JORNALISMO ESPECIALIZADO
informação e inclusão
Organizadores
Valéria Deluca Soares Fabio Ramos Berti
JORNALISMO ESPECIALIZADO
informação e inclusão
Porto Alegre 2019
Organização: Valéria Deluca Soares
Fabio Ramos Berti
Capa: Alessandro Davila Projeto Gráfico e Diagramação: Juliane Licht Lucca Realização: Multiverso Comunicação Integrada
Curso de Jornalismo Centro Universitário Metodista - IPA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Jornalismo especializado: informação e inclusão / organizado por Fabio Ramos Berti, Valéria Deluca Soares. – PortoAlegre: Editora Moriá, 2019. 192 p. : il. ISBN: 978-85-99238-52-3 1. Jornalismo Especializado. 2. Jornalismo Político. 3. Jornalismo Econômico. 4. Jornalismo Esportivo. 5. Webjornalismo. 6. Jornalismo Científico. I. Berti, Fabio Ramos (Org.). II. Soares, Valéria Deluca (Org.). CDD 070 CDU 070 Bibliotecária responsável: Marisa Fernanda Miguellis CRB 10/1241
Porto Alegre 2019
SUMÁRIO
...Apresentação
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...Capítulo 1 A violêcia de gênero na mídia online: o caso Isabela Miranda nos portais G1 e R7
9 Thayna Iglesias Rocha Valéria Deluca Soares
...Capítulo 2 Mulheres no Jornalismo Esportivo: os desafios no exercício da profissão
47 Caroline Maciel Riet Valéria Deluca Soares Fabio Ramos Berti
...Capítulo 3 Jornalismo e conteúdos de marca, uma tendência possível? Interesse público e estratégias de marketing na Revista Donna Leticia Guarnieri Caimi Sandra Bitencourt
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...Capítulo 4 Jornalismo Científico: os critérios para a tradução de publicações científicas
101 Lucas Lobato Marsiglia Valéria Deluca Soares
...Capítulo 5 Copa do Mundo da Rússia: os valores-notícia considerados na cobertura jornalística do site Brasil de Fato
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Guilherme Bernst Roesler Valéria Deluca Soares
...Capítulo 6 Programa Primeiro Jornal: considerações sobre os critérios de noticiabilidade na elaboração da pauta em uma web rádio
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Vinícius Domingues Carneiro Valéria Deluca Soares
...Capítulo 7 O Jornalismo Econômico no Jornal do Comércio: a cobertura do empreededorismo no caderno GeraçãoE
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Sabrina Rosa Dias Maria Lúcia Patta Melão
...Sobre os autores
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APRESENTAÇÃO Quando fui convidado para escrever este prefácio para um livro que reuniria textos de alunos de Jornalismo do IPA e fui informado que o prazo era curto (situação que nós jornalistas nos habituamos na rotina deste ofício), separei parte de um dia que parecia tranquilo para me dedicar a algumas linhas sobre a nossa profissão. E o que acontece? Os fatos mudam toda a rotina e o que poderia ser pausado e pensado, passa a se tornar algo necessariamente ágil para respeitar o dead-line. A situação me pareceu uma oportunidade para apresentar aos leitores dos sete artigos que seguem nesta obra um pouco dos desafios que estes futuros jornalistas encontrarão no seu cotidiano. A necessidade de agregar agilidade com responsabilidade. Ser informativo e relevante, sem perder jamais o compromisso com a verdade e com a ética. E seguir sempre com a certeza de que somos falíveis. Nos meus 25 anos de profissão, ressalto que não basta sermos bem informados. Não basta termos cultura geral, saber um pouco de tudo. É preciso carregar sempre uma leve indignação que nos leve às perguntas certas, mas não perder o caráter informativo do nosso papel. O julgamento é feito por um poder de verdade: o judiciário. É importante adaptar-se às novas tecnologias. Elas sempre irão avançar. Em geral, o exercício da profissão nos coloca em meio ao enfrentamento de interesses empresariais (legítimos de quem quer manter o seu negócio rentável e – espero – gerando empregos) e da sociedade que costuma ver no jornalismo um aliado. É o bom jornalismo que incomoda. Collor caiu pelo jornalismo. O Mensalão foi descoberto pela imprensa. A cobertura da Lava Jato encerrou uma etapa na política brasileira e, em 2019, o Governo Federal ataca sistematicamente a mesma imprensa como vacina. Esta prática, aliás, não tem ideologia. A culpa é sempre do mensageiro. O que reforça o jornalismo é jornalismo bem feito. O respeito pelo compromisso de nossa atividade. Não esquecer do juramento “tudo fazer para preservar o cunho liberal e humanista” da profissão. E “sem faltar aos ditames da honra”. Não é aceitável que, em qualquer
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momento, uma força (seja ela política, econômica ou, até mesmo, social) queira condicionar o trabalho de um jornalista se ele segue o que se comprometeu. Aos erros, às críticas e correções. Os trabalhos que seguem falam sobre gênero, esporte, marketing, ciência, noticiabilidade e empreendedorismo. Nas redações, temos que falar de tudo, desfilar pelos temas mais variados. Preparar-se para debater SUS e fazer entrevista sobre Meio Ambiente e emitir uma opinião sobre uma inesperada prisão de um político. O jornalismo é desafiador e fascinante. Não desistam do livro por minha causa. Muito menos da profissão. A sociedade precisa da imprensa, mesmo que a ataque cada vez mais.
André Machado Jornalista
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Capítulo 1
A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA MÍDIA ONLINE: O CASO ISABELA MIRANDA NOS PORTAIS G1 E R7 Thayna Iglesias Rocha Valéria Deluca Soares
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2018, mostra que o Brasil registrou mais de 60 mil estupros em 20171. No entanto, estima-se que esse número representa apenas 10% dos casos. A maior parte não chega a ser notificada nem à polícia, nem ao Sistema Único de Saúde, “tendo em vista o tabu engendrado pela ideologia patriarcal”2. No mesmo período foram registrados 606 casos diários de lesão corporal por violência doméstica. E, enquanto os assassinatos em geral tiveram uma redução de 13%, os homicídios femininos foram reduzidos em apenas 6,7%, de acordo com o Monitor da Violência, elaborado pelo site G1. Uma taxa de quatro mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres, 74% superior à média mundial3. Esses dados alarmantes contrastam com o atual cenário do feminismo no Brasil, que vem crescendo principalmente por meio da internet. Em 2015, que foi considerado o ano da Primavera das Mulheres, milhares ocuparam as ruas em protestos que foram organizados por páginas e grupos do Facebook4. Essa expansão teve como estopim a aprovação da PL 5069/2013 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, em outubro (BRITO, 2017). O projeto limitava o atendimento às mulheres vítimas de violência sexual, de modo que o aborto só pudesse ser feito legalmente após o exame de corpo de delito e denúncia à autoridade policial. Também estabelecia detenção de até três anos para profissionais da saúde que induzissem, auxiliassem ou instigassem o aborto, quando não fosse o caso. 1 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/ Anuario-2019-v6-infogr%C3%A1fico-atualizado.pdf Acesso em: 18.03.2019, às 10h00min. 2 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/06/ FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf Acesso em: 18.03.2019, às 10h15min. 3 Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/dadosde-violencia-contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-desigualdade-de-genero-no-brasil.ghtml Acesso em: 18.03.2019, às 10h30min. 4 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/03/politica/1446573312_949111. html Acesso em: 18.03.2019
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No mesmo mês, surgiu a campanha #PrimeiroAssédio, que viralizou após Valentina Schulz, participante do programa MasterChef Júnior, na época com 12 anos, ser assediada por diversos homens na internet. A campanha reuniu relatos sobre os primeiros assédios sofridos por milhares de mulheres, em média aos 9,7 anos de idade. A hashtag foi replicada mais de 82 mil vezes no Twitter5. Já em novembro, a professora Manoela Milkos lançou a campanha #AgoraÉqueSãoElas, em que mulheres ocuparam o espaço de escritores e colunistas homens na mídia por uma semana6. E, em seguida, na campanha #MeaCulpa, os homens demonstraram apoio ao movimento feminista, reconhecendo e refletindo sobre seus erros e atitudes machistas7. Segundo dados recolhidos pela ONG Think Olga em parceria com a Agência Ideal, as buscas pelas palavras feminismo e empoderamento feminino cresceram 86,7% e 354,5% respectivamente, de janeiro de 2014 a outubro de 20158. Esses números continuaram crescendo nos anos seguintes, assim como o movimento feminista, que em 2018 chegou a reunir mais de 100 mil pessoas em protestos contra o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro. O movimento denominado #EleNão foi classificado pela cientista política Céli Pinto como a maior manifestação de mulheres na história do Brasil9. Além da crescente popularização do feminismo, a legislação brasileira também tem se aprimorado na proteção das vítimas de violência doméstica. A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, é considerada a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile10. E em 2015, foi sancionada a lei que tipifica o feminicídio, reconhecendo-o enquanto crime de ódio e tornando-o um agravante ao homicídio. Apesar de tudo isso, a violência de gênero continua sendo um problema muito grave no Brasil, conforme exposto no primeiro parágrafo. É importante destacar que a maioria das agressões (42%) acontece dentro da casa da própria vítima11, o que ajuda a invisibilizar a violência. Entre os agressores, 76,4% são conhecidos das mulheres, 23,8% são namorados, maridos ou companheiros, 21% são vizinhos e 15% são ex-namorados, ex-maridos ou ex-companheiros12. 5 Disponível em: https://thinkolga.com/2018/01/31/primeiro-assedio/ Acesso em: 18.03.2019, às 11h30min. 6 Disponível em: https://catracalivre.com.br/cidadania/campanha-agoraequesaoelas-daespaco-as-mulheres-na-midia-saiba-como-participar/ Acesso em: 18.03.2019, às 12h15min. 7 Disponível em:https://oglobo.globo.com/sociedade/tocados-pelo-primeiroassediohomens-fazem-meaculpa-17975262 Acesso em: 18.03.2019, às 12h130min. 8 Disponível em: https://thinkolga.com/2015/12/18/uma-primavera-sem-fim/ Acesso em: 18.03.2019, às 12h45min. 9 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45700013 Acesso em: 19.03.2019, às 10h15min. 10 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36178/lei-maria-da-penha-a-terceira-melhorlei-do-mundo Acesso em: 19.03.2019, às 10h25min. 11 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf Acesso em: 19.03.2019, às 10h45min. 12 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf Accesso em: 19.03.2019, às 11h00min.
