas, registros das primeiras cartas enviadas por ortodontistas e reprodução de desenhos técnicos das primeiras peças. Fora do alcance das lentes, percebem-se ainda balcões de vidro com catálogos antigos e troféus de reconhecimento, além de algumas máquinas precursoras, construídas pelo próprio Oraci há 40 anos.
— Você pergunta e eu respondo as perguntas, é isso? Veja a melhor posição que eu fico aqui. É... Como começou a história da Morelli? Eu comecei na hora certa, no país certo. Mas, pode-se dizer que foi uma grande sorte. Foi por acaso que apareceu um ortodontista com a necessidade de fazer peças quando eu tinha uma oficina mecânica... Já tá gravando? Ah, pensei que você ia testar ainda. Você corta depois, né? Quer começar de novo?
Com o pretexto de fazer um ajuste no microfone de lapela, a conversa foi interrompida. Logo em seguida, o monitor foi ligado. Um vídeo com depoimentos de funcionários da Morelli foi exibido para Oraci. Pessoas que trabalham na fábrica há dez, 20, 35 anos.
Falam sobre o prazer em trabalhar ali, gratas por fazerem parte daquela história. As câmeras continuavam ligadas, captando sua reação diante do que ouvia. A entrevista era, na verdade, uma homenagem surpresa.
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O vídeo que surpreendeu Oraci foi feito sem ele saber – o que, na prática, foi uma missão praticamente impossível. Cada funcionário convidado precisou inventar uma desculpa para escapar dos olhos do fundador da empresa e gravar seu depoimento sem que sua ausência fosse percebida. Como gosta de participar de todas as decisões que envolvem a empresa, desde novos projetos até a pintura das portas e paredes, o contrato para a realização daqueles vídeos institucionais foi feito fora do sistema, graças a um auxílio que envolveu o departamento de recursos humanos, financeiro e jurídico. “Ele não vai gostar disso!” diziam, nos corredores.
No fim, mesmo sem esboçar uma reação emocionada (afinal “ele não é assim”, também diziam), Oraci ficou realmente admirado. A primeira reação não podia deixar de ser uma brincadeira.
— Quanta gente mentirosa, hein?
Por trás daquele momento, havia uma trajetória consagrada de 40 anos após a comercialização de suas primeiras peças: a Morelli tornou-se capaz de desenvolver produtos com agilidade, produzir e entregar prontamente qualquer um dos seus mais de dois mil itens de catálogo, praticar preços compatíveis com a realidade nacional e reinvestir permanentemente em inovação e aperfeiçoamento de processos. Com mais de 70% de participação no mercado brasileiro e exportando para mais de 40 países, em especial a América do Sul, a Morelli conquistou o respeito entre os ortodontistas brasileiros, além de estruturar sua equipe sob o teto de suas instalações, nos prédios que ergueu na Alameda Jundiaí.
— É muito gostoso ouvir isso aí. A gente fica orgulhoso por saber que eles pensam assim. O sucesso da Morelli são essas pessoas, a nossa equipe. Somos uma família. Eles são a parte mais importante da empresa.
Família, a propósito, é a palavra-chave para compreender como foi que a história da Ortodontia brasileira se encontrou com os Morelli.
O ano é 1956 e o Brasil é um país que ainda se recupera do
trauma provocado pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas, dois anos antes. Nos 18 meses seguintes, o País viveu uma frágil democracia sob o comando de Café Filho, que terminou com um impeachment e um golpe de estado “preventivo” para garantir a posse do novo presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Embalado pelo clima de renovação construído pela campanha eleitoral vitoriosa de JK, a população abraçou com euforia os planos desenvolvimentistas do presidente mineiro para o futuro do País.
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Em meio à agitação política, a Ortodontia brasileira dava seus primeiros passos com dois importantes núcleos de estudo, sendo o primeiro no Rio de Janeiro, liderado por José Édimo Soares Martins, e o segundo em São Paulo, com Arthur do Prado Dantas. Nesse período, surgiram os primeiros cursos de especialização em Ortodontia, sendo os dois primeiros na Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD) e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). No entanto, o curso de especialização mais importante da década foi criado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FO-UFRJ). Também foi o período de fundação da Sociedade Brasileira de Ortodontia (SBO) e da Sociedade Paulista de Ortodontia (SPO).
