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A oportunidade para mostrar quem somos
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CAPÍTULO
A oportunidade para mostrar quem somos
MORELLI 40 ANOS – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO
Naquele ano, o último prédio erguido no Jardim
Saira já estava pronto. Inaugurado em 2005, representava mais um passo rumo ao ciclo de qualidade total relacionado aos funcionários. Além do estacionamento, da academia de ginástica, do auditório para conferências e do museu, a Morelli ganhou quatro novos consultórios. Os doutores Alexandre Moris e Airton Alvarenga já tinham a companhia de Plínio Martins, Arlene Miarelli e Paula Morelli Antunes.
Com o passar dos anos, a Morelli estabeleceu uma política de valorização de seus funcionários através de diversas iniciativas. Por vezes, essas ações envolveram gratificações financeiras. Em três oportunidades, a Morelli vendeu ao banco o direito de operar a folha de pagamento por um período de cinco anos. O interesse da instituição financeira resulta em dividendos para a organização. Nas três ocasiões, a Morelli distribuiu essa cota a todos os funcionários. Nos corredores, ouvem-se comentários do tipo “ninguém acredita quando contamos essas coisas”. Oraci entende que essa também é uma forma de compartilhar com a equipe o sucesso da empresa.
Como resultado dessa política agregadora, a rotatividade da equipe é bastante reduzida. Mais do que isso, suas relações atravessam
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110 gerações. Desde sempre, a Morelli entrelaçou conexões familiares e profissionais – a começar com Angela e Sonia, irmãs de Oraci, que estiveram ao seu lado desde os primeiros anos de fábrica. O mais velho, Antônio José, chegou 20 anos depois. Mais adiante, chegaria a filha mais velha de Oraci, Mônica, integrando a equipe.
Outras famílias cresceram com a empresa. Nilton Redondo, que ainda mora em frente ao primeiro barracão da Morelli, começou antes mesmo de assinar a carteira, ajudando na enchente de 1983, graças ao irmão Nivaldo, que também era empregado. Maria Celina Gonzales, que começou no estoque em 1984, viu seus filhos Nicholas e Deivid crescerem e também se tornarem funcionários. João Rosatti, o funcionário número um, conheceu a esposa nos corredores da empresa; suas filhas, Bárbara e Beatriz, também trabalham na Morelli. Há outras dezenas de exemplos semelhantes.
Outro exemplo é o da trajetória de um auxiliar administrativo que ajudou a lançar no mercado um dos poucos artigos que ainda não eram fabricados na Morelli: o adesivo ortodôntico Orthobond.
Além da dependência das custosas peças e acessórios importados, havia outra desvantagem histórica nos tratamentos: a necessidade de fixar bráquetes e tubos por meio de bandas em todos os dentes. A partir dos anos 1970, a Odontologia passou por uma revolução nos materiais adesivos, abrindo espaço para a colagem dos bráquetes diretamente nos dentes a partir do condicionamento ácido em esmalte.
Sandro Biasin, um estudante do curso técnico de Química na Organização Sorocabana de Ensino, ainda não conhecia esse material em 2002, quando trabalhava como office boy na Morelli.
— Eu comecei na Morelli, no estoque, com a Celina. Fiquei alguns meses, saí e voltei como auxiliar de escritório. Tinha que fazer muitas coisas na rua, meu tempo era limitado. Saía logo depois do almoço para resolver tudo em banco, cartório. Era um louco, correndo atrás de tudo.
Entre uma corrida e outra, Sandro encontrava tempo para se aproximar de Emanoel Almeida, do Setor de Qualidade. Mostrava interesse sobre ferramentas para gestão de processos, controle de qualidade e normas técnicas. Acabou se aproximando ainda mais da química, especialmente da metalografia – área de estudo voltada aos materiais metálicos, interessada, entre outras coisas, na composição e estrutura presente no aço.
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A familiaridade com o tema estimulou Sandro a fazer o teste para operar um equipamento novo do laboratório físico-metalográfico: um espectrômetro de absorção atômica, usado para identificar e analisar quantidades de elementos químicos metálicos – método fundamental para avaliação, tanto de matéria-prima quanto de amostras de produtos dentro da Morelli. Deu certo: foi transferido para o setor da Qualidade e, do curso técnico, saltou para a graduação em Farmácia-Bioquímica.