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Esses fatos são comumente utilizados para justificar a falta de intervenção na violência ou a desconfiança de que a vítima, na verdade, permitiu ou facilitou que ela acontecesse. Isso porque há um pensamento enraizado desde os tempos coloniais na sociedade brasileira, de que a mulher, ao se envolver romanticamente com um homem, se torna propriedade dele. Culturalmente, a violência física e sexual continua sendo vista como uma forma de castigo à mulher que não se comporta de acordo com os padrões conservadoristas. Uma pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2016, mostrou que 37% da população concordam com a frase “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. E 30% acredita que “a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”13. Esse senso comum pode acabar se refletindo também na forma como a violência de gênero é noticiada. Porém, com a facilidade de acesso e disseminação de conteúdo que a internet fornece, é comum que matérias com discurso de culpabilização da vítima cheguem rapidamente ao conhecimento de mulheres e grupos feministas e viralizem pelas críticas que recebem. Foi o caso do estupro e feminicídio de Isabela Miranda, abusada pelo cunhado e, logo após, assassinada pelo namorado. O R7, portal de notícias online do Grupo Record, foi um dos primeiros veículos a noticiar o caso. A publicação levou o título “jovem tem 80% do corpo queimado ao ser flagrada na cama com cunhado”, o que causou revolta nas redes sociais pela culpabilização da vítima e pela omissão da suspeita de estupro14. Após a polêmica, a notícia foi editada com novo título, mas mantendo o mesmo texto e o vídeo do telejornal Cidade Alerta, que entrevistou os familiares da vítima. O R715 é o segundo portal de notícias mais acessado no Brasil, segundo o ranking do Comscore16, abaixo do site da Rede Globo, cujas notícias são redirecionadas para o portal G117. Assim como o R7, o G1 foi um dos poucos veículos de grande porte que noticiou o caso em maior profundidade. A Folha de São Paulo18 e o Estadão19, por exemplo, só realizaram, cada um, uma publicação sobre o assunto. 13 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/01/ FBSP_Policia_precisa_falar_estupro_2016.pdf Accesso em: 20.03.2019, às 11h35min. 14 Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/universitaria-de-19-anos-e-queimadaviva-por-namorado/ Accesso em: 20.03.2019, às 12h00min. 15 Disponível em: https://www.r7.com/ Acesso em: 21.03.2019, às 10h15min 16 Disponível em: https://www.comscore.com/por/Insights/Rankings-do-Mercado Acesso em: 21.03.2019, às 10h00min 17 Disponível em: https://g1.globo.com/ Acesso em: 21.03.2019, às 10h20min 18 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/homem-matanamorada-queimada-na-grande-sp-familia-diz-que-ele-confundiu-estupro-com-traicao. shtml Acesso em: 10.03.2019 às 18h15min 19 Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,jovem-que-foiqueimada-pelo-namorado-sera-enterrada-nesta-sexta-feira,70002747559 Acesso em: 10.03.2019 às 18h00min
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A partir do exposto, o objetivo deste artigo concentra-se em analisar como a mídia online apresenta a cultura do estupro e a culpabilização da vítima, considerando a cobertura do caso envolvendo a violência e o feminicídio de Isabela Miranda. Para tal, a pesquisa se caracteriza como do tipo descritivo e exploratório, de cunho qualitativo. Para a coleta de dados, opta-se pela pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a observação simples. A análise de conteúdo é a técnica para a apresentação, análise e interpretação do conteúdo teórico e resultante da observação simples. A pesquisa se justifica pelos altos índices de violência contra a mulher em todo o Brasil. Apesar das leis de proteção, do crescimento dos grupos e iniciativas feministas e das tentativas de conscientização, o país continua sendo o quinto mais perigoso do mundo para mulheres. Por isso é importante, tanto para a área da Comunicação quanto para toda a sociedade, compreender qual o papel da mídia na naturalização da violência, para que seja possível buscar soluções. O jornalismo tem a responsabilidade de transmitir as notícias de forma objetiva e correta, levando em consideração o interesse público. Esse preceito é quebrado quando informações são omitidas ou destacadas desnecessariamente, de acordo com os interesses ou ideologias do jornalista ou do veículo de comunicação. E é isso que se percebe, muitas vezes, em notícias que retratam a violência contra a mulher: matérias que ressaltam roupas ou atitudes da vítima que, no entendimento de boa parte da população, justificariam o crime. Isso vai de encontro a outras diretrizes do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros: defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; defender os direitos dos cidadãos, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial das minorias sociais; combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos de gênero ou de qualquer outra natureza; respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão.
Enquanto mulheres são violentadas, agredidas e mortas todos os dias, o jornalismo, que deveria proteger direitos e denunciar os abusos, acaba reproduzindo e perpetuando os mesmos preconceitos já presentes na sociedade brasileira. A mulher, após sofrer nas mãos do agressor e, muitas vezes, nas de autoridades mal preparadas, é novamente vitimada pela mídia, mesmo quando não está mais presente para se defender. É preciso compreender como e por que os valores jornalísticos estão sendo ignorados e deturpados em prol de uma dominação patriarcal, pois só tendo dimensão do problema, é possível lidar com ele desde suas bases. O caso de Isabela Miranda foi uma representação cruel de como isso acontece. Violentada e assassinada, ela nunca teve a chance de contar a sua história. Coube ao jornalista escolher a narrativa que seria usada - a de uma mulher infiel, que foi morta por despertar o ciúme do namorado. E, mesmo quando as mulheres sobrevivem, suas vozes são caladas por notícias falsas, acusações ou julgamentos de caráter sem qualquer relação com o crime. A mídia, que meses
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atrás julgou Isabela Miranda, fez o mesmo no passado com Daniela Perez, com Angela Diniz, com Eloá Pimentel e tantos outros casos, famosos ou não. Nesta linha, tanto para as pesquisadoras, como para a maioria das mulheres, o medo da violência física e sexual é constante durante toda a vida e o medo da revitimização por parte da sociedade o acompanha. Por isso, acredita-se na importância desse estudo para que se construa um jornalismo verdadeiramente comprometido com seu propósito social, que ajude a educar a população e não reproduza velhos preconceitos, legitimando a violência de gênero em suas diversas camadas. Assim, espera-se desenvolver uma sociedade melhor para as próximas gerações, em que menos mulheres sofram agressões e aquelas que vierem a sofrer tenham, ao menos, uma representação justa e livre de julgamentos. OS CAMINHOS PERCORRIDOS A pesquisa se delimita a analisar as publicações sobre o caso de abuso sexual e feminicídio de Isabela Miranda20, nos portais de notícias online G121 e R722, durante a semana do ocorrido. William Felipe Alves, de 21 anos, espancou e ateou fogo à namorada Isabela Miranda, de 19 anos, no dia 03 de março de 2019. O crime aconteceu logo após Isabela ter sido sexualmente abusada pelo cunhado de William, o que foi citado pelos veículos como motivação para uma ‘crise de ciúmes’. A jovem faleceu na madrugada do dia 07 de março, não resistindo às queimaduras em 80% do corpo23. Os dois portais, R7 e G1, foram escolhidos devido a sua abrangência e grande alcance de público, e pelo aprofundamento dado ao caso de Isabela Miranda, que foi maior do que em outros sites noticiosos. No caso do R7, houve ainda uma grande exposição após mulheres e grupos feministas das redes sociais acusarem machismo na manchete da primeira publicação. Foram selecionadas para a análise duas notícias de cada veículo. Do G1: “Mulher morre em SP após ter o corpo queimado pelo namorado”24 e “Mãe passa mal no enterro da filha que morreu queimada pelo namorado em SP”25. E do R7: “Mulher passa mal, 20 Disponível em: <https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/mulher-passa-mal-eabusada-pelo-cunhado-e-torturada-pelo-namorado-07032019> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h00 21 Disponível em: <https://g1.globo.com/> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h10 22 Disponível em: <https://www.r7.com/> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h10 23 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h15 24 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h15 25 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mae-deisabela-passa-mal-no-enterro-da-filha-que-morreu-queimada-pelo-namorado-em-sp. ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 21h15
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é abusada pelo cunhado e torturada pelo namorado”26, 06 de maio de 2019, e “Jovem queimada pelo namorado se declarava constantemente nas redes sociais: ‘minha sorte grande’”27, 08 de março. Serão utilizados quatro indicadores com o objetivo de analisar os textos respondendo à problematização da pesquisa. A primeira categoria é a Representação dos gêneros na sociedade, que vai relacionar o conteúdo das matérias à forma como as mulheres são socialmente percebidas, de acordo com o referencial teórico. Em seguida, A legislação na notícia trará uma análise de como o abuso sexual e o feminicídio são apresentados enquanto crimes nas matérias. O terceiro indicador será A notícia na web, que buscará compreender a influência da internet e das rotinas jornalísticas que ela traz, na cobertura do caso analisado. E, por fim, A narrativa, que trará uma análise sobre como a construção dos textos pode refletir a cultura do estupro e culpabilização da vítima de agressão. No primeiro momento, as notícias serão descritas de modo a contextualizar o caso, dividindo os textos entre aspectos e destacando os elementos que vão ser analisados. Em seguida, será feita a análise dos dados, de acordo com cada uma das categorias, trazendo como base os estudos e teorias. E por fim, a interpretação dos dados que vai resultar nas inferências que levam a uma reflexão sobre a sociedade a atual e as práticas do Jornalismo. O QUE MOSTRARAM AS MATÉRIAS VEICULADAS NO R7 E NO G1 Segue-se apresentando o caso e as notícias selecionadas, destacando elementos importantes dos aspectos, manchete e linha de apoio (título e frase que de complemento, trazendo as informações principais), lead (primeiro parágrafo, que responde às perguntas essenciais da notícia) e desenvolvimento, que posteriormente, serão analisados. Notícia 1 - Mulher passa mal, é abusada pelo cunhado e torturada pelo namorado (R7) Isabela Miranda de Oliveira foi abusada sexualmente pelo cunhado, depois espancada e queimada viva pelo namorado, no dia 03 de março. O R7 foi o primeiro grande veículo online a noticiar o caso, no dia 06 de março, reproduzindo uma reportagem do telejornal Cidade Alerta. Quando a notícia foi ao ar, Isabela ainda estava viva, no hospital. O texto a ser analisado pode ser observado na Figura 1. Em seguida, são destacados pontos importantes da notícia, em cada um dos elementos citados anteriormente. 26 Disponível em: <https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/mulher-passa-mal-eabusada-pelo-cunhado-e-torturada-pelo-namorado-07032019> Acesso em: 22 de maio de 2019 às 20h00 27 Disponível em: <https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/jovem-queimada-pelonamorado-se-declarava-constantemente-nas-redes-sociais-minha-sorte-grande-08032019> Acesso em: 23 de maio às 20h30
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Figura 1 - Notícia 1 (R7)
Fonte: R728
Manchete e Linha de Apoio É importante destacar que a atual manchete da notícia, “Mulher passa mal, é abusada pelo cunhado e torturada pelo namorado”, se trata de uma atualização realizada após a original alcançar grande repercussão nas mídias online. A primeira manchete divulgada pelo R7 noticiava o seguinte: “Jovem tem 80% do corpo queimado após ser flagrada na cama com o cunhado”. Isso causou revolta nas redes sociais, o que possivelmente motivou a alteração para o título atual. A publicação original, no entanto, foi gravada e reproduzida por outros meios, ao noticiarem a repercussão da manchete, como se observa na Figura 2. A notícia não trazia nenhuma linha de apoio.
28 Disponível em: <https://recordtv.r7.com/cidade-alerta/videos/mulher-passa-mal-eabusada-pelo-cunhado-e-torturada-pelo-namorado-07032019> Acesso em: 22 de maio de 2019 às 20h00
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Figura 2 - Manchete 1 (R7)
Fonte: Hypeness29
Lead
O lead desta notícia segue uma narrativa cronológica, começando pelo momento em que Isabela passou mal e foi se deitar, até ter seu corpo queimado pelo então namorado. A matéria omite o relato dos familiares, de que a jovem teria sido abusada sexualmente, reforçando a ideia de traição. Mesmo sem nenhuma entrevista com o agressor, afirma que ele estava “irritado e sem entender”. Nesse momento, a única informação é de que ele “começou uma briga” e que Isabela teria tentado fugir, sem citar que o homem a espancou, nem que ela teria caído no colchão em chamas por estar alcoolizada, como se observa em outras publicações. No caso desta notícia, não haverá destaques relacionados ao desenvolvimento, uma vez que ela conta apenas com o parágrafo de lead, encaminhando o leitor para a reportagem do telejornal.
