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Momento de voar mais alto

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CAPÍTULO

Momento de voar mais alto

MORELLI 40 ANOS – UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

Ao menos uma vez por mês, Nelson de Véqui seguia de Guarulhos, onde morava, até a Vila Hortência, em Sorocaba, para visitar a família de Oraci. Viajar não era problema para o irmão mais novo de Zenaide: cumpria turnos de 12 por 36 horas como responsável pelo carro-leito do trem que ligava São Paulo a Presidente Prudente, passando por Sorocaba, Botucatu e Bauru. Em um final de semana de 1980, um ruído curioso de cliques e estalos chamou a atenção de Nelson.

Ele viu, perto da mesa de madeira nos fundos da casa, as máquinas de Oraci. Elas trabalhavam para atender ao primeiro pedido de bráquetes para os ortodontistas do Centrinho, em Bauru. Curioso, quis entender o que eram aquelas pequenas peças metálicas.

Ouviu uma breve explicação e, sem pensar muito, fez uma proposta.

— Oraci, você quer que eu venda isso aqui pra você? — Lógico, tio. Pode vender, sim!

Depois que saiu do sítio da família em Tietê, Nelson de Véqui fez de tudo. Fazia bico de pedreiro, encanador, eletricista. Prestativo, ajudava com o carregamento das safras de café e algodão que circulavam pela ferrovia. Quando foi aprovado no concurso público, a linha ainda era administrada pela Estrada de Ferro Sorocabana, que seria incorporada à estatal paulista Fepasa em 1971. Nos anos seguintes,

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62 as linhas de passageiros que circulavam pelo Estado foram extintas até serem desativadas completamente no fim dos anos 1990. O comboio entre a capital e a região do Pontal do Paranapanema foi um dos últimos a parar.

Naquela noite, tomou o trem de subúrbio de volta para Guarulhos, levando em uma bolsa de pano alguns dos primeiros bráquetes da prescrição Edgewise fabricados pela Morelli. Estava prestes a iniciar uma exploração perseverante e decisiva para a indústria e o mercado da Ortodontia no Brasil.

Nelson de Véqui concluía seu turno de trabalho, deixava a Estação Júlio Prestes, seguia para casa, arrumava-se e rodava pela cidade com uma maleta com os bráquetes organizados em uma caixinha plástica. Não dava tempo de descansar: fazia um mapeamento simples, identificava nomes e endereços de consultórios odontológicos, batia na porta e, demonstrando simpatia e seriedade, apresentava e ressaltava o trabalho do sobrinho. “Estamos começando a fabricar estas peças em escala. Quer dizer, estamos tentando fazer. É um material muito bom, similar aos importados, mas bem mais acessível. Isso aqui ainda não existe no Brasil. Gostaria de dar uma olhada?”, dizia.

Como era uma pesquisa de reconhecimento baseada apenas em sua percepção, a caminhada foi árdua e demorada. Tudo o que Nelson de Véqui conhecia sobre Ortodontia estava relacionado ao tratamento de sua filha; não sabia, entre outras peculiaridades, que nem todo cirurgião-dentista cuidava de casos de má-oclusão. Ouviu muita gente dizer que não estava interessada. Outros, devolvendo a gentileza, orientavam: não lidavam com Ortodontia, mas poderiam indicar quem prestava esse atendimento. Nelson lembra que levou algum tempo, entre percursos pela Grande São Paulo e seu emprego na Fepasa, até encontrar quem se interessasse em comprar bráquetes.

— Eu via uma placa “dentista” e entrava lá, oferecendo o material. Até que fui chegando e encontrando as pessoas certas. Essa primeira luta durou seis meses. Minha primeira venda foi em Guarulhos mesmo. Vendi um lote de 100 peças.

A batalha continuava. Para que as vendas pudessem deslanchar, precisava ampliar seus contatos e estimular a propaganda boca a boca. Muitas vezes, como folgava dois dias seguidos na Fepasa, aproveitava mais o tempo investigando consultórios. Provavelmente, lembra, alguns destes compravam os bráquetes apenas pensando em “dar uma força para esta fábrica nova”. Em uma dessas visitas, ouviu a indicação que precisava: “por que você não oferece estas peças no sindicato, em São Paulo?”.

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No início dos anos 1980, o Sindicato dos Odontologistas do

Estado de São Paulo vivia um período de transição. Durante boa parte

do Regime Militar, entidades sindicais eram geridas pelo Ministério do Trabalho, limitando seu espaço de atuação. Era o caso do Soesp, que chegou a um estágio de extrema carência em 1969. Naquele ano, o então secretário nacional de Relações do Trabalho, Aloysio Simões de Campos, resolveu nomear um interventor para a entidade. Confiou a delicada tarefa ao profissional que conhecia: o dentista de seu filho.