Enquanto as capitais brasileiras ferviam em transformações, o interior de São Paulo se destacava na economia nacional com seu imponente cinturão agrícola que, naquela década, ainda daria importantes passos rumo à sua industrialização. É bem no centro do estado paulista, na cidade de Tietê, que vivia Oraci João de Vechi Morelli, um garoto de nove anos, magro e tímido, que não sabia nada sobre presidentes suicidas, planos econômicos e, muito menos, Ortodontia.
Ao lado dos pais e dos quatro irmãos, Oraci deixava a sua cidade natal em 1956 rumo à grande cidade de Sorocaba, que era o município mais desenvolvido e que projetava a sua influência para toda aquela região. Acompanhando o curso do rio, a família viajou de mala e cuia pelos 80 quilômetros que separavam Tietê das novas oportunidades.
A jornada começou quando seu pai foi dispensado de seu trabalho, em Tietê. José Morelli era químico prático em uma indústria de bebidas, a Schincariol, onde trabalhou por quase dez anos. Apelidado de Zelão, sua função era, essencialmente, dar conta do trabalho braçal. Carregava sacos de açúcar nas costas e jogava no tacho. Com a rotina repetitiva, foi aprendendo as fórmulas químicas mais utilizadas na empresa.
O convite para trabalhar em Sorocaba foi feito por um dos primos da fábrica de Tietê – assim chegou à fábrica de refrigerantes Schimbo, de Schincariol e Bordieri. Ficou por lá até o início dos anos 1960, quando a empresa fechou. Depois, foi trabalhar na Bebidas Momesso, tradicional fábrica de refrigerantes e tubaínas da cidade. A função era a mesma: fazer o que viesse pela frente.
Metia-se em química, mecânica etc. Filho de imigrantes italianos, José (ou Zelão) veio da zona rural e nunca teve a oportunidade de estudar, mas usou a inteligência para conquistar seu espaço. Oraci orgulha-se ao relembrar do crescimento da empresa onde seu pai trabalhou até se aposentar.
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— Tem uma reportagem de jornal que dizia que a Momesso cresceu muito depois da vinda do químico prático. Era uma referência ao meu pai.
A primeira morada em Sorocaba ficava na Vila Santana, um bairro residencial marcado pelos imigrantes italianos, em especial os trabalhadores da antiga estrada de Ferro Sorocabana, além das antigas tecelagens. Na casa alugada moravam Oraci, seus irmãos Antônio José (o mais velho), Odair Maria e Ana Luzia. A família Morelli cresceu depois da mudança, com a chegada de Angela Maria, Terezinha e Sonia Maria. Enquanto José suava a camisa, sua esposa Zenaide de Vechi ocupava o mesmo papel que desempenhava antes de casar, quando ainda vivia na zona rural de Tietê: administrava o lar.
Como em muitas famílias simples da época, Zenaide estimulava os filhos a aprender algum ofício para, no futuro, ajudar com as despesas da casa. Ela mesma colaborava com o orçamento, lavando roupa para fora, já que o salário de José na Momesso não era tão alto. Todos os filhos foram incentivados a trabalhar logo e desenvolver algum ofício.
— Naquela época era comum começar a trabalhar nessa idade. Minha mãe queria que a gente arrumasse um serviço para aprender. Ela se preocupava, saía de casa para arrumar serviço para a gente. Ela mesma foi até uma marcenaria perto de casa para pedir uma vaga para mim. Chegava e dizia: “olha, tem um menino aqui...”
Assim Oraci começou sua vida profissional, como ajudante de marceneiro, aos 12 anos. A oficina funcionava na casa do dono, que também era professor de marcenaria. A experiência coincidiu com a mudança da família: deixaram a região do “Além Linha”, como chamam os moradores, para o outro lado do Rio Sorocaba – o “Além Ponte”, tradicional região de colonização espanhola.