29 Disponível em: <https://www.hypeness.com.br/2019/03/record-culpa-vitima-emnoticia-de-feminicidio-e-recebe-enxurrada-de-criticas/> Acesso em: 23 de maio de 2019, às 12h50
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Notícia 2 - Mulher morre em SP após ter o corpo queimado pelo namorado (G1) A primeira notícia do G1 sobre o assunto foi publicada dois dias após a polêmica do R7, informando o falecimento da jovem, como se observa nas Figuras 3, 4 e 5. Figura 3 - Notícia 2 (G1) parte 1
Fonte: G130
30 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019, às 17h00
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Figura 4 - Notícia 2 (G1) parte 2
Figura 5 - Notícia 2 (G1) parte 3
Fonte: G131
Fonte: G132 31 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019, às 17h00 32 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019, às 17h00
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Figura 6 - Notícia 2 (G1) parte 4
Fonte: G133 33 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mulhermorre-em-sp-apos-ter-o-corpo-queimado-pelo-namorado.ghtml> Acesso em: 23 de maio de 2019, às 17h00
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Manchete e Linha de Apoio Observa-se que, embora a notícia traga um título objetivo, informando a morte da jovem e a responsabilidade do homem, na linha de apoio se destaca que a motivação foi uma “crise de ciúmes do namorado, que a encontrou na cama com outro homem”. Em seguida, é informado que o criminoso está preso e, apenas na última frase, o relato das testemunhas de que Isabela estava bêbada e foi abusada. Lead
Percebe-se que o lead segue o modelo de pirâmide invertida, respondendo no primeiro parágrafo o que aconteceu, quem, quando, como e onde. No parágrafo seguinte, é descrito o “por que”. Considerando a utilização da pirâmide invertida, é possível concluir que as informações estão dispostas em ordem de importância, de maior para menor. A última informação do lead são os relatos de que a vítima estava bêbada e teria sido abusada. O lead também traz um hiperlink que leva à uma notícia sobre o crescimento dos números de feminicídio no País, mas nada que remeta a dados ou notícias sobre abuso sexual. Desenvolvimento Após o lead, a matéria segue com informações objetivas do caso: a prisão de William, o motivo da morte, a data do velório e do enterro. Se destaca que Isabela trabalhava e estudava e que o relacionamento com o agressor fazia um ano. Há também a informação de que a Secretaria de Segurança Pública ainda investigava o crime e não informou se ele seria ou não tipificado como feminicídio. A notícia, então, traça um perfil de Isabela, a partir dos relatos dos familiares, mostrando a vítima como uma pessoa tranquila, estudiosa e bonita. Em seguida, apresenta-se o tópico “O dia do crime”. Neste momento, são revelados detalhes sobre a confraternização em que o caso ocorreu, como a brincadeira que estava sendo jogada pelo grupo e o tipo de bebida que estavam consumindo. Em seguida, os relatos das testemunhas de que William teria encontrado Isabela na cama com o cunhado e que ele estava “transtornado”. Só depois disso, foram mencionadas as declarações das testemunhas, que afirmam que a menina foi abusada, apesar de o cunhado aparecer no boletim de ocorrência apenas como vítima de espancamento. Por fim, a notícia traz dados sobre feminicídio no Brasil, mostrando que a história de Isabela não é um caso isolado, segundo levantamento realizado pelo site. Notícia 3 - Jovem queimada pelo namorado se declarava constantemente nas redes sociais: ‘minha sorte grande’ (R7) A segunda notícia selecionada no portal R7 foi publicada também no dia 08 de março e, como pode ser observado nas figuras 7, 8, 9 e 10 e pelos destaques dos itens seguintes, apresenta uma mudança de discurso e um conteúdo mais aprofundado em relação à primeira notícia.
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Figura 7 - NotĂcia 3 (R7)
Fonte: R734
34 DisponĂvel em: <https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/jovem-queimada-pelo-namorado-se-declarava-constantemente-nas-redes-sociais-minha-sorte-grande-08032019> Acesso em: 23 de maio Ă s 17h30
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Figura 8 - NotĂcia 3 (R7) parte 2
Fonte: R735
35 DisponĂvel em: <https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/jovem-queimadapelo-namorado-se-declarava-constantemente-nas-redes-sociais-minha-sortegrande-08032019> Acesso em: 23 de maio Ă s 17h30
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Figura 9 - NotĂcia 3 (R7) parte 3
Fonte: R736
36 DisponĂvel em: <https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/jovem-queimada-pelo-namorado-se-declarava-constantemente-nas-redes-sociais-minha-sorte-grande-08032019> Acesso em: 23 de maio Ă s 17h30
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Figura 10 - Notícia 3 (R7) parte 4
Fonte: R737
Manchete e Linha de apoio Nesta notícia do R7, lê-se o título “Jovem queimada pelo namorado se declarava constantemente nas redes sociais: ‘minha sorte grande’”. A linha de apoio não traz referências ao abuso sexual, informando apenas que “Isabela Miranda, de 19 anos, foi espancada e queimada viva pelo namorado em São Paulo”. Lead
Neste caso, observa-se que a notícia não se inicia com um novo fato, mas traz mais informações sobre Isabela e seu relacionamento com o homem que a assassinou: “utilizava as redes sociais para se declarar para o companheiro constantemente”. Um hiperlink leva à outra notícia, que detalha o caso do abuso e assassinato. 37 Disponível em: <https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/jovem-queimada-pelo-namorado-se-declarava-constantemente-nas-redes-sociais-minha-sorte-grande-08032019> Acesso em: 23 de maio às 17h30
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Desenvolvimento
Os primeiros parágrafos após o lead citam as publicações nas redes sociais em que a vítima se declarava ao então namorado e falava sobre como os homens deveriam tratar suas namoradas. Também se destaca a campanha dos internautas por justiça, a partir de hashtags e frases comentadas no perfil da jovem: “#QUEREMOSJUSTICA #QUEREMOSRESPOSTA. NENHUMA MULHER A MENOS! NENHUM FEMINICÍDIO A MAIS!!!”. Depois disso, a notícia retoma o caso, relatando em detalhes o que ocorreu. No primeiro parágrafo, não há menção ao cunhado de William. A frase “a jovem teria sido abusada sexualmente, espancada e queimada pelo namorado”, dá a entender que ele foi o único envolvido no crime.
O texto conta que, durante a festa, os amigos iniciaram uma brincadeira envolvendo o consumo de bebidas alcoólicas e, por isso, a menina teria ficado embriagada. Para que se recuperasse, ela foi deixada em um quarto. A notícia destaca o fato de que os amigos a cobriram com um lençol porque ela estava apenas de biquíni, e, “no entanto”, o namorado de sua cunhada a estuprou enquanto ela dormia. Em seguida, é abordado o boletim de ocorrência e o fato de que polícia trabalha com outras versões além da apresentada pelas testemunhas, considerando a hipótese de sexo consensual. Neste momento, também é relatado que, embora o homem que teria abusado de Isabela tenha sido socorrido por outros homens no local, a menina foi deixada na casa com o agressor.
Após, há o tópico “Testemunhas”, em que se explica que o cunhado de William, acusado de estuprar Isabela, não estaria em condições de testemunhar, uma vez que também foi espancado e ainda estava “confuso”. Não houve notícias posteriores que buscassem a versão do homem ou questionassem a polícia sobre isso. Ao citar o relato dos familiares da vítima, se destaca que o namorado estava inconformado com a traição e que os parentes a colocaram em um banheiro, esperando que ele se acalmasse. Por fim, a notícia relata o quanto Isabela estava embriagada e debilitada pelo espancamento, a ponto de cair em cima do colchão que William havia incendiado, tendo 80% do seu corpo queimado. Notícia 4 - Mãe passa mal no enterro da filha que morreu queimada pelo namorado em SP (G1)
A última notícia a ser analisada foi publicada no site do G1, também no dia 08 de março. A matéria completa pode ser observada nas figuras 11, 12, 13 e 14.