Era o Dr. Jairo Corrêa, um dos fundadores da Sociedade Paulista de Ortodontia e, seguramente, uma das figuras mais importantes da área no País. Ao assumir o sindicato, chamou ainda o Dr. Henrique Motilinsky para ajudá-lo a arrumar a casa. Entre as iniciativas, promoveu ciclos de atualização profissional – embrião do que se transformaria no Centro de Aperfeiçoamento Profissional e Especialização, o Cape. Além de reestruturar as finanças do Sindicato, os cursos estavam alinhados à percepção que chamava a atenção de Oraci Morelli em Sorocaba: havia muito trabalho a ser feito para suprir a necessidade do setor.

As visitas de Nelson de Véqui ao sindicato coincidem com o momento em que Oraci e Angela Morelli começavam a enviar cartas com amostras de bráquetes e tubos a especialistas Brasil afora. Ainda que outras regiões do País já sinalizassem algum interesse, a maior concentração de ortodontistas ficava em São Paulo, graças à ebulição dos cursos de especialização, à consolidação das primeiras entidades de classe e à presença destes profissionais em eventos organizados por instituições como o Soesp. Depois de estacionar algumas vezes próximo ao número 349 da Rua Humaitá, na Bela Vista, e abrir o porta-malas, não demorou para que a caixa plástica com as peças pioneiras da Morelli circulasse pelas mãos de prestigiados ortodontistas daquela época, como Osório Luz e Silva, Mario Cappellete, Flávio Vellini Ferreira, entre outros.

— Aí eu me entusiasmei. Começou a vender muito. Voltava para Sorocaba cheio de pedidos e sugestões. Alguns compravam um ou dois saquinhos, para experimentar. Talvez nem usassem. Outros me entregavam peças importadas, algumas delas já usadas, e eu entregava aquele material para o Oraci estudar e aprimorar o seu próprio produto.

Foi assim que, com o apoio efetivo de Nelson de Véqui, a Morelli passou a contar com uma modalidade comercial que faria os bráquetes de Oraci se espalharem pelas principais capitais brasileiras: as revendas.

— Depois do sindicato, as vendas decolaram. Muitos clientes lembram do meu

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64 tio Nelson até hoje e o consideram como o fundador da Morelli. Ele sempre foi uma pessoa muito prestativa e carismática, tinha facilidade em lidar com os clientes.

O tio de Oraci começou trabalhando na Morelli de forma consignada, o chamado “maleteiro”. Assinou sua carteira com o salário fixo de Cr$ 103 mil (aproximadamente R$ 2 mil em 2021), além de 2% em comissões das vendas. Era o único na condição de funcionário contratado: não demorou para outros interessados baterem na porta do barracão.

Angela Morelli rememora a imagem de um deles, Sergio Baldani. Sediado em Tupã, 450 km ao noroeste de Sorocaba, tinha grande experiência em comercializar ouro para cirurgiões-dentistas. Quando soube dos bráquetes fabricados pela Morelli, passou a comercializar as peças. Saía pelo interior de São Paulo visitando seus clientes e fechando vendas, mais tarde voltava para o Jardim Pelegrino para acertar os valores.

— Uma vez o Sergio entrou no escritório e viu o armário do estoque vazio. Queria mais material, batia na mesa, dizia “eu preciso dessas peças”. Não tinha o suficiente porque a empresa deslanchou, era mais conhecida, e a produção chegou a não dar conta da demanda. Tudo o que fabricávamos saía muito rápido.

Como tudo o que ganhava era reinvestido no desenvolvimento de novas peças e no crescimento da empresa, Oraci sabia que não havia condições da Morelli decolar enquanto permanecesse no galpão do Jardim Pelegrino. Semanas após a enchente de 1983, começou a traçar o caminho da expansão, tomando como referência a mesma lógica da primeira fábrica: procurou por terrenos em áreas mais afastadas do centro, na região leste da cidade, próxima ao rio.

Chegou ao Jardim Saira quando ainda era tudo mato e arrematou, de uma só vez, três lotes na Alameda Jundiaí, ainda uma viela de chão batido. Se o primeiro imóvel tinha 168 m2 , a extensão de terra das futuras instalações somava 6.000 m2 .

— Comprei os três terrenos juntos. Quando comecei a fazer os prédios, tinha uma casinha no canto, que logo em seguida também comprei e desmanchei, pensando no crescimento da fábrica. Hoje temos aproximadamente 11.000 m2 de construção. Alguns dos nossos prédios têm cinco andares.