A casa na Vila Hortência ficava mais próxima da Momesso, mas longe demais da marcenaria. Foi quando, já aos 13, Oraci conseguiu um novo serviço em uma oficina de joias e relógios, que pertencia a um primo de seu pai, no centro de Sorocaba. Foi o primeiro contato dele com peças pequenas de metal. Ali se desenvolvia sua habilidade em medidas pequenas e noções mecânicas, como laminação, soldagem e polimento. Oraci aprendeu muito, embora ganhasse apenas alguns trocados que eram gerenciados pela mãe.
De que forma poderia se desenvolver e, ao mesmo tempo, ganhar mais? A resposta veio em 1962, quando começou o curso profissionalizante de torneiro mecânico no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o Senai. A unidade frequentada por Oraci ficava no distrito de Votorantim e era mantida financeiramente pela Fábrica de Tecidos Votorantim – décadas mais tarde, esta empresa se tornaria um gigantesco conglomerado industrial.
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— Eu não sabia se tinha vocação para ser torneiro mecânico ou não. Na verdade, eu nem sabia o que era aquilo. Eu entrei na escola Senai de Votorantim porque ofereciam um pequeno pagamento aos alunos. Era o “salário de menor”.
Aos 15 anos, Oraci seguia sua jornada pessoal de descoberta do mundo e das próprias aptidões. Embora sua habilidade manual estivesse cada vez mais evidente, o que fazia a diferença diante das dificuldades era a capacidade de reagir ao ser desafiado.
O mais reservado e introvertido filho da família Morelli encontraria
suas aptidões e, com a mesma persistência e disciplina de um torneiro em um processo de usinagem, deu forma aos valores que seriam vinculados à futura indústria. No entanto, um evento dolorido foi determinante para reforçar seu caráter provedor em suas duas famílias Morelli: a perda da irmã Terezinha, em 1961.
Ela tinha apenas dois anos e foi diagnosticada com crupe, uma doença infecciosa que resultou em uma condição respiratória grave. Trata-se de uma doença muito comum na época, facilmente confundida com um resfriado.
Durante uma crise, sua mãe e o irmão Odair correram para a farmácia mais próxima. O farmacêutico aconselhou buscarem atendimento médico. Então, a levaram ao Hospital Evangélico, localizado ainda hoje na Av. General Carneiro, onde permaneceu internada por alguns dias. Mas, Terezinha não resistiu e acabou falecendo. Angela recorda que muitas crianças faleciam por conta desta doença, era comum.
— O atendimento e conhecimento médico naquela época eram precários, ainda mais se tratando de atendimento gratuito. Recordo-me de que ela ficou internada alguns dias no isolamento do hospital, e minha mãe ficou junto dela. Infelizmente, ela não resistiu.
Após o episódio, Zenaide ouviu do jovem Oraci uma promessa.
— Você nunca mais vai ter que passar por isso.
Hoje, sabe-se que a crupe pode ser uma doença fatal e que não havia muito a ser feito. Mesmo assim, Oraci ficou com a sensação de que poderia ter mudado a história se tivesse dinheiro para pagar um tratamento particular à irmã. Essa determinação serviria como combustível para suas conquistas nos anos seguintes.
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O primeiro movimento fabril de Sorocaba começou nas últimas dé-
cadas do século 19. O empresário Luís Mateus Maylasky, maior comprador da grande produção algodoeira da região, foi o responsável pela construção da Estrada de Ferro Sorocabana, em 1875. A ferrovia foi propulsora não apenas do comércio de fardos de algodão e tecidos, mas também da instalação de tecelagens, unidades de beneficiamento, entre outras indústrias do setor têxtil. Estas fábricas consolidaram a presença de imigrantes europeus e a formação de vilas operárias que caracterizariam os bairros do “Além Ponte” e “Além Linha”, a começar pela Fiação e Tecelagem Nossa Senhora da Ponte, cujo nome remete à vila que deu origem à cidade, instalada nas imediações da estação ferroviária em um prédio que, em 2013, tornou-se um shopping center.