Nessa época, a Morelli disponibilizava em seu catálogo os adesivos da 3M, fabricados pela Unitek, nos EUA, tanto na versão pasta-pasta quanto o fotopolimerizável. Por razões mercadológicas, este último – o Transbond XT – deixaria de ser importado pela empresa, como lembra Oraci.
— Mudou a direção da empresa aqui no Brasil. Então, eles não poderiam entregar mais o produto que era importado. Assim como em nossa produção de látex ou na fabricação de moldes para injeção, foi a relação com o fornecedor que nos obrigou a fabricar nossa própria resina.
O processo de desenvolvimento de uma cola ortodôntica começou em 2004, por meio de uma parceria com pesquisadores em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade de São Carlos. Mas o cronograma nunca foi respeitado. O envio de amostras para testes era esporádico e demorado. Sandro foi acionado para acompanhar o trabalho de perto.
— Havia um professor que coordenava e assinava o projeto. Mas, quem de fato fazia era um pesquisador que estava sobrecarregado com outras atividades da faculdade. Ele realmente só avançava quando sobrava tempo.
Atento durante a visita, Sandro reconheceu a lista dos componentes químicos usados nos ensaios. Voltou para Sorocaba disposto a assumir a tarefa e desenvolver o adesivo por conta própria. Com o apoio da Engenharia de Produtos, entre erros e acertos, dificuldades com a aquisição de componentes e testes de qualidade, o adesivo elaborado por Sandro logo apresentou resultados melhores do que os obtidos nas amostras de São Carlos.
A proximidade com o gestor da empresa, Antônio José, que é químico-prático como o pai, contribuiu para a melhora do adesivo. Em 2005, chegou ao mercado o primeiro adesivo ortodôntico da Morelli: o fluido hidrofílico Orthoprimer. No ano seguinte, veio o adesivo ortodôntico fotopolimerizável Orthobond.
Em pouco mais de dez anos, Sandro divide as tarefas relacionadas ao controle de qualidade das peças com inovações incrementais. Em uma última atualização, a resina
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112 apresenta uma cor rosada para facilitar sua visualização durante a aplicação; no momento da fotopolimerização, a cola fica translúcida, quase da cor do dente. Mais um ponto para a filosofia verticalizada de Oraci.
— Tentamos fazer bem o que já é consagrado no mercado. Uma empresa verticalizada só funciona quando os funcionários são muito envolvidos. E como a gente produz desde a embalagem até o produto principal, isso nos obriga a sempre investir em conhecimento e tecnologia. Com uma boa equipe, estamos sempre preparados para novos desafios.
Naturalmente, tais desafios incluem a relação da Morelli com o mercado nacional da Ortodontia.
Em 1980, quando a Morelli ainda era um barracão de 168 m2, meses após Nelson
Muscari abdicar da sociedade, Oraci foi procurado por um ortodontista da cidade, José Prestes de Barros. “Você precisa de dinheiro para investir em seu negócio?”. A resposta foi “não”. Anos mais tarde, também foi procurado por Enis Marquart, um dos irmãos que controlavam a Dental Gaúcho, na época a maior dental do País. “Alguém que representa a Dentaurum tem mesmo interesse em vender Morelli?”, questionou Oraci. Conforme a empresa crescia e ganhava credibilidade, novos candidatos surgiam. Até mesmo o saudoso Sebastião Interlandi, professor emérito da Faculdade de Odontologia da USP e pioneiro da Ortodontia no Brasil, chegou a fazer uma oferta: “vocês não estão precisando de um sócio?”. Sempre direto ao ponto, Oraci declinou mais uma vez.
— Nunca fomos influenciados pela ambição. Fomos abordados muitas vezes, por empresas muito boas que tentaram comprar ou investir na Morelli. Mas, nós não vendemos.