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Figura 11 - Notícia 4 (G1)
Fonte: G138
38 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mae-de-isabela-passa-mal-no-enterro-da-filha-que-morreu-queimada-pelo-namorado-em-sp.ghtml> Acesso em: 23 de maio às 18h00
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Figura 12 - Notícia 4 (G1) parte 2
Fonte: G139
39 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mae-de-isabela-passa-mal-no-enterro-da-filha-que-morreu-queimada-pelo-namorado-em-sp.ghtml> Acesso em: 23 de maio às 18h00
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Figura 13 - Notícia 4 (G1) parte 3
Fonte: G140 40 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mae-deisabela-passa-mal-no-enterro-da-filha-que-morreu-queimada-pelo-namorado-em-sp. ghtml> Acesso em: 23 de maio às 18h00
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Figura 14 - Notícia 4 (G1) parte 4
Fonte: G141
41 Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/08/mae-deisabela-passa-mal-no-enterro-da-filha-que-morreu-queimada-pelo-namorado-em-sp. ghtml> Acesso em: 23 de maio às 18h00
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Manchete e Linha de apoio Como pode ser visto na Figura 11, a manchete destaca a reação da mãe de Isabela durante o funeral: “Mãe passa mal no enterro da filha que morreu queimada pelo namorado em SP”. A linha de apoio novamente traz a motivação da crise de ciúmes, apenas invertendo a ordem das duas últimas informações: primeiro afirma que o homem com quem Isabela foi encontrada teria abusado sexualmente dela, e depois que o namorado está preso. Lead
O G1 continua utilizando a pirâmide invertida no lead da notícia, que trata sobre o enterro de Isabela e a reação de sua mãe. A ordem das informações no segundo parágrafo se repete: primeiro o fato de que William teria encontrado a vítima na cama com outro homem, e por último, os relatos de que a menina teria sofrido abuso sexual. Desenvolvimento A segunda notícia do G1 é praticamente uma reprodução da primeira, apenas acrescentando as informações do lead e algumas imagens e vídeos, que podem ser observadas nas figuras 11, 12 e 14. A primeira imagem mostra a mãe de Isabela chorando, sentada em uma cadeira de rodas, durante o enterro da filha. A segunda mostra a jovem sorrindo ao lado de seu assassino. E, por fim, uma das testemunhas, que não quis ser identificada, falando sobre o quanto William estava transtornado no momento do crime, o que também é reforçado na legenda. A ANÁLISE DE UMA COBERTURA SENSACIONALISTA
A seguir, são apresentados os resultados da análise de conteúdo feita nas notícias dos portais de notícia R7 e G1, que retratam o caso do estupro e feminicídio de Isabela Miranda. A análise do tipo categorial, sendo dividida em três categorias: a representação da mulher e do homem na sociedade, a legislação na notícia, a notícia na web e a narrativa. Categoria 1: Representação dos Gêneros na Sociedade
A primeira categoria a ser analisada é a Representação dos gêneros na sociedade, ou seja, de que forma a percepção social sobre a mulher e sobre o homem, de acordo com os autores mencionados no referencial teórico, pode ser observada nas notícias selecionadas. Como Scott (1995) explica, o termo “gênero”, na concepção feminista, se refere às construções sociais que culturalmente são utilizadas para diferenciar homens e mulheres - ou seja, tudo aquilo que vai além das distinções anatômicas e fisiológicas. Esses padrões determinam os papéis que as pessoas devem exercer na sociedade e, historicamente, delegam às mulheres tarefas que as
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deixam vulneráveis aos homens em vários níveis. Como Beauvoir (1980) e Engels (1984) observam, essa opressão data de tempos remotos (Engels a define como o primeiro antagonismo de classes) e, por isso, as noções de superioridade masculina estão tão enraizadas à sociedade. Mentz e Schmidt (2017) destacam que a mídia tem um papel essencial na formação do imaginário, na construção identitária e na expressão dessas construções. Isso significa que, ao apresentar e demonstrar validação aos estereótipos de gênero, a mídia ajuda a propagar e fixar a ideia no senso comum, de forma que as pessoas compreendam o mundo e a si mesmas por essa perspectiva. Percebe-se, então, que o jornalismo não apenas reflete as relações sociais, mas faz parte do sistema que as constrói e mantém e, por isso, é importante compreender quais padrões estão sendo reproduzidos. No caso de Isabela, a primeira imagem que se tem é de uma mulher adúltera. Isso se mostra, primeiramente, no título da primeira matéria do R7, como se observa na Figura 1. A manchete destaca que ela foi queimada pelo namorado após ser “flagrada” na cama com o cunhado. A palavra “flagra” é popularmente relacionada a delitos ou atitudes reprováveis, que são descobertas no momento do ato42. O namorado de Isabela, por exemplo, foi preso em flagrante. Dessa forma, compreende-se que a notícia tentava passar, logo no título, a imagem de que a jovem estaria fazendo algo errado e, por ter sido descoberta, foi queimada viva. Como se vê nas figuras 3 e 11, as notícias do G1, embora de modo mais sutil, refletem a mesma ideia nas linhas de apoio. Ressaltam, antes mesmo de mencionar o abuso sexual, que a vítima foi encontrada na cama com outro homem. Já sobre o agressor, as primeiras informações são de que ele teve uma crise de ciúmes. Analisando também o lead das notícias, que é onde, tradicionalmente, ficam as informações mais essenciais para o entendimento, percebe-se que a primeira publicação do R7, exposta na Figura 1, é a que mais reforça essas imagens. Quando fala sobre Isabela, não há menção à sua embriaguez, ao abuso sexual, nem ao espancamento. Ela é mostrada como uma mulher consciente de suas ações, capaz de trair e de tentar fugir, enquanto o namorado é visto como um homem que foi traído, se sentiu “irritado e sem entender a situação”, o que teria o motivado a começar a “briga”. Já no G1, ambos os leads, como mostrado nas figuras 3 e 11, cometem o mesmo erro ao responder o “por que” do caso, afirmando, novamente, que o crime ocorreu após o homem encontrar a namorada na cama com o cunhado. A informação de que a jovem estava alcoolizada e teria sido vítima de abuso é a última a aparecer nos dois casos. É importante destacar que, no decorrer de todas as notícias, existem relatos ou suposições quanto aos sentimentos de William ao presenciar o abuso. 42 Disponível em: <https://www.dicionarioinformal.com.br/flagra/> Acesso em: 23 de maio de 2019 às 22h30
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Palavras como “inconformado” e “transtornado” são usadas para descrevê-lo. Não há informações sobre o estado de Isabela no momento do crime - se estava nervosa, se chorava ou qualquer descrição semelhante. O cunhado de William, acusado de estuprar Isabela, aparece como um personagem secundário - informase que ele também foi espancado, que aparece no boletim de ocorrência como vítima e que, até o momento da produção da notícia, ainda estava “confuso” demais para testemunhar.
A forma como as informações foram dispostas nas matérias, sempre ressaltando o fato de Isabela ter sido encontrada com outro e construindo a imagem de adúltera, antes da imagem de vítima, evidenciam o quanto a mulher ainda é percebida enquanto posse do homem. Essa visão condiz com os padrões e as construções históricas observadas por Engels (1984), Beauvoir (1980) e Lins (2012). Os autores são consensuais ao afirmar que, com a evolução dos instrumentos de trabalho rural e a introdução da propriedade privada, o homem encontrou um meio de tomar conta do sistema econômico e afastar a mulher da vida pública. Assim, a mulher passou a depender do homem, ao mesmo tempo em que suas tarefas domésticas começaram a perder importância e prestígio social. Sendo sustentada pelo homem, a mulher tornou-se também um pertence dele. A monogamia, desde então, tem sido utilizada como um mecanismo de controle - tanto para garantir que os filhos do homem, que um dia receberão sua herança, sejam legítimos, quanto para assegurar o status de propriedade da mulher. Por isso, a traição se mostra como uma afronta ao poder do homem e uma ameaça ao sistema patriarcal.
Como destaca Lins (2012), o fato de o homem possuir a mulher conferiu a ele o poder de puni-la por qualquer desobediência - inclusive, ou principalmente, a traição. Isso também é observado em Leite e Noronha (2015) e Ramos (2012), que mostram o quanto a própria legislação, durante séculos e em todo o mundo, oficializou essa relação de dominância, de forma que os homens tivessem direitos legais sobre as mulheres. Isso porque, como Beauvoir (1980) destaca, as leis, as religiões e todos os registros históricos, por muito tempo, foram domínio dos homens - o mundo era deles e, claramente, toda a organização social era voltada para a manutenção do poder. Dessa forma, os mesmos estereótipos que mostram a mulher como um ser dócil, passivo, naturalmente relegado à criação dos filhos e às tarefas de casa, segundo Lins (2012), apresentam o homem como naturalmente agressivo e detentor do poder na relação, utilizando a violência para manter o status quo. E isso se manifesta também nas notícias, que mostram William, o assassino, sempre como um homem que, por presenciar uma traição, estava fora de si - “inconformado”, “transtornado” e em “crise de ciúmes”. A violência se apresenta como uma reação comum a estes sentimentos, porque é esperado, na sociedade, que os homens reajam com violência. Por sua vez, Leonardo Silva, o homem que estuprou Isabela, é pouco citado nas matérias. Não se fala sobre seu relacionamento com a irmã de William, sobre
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antecedentes ou qualquer informação além de seu nome. O único momento em que se utiliza algum adjetivo ao mencioná-lo é quando se explica que, por ter sido espancado, ainda estava “confuso” demais para testemunhar. Mas percebese a naturalização de uma sexualidade predatória, que Mentz e Schmidt (2017) afirmam ser parte da construção social do homem, uma vez que os meninos, desde sempre, são incentivados à “conquista sexual”, mas pouco orientados sobre a lógica do consentimento. Isso ocorre quando a segunda notícia do R7 afirma que os amigos de Isabela teriam a coberto com um lençol, já que ela vestia apenas um biquíni e, “no entanto”, o homem teria entrado no quarto e a estuprado. Como se cobrir o corpo da mulher pudesse protegê-la dos incontroláveis instintos masculinos, e o mais chocante não fosse o estupro em si, mas o fato de que ele foi cometido sem que ela o estivesse provocando. Como Sousa (2017) destaca, a cultura do estupro presente na sociedade dissemina, por meio de discursos machistas e misóginos, em diversos meios e formatos, que o poder sexual é uma característica masculina e, portanto, é um direito do homem exercer essa autoridade sobre as mulheres (ou mesmo homens que não se encaixam no padrão de masculinidade), a qualquer momento e de qualquer maneira. Com exceção da primeira notícia do R7, que traz apenas um parágrafo de texto, todas as outras destacam, em algum momento, que Isabela era tranquila, bonita, trabalhadora e estudiosa. A segunda notícia selecionada do R7, como mostram as figuras 7 e 8, se dedica a mostrar publicações em redes sociais, onde a vítima se declarava para o namorado e falava sobre a importância do respeito nos relacionamentos. Assim, de modo contraditório, ao mesmo tempo em que mostram a vítima como uma mulher adúltera e os homens como seres meramente instintivos, as matérias tentam também construir um perfil que, de acordo com Sousa (2017), é considerado digno da empatia e suporte da sociedade - a mulher “para casar”, amorosa, equilibrada, sem histórico de polêmicas e com uma boa reputação. A narrativa final apresenta Isabela como uma mulher que sofreu por ser confundida com o seu oposto, como mostra Sousa (2017) - aquela que transgrediu as regras de conduta e, assim, colocou a si mesma em risco. Categoria 2: A Legislação na Notícia Neste momento, são exploradas as formas como a legislação acerca da violência contra a mulher é percebida nas notícias analisadas. Sabe-se que no Brasil houve um grande avanço nas políticas de proteção à mulher a partir de 2006, com a sanção da Lei Maria da Penha, que busca coibir todas as formas de violência contra a mulher. Mais recentemente, foi aprovada a lei que institui o crime de feminicídio - quando o assassinato ocorre em razão do gênero feminino, como foi o caso de Isabela Miranda. Pode-se observar que, entre as notícias do R7, o termo “feminicídio” só aparece na Figura 8, ao citar a campanha feita por internautas, pedindo
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por justiça no perfil de Isabela no Facebook. Não há nenhuma conceituação ou esclarecimento sobre a tipificação do crime. Já no G1, é ressaltado que a Secretaria de Segurança Pública não informou se o caso seria tipificado como feminicídio. Mesmo assim, no final da notícia, como pode ser observado na Figura 6, há um tópico que traz o conceito do termo e os últimos dados levantados pelo veículo. Já a violência sexual, devido à falta de provas concretas, além do relato das testemunhas, pode encontrar dificuldade na classificação correta - legalmente, como exposto no referencial teórico, poderia se encaixar na tipificação de estupro ou de violação sexual mediante fraude, dependendo da situação. No entanto, considerando que a vítima estava bêbada ao ponto de precisar ser levada a um quarto por estar passando mal, e que o homem se encontrava sem roupas na cama em que ela descansava, subentende-se que algum tipo de abuso ocorreu. Quando se fala em abuso, as notícias se referem apenas aos relatos dos familiares, sem apresentar maiores questionamentos ou dar o devido destaque às condições em que a menina se encontrava e de que forma isso configura estupro, o que seria importante, uma vez que as noções de consentimento ainda são vistas de forma abstrata na sociedade brasileira. É o que mostram Mentz e Schmidt (2017) ao ressaltar o quanto a ‘conquista sexual’ é louvada e incentivada entre os homens, acima de tudo e sem qualquer limite, enquanto as mulheres, segundo Sousa (2017), são ensinadas a seguir regras de conduta que as protejam, sendo então responsáveis pelas violações de terceiros contra sua integridade sexual. Nesta linha, Coulouris (2004) destaca que, à época em que sua pesquisa foi realizada, ainda era possível verificar tendências tão antiquadas quanto as do início do processo de normalização do Direito no país. A autora observa que, do fim do séc. XIX até meados do século XX, o julgamento do crime levava em conta a conduta social do réu. Dessa forma, homens eram julgados por sua honestidade no ambiente de trabalho e pelo o status social, enquanto as mulheres eram julgadas com base na sua moralidade sexual. Dos 53 processos de estupro analisados por Coulouris (2004), 43 acabaram em arquivamento ou absolvição, por não apresentarem provas materiais, sendo as denúncias consideradas falsas ou fracas. Ela ressalta que não há sentido em haver tantas denúncias mentirosas, considerando as dificuldades e exposições sofridas pela vítima ao reportar o crime. A falha presente no sistema jurídico também é percebida ao verificar que, como exposto no referencial teórico, uma lei que esteve em vigência há menos de duas décadas atrás ainda previa a extinção da punibilidade por estupro, caso o agressor se casasse com a vítima. Além de condicionar determinados tipos de violência sexual ao conceito de “mulher honesta” e apontar a virgindade como requisito para o aumento da pena em crimes contra meninas menores de idade. Como destacam Rost e Vieira, só recentemente a violência sexual passou a ser compreendida como uma violação aos direitos individuais. Assim, seria
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interessante que as notícias explorassem mais ângulos e buscassem uma apuração mais aprofundada em relação ao abuso sofrido por Isabela. Percebese, porém, que a violência sexual recebe pouco destaque, é apresentada apenas como uma circunstância que levou ao crime de feminicídio, atenuando a gravidade da história por não haver traição da vítima, e não como um crime em si, também hediondo. Categoria 3: A Notícia na Web
Todas as notícias aqui descritas apresentaram traços de multimidialidade, que Salaverría (2014) define como a integração entre diversas linguagens (textuais, visuais e etc), trazendo fotos e vídeos entre os blocos de texto. Na primeira publicação do R7, pode-se perceber o que Neto (2008) classifica como Shovelware, ou seja, a prática de reproduzir um conteúdo de uma mídia tradicional na internet, sem fazer quaisquer adaptações de conteúdo ou formato. A notícia, de apenas um parágrafo, é acompanhada pela reportagem do telejornal Cidade Alerta. Conforme apresentado na Figura 2, o título original afirmava que “jovem tem 80% do corpo queimado ao ser flagrada na cama com cunhado”, claramente distorcendo a informação ao omitir o abuso sofrido pela vítima. Esse tipo de manipulação, de acordo com Pacheco (2005) é comum na editoria policial, uma vez que notícias mais chocantes chamam maior atenção do público. Na internet especificamente, o sensacionalismo resulta da obsessão pelo número de acessos, o que segundo Vieira (2018) tem causado tensões éticas nas rotinas jornalísticas, uma vez que os profissionais se veem compelidos a manipular as informações em busca de um alcance maior.