Outra característica que marca o estilo da Morelli é a verticalização de suas atividades, ou seja, a empresa sempre dá preferência por produzir internamente tudo relacionado ao seu negócio, ao invés de terceirizar partes de seu processo, desde as embalagens até a

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— Eu mesmo chamo estes prédios

entrega do produto principal. Com isso, em 1984, a organização tinha, além de Oraci, cerca de 20 funde ‘puxadinhos'. cionários dedicados à produção; Angela e Nilton dedicados à administração; Nelson de Véqui como representante de vendas; e, finalmente, os primeiros pedreiros e mestre de obras responsáveis pela nova sede.

Em 1985, funcionários, máquinas, mesas, telefone e estoque da Morelli foram oficialmente transferidos para o número 250 da Alameda Jundiaí. Naturalmente, o espaço foi crescendo e mais pessoas foram chamadas para trabalhar. O cubículo de Angela e Nilton deu lugar a um espaço amplo. As embalagens já não precisavam mais ser feitas nas horas vagas de Sonia: um novo setor responsável dedicava-se a isso. O armário do estoque ganhou a companhia de outros quatro, além de uma funcionária dedicada ao espaço: Maria Celina Gonzales. Oraci abriu um buraco na parede, adaptou um elevador com roldana e uma caixa de madeira. Assim, pedidos e peças circulavam entre comercial a expedição.

Naturalmente, mais pessoas chegavam para assumir postos de trabalho nos novos setores de produção e financeiro, cada vez mais pulverizados. — As coisas foram acontecendo naturalmente. A necessidade foi me obrigando a contratar pessoas, a organizar tudo. Mas, nada de forma planejada. Simplesmente, foi acontecendo. Eu mesmo chamo estes prédios de “puxadinhos”.

Aqui, cabe salientar que a baixa rotatividade de funcionários também é uma marca da Morelli. Além de João Rosatti, Angela e Nilton, contratados desde os tempos do antigo barracão, Celina é um dos empregados que permanecem na fábrica desde os anos 1980. O que também continuou, mesmo com a mudança do prédio, foi a escolha de Oraci em morar na própria empresa. Construiu sua casa no último andar do prédio e morou lá durante quase oito anos.

De todas as possibilidades da nova fábrica, a ferramentaria era a “menina dos olhos” do fundador da empresa. Logo, o velho torno Nardini ganharia a companhia de outras máquinas. Com dinheiro para investir e com mais espaço para ampliar sua linha de produção, Oraci poderia se dedicar ao aprimoramento de sua linha de produção. Se existir alguma máquina no mercado capaz de executar uma tarefa necessária, a empresa compra; caso a máquina precise ser adaptada, a própria Morelli se encarrega da modificação. Aquilo que não existe e nem dá para adaptar, a Morelli procura construir.

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Foi assim que João Rosatti, responsável pela usinagem das peças, viu surgirem sete novas máquinas para fabricação de bráquetes simultaneamente, bem como a chegada de novos departamentos e espaços em um processo lento e gradual.

— Na hora do almoço, eu encontrava com o pessoal das obras, visitava as construções, conversava com eles. Mas, não prestava tanta atenção. De repente, eles acabavam um espaço, a gente mudava algumas coisas de lugar e lá estavam eles começando outra obra. De repente, isso aqui cresceu.

Existem diversas técnicas e filosofias para tratamento orto-

dôntico. Estas variações são associadas à presença ou não de informações predeterminadas inseridas nos bráquetes (torques, angulações e rotações). São as chamadas dobras de primeira, segunda e terceira ordem, as dimensões do espaço por onde a peça se adapta e atua na superfície vestibular dos dentes. Todas estas derivam da técnica Arco de Canto (Edgewise), desenvolvida pelo cirurgião-dentista norte-americano que é considerado o pai da Ortodontia moderna, Edward Hartley Angle, no início do século 20.

Em meados dos anos 1980, a Ortodontia estava sendo gradativamente semeada pela equipe de vendas da Morelli, que se destacava com o trabalho de Nelson de Véqui. Sua rotina era incansável: ele telefonava, pedia à Angela ou ao Nilton a quantidade desejada de material, chegava ao escritório, cumprimentava quem encontrasse pelo caminho, separava peças para sua maleta e deixava outras que recebia de seus clientes: bráquetes e tubos importados novos ou reciclados, entregues por ortodontistas para que a Morelli pudesse desenvolver algum similar.