A primeira grande oferta surgiu na década de 1990. O grupo químico alemão Degussa tinha interesse em expandir seus negócios no Brasil. Eles já eram donos da Ankylos, especializada em próteses e implantes, e estavam dispostos a recuperar o tempo perdido na Odontologia. Um representante esteve em Sorocaba com uma proposta irrecusável para Oraci.
— Ele dizia que a matriz alemã mandou investir aqui e que pagaria aquilo que eu jamais ganharia em toda a minha vida. Fiquei imaginando: será que ele achava que eu iria viver pouco?
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A matriz alemã dispunha de uma verba milionária para investir na Odontologia e estava disposta a ser uma forte concorrente, caso a compra não desse certo.
O tempo passou, a Ankylos virou Dentsply, a Degussa acabou sendo vendida para um grupo ainda maior e acabou perdendo o interesse em investir no setor odontológico no Brasil.
— Eu vejo processos como esses, as fusões e aquisições, e chamo de “fusões e confusões”. É muito interesse por trás, principalmente de quem está envolvido nas negociações. É comum grandes grupos comprarem empresas importantes do mercado e, logo em seguida, anunciarem o encerramento das atividades dessas empresas.
Outra gigante multinacional também bateu na porta de Oraci. O grupo norte-americano 3M, que já mantinha desde 1996 a Unitek em seu guarda-chuva, estava em uma marcha de aquisições de empresas na área de saúde em todo o mundo. Convidaram-no para visitar as fábricas da empresa – tanto em Sumaré, no interior paulista, quanto em Monrovia, cidade localizada 40 quilômetros a nordeste de Los Angeles, nos Estados Unidos. Nada que impressionasse Oraci.
— A peça da Unitek é excelente, mas nenhuma coisa fantástica. Inclusive, até achei que alguns processos deles não eram tão bons. Desperdiçam muito material. Mas, pelo valor que cobram do ortodontista, talvez esse desperdício não faça muita diferença na margem final.
Na época, em um dos encontros com o diretor-presidente da 3M do Brasil, Luigi Faltoni, a conversa em torno do negócio era insistente. Falavam abertamente no mercado que comprariam a Morelli.
— Ele me perguntou se o problema era dinheiro. Eu dizia: tenho o direito legal de vender a Morelli, mas não tenho o direito moral. Antes de entregar minha empresa a quem quer que seja, eu devo conversar com os funcionários, fornecedores, ortodontistas, enfim... Respeito vocês, mas não vendo.
Encerrada a pressão, ouviu de Júlio Gândara, diretor de negócios na área de saúde da 3M, a seguinte pergunta: “Depois de vocês, qual é a segunda empresa no mercado?”.
Oraci respondeu com honestidade e os executivos da 3M acataram sua sugestão. Pouco depois, em 14 de setembro de 2007, foi anunciada a aquisição da Abzil, de Tufy Lemos Filho, pela 3M.
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Logo após o anúncio, alguns colaboradores ficaram apreensivos. Em conversa com Oraci, tratavam da expectativa pela nova concorrência. O diálogo remete à apreensão diante do Plano Collor, alguns anos antes. “E agora, o que vamos fazer?”
— Agora é a nossa oportunidade de mostrar quem somos.
Durante os primeiros 20 anos, a Morelli dedicou-se aos bráquetes, tubos, ban-
das e fios destinados à prescrição Edgewise. Apenas nos anos 1990, a fábrica passou a se dedicar à fabricação de peças pré-ajustadas. Nesse período, a Morelli esteve praticamente sozinha no mercado nacional de Ortodontia.
Assim, a Morelli acompanhou o processo evolutivo ao produzir produtos mais complexos, das prescrições Begg, Ricketts, M.B.T. e Roth – ainda hoje a técnica mais usada no Brasil. Ao mesmo tempo, a ideia de que uma empresa maior, com mais recursos, pudesse ameaçar a liderança de mercado da Morelli nunca aconteceu. Durante a transição da gestão da Abzil para a 3M, a Morelli aproveitou seu impulso tecnológico para seguir na ponta.