Após a enxurrada de críticas, o título da matéria do R7 foi editado recurso que apenas a internet oferece, permitindo que, em vez de publicar uma retratação, o veículo apenas altere o conteúdo conforme as informações forem corrigidas ou de acordo com a repercussão do público. No entanto, como observa Palacios (2014), o meio online traz a possibilidade de clipagem digital - materiais jornalísticos presentes na internet são facilmente arquiváveis, recuperáveis e é comum que sejam socialmente compartilhados, tanto por usuários quanto por outros veículos, como foi o caso, impedindo que a história seja apagada e esquecida. Apesar da alteração da manchete, o restante do texto não foi alterado, mantendo as características sensacionalistas e a omissão de fatos importantes. Assim, percebe-se que não se trata apenas de um equívoco ou de uma busca por instantaneidade que resultou em uma apuração superficial, mas de escolhas ideológicas, que podem ter origem no próprio jornalista, nas políticas editoriais do veículo ou em ambos, como explica Traquina (2005) ao abordar os valoresnotícia - diversos fatores que podem ser considerados pelo jornalista na hora de selecionar quais fatos viram notícia ou quais informações vão aparecer no texto - e as Teorias Construcionistas, que afirmam que a escolha desses fatores leva
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em consideração as relações sociais, culturais e organizacionais que permeiam o jornalista. A segunda matéria do R7 selecionada para análise, conforme se observa nas figuras de 7 a 10, traz uma estrutura parecida com a Pirâmide Deitada proposta por Canavilhas (2014). Ela se inicia com um resumo da notícia e uma breve recapitulação do caso, o que pode ser classificado como a Unidade Base. Em seguida, a informação é complementada com a transcrição das publicações e imagens das redes sociais de Isabela, concluindo o nível de Explicação. A notícia vai até o terceiro nível, de Contextualização, ao retomar o caso, detalhando todos os dados apurados até o momento e separando-os em tópicos, de modo que o leitor pode ir diretamente até a informação que procura. O único hiperlink encontrado no texto leva a outra notícia, com as mesmas informações contidas no nível de Contextualização. No G1, as notícias também são acompanhadas por reportagens de telejornal. Há poucas diferenças entre os conteúdos textuais das duas notícias, o que reflete a observação de Gonzaga (2010). O autor afirma que, devido à alta concorrência e necessidade de instantaneidade, as notícias acabam sendo fragmentadas, republicadas a cada nova informação, como se os passos da apuração fossem novidade. A segunda notícia acrescenta apenas o fato de que o corpo de Isabela foi enterrado e que sua mãe passou mal durante o ato. Novamente, há a manifestação do sensacionalismo, dramatizando a reação da mãe - a primeira foto da notícia, logo após a linha de apoio, mostra a mulher chorando, com uma foto da filha ao lado. A exposição da imagem da mãe em um momento tão delicado condiz com o estudo de Lima (2015), que afirma que, principalmente na internet, a editoria policial vai além dos limites, muitas vezes ignorando valores éticos. Categoria 4: A Narrativa Neste item são analisadas as narrativas das notícias, ou seja, de que forma as informações são estruturadas para contar a história de determinado ângulo. Essa construção do texto é estudada na hipótese do Newsmaking, que aborda os valores-notícia - critérios amplamente difundidos na cultura profissional dos jornalistas e utilizados para selecionar, entre diversos fatos cotidianos, o que tem ou não potencial para se tornar notícia, conforme apontam Wolf (1995), Hohfeldt (2001) e Traquina (2005). Nesta análise são consideradas as Teorias Construcionistas, que afirmam que estes critérios podem mudar de acordo com aspectos culturais, sociais e organizacionais. Dessa forma, Traquina (2005) explica que, embora as informações sejam verdadeiras, elas serão enquadradas em uma narrativa que é orientada pela forma como o jornalista compreende a realidade, segundo as experiências que moldam sua percepção, pelas exigências das instituições de comunicação e pelas rotinas profissionais. Conforme exposto pelos autores citados no referencial teórico, a dominação masculina é um problema estrutural, construído ao longo de séculos.
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Os estereótipos que sustentam esse sistema, como mostram Beauvoir (1980), Lins (2012), Sousa (2017) e Mentz e Schmidt (2017), são perpetuados por meio de religiões, de relações sociais e de produtos culturais, entre eles a mídia, que agem como ferramentas de construção identitária. Isso significa que as interações as quais as pessoas são expostas desde a infância moldam suas visões de mundo, sua compreensão acerca dos papéis de gênero e do próprio papel na sociedade. É o que Narvaz e Koller (2006) evidenciam, por exemplo, quando falam sobre a transmissão das experiências de violência entre as gerações - meninas que presenciaram a violência doméstica contra a mãe na infância e, assim, internalizaram os estereótipos de subordinação, se tornando mais vulneráveis a abusos, por considerá-los naturais.
Dessa forma, pode-se compreender que há uma cultura machista enraizada na cultura jornalística, uma vez que os próprios jornalistas também são expostos a estas construções sociais. Consequentemente, eles ajudam a conservá-la por meio de construções textuais que buscam justificar e minimizar a violência de gênero, desresponsabilizando o autor do crime e culpabilizando a vítima, como destacam Mentz e Schmidt (2017). As notícias selecionadas seguem basicamente a mesma narrativa, embora a primeira publicação do R7 o faça de modo mais explícito e agressivo. Como se observa na Figura 1, o jornalista optou pela omissão de informações essenciais para a compreensão completa da notícia - a embriaguez da vítima, o espancamento e o abuso sexual. A narrativa que se cria é a de que Isabela, em plena consciência, traiu o namorado durante um churrasco em que os dois estavam. William, se sentido irritado e confuso, iniciou uma briga - que inicialmente poderia ser entendida como uma mera discussão, já que não há indícios de violência no texto. A vítima então tenta escapar, mas, como último recurso, o homem ateia fogo à ela. Como já destacado na categoria da Representação dos gêneros na sociedade, a narrativa procura desresponsabilizar o homem, justificando suas atitudes e mostrando-o como alguém que está fora de si, que foi levado a praticar a violência devido à mágoa da traição. Hirigoyen (2006), porém, mostra que o feminicídio não se trata de um momento de loucura, e sim de uma última tentativa de se manter no poder, se afirmar como o todo-poderoso, negando o valor da mulher.
Uma característica comum à narrativa de todas as notícias analisadas é a presença dos valores-notícia de dramatização e consonância, utilizados na construção do texto. A dramatização se define, de acordo com Traquina (2005), pelos recursos de apelo emocional e reforço à natureza conflituosa dos fatos. Isso pode ser observado, primeiramente, nas manchetes e linhas de apoio das figuras 2, 3 e 7. A segunda notícia do G1 não acrescenta nenhuma informação relacionada à investigação do caso, apenas busca a continuidade do agendamento e novos acessos por meio da dramatização, ao publicar o título Mãe passa mal no
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enterro da filha que morreu queimada pelo namorado em SP. Já nas linhas de apoio, ambas as matérias fazem referência à crise de ciúmes do namorado, que a encontrou na cama com outro homem, causando o conflito de emoções - ao mesmo tempo em que o título causa revolta pela morte da menina, a linha de apoio conduz à empatia pelo assassino em crise.
No R7, ambas as manchetes trazem a dramatização. Na primeira, ao afirmar que Isabela foi flagrada na cama com o cunhado, remetendo a uma história escandalosa, com mentiras e traições, algo que facilmente causa curiosidade no público. Na segunda, ao destacar o quanto a jovem era apaixonada e constantemente se declarava para o namorado, que terminou por assassiná-la. A notícia tem o mesmo objetivo constatado na segunda notícia do G1 - apenas manter o agendamento e gerar clicks, uma vez que não traz nenhuma informação nova.
Os leads e desenvolvimento das notícias são construídos com as mesmas lógicas de dramatização das manchetes e linhas de apoio, causando o conflito entre a revolta pelo crime e a empatia pela traição - mesmo que ela não tenha existido. Da mesma forma, em todas as notícias e elementos, é possível identificar o valor-notícia de consonância, que consiste em encaixar os fatos em uma narrativa já conhecida e que corresponda às expectativas do leitor (TRAQUINA, 2005).
No caso, cria-se uma narrativa de tragédia e escândalo. Escândalo pela suposta traição, que seguindo a definição de Thompsom (2002), é algo que transgride as normas morais, causando a fúria do homem e, portanto, instigado sua violência. E tragédia por, na verdade, ter sido um mal-entendido, por ter acontecido com uma menina jovem, que trabalhava, estudava e que se mostrava apaixonada pelo namorado. Como destacado por Barbosa (2005), a tragédia é um crime violento, desastroso, que foge à ideia de ordem presumida, apesar de ser uma situação que acontece recorrentemente, alternando apenas os personagens. Ainda segundo a autora, as tragédias costumam trazer uma narrativa fantasiosa, cheia de presunções, mesclando ficção com realidade, o que também se percebe pelas suposições acerca dos sentimentos de William.