Mais ao sul da cidade, onde foi instalada a Fábrica de Tecidos Votorantim, emergiu a extração do calcário, transformado em cimento, cal e outros derivados pela Fábrica Santa Helena, já em 1936 – o progresso desse parque industrial culminou com a emancipação de Votorantim, em 1965. Por conta disso, a Estrada de Ferro Elétrica Votorantim (Efev), um dos primeiros ramais da Sorocabana, foi reformada nos anos 1920. Os bondes elétricos que circulavam entre Sorocaba e Votorantim funcionaram até 1966, quando começaram a ser substituídos por ônibus.
No início da década de 1960, Oraci fazia o mesmo percurso dos funcionários das fábricas e das cargas que circulavam entre Sorocaba e Votorantim: tomava o bonde no bairro Barcelona para frequentar as aulas do Senai. O jovem retraído e cheio de espinhas no rosto não era muito bom nas disciplinas teóricas: considerava-se péssimo em Língua Portuguesa, História e Geografia. Matemática? Mais ou menos.
Se por um lado o adolescente sofria nas disciplinas regulares, era imbatível na usinagem e acabamento de peças no torno. Ele sabia manusear a máquina-ferramenta: fixar qualquer matéria bruta metálica em uma placa, observar a rotação e velocidade da ferramenta, aproximá-la e moldar, cortar, laminar o metal até transformá-lo na peça que desejasse.
Como já somava alguma experiência como ajudante de joalheiro e relojoeiro, levava vantagem sobre os colegas. Como resultado, foi o aluno com média mais alta da turma em dois dos três anos de curso.
— Com o torno, você pode fazer muita coisa. Tudo depende da criatividade. Em nossas avaliações, as atividades na oficina valiam 70%. Na parte teórica, eu era péssimo e as provas valiam 30% da nota final. Mesmo tendo uma nota 4 em Geografia, eu conseguia a melhor média da turma.
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Logo que se formou no Senai, aos 17 anos, Oraci trabalhou em algumas oficinas de Sorocaba.
Uma delas foi a “de um tal Trovão”. Ele lembra que passou um mês, ao lado do filho do dono da oficina, tomando conta do negócio enquanto Trovão ficou afastado por conta de uma cirurgia. Graças ao trabalho bem feito, Trovão recomendou Oraci para sua primeira grande oportunidade como torneiro mecânico, na Construtora Nacional de Aviões (Conal).
Criada em 1962, a Conal tinha um objetivo audacioso: fabricar aviões na cidade. A diversificação das atividades da antiga “Manchester Paulista”, graças a uma política de incentivos à instalação de novas empresas nessa época, coincidia com o declínio da indústria têxtil. Seu fundador era um catarinense que viveu na Alemanha para estudar mecânica de aeronaves: Bertram Luiz Leupolz, que daria nome ao Aeroporto Estadual da cidade a partir de 1997.
— Cheguei na Conal e fui me apresentar ao Bertram, que não era torneiro mecânico e estava fazendo uma peça. Ele perguntou: “você consegue fazer isso aqui?”. Respondi “eu faço melhor!”, e passei a explicar exatamente como aquela peça deveria ser feita.
Ao lembrar deste encontro com o dono da Conal, Oraci não esconde o sorriso.
— Eu era um moleque abusado.
Era o final do ano de 1965 e, àquela altura, o salário de Oraci já era maior. Mas, o hábito dos primeiros tostões permanecia: como era Zenaide que gerenciava a casa, era ela que administrava o dinheiro, bem como muitas matriarcas da época.
Foram quatro anos de trabalho em seu primeiro emprego formal. Nesse período, Oraci viu despertar em si uma verdadeira paixão pela aviação. Onde mais poderia trabalhar?
— Fui procurar outro emprego onde eu pudesse trabalhar com aviões. Então, bati na Embraer, em São José dos Campos, que também estava começando. Eles não estavam precisando de um torneiro ferramenteiro, mesmo assim me contrataram.