A partir dos anos 2000, com equipes de engenharia estruturadas, associado ao desenvolvimento da moldagem por injeção de pó metálico, estava na hora de mostrar por que a empresa merecia a liderança do mercado. Em outras palavras, se no princípio era a Morelli que reproduzia o melhor da concorrência, agora era o momento de ser imitada e copiada.
Um dos meios para consolidar esta afirmação seria o desenvolvimento de uma tecnologia própria para fabricar bráquetes baseados no sistema autoligado, que elimina a necessidade de amarrações metálicas ou mesmo elásticas, além de reduzir a fricção gerada pelo deslize do fio nas peças.
Os primeiros registros desse sistema remontam aos anos 1930, com peças encaixadas por meio de roscas e parafusos. Mas foi o sistema canadense Speed, desenvolvido por Herbert Hanson no final dos anos 1970, que fez o autoligado deslanchar. Baseados em um clipe de aço flexível, os primeiros protótipos, produzidos pela Strite Industries, foram refinados e introduzidos no início dos anos 1980. Foi esse o primeiro modelo do sistema testado por Airton Alvarenga no seu início na Morelli, em 2002.
— Eu tratei de uns três ou quatro pacientes com o bráquete autoligado, para ver como funcionava. Foi um sucesso, mas aquilo era caríssimo. Uma fortuna.
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Quando a Morelli resolveu se dedicar aos autoligados, eles já eram fabricados no Brasil. Mas, o clipe reto e o fio livre no slot, caracterizando-os como um sistema passivo, não eram o bastante. Além do modelo canadense, outra peça chamava a atenção de Airton: o sistema Quick, da Forestadent, contava com uma combinação de fio e clipe feito com uma liga em cromo e cobalto. A peça tinha um design interessante, mas o clipe era muito frágil. A liga de cromo e cobalto é muito suscetível a fraturas, sendo que o fabricante comercializa os clipes avulsos para que o ortodontista possa realizar a substituição.
Após muita pesquisa e diversos testes, nasceu o bráquete SLI Morelli, que conta com um grande diferencial: um clipe com uma liga especial de níquel e titânio, mais conhecida como nitinol.
Seguindo os preceitos da simplicidade, o bráquete autoligado Morelli foi desenvolvido tendo como objetivo oferecer praticidade no trabalho do ortodontista. Ao utilizar o nitinol, reduzia-se a possibilidade de fratura do clipe e, por consequência, tornaria o tratamento mais eficiente quando comparado aos autoligados com clipe em aço ou cromo e cobalto.
A liga de níquel e titânio possui memória elástica, sendo capaz de resistir a deformações mecânicas durante todo o tratamento. Devido à memória geométrica do material, após o fechamento, o clipe sempre tenderá a retornar à sua posição original, garantindo a leitura do torque.
— Apesar dos autoligados já existirem no mercado nacional, nenhum deles era da forma como acabamos fabricando. Queríamos a qualidade de um com a vantagem do outro. Isso começou comigo e com o Alexandre, na clínica. Testamos várias marcas em nossos pacientes, identificando aquilo que funcionava melhor. Alguns professores, que já usavam o sistema, foram ouvidos. A política da empresa, sempre atenta às necessidades dos profissionais, foi determinante.
Entre o primeiro teste e o lançamento da linha interativa SLI, durante o Orto 2012SPO, ao final de setembro, foram dez anos de trabalho intenso. Começou com a pesquisa do produto até que se chegasse ao desenho ideal. Veio o desafio de como ele seria produzido em escala. Dentro da empresa, ninguém tinha conhecimento prévio sobre a fabricação de moldes com tantas peculiaridades, envolvendo sucessivas etapas de injeção de pó metálico. São obstáculos assim que entusiasmam Roger Morelli.
— Sempre tivemos prazer pelo desafio técnico. Em nosso ambiente, extremamente verticalizado, quem é da área técnica sente como se estivesse em um playground. Temos muitos processos diferentes para tentar fazer melhor, mais rápido. Já caímos muitas vezes na
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116 tentação de “reinventar a roda”, tentando construir uma máquina aqui quando deveríamos ter comprado algo que já existia no mercado. Com o tempo, aprendemos a identificar melhor os equipamentos que valem a pena fabricar ou comprar pronto.