Como Mentz e Schmidt (2017) afirmam, essas ‘explicações’ e detalhamentos sobre como ocorreu o crime, priorizando mostrar o lado do homem, buscam justificar a violência, minimizando a culpa do agressor. E pela culpabilização da mulher ser algo culturalmente estabelecido, essas ações encontram respaldo social - o público se interessa, quer saber e também julgar se a vítima realmente é ou não inocente. É o que se vê nos comentários analisados por Lermen (2018), em que leitores de portais de notícia zombavam, desacreditavam e apontavam as vítimas como culpadas em matérias sobre agressão física e sexual. A autora destaca que as expressões misóginas aconteciam principalmente quando a mulher era acusada de traição. Isso porque, segundo ela, enquanto para os homens, a poligamia é socialmente natural e aceitável, a infidelidade da mulher, a torna merecedora da agressão. A violência, assim, seria apenas uma forma do homem recuperar sua honra, manchada pela traição - e é isso
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que as notícias refletem sobre William, um homem que se sentiu insultado pela infidelidade da mulher e, naturalmente, reagiu a isso, embora o resultado tenha sido trágico. Já o crime de estupro é apresentado apenas como um recurso narrativo, uma reviravolta dramática. As notícias não contam a história de uma jovem que foi assassinada e estuprada por conta de uma sociedade machista, de um namorado que a vê como propriedade e de um homem que vê o corpo feminino como objeto público. Elas narram um mal-entendido, em que um namorado perde o controle diante do que acredita ser uma traição e mata injustamente a namorada, uma jovem decente, que tinha a vida inteira pela frente. A escolha de não dar o mesmo destaque, não trabalhar o estupro como um crime igualmente grave e apurá-lo mais cuidadosamente, mostra o quanto esse ato é naturalizado pelos veículos, contribuindo para a construção de uma sexualidade predatória, como definem Mentz e Schmidt (2017). A história acaba sendo distorcida para retratar uma tragédia que, ao mesmo tempo em que comove e atrai leitores, é conveniente ao sistema de dominação masculina, reforçando estereótipos de força e poder, em vez de questioná-los. REFLEXÕES SOBRE CULTURA DO ESTUPRO E CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA Constatou-se que o jornalismo é diretamente afetado pelos séculos de dominação masculina e propagação de estereótipos de gênero, ao mesmo tempo em que se mostra como um mecanismo de preservação desse sistema, ao reproduzir narrativas que reforçam os estereótipos e desresponsabilizam os homens por atos criminosos de machismo. No caso de Isabela Miranda, que foi estuprada pelo cunhado e, logo depois, assassinada pelo namorado, isso foi verificado em todas as categorias propostas. Ao mostrá-la como uma mulher adúltera e criar a narrativa da traição, para só depois esclarecer que o que o namorado ‘flagrou’ foi um abuso sexual, fica clara a minimização da culpa de William - afinal, o crime resultou de um malentendido, em que o homem se encontrava transtornado e confuso. O crime de estupro, cometido pelo cunhado, Leonardo Silva, é sempre a última informação ao narrar o caso, seguido de outros fatos ‘secundários’, como a prisão do namorado, o tempo de relacionamento e os relatos dos familiares. Percebe-se, então, a representação da mulher enquanto propriedade do homem e a representação dos homens como seres naturalmente violentos e detentores de poder. Seja o poder de violar um corpo ao encontrá-lo vulnerável ou o de acabar com uma vida diante da iminência de não dominá-la. Quanto à legislação acerca do estupro, embora a tipificação não seja clara no caso, seria possível explorar as possibilidades, expor conceitos e dados com mais clareza, como foi feito pelo G1 em relação ao feminicídio. Enquanto o assassinato choca por ser a manifestação mais extrema da misoginia, ganhando destaque e uma tentativa de conscientização, o abuso sexual passa como um fato corriqueiro e sem grandes consequências.
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Na categoria que analisa a notícia na web, percebe-se a influência da multimidialidade, que é usada para reforçar ideias e narrativas, por exemplo, quando traz fotos de Isabela e o namorado felizes, causando ainda mais comoção pela tragédia, ou na imagem em que uma testemunha anônima aparece relatando o quanto William estava perturbado, mais uma vez dando destaque às emoções que teriam levado ao seu descontrole. Além disso, o sensacionalismo comum nas notícias da editoria policial é acentuado na internet. Com a alta concorrência, a quase impossibilidade de ‘furo jornalístico’ e a guerra por acessos e compartilhamentos, o que se vê são notícias cada vez mais apelativas, distorcidas e mal apuradas, como se percebe nas análises feitas nesta pesquisa. Observando esses elementos como um todo, uma única narrativa, inferese que, acima de tudo, está a dramatização do escândalo e da tragédia, em busca da audiência. Essa dramatização, além de sensacionalista, está ancorada na reprodução de estereótipos de gênero e valores machistas, que priorizam os sentimentos conflituosos do assassino acima do sofrimento da vítima, omitem ou distorcem informações na tentativa de justificar o injustificável e naturalizam agressões que, durante séculos, foram consideradas direitos irrestritos dos homens. Mesmo com todas as conquistas legais, social e culturalmente, o corpo feminino ainda é visto como um objeto público e a vida da mulher continua pertencendo ao parceiro. Os jornalistas, antes de profissionais, são pessoas também inseridas em uma sociedade machista, que ensina e incentiva essa percepção, então é claro que muitos optam por uma construção narrativa que vá ao encontro de suas convicções, como explicitam as Teorias Construcionistas. Há ainda a questão editorial, uma vez que os jornalistas são subordinados a um veículo e, em última instância, são os interesses dessas organizações que definem o que será publicado e de que forma.
Não é possível, assim, afirmar se o enquadramento escolhido para as notícias é resultado das convicções dos jornalistas, das ideologias editoriais, do desespero por acessos ou por um conjunto desses ou de outros fatores. Como os autores estudados destacam, os valores-notícia nunca podem ser analisados individualmente e existem infinitas combinações que podem levar à determinada construção textual. No entanto, é inegável a influência dos séculos de sistema patriarcal, que só nas últimas décadas entrou em desconstrução. Entende-se que a cultura de dominação masculina enraizada na sociedade continua resultando em produções jornalísticas irresponsáveis, que em longo prazo auxiliam na perpetuação de um sistema que permite e até incentiva casos como o de Isabela.
Infere-se que os veículos realizaram uma cobertura que, além de sensacionalista, foi conivente e permissiva em relação à cultura do estupro e à culpabilização da vítima, utilizando-se de recursos textuais e narrativos que reforçam os estereótipos de gênero e transferem para a mulher a responsabilidade pelas violências sofridas, minimizando a culpa do homem na agressão e assassinato e invisibilizando a questão do estupro. Inclusive, em uma
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das notícias, a vítima é descaradamente culpada, sendo omitido o fato de que ela havia sido abusada sexualmente. Em outras, o abuso aparece, meramente, como um fato que levou à tragédia do feminicídio. Ao longo de toda a narrativa, o destaque às emoções do agressor e ao fato de que a vítima foi vista por ele com outro homem, antes mesmo de mencionar o abuso sexual, denotam a intenção de minimizar sua culpa. A violência é apresentada como uma reação ao sentimento de traição, enquanto o estupro se mostra como um fato secundário, que acabou levando ao feminicídio, e não como um crime igualmente grave. Além disso, o sensacionalismo é outro fator presente em todas as notícias, de modo que elas se encontram inseridas em narrativas de escândalo e tragédia que são típicas desse tipo de produção, buscando acessos e visibilidade acima de qualquer limite - como a omissão e manipulação de informações para levar ao entendimento de que a jovem havia traído ou a produção de uma notícia em que o único fato novo é a mãe de Isabela chorando no enterro da filha. Assim, este artigo, além de contribuir para a compreensão da forma como as construções sociais afetam o jornalismo e se fazem presentes em suas produções, muitas vezes o afastando de seus deveres éticos, espera incitar outros questionamentos e levar a novas descobertas, que também busquem colaborar para uma realidade melhor e mais igualitária. Assim, se sugere pesquisas futuras que explorem mais profundamente a relação entre as construções sociais machistas e o sensacionalismo constatado nas narrativas; ou que mostrem a perspectiva da recepção - de que modo o leitor recebe e é influenciado pela cultura de dominação masculina presente na mídia. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Maria de Fátima. Diferença e igualdade nas relações de gênero: revisitando o debate. Psicol. clin., Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 41-52, 2005. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0103-56652005000200004&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 27 mar. 2019 às 18h00 BARBOSA, Marialva; ENNE, Ana Lucia Silva. O jornalismo popular, a construção narrativa e o fluxo do sensacional. ECO-PÓS, v.8, n.2, agosto-dezembro 2005, pp.67-87. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/ view/1109/1050> Acesso em: 25 maio 2019 às 21h00 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1980. BENIGNO NETO, Edmundo Mendes. Por uma história do jornalismo digital: algumas considerações. In: VI Congresso Nacional de História da Mídia, 2008, Niterói. 200 anos de mídia no Brasil - Historiografia e Tendências. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/ alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/6o-encontro-2008-1/Por%20 uma%20historia%20do%20jornalismo%20digital.pdf> Acesso em: 13 de abril de 2019, às 13h14min.
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Capítulo 2
MULHERES NO JORNALISMO ESPORTIVO: OS DESAFIOS NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO Caroline Riet Maciel Valéria Deluca Soares Fabio Ramos Berti
Desde as antigas sociedades mediterrâneas, conforme os historiadores, as mulheres viviam sem direitos políticos e em condições limitadas, restringindose ao âmbito do lar e dependendo exclusivamente do pai ou do marido. A figura da mulher, a partir da Grécia Antiga, passou a ser classificada como secundária e o sistema patriarcal estabeleceu a predominância do homem na sistematização da sociedade. O período de supremacia permaneceu por vários anos e passou a ser questionado somente durante a Revolução Francesa que defendia os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.1 Mesmo com os importantes avanços ocorridos no século XIX e XX, o sistema patriarcal se mantem imbuído no inconsciente das sociedades. Apesar de serem mais da metade da população e estarem incumbidas por 44% da mão de obra, as mulheres são minoria quando o assunto é liderança no Brasil. Elas ocupam 18% dos cargos de presidência em empresas com sede no país. Conforme levantamento realizado pela empresa de consultoria britânica, Deloitte, apenas 15% dos lugares nos conselhos de administração em todo o mundo são ocupados por mulheres. Para assumir o comando de companhias elas enfrentam problemas de discriminação, assédio e a falta de políticas de igualdade de gênero.2
Quando se é dito que a sociedade é machista, não é referente a indivíduos que são abertamente machistas, mas sim do que representa ser homem e mulher na sociedade e as associações realizadas a cada gênero na organização social. Em uma pesquisa realizada pela empresa fabricante de bebidas Skol, 1 Disponível em: https://www.infoescola.com/sociedade/patriarcalismo/. Acesso em 16 de março de 2019. 2 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/tf_ carreira/2018/12/23/tf_carreira_interna,727093/para-mais-mulheres-nos-altos-cargos. shtml. Acesso em 31 de março de 2019.