As visitas aos consultórios foram ficando menos trabalhosas: sorria na recepção, sentava-se com a maleta sob as pernas, retirava caixas plásticas com as peças e separava para seu cliente: “estas para os dentes centrais, para os laterais, os caninos e pré-molares”, cada qual em seu saquinho grampeado e rotulado.

Em algum momento, percebeu que faturava mais vendendo para a Morelli do que trabalhando na ferrovia. Pediu as contas da Fepasa após 23 anos de trabalho. Depois disso, deu outro passo, ainda maior: deixou de ser vendedor consignado para abrir sua própria loja, a Dental Laser. Esta foi, durante boa parte dos anos 1990, a maior revendedora Morelli do Brasil. Foi por meio dela, inclusive, que a Morelli participou dos primeiros congressos de Ortodontia. Nelson de Véqui foi o primeiro garoto-propaganda da Morelli e seu maior divulgador, notadamente em São Paulo, a ponto de ainda ser lembrado por profissionais da época.

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José Humberto Gonçalves, atualmente um dos promotores da Morelli, era balconista da Dental Gaúcho na loja da Praça da Sé, número 21, no final dos anos 1980. Apesar da loja ser representante e importadora da Dentaurum, ele percebeu a chegada da marca nacional no balcão, evidenciando a força do relacionamento dos vendedores.

— Tinha um vendedor que trabalhava com Ortodontia, chama-se Paulo Lima. Ele tinha um relacionamento muito bom com os irmãos Marquart e eu não sei bem como ele conseguiu, mas começaram a aparecer alguns produtos Morelli na Dental Gaúcho. Eram alguns envelopes plásticos carimbados, com códigos como S2 C 03 K.

Oraci era a cabeça pensante da ferramentaria: a partir das amostras recebidas de Nelson de Véqui e de outros clientes, aperfeiçoava cada um de seus produtos, além de criar novos itens que passavam a integrar seu portfólio. Em 1989, quando já existiam dois prédios na Alameda Jundiaí, o catálogo distribuído naquele ano contava com pouco mais de 70 itens. A grande maioria era bráquetes para soldagem (que começavam com o código S1) e colagem (os S2), com slot .018” (os que terminavam com K) ou slot .022” (código Z). Atendia essencialmente a prescrição Edgewise, mas já apresentava peças com variados torques e ângulos para atender quem adotava a técnica de Begg, com arcos-cinta de largura reduzida e, mais adiante, o princípio da terapia bioprogressiva proposto por Ricketts. Também constavam os tubos simples ou duplos, com ou sem gancho, arcos, botões, bandas, fitas, além de acessórios e algumas ferramentas.

Pioneira na fabricação e venda de material ortodôntico no Brasil, a Morelli pavimentou a forma como este mercado funcionaria. Começou com o “vendedor maleteiro”, que percebia a oportunidade em sua região, procurava a empresa por meio de alguma indicação e passava a vender por consignação. Rapidamente, foi sendo substituído por dentais e lojas revendedoras, escolhidas criteriosamente. Resultado: as vendas diretas foram superadas (e muito) pelos representantes.

— Nossa política sempre foi cautelosa: dar revenda para cidades ou regiões que têm demanda e segurar onde não tem. Se a gente fizer propaganda para venda ativa, todo mundo concorrerá entre si. Sempre foi muito difícil dar revenda e a fila de interessados ainda é muito grande, mesmo sendo mais de 200 distribuidores no Brasil e alguns no Exterior. Anos depois, com a proliferação das lojas virtuais que atendem todo o Brasil, é um pouco mais difícil controlar a concorrência por região.

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Diante dos primeiros sinais de sucesso comercial e do cresci-

mento da Morelli, Oraci permanecia como um workaholic obstinado. Raramente dava atenção à sua vida pessoal. Sempre combinou sua postura introvertida e espirituosa para dizer que “não namorava por opção – no caso, por opção de todas as mulheres”.

Mas, o destino resolveu mudar essa história. Em algum momento, ao final dos anos 1980, Oraci estava de passagem e viu uma jovem morena em seu caminho. Ela estava parada à beira da calçada, apoiando-se em uma mobilete. Percebendo que ela havia ficado sem combustível, resolveu parar e oferecer ajuda. Depois de comprar gasolina e colocar a moça no caminho de casa, combinaram um segundo encontro. Deu certo, e depois ainda saíram juntos mais algumas vezes. Como havia uma evidente afinidade entre o casal, o relacionamento estava começando a decolar, mas um dia a morena mudou-se e sumiu sem dar notícias. Seu nome: Terezinha.

Oraci reconheceu alguns sinais naquele encontro. A jovem tinha o mesmo nome da irmã falecida em 1961, justamente no mesmo ano em que a dona da mobilete havia nascido.