A equipe de Engenharia de Produção também quebrou a cabeça para sequenciar a produção do clipe, estampado sobre uma fita de níquel-titânio importado dos EUA, modelado por meio de um tratamento térmico e, por fim, a montagem manual das peças que compõem cada bráquete. Em quatro décadas de história, é seguro dizer que o bráquete autoligado interativo é a peça mais complexa criada pela Morelli.
Durante esse período, outros produtos foram desenvolvidos, lançados, testados e, quando necessário, completamente refeitos. Foi o caso do bráquete metálico Roth Max, lançado em julho de 2009. Tratava-se de uma evolução do Monobloc, primeiro produto com tecnologia de injeção, mas com um tamanho maior. Além de corrigir as imperfeições do modelo anterior, a nova largura proporcionaria maior conforto e menor chance de queda. No entanto, quando Alexandre Moris entregou o produto para a avaliação de um ortodontista, a resposta foi dura.
— Mandamos um kit do Roth Max para um ortodontista experiente, colega meu. Já estava tudo certo para o lançamento, embalagem pronta e tudo. E qual foi a resposta dele? “Não vou colocar isso na boca dos meus pacientes!”. Fomos pegos totalmente de surpresa com aquela reação negativa.
Diante daquela resposta, a empresa optou por refazer o projeto. A decisão envolvia descartar um investimento muito alto, incluindo a fabricação do molde. Mas, na visão de Airton, refazer um bráquete antes de seu lançamento é o que simboliza o caminho do sucesso.
— A Morelli vinha de uma evolução muito grande. O Monobloc já era diferente, por ser injetado. Mas, a virada aconteceu com o redesenho do Roth Max. Era o bráquete que eu queria, na minha técnica favorita. E, depois de refeito, foi o melhor que eu usei até hoje. Depois dele, veio o autoligado, que eu considero um dos melhores do mercado global em relação à colagem, adaptação e funcionalidade.
Cancelamentos precoces de produtos representam golpes dolorosos em qualquer empresa, com desperdício de dinheiro e tempo, além de um baque emocional na equipe. No entanto, quando a mudança é realmente necessária, deve ser abraçada sem medo. No caso da Morelli, as experiências envolvendo o primeiro desenho do Roth Max – que não foi comercializado – e, antes dele, a Linha Golden, não foram as únicas que obrigaram a empresa a fazer mudanças de rumo.
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A primeira série de bráquetes da linha Ceramic, produzida a partir da injeção cerâmica de alumina monocristalina, enfrentou uma situação parecida. Novamente, a primeira versão do produto precisou ser totalmente refeita após um avaliador defini-lo como “peça que parece uma pipoca” devido à sua coloração muito branca. O “bráquete pipoca”, como ficou conhecido internamente, apesar de atender os requisitos funcionais, voltou para a mesa de projeto antes mesmo de ir ao mercado, por razões estéticas.
Mais do que bráquetes funcionais, o mercado passou a desejar soluções que não comprometessem a estética dos pacientes durante o tratamento. Essa tendência foi crescendo gradualmente, juntamente com os tratamentos ortodônticos em adultos. A indústria respondeu a essa demanda com bráquetes cada vez mais discretos em suas dimensões e coloração similar a dos dentes. Outras soluções, como os aparelhos linguais, instalados na face interna dos dentes, também ganharam alguns adeptos. Na mão oposta, existiam os acessórios coloridos que, ao contrário da tentativa de esconder o aparelho ortodôntico, destacavam a sua presença, como um adorno que os pacientes mais jovens ostentavam com orgulho. Virou uma febre entre os adolescentes.
Estima-se que mais da metade dos pacientes que vão aos consultórios em busca de tratamento buscam por aparelhos agradáveis visualmente. Nas fotos antigas, de décadas atrás, as pessoas fechavam a boca e escondiam seus bráquetes metálicos. Hoje, o sorriso com aparelho ortodôntico é cada vez mais comum. Na visão de Alexandre Moris, a evolução dos produtos, somado ao preço justo, ajuda a entender o crescimento da Ortodontia no Brasil.