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juntamente com o instituto IBOPE, verificou-se que o machismo é o preconceito mais praticado no país3. No âmbito esportivo, principalmente no futebol, as mulheres enfrentam dificuldades tanto para realizar a prática esportiva quanto na cobertura dos eventos relacionados. De acordo com pesquisa de monitoramento global de mídia, que avaliou 18 mil notícias esportivas publicadas em 23 países em 2011, apenas 11% desse conteúdo foram escritos por mulheres. Em 2016, a Gênero e Número4 avaliou colunas esportivas dos dez maiores jornais dos estados brasileiros. O levantamento mostrou que menos de 10% das colunas são assinadas por mulheres. Além de serem minorias dentro e fora de campo, algumas mulheres que atuam na área enfrentam casos de discriminação de gênero. Pensando em disseminar o movimento feminista e acolher as mulheres que atuam diretamente com o futebol, jornalistas brasileiras lançaram manifesto em defesa do trabalho das mulheres no esporte. Com a hashtag #DeixaElaTrabalhar, o movimento representa as mulheres da mídia esportiva e tem como objetivo lutar contra o assédio sexual e moral sofrido por elas no campo esportivo5. Esse foi o segundo movimento criado por jornalistas para buscar igualdade de gênero. O primeiro foi #JornalistasContraOAssédio idealizado após a demissão de uma repórter do portal IG, depois de ter denunciado o cantor Biel por assédio. A campanha tem como objetivo relatar situações de machismo vividas por redatoras, assessoras e repórteres no exercício da profissão6. Levando em conta os fatos citados e sendo necessário discutir o relevante papel da mulher no jornalismo, essa pesquisa, de cunho exploratório e abordagem qualitativa, tem como proposta uma análise bibliográfica e documental, além da realização de entrevistas, tendo como foco as jornalistas esportivas que atuam no futebol. Busca-se identificar quais são os motivos para que menos mulheres – em comparação com os homens – atuem nessa área, além dos desafios enfrentados pelas jornalistas ao atuarem na cobertura esportiva. Logo, o objetivo geral deste artigo é verificar os desafios e analisar como se dá o exercício do jornalismo por parte das repórteres esportivas, durante a cobertura de eventos e jogos de futebol. São os objetivos específicos: apresentar a trajetória da mulher no jornalismo; analisar como se dá o exercício do jornalismo por parte das repórteres esportivas nas coberturas de eventos e jogos de futebol; e compreender quais são as principais barreiras que as mulheres encontram na profissão. 3 Disponível em: https://revistaglamour.globo.com/Lifestyle/Must-Share/noticia/2017/10/ pesquisa-revela-que-preconceito-mais-praticado-no-brasil-e-o-machismo.html. Acesso em 09 de março de 2019. 4 Disponível em: https://thinkolga.com/2018/06/28/as-barreiras-das-mulheres-nojornalismo-esportivo/. Acesso em 09 de março de 2019. 5 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/23/politica/1521823054_844544. html. Acesso em 16 de março de 2019. 6 Disponível em: https://gente.ig.com.br/2016-06-09/tudo-sobre-a-denuncia-de-assediocontra-biel.html. Acesso em 06 de maio de 2019.
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No âmbito da comunicação, as mulheres têm conquistado espaço, porém se tem muito para avançar, principalmente no jornalismo esportivo. Ao observar esse lapso existente da história das mulheres no jornalismo, bem como os desafios enfrentados por elas no âmbito esportivo, percebeu-se a importância de elaborar o presente estudo. Tendo em vista que a mulher tem um papel histórico e social, de extrema relevância, faz-se necessário verificar como o movimento transformou o papel da mulher na organização social. Ao compreender o atual panorama da sociedade contemporânea e suas demandas, o estudo tem importância social e profissional relevantes, pois atualmente se tem lutado constantemente contra as formas de discriminação e opressão sofridas pelas minorias. A FENOMENOLOGIA COMO CAMINHO METODOLÓGICO O presente estudo traz como método de pesquisa a Fenomenologia. Para Boss (1977), trata-se da ênfase ao ‘mundo da vida cotidiana’, sendo uma abordagem que não se apega tão somente as coisas factuais observáveis, mas visa penetrar no seu significado e contexto. Masini (1989) destaca que a fenomenologia é uma postura/atitude fenomenológica, no sentido de estar livre de conceitos e definições atribuídas ao ser humano para compreender o que se mostra, questionando os seus fundamentos. De acordo com Anthea (2015), a fenomenologia possibilita compreender a experiência vivida pelas pessoas de um modo que outras metodologias não o fazem. Para a autora, neste método são explanados os aspectos mais profundos de uma situação, utilizando-se das sensações e emoções, para a compreensão real e o que ela significa para os indivíduos, bem como as implicações trazidas. Gil (2010) ressalta que o projeto de pesquisa fenomenológica tem como característica fundamental a flexibilidade, não determinando a existência de orientação prévia sobre como definir as partes que o compõem. LUTA DE GÊNERO A desigualdade de gênero é um problema antigo na sociedade e surgiu na Grécia Antiga, com o desenvolvimento do patriarcado. O fundamento patriarcal iniciou através do poder da autoridade religiosa masculina sobre seus subalternos e esse poder foi mantido, ao longo da história, cabendo ao homem o controle de decisões cruciais - para mulheres, filhos e súditos, de forma incontestável na sistematização da sociedade.7 O patriarcado, na perspectiva do movimento feminista é entendido, de acordo com Miguel e Biroli (2013, p. 18), como “uma das manifestações históricas da dominação masculina”. Para Jeffreys (2014), por milênios, homens tem decidido sobre o que as mulheres são e como devem se comportar por 7 Disponível em: https://www.infoescola.com/sociedade/patriarcalismo/. Acesso em 07 de abril de 2019.
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intermédio de instituição de poder da sociedade, como religião, psicanálise, indústria do sexo e profissões médicas. Lins (2012) explica que o sistema patriarcal separou homens e mulheres determinando os estereótipos de gênero que cada um deveria seguir. A autora salienta também que a diferença entre os sexos é fisiológica e anatômica, e que todo o restante está implícito no produto de cada grupo social e cultural. O período de supremacia se conservou ao longo dos anos e passou a ser questionado durante a Revolução Francesa, que prezava pela igualdade, liberdade e fraternidade. Para Engels (1984), a opressão de gênero se consubstanciou a partir das noções de propriedade capital e propriedade privada. Entretanto, há quem acredite, até hoje, que as mulheres são inferiores aos homens e que seu único papel é cuidar do lar e da família.8 Butler (2003) explica que a existência de um sistema patriarcal universal embora não tenha mais a mesma credibilidade do passado, em que havia uma concepção genérica referente às mulheres, tem se mostrado difícil de se superar. Neste contexto, parte-se do pressuposto, pelo ponto de vista social, que a mulher é enquadrada em uma sociedade com interesses voltados para o masculino e inferiorizada por parte do sexo oposto por seu gênero. Como ressalta Beauvoir (1970), ninguém nasce mulher: torna-se mulher, sendo responsabilidade da sociedade a forma em que ela é vista na sistematização global. Jeffreys (2014) pondera então que as funções de gênero são um sistema ideológico que tem como justificativa a subordinação de mulheres e, por essa razão, deve ser dissolvido. Neste sentido, o termo ‘gênero’, a partir da classificação estipulada pela sociedade, apoia a acentuação da distinção entre os indivíduos de diferentes sexos. Outrossim, essa classificação proporciona significados culturais e sociais que discriminam cada categoria anatômica sexual e que são passados desde a infância (NOGUEIRA, 2001). Tiburi (2018) apresenta que o termo ‘gênero’ é referido para avaliar os papéis ‘feminino’ e ‘masculino’ e como se tornaram predominante. Para Martinez (1997), referido por Pereira e Fernandes Filho (2008), o conceito de gênero compreende profusos elementos: identidade, prestígio, valores, normas, comportamentos, regras, entre outros. A autora ressalta também que as relações de gênero são incorporadas pela sociedade. Com essa mesma perspectiva, Scott (1995, p. 21) estabelece então, que o gênero é “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. Para Beauvoir (1980), a construção social do gênero foi determinada pelo homem e, por esse motivo, coloca-o em posição de poder perante a mulher. Ainda assim, apesar da ideologia patriarcal ser forte e o machismo imperar no mundo moderno, as mulheres tem se rebelado contra o sistema. Prova disso, é o surgimento e fortalecimento do feminismo que, de acordo com Tiburi (2018), 8 Disponível em: https://www.infoescola.com/sociedade/patriarcalismo/. Acesso em 24 de março de 2019.
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pode ser definido como o desejo por democracia radical voltada aos que passam por injustiças no sistema social atual. Teles (1999) também aprofunda o conceito e entende que o feminismo tem caráter humanista, pois busca a libertação de mulheres e homens. O feminismo surge entre os séculos XVIII para o século XIX e pode ser considerado criação da Revolução Francesa9. Para a escritora Carla Cristina Garcia (2011, p. 14), o feminismo pode ser definido, “como a tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que foram e são objeto por parte do coletivo de homens”. Nessa perspectiva, a contribuição do feminismo se mostrou crucial para o debate sobre a atual sociedade e sua organização. Como explicado por Miguel e Biroli (2013), o feminismo combina a militância pela igualdade de gênero e a apuração dos fundamentos da soberania masculina. Já para Jeffreys (2014), a principal tarefa do feminismo era tirar das mulheres o peso das definições e teorias criadas pelos homens. Conforme Pinto (2010), a primeira onda do movimento iniciou nas últimas décadas do século XIX, na Revolução Industrial e foi caracterizada pela luta pelo sufrágio universal e pelo direito à educação. Nesta época, começaram a despontar nos países da América Latina, núcleos em defesa dos ideais feministas. No Brasil, o surgimento estava relacionado com a vinda dos conceitos socialistas e anarquistas trazidos pelos imigrantes. Dessa forma, fazendo com que as mulheres estivessem presentes nas lutas por melhores condições de trabalho e salários. Teles (1993) ressalta o importante passo realizado em 1920, a busca pela igualdade política. Por meio de um decreto do então Presidente da República, Getúlio Vargas, em 1932, as mulheres brasileiras obtiveram direito de votar em eleições nacionais. Mas, a conquista não foi completa. O código permitia apenas mulheres casadas e autorizadas pelo marido, viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar. Só em 1934 as restrições foram eliminadas e a obrigatoriedade de voto foi estendido a todos10. Não obstante, o foco, dessa vez, foi a liberdade sexual, sendo essa considerada a segunda onda do movimento feminista. Nos anos 60, como destacado por Sarti (2004), o debate sobre questões de gênero no campo das ciências humanas se intensificou junto aos movimentos feministas. Outra conquista importante para a igualdade foi em relação ao trabalho fora de casa. A terceira onda do feminismo, surgiu na década de 1990, como uma forma de reestruturação dos ideais antes implementados, além da manifestação de diversos questionamentos internos. Outra característica importante desse período foi a busca pela total liberdade de escolha das mulheres em relação às suas vidas, além da busca por empoderamento. Esse conceito tem sido utilizado na saúde pública na medida em que o objetivo indispensável recai sobre o 9 Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/feminismomovimento-surgiu-na-revolucao-francesa.htm. Acesso em 24 de março de 2019. 10 Disponível em: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/politica/sufragio-feminino. htm. Acesso em 24 de março de 2019.
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processo de transformação da autopercepção do indivíduo no aspecto social da vivência.