Tanto na Conal quanto na Embraer, Oraci encontrou alguns problemas nas relações com os patrões devido à personalidade forte e à sua dificuldade em lidar com episódios de injustiça, ineficiência e desorganização das empresas. Como não encontrava emprego em Sorocaba, foi atrás das vagas publicadas nos classificados do jornal Diário Popular, em São Paulo. Assim passou pelo Parque Capuava, em Santo André. Também foi empregado
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da Constanta, na época pertencente à Phillips, em Ribeirão Pires. Assim como no Vale do Paraíba, vivia para o trabalho: o dinheiro que não gastava para comer ou pagar o pensionato, ele guardava.
— Eu era um moleque abusado."
Em 1970, Oraci estava de volta à Sorocaba, aos 23 anos. A dita-
dura militar estava em seu período mais crítico, com repressão, controle da mídia, censura e cassação de direitos. No entanto, o clima no País era de festa com a Seleção Canarinho conquistando o tricampeonato mundial. Também era o início do período do chamado “milagre econômico”, em que o PIB brasileiro ultrapassou os 10% de crescimento anual.
Em Sorocaba, a emancipação de Votorantim abriu caminho para um novo distrito industrial, no bairro do Éden. Ali se instalou a Fábrica de Aço Paulista (Faço), atual Metso, uma das mais representativas fabricantes de equipamentos pesados para mineração e britagem.
Foi na Aço Paulista que Oraci assinou sua carteira de trabalho pela penúltima vez.
Seu último registro veio com o retorno ao Senai, desta vez não como estudante. Decidiu participar do processo seletivo para instrutor. Para conseguir o emprego, bastariam três anos comprovados de experiência e um bom resultado na prova prática. Ele se inscreveu junto com o seu encarregado na Aço Paulista. Oraci já tinha esquecido do teste quando, após longa espera, veio o resultado: ele passou com facilidade, especialmente na prova prática. Seu chefe imediato, não.
A experiência de Oraci como professor durou apenas dois anos na sala de aula do curso noturno, no prédio do Jardim Santa Rosália, entre 1974 e 1976. Pediu demissão, pois não tinha tempo a perder com alunos que, segundo os seus critérios, não deveriam estar ali.
— Eu era disciplinado: não faltava, não chegava atrasado. Mas, sentia que aquilo não fazia sentido para mim. Os alunos eram policiais militares, motoristas aposentados, encarregados de tecelagem... As lições de tornearia mecânica eram como um hobby para eles. Na verdade, eles estavam ali tomando o lugar de outros alunos que poderiam estar aprendendo uma profissão. Hoje já é diferente, só aceitam alunos com pedido das empresas. Mas, sou muito grato ao Senai, foi muito importante para mim.
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28 Ao relembrar da história e pensar melhor sobre suas próprias palavras, Oraci faz graça.
— Já reparou que eu estou sempre certo e todo mundo está sempre errado?
Com apenas 29 anos, Oraci foi de aluno a professor e finalizou um ciclo em sua vida. Sem que ele percebesse, entre a adolescência e o início da vida adulta, as peças foram se encaixando perfeitamente em sua personalidade, como se tivessem sido trabalhadas no torno: habilidade manual, engenhosidade mecânica, experiência com peças de relojoaria, disciplina rigorosa e impetuosidade. O destino preparou uma grande oportunidade e Oraci era a pessoa certa para aproveitá-la. Porém, não seria fácil.
José Morelli, o Zelão, trabalhou durante toda sua vida como químico prático. Casou-se com Zenaide de Vechi, mulher dedicada à administração do lar. Em 1956, o casal deixou a cidade de Tietê para cultivar raízes fortes em Sorocaba.
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José Morelli (esq.) trabalhou durante anos como químico prático na tradicional fábrica de bebidas Momesso.
Foi na Vila Hortência, no “Além Ponte”, onde José e Zenaide (sentados) encorajaram seus filhos a lutarem sempre. Além de Oraci (o primeiro em pé, à esquerda), a família Morelli cresceu com as mãos de Odair, Sonia, Angela, Luzia e Antonio.
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