— Quando recebíamos visitas de estrangeiros, os professores norte-americanos ficavam admirados. Eles saíam pelas ruas e viam as pessoas, mesmo as mais simples, usando aparelho. Lembravam que, nos EUA, o tratamento é muito caro. Como é que tantas pessoas usam aparelho por aqui?, perguntavam.
Airton chegou a comprar um bráquete estético cerâmico da concorrência por cerca de US$ 500. Considerando os valores de 2021, a Morelli cobra 5% desse valor por um produto equivalente e de qualidade similar. Mesmo o produto mais caro do catálogo da empresa brasileira (autoligado, estético e cerâmico) não chega a US$ 120.
Produtos mais acessíveis representam tratamentos mais baratos, popularização da Ortodontia e crescimento para todos os segmentos da Odontologia. Para ilustrar esta filosofia, recorda do diálogo entre Oraci e um distribuidor que o abordou durante o lançamento do bráquete de policarbonato Composite, a primeira experiência da Morelli com produtos estéticos. Foi em Curitiba, no ano de 2003.
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— Oraci! Como o senhor lança um bráquete premium por esse preço? Ponha a mão na consciência! O senhor vai atrapalhar a gente!
— Mas, como eu posso lesar o meu cliente se nesse valor já estão inclusos o meu custo e o meu ganho?
Na história da Morelli, o dinheiro sempre foi usado para benefício dos funcionários, melhorias na fábrica e uma reserva para situações emergenciais. É o que Oraci considera justo. Uma empresa admirada por seus colaboradores, com tecnologias próprias e inovadoras. Já estava claro que a Morelli não era mais a mesma empresa do passado.
Era preciso uma mudança de atitude. Ela viria por meio de mais uma forte conexão familiar.
Mônica Morelli, a filha mais velha de Oraci e Terezinha, nasceu praticamente dentro da empresa construída pelo pai, já que morou durante o seu primeiro ano inteiro na casa construída no último andar da fábrica. Logo depois, mudou-se para a chácara de seus pais, também na companhia da irmã mais nova, Tatiane, e mais tarde na companhia também de sua irmã mais velha, Vanessa. Frequentava a clínica odontológica e as festas do final de ano na Morelli, mas não havia nenhuma conversa sobre a empresa em casa. Somente na adolescência ela começou a entender o que Oraci fazia no trabalho. Mesmo assim, cogitou estudar Veterinária.
— Se me perguntassem quando criança o que eu queria ser, responderia: veterinária. Sempre gostei muito de animais, por influência da minha mãe. Mas, com o passar do tempo, eu fui tomando noção do que se tratava a Morelli. Isso me levou ao curso de Administração.
Depois que concluiu a graduação em Administração de Empresas na PUC, em São Paulo, Mônica fez um intercâmbio em Londres. Quando voltou, em 2014, chegou à Morelli disposta a se firmar na área de Marketing. Passou pela maioria dos departamentos administrativos antes de se fixar no setor.
Naquela época, o reconhecimento da Morelli já era percebido a partir de premiações e homenagens em eventos na área. A estrutura de e-commerce, potencializava a relação com os distribuidores. Ao mesmo tempo, a comunicação por meio de campanhas educativas de saúde bucal, patrocínio e diálogo em redes sociais, notadamente o Facebook, já era uma realidade.
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No entanto, Mônica acreditava que aquele era o momento certo para a equipe de Marketing destacar ainda mais o papel da Morelli como líder de mercado.
Muito do que foi implementado por seu antecessor, José Damian, foi aperfeiçoado. Todos os materiais considerados defasados tiveram sua linguagem renovada, incluindo catálogos, folhetos, pôsteres e iniciativas educacionais. O próprio logo da empresa foi redesenhado, com impacto em todas as embalagens de produtos e no site, que também foi reformulado.