Como proposta geral, o empoderamento é uma ação coletiva de envolverse em debates e tem como objetivo fomentar a conscientização da sociedade sobre os direitos civis e sociais. Tendo em vista que a conscientização possibilita a aquisição da liberdade individual e coletiva.11 Para Wallerstein (1994), esse contexto visa transformações da realidade política e social. Outrossim, Tiburi (2018) explica que essa perspectiva teve como intuito apresentar a pluralidade de proposições na esfera feminista que incluem múltiplas mulheres. Foi também, a partir dos anos 80, que ocorreu o momento de reflexão e desconstrução no movimento. De acordo com Leal (2015), os questionamentos apresentados passaram a receber propostas contraditórias. A autora ressaltou que essas novas construções do feminismo podem ser agrupadas, sendo o pósfeminismo. Segundo a autora, algumas vertentes afirmam o fim do movimento e outras defendem a continuidade, mas com transformações necessárias. O pós-feminismo ficou definido, para Macedo (2005), como a existência de um feminismo plural ou de múltiplos feminismos. Esse novo conceito trouxe precedentes para novos fenômenos sociais relacionados à luta das mulheres. Pouco antes, na década de 1980, o movimento feminista brasileiro começou a evidenciar outra importante questão: a violência contra a mulher. Segundo Teles (1999, p. 135), em 06 de agosto de 1985, o então governador de São Paulo, Montoro, criou por decreto a Delegacia Policial de Defesa da Mulher. Ainda, segundo ela, em 1986, “a Constituição Federal passa a reconhecer a violência doméstica e a necessidade do Estado de criar mecanismos para coibi-la”.
Além desse decreto, em 07 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha, criada com o intuito de punir com mais rigor os agressores no âmbito familiar e doméstico. A lei também inclui mulheres transexuais e é prevista não somente em casos de agressão física, mas também em situações de violência psicológica. Em 2015, mais um passo: foi criada a Lei do Feminicídio, que trata de assassinatos relacionados diretamente pelo gênero. Ao compreender que a mulher ocupa o lugar de submissão ao masculino perante à sociedade, percebe-se o que o movimento fez e faz para a conquista de direitos das mulheres e principalmente, pela igualdade de gêneros. Para Lara (2016, p. 75), “o feminismo precisa ser entendido de forma coletiva e interseccional, porque não há autoestima nesse mundo capaz de derrubar, por si só, um sistema econômico, político e cultural que coloca as mulheres abaixo dos homens”.
11 Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/terceira-onda-feminista/. Acesso em 31 de março de 2019.
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FUTEBOL: UM ESPAÇO MASCULINIZADO No Brasil, o futebol chegou quando Charles Miller, o filho de um importante industrial inglês, trouxe o esporte para o país, mais especificamente para São Paulo, após sua temporada de estudos na Inglaterra. A regulamentação e a profissionalização do futebol não foram fatos isolados, mas parte da política trabalhista que marcou o primeiro governo de Getúlio Vargas. Todavia, em 1941, foi criado o decreto em que as mulheres eram proibidas de jogar futebol, pois, de acordo com a escritora Schatz (2017), o esporte era considerado incompatível com a natureza feminina. Tal decreto de lei fez com que a prática feminina em atividades específicas não tivesse proporções profissionalizantes ou técnicas, porém, não teve a eficácia no quesito de retrair o esporte enquanto lazer. No que tange ao decreto, as modalidades proibidas foram: a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball.12 Ainda hoje, para Mota (2013), pode-se notar que o gênero feminino não está completamente inserido no espaço esportivo. O número de homens acaba por predominar nas redações quando o assunto é esporte. Na profissionalização do esporte, as mulheres atuam com torcida escassa e quase sem divulgação na televisão. Goellner (2015), pondera que a ocupação deste espaço, no país do futebol – Brasil, necessita de uma análise do quanto este é um lugar para ressignificação dos pressupostos que estão incorporados na sociedade. Entretanto, percebese que, mesmo com as dificuldades enfrentadas, o futebol é um dos recursos utilizados como ferramenta para a conquista da igualdade de gênero. Com a busca por novos recursos para a prática do esporte, no que tange o espaço físico e técnico, estão sendo desenvolvidos projetos para a busca por equidade e empoderamento13. Para Lagarde (1996), a crescente inserção da perspectiva de gênero na concepção de políticas públicas tem permitido a visibilidade das mulheres e da problemática que as envolve, assim como o progresso para a emancipação feminina. A efetiva construção da nova ordem baseada nessa perspectiva relacional entre mulheres e homens, de forma justa, só poderá ser alcançada com uma revolução cultural e intelectual, que parte de projetos sociais embasados no empoderamento e na igualdade de gênero. MULHERES NO JORNALISMO ESPORTIVO As primeiras jornalistas esportivas mulheres começaram a aparecer no início dos anos 70. A partir do ano de 2014, as mulheres começaram a atuar diretamente na cobertura esportiva, tendo a jornalista Renata Fan como pioneira, 12 Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v30n2/1807-5509-rbefe-30-2-0303.pdf. Acesso em 13 de abril de 2019. 13 Disponível em: https://www.significados.com.br/empoderamento/. Acesso em 13 de abril de 2019.
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comentando a Copa do Mundo. Ela também foi a primeira mulher a comandar um programa de debate esportivo no país. Já em 2018, Rádio Globo do Rio de Janeiro criou o concurso Garota da Voz, que elegeu, dentre as ouvintes, uma mulher que pudesse narrar uma partida da Copa do Mundo. A escolhida foi Renata Silveira e transmitiu Uruguai 1 x 3 Costa Rica pela web.14 No que tange a divulgação na TV fechada, apenas 13% dos profissionais que aparecem à frente da tela são mulheres e quase todas atuam nas reportagens. Em matéria desenvolvida pela UOL Esportes, o mercado só conta com três profissionais que comentam futebol. E, em quase nenhuma das famosas mesas redondas esportivas tem-se a presença de mais de uma comentarista ao mesmo tempo.15 Exceto pelo programa de debates Comenta Quem Sabe, da Fox Sports, em que cinco mulheres analisaram os lances da Copa do Mundo.16 Outro conceito utilizado na última Copa em 2018 marcou um novo momento para a TV brasileira. Isabelly Morais, que venceu um concurso no canal Fox Sports, tornou-se a primeira mulher da história a narrar um jogo de Mundial pela televisão. Ela foi a responsável por comandar a transmissão do segundo canal da emissora e narrar o jogo de estreia entre Rússia e Arábia Saudita. Na sexta-feira, dia seguinte a partida narrada por Isabelly, Manuela Ávila, que também venceu o concurso narrou a partida entre Espanha e Portugal.17 Percebe-se, através desses acontecimentos, que as mulheres têm conquistado cada vez mais espaço, porém chegar à igualdade de gênero nas redações é um objetivo difícil de realizar devido à cultura machista arraigada na sociedade. Como cita Coelho (2011, p. 34), “normal é que não haja preconceito. [...] devem ter as mesmas oportunidades. O que não se pratica em boa parte das editorias do país. Menos ainda nas de esportes”. Pensando nessa busca por igualdade, jornalistas brasileiras lançaram manifesto em defesa do trabalho das mulheres no esporte. No dia 24 de março de 2018, surgiu nas redes sociais, o manifesto #DeixaElaTrabalhar. A iniciativa surgiu de 52 jornalistas que trabalham com esporte, entre apresentadoras, repórteres, produtoras e assessoras de vários veículos e emissoras e, teve por objetivo lutar contra o assédio moral e sexual sofrido pelas mulheres nos estádios, redações e nas ruas.18 14 Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/feitosdesfeitas/_ed804_a_ presenca_feminina_no_jornalismo_esportivo. Acesso em 31 de março de 2019. 15 Intrusas no Gramado. Disponível em: https://www.uol/esporte/especiais/mulheres-eo-jornalismo-esportivo-na-tv.htm. Acesso em 31 de março de 2019. 16 Disponível em: https://www.foxsports.com.br/news/363212-comenta-quem-sabe-amesa-redonda-formada-so-por-mulheres-estreia-no-fox-sports-. Acesso em 31 de março de 2019. 17 Disponível em: http://www.lance.com.br/fora-de-campo/jornalista-faz-historia-tornamulher-narrar-jogo-copa.html. Acesso em 31 de março de 2019. 18 Disponível em: https://globoesporte.globo.com/sp/futebol/noticia/deixaelatrabalharjornalistas-lancam-manifesto-em-defesa-do-trabalho-das-mulheres-no-esporte.ghtml. Acesso em 07 de abril de 2019.
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Da mesma forma, um grupo de mulheres gremista intitulado Gurias do Grêmio, que surgiu no Facebook, se uniu em mobilização contra atos de discriminação de gênero sofridos pelo público feminino em ambientes que envolvem o futebol. Com a hashtag #DeixaElaTorcer, elas reivindicam espaço e respeito nas arquibancadas. A ideia de mobilização foi levar as ações para além da internet, trabalhando com cartazes com a hashtag para o clássico Gre-Nal, o primeiro jogo após a criação da campanha, para o estádio e promover a união entre gremistas e coloradas, mostrando a força feminina gaúcha.19 Essa não foi a primeira campanha criada por jornalistas na luta contra a discriminação de gênero. Em 2016, após demissão de uma repórter do portal IG depois dela ter feito uma denúncia de assédio contra o cantor Biel, jornalistas se reuniram e lançaram a campanha Jornalistas Contra o Assédio.20 Na campanha foi lançado um vídeo com depoimentos de jornalistas vítimas de assédio moral. Logo após a divulgação do manifesto, a hashtag #jornalistascontraoassédio reuniu algumas histórias no Twitter de casos sofridos por mulheres no exercício da profissão.21 MULHERES JORNALISTAS EM CAMPO Para este estudo, foram entrevistas seis jornalistas mulheres22 que atuam na cobertura esportiva, com destaque para questões que envolvem a cobertura de jogos de futebol. As entrevistas aconteceram no período de 4 a 11 de maio de 201923. Seguindo Bardin (1977), o conteúdo coletado nas entrevistas, com 19 Disponível em: https://www.vavel.com/br/futebol/2018/03/17/gremio/892888-deixaela-torcer-torcedoras-do-gremio-se-mobilizam-contra-machismo-no-futebol.html. Acesso em 07 de abril de 2019. 20 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/22/politica/1466615039_
222592.html. Acesso em 13 de outubro de 2018. 21 Disponível em: https://twitter.com/hashtag/jornalistascontraoass%C3%A9dio. Acesso em 13 de abril de 2019. 22 Entrevistada 1: Formada na UFSM. É radialista e produtora executiva. Atua como repórter e apresentadora na Rádio Guaíba desde 2014. Trabalhou como repórter de televisão e como redatora para portais de internet. Entrevistada 2: Formada pela Ulbra. Atua como repórter esportiva na Rádio Galera desde 2017 e na Revista da Cerveja desde janeiro de 2018. Entrevistada 3: É repórter esportiva na Rádio Guaíba desde 2018. Entrevistada 4: Formada pela PUC – Campinas. Atua na EPTV e como repórter no Chuteira de Ouro. Em 2016, foi comentarista de esportes na Rádio Brasil Campinas. Entrevistada 5: É especialista em jornalismo esportivo. Tem experiência em comunicação de eventos mundiais. Foi repórter e atua nas transmissões do Travinha Esportes. Diretora, repórter, produtora, fotógrafa esportiva, assessora de comunicação. Entrevistada 6: Advogada. Professora Universitária. Procuradora do STJD do Futsal. Repórter Esportiva e Mestra em Educação. 23 Para melhor apresentação dos dados coletados em campo com as entrevistas, optase por usar falas literais das participantes da pesquisa. Tais depoimentos, para fins de destaque, aparecem no texto entre aspas e em itálico.
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o suporte do referencial teórico, é analisado a partir da construção de três categorias de análise, definidas a priori: • Representação da mulher na mídia: analisar-se-á a representação da mulher na sociedade e no jornalismo. • Atuação das jornalistas esportivas: realizar-se-á a análise da atuação da mulher na área esportiva, com ênfase no futebol • Desafios de exercer a