— É uma coincidência muito grande.

Foram ao menos três anos sem notícias de Terezinha. Com Vanessa, uma filha de outro relacionamento, e morando em uma pensão, ela havia hesitado em prosseguir com algum compromisso. Por isso, havia se mudado sem avisar Oraci.

— Eu era mãe solteira e, naquela época, não achava que o relacionamento tinha futuro. Achava que era coisa passageira. Em um dado momento, me mudei do pensionato. Minha colega de quarto sabia o novo endereço, mas não contou ao Oraci. Olhando para trás, tenho certeza de que ela ficou com inveja – relembra Terezinha.

A história poderia ter se encerrado ali. No entanto, a sincronia entre Terezinha e Oraci era tão forte que acabaram se reencontrando casualmente. Desta vez, Oraci não a deixaria escapar. Logo nos primeiros encontros, resolveu convidá-la para um final de semana no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, próximo de Cananéia, cerca de 250 km de Sorocaba. Lá, poderia compartilhar com ela um de seus principais hobbies: voar!

Oraci dividia espaço com a namorada na cabine de sua picape F-1000. Na caçamba, trazia seu ultraleve, uma aeronave que lembra um helicóptero pequeno, com um motor de combustão para a hélice traseira e um rotor independente, solto, que sustenta a hélice maior localizada no topo e gira durante o movimento de voo.

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O casal saiu no final da manhã em direção ao Parque e Oraci levantou voo no meio da tarde. Depois de uma volta pela Ilha do Cardoso, percebeu que havia algum problema com a aeronave e que precisava pousar. Ao chegar ao solo, a aeronave ficou posicionada de forma perpendicular à praia, em uma estrada pouco movimentada, aproveitando o sentido do vento. Nesse momento, Oraci viu um carro se aproximando e tentou segurar a hélice maior e evitar que ela batesse no veículo que se aproximava. No entanto, ao mover o braço para baixo, sua mão esquerda acabou sendo atingida pela hélice traseira da aeronave, que ainda estava em movimento.

O acidente fez com que Oraci perdesse parte do dedo indicador da mão esquerda. Terezinha ajudou a socorrê-lo e permaneceu ao seu lado o tempo todo no hospital. Depois, Oraci, Terezinha e Vanessa foram morar juntos, ocupando o último andar do prédio na Alameda Jundiaí. Mudaram-se dali apenas em 1993, quando a primeira filha do casal, Mônica, já tinha um ano de idade. Anos mais tarde, Mônica e Vanessa trabalhariam juntas na equipe de Marketing da Morelli. Ao relembrar aquele importante episódio para sua família, Oraci não perde o espírito bem-humorado.

— Pois é, aconteceu esse acidente aí. Arrumei uma mulher e começamos a morar juntos. Mas, ainda não casamos. Somos, como se dizia na época, entrouxados. Juntamos as trouxas.

Na mitologia grega, Ícaro é um personagem lembrado por ter conseguido voar graças a um par de asas construídas por seu pai, Dédalo. A história conta ainda que, tomado pela arrogância e por acreditar ser um deus poderoso, ousou voar alto demais. Aproximou-se do sol, viu suas asas derreterem e despencou até cair no mar Egeu. É a antítese do administrador de uma indústria que, mesmo apaixonado pelo ar, nunca tirou os pés do chão. Aqui, novamente, sua postura agnóstica é colocada à prova: as letras que formam “Oraci” são inversamente as mesmas que formam o nome “Ícaro”.

Coração preenchido, saúde em ordem e negócios voando alto. Com a chegada da década de 1990, os voos de Oraci estariam sujeitos às grandes turbulências da economia brasileira. Como a Morelli poderia sobreviver a esse período tão conturbado?

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70 Responsável pelo carro-leito da Sorocabana quando começou a desbravar consultórios e vender bráquetes, Nelson de Véqui transformou-se, com o tempo, no maior revendedor Morelli do Brasil. O irmão mais novo de Zenaide foi o primeiro garoto-propaganda e, certamente, o maior divulgador da empresa em sua história.

O cenário da Alameda Jundiaí, no Jardim Saira, modificava-se intensamente na mesma medida em que surgiam novas demandas, provocando o aumento do espaço físico. O primeiro prédio foi erguido em 1984; dez anos mais tarde, já eram três pavilhões.

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A paixão de Oraci pela aviação parece trama do destino, já que seu nome remete ao personagem mítico Ícaro (com as letras invertidas). Na foto acima, Oraci aparece ao lado da irmã caçula Sonia, nos anos 1990. A seguir, uma cópia de sua licença para voar datada de 1987.

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