Outra iniciativa foi o fortalecimento das ações de relacionamento dos promotores em suas visitas a ortodontistas, em viagens pelo Brasil. Eles ficam dedicados a uma agenda de contato intensivo com os ortodontistas, atendendo os clientes nos consultórios e nos cursos, estabelecendo um vínculo mais profundo com dentistas por todo o Brasil. As visitas guiadas, outra iniciativa de sucesso, também ganharam um tom mais profissional: além dos brindes, foto e sorteio ao final, os visitantes passaram a receber mais informações sobre os métodos e técnicas utilizados.
Dentro dessa nova fase, Mônica passou a valorizar algo que não estava sendo trabalhado até então: a identidade da marca Morelli.
— Em alguns eventos, quem olhava, não acreditava que aquela era a maior empresa de Ortodontia no Brasil. Era necessário valorizar a marca, sua posição de liderança e a qualidade do produto.
Além da comunicação visual, também havia dificuldade com profissionais que guardavam na memória a história do “bráquete que escurece”. Mônica chegou a presenciar cenas em que os promotores eram espinafrados, ouvindo reclamações há tempos superadas. Na visão de Mônica, a postura histórica de “dar a outra face” sem contrariar já não fazia sentido.
— Quando o cliente tem razão, não há discussão. Na Morelli, a palavra de ordem é assumir a falha e resolver o problema da melhor forma possível para o cliente. Porém, nosso produto não trabalha sozinho, podem haver falhas de aplicação, por isso não seria coerente assumir toda a responsabilidade. Hoje, quando identificamos que a falha está na aplicação, procuramos orientar para que o problema não se repita e para que o cliente possa trabalhar da forma mais tranquila possível no seu dia a dia. Alguns anos atrás, muitos se sentiam à vontade para tratar mal, muitas vezes de forma agressiva. Era preciso deixar claro que a qualidade dos produtos havia evoluído. Hoje, a abordagem do cliente mudou completamente.
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Além de se apresentar sempre de forma institucional, explicando produtos, recebendo sugestões e abraçando amigos (e encontrando alguns “inimigos”), a Morelli também foi pioneira em oferecer palestras aos profissionais. Airton Alvarenga, que nunca deu aulas na vida, tornou-se presença frequente e elogiada pelos ortodontistas.
Também chama a atenção a solicitação de ortodontistas para fazer parte da grade de palestras do estande. É a demonstração de que o conceito da empresa definitivamente mudou: se nos primórdios o “Morelão” era de segunda linha, agora é sinônimo de prestígio.
— Muitos profissionais nos procuram e se oferecem para fazer palestras sem cobrança, em nome da Morelli, pois entendem que isso também acaba promovendo a imagem deles. Os conceitos mudaram. Fomos crescendo e, talvez, as pessoas envolvidas subestimavam seu poder e como a empresa conseguia influenciar o mercado.
Em seus 40 anos de história, as transformações da Morelli foram evidentes. Mudaram as instalações, as máquinas, os processos de fabricação, a gestão dos processos e a qualidade dos produtos. Algumas características, no entanto, permaneceram imutáveis: atenção ao cliente, disponibilidade de produto, preço justo e, outro atributo que Oraci adora lembrar, simplicidade. Sempre presente em eventos e congressos, ele costuma não se identificar e acaba surpreendendo quem percebe que aquele sujeito atento, anotando sugestões, é o dono da fábrica.
Esse percurso pode ser resumido por meio de outros adjetivos: sorte, persistência, experiência, crescimento, relacionamento e excelência. Atributos que ajudaram a erguer sua biografia até o presente e que se encontram com outros, associados a um momento de estabilidade e uma perspectiva de futuro.
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Em 2003, a Inser começou a produzir as primeiras peças baseadas na moldagem de injeção de pós de metal. A Morelli desenvolveu tecnologia própria para fabricação dos moldes (acima), que são associados às máquinas injetoras (ao lado). As peças ainda são sinterizadas em altas temperaturas nos fornos de sinterização (abaixo).
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Sala limpa, um ambiente altamente controlado para a produção de miniparafusos ortodônticos. Todo o sistema da sala limpa é desenvolvido para reduzir a introdução, geração e retenção de contaminantes em seu interior.
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No atual setor de embalagem Morelli, um cuidado especial com a organização, limpeza e qualidade do produto, sempre atento às normas sanitárias vigentes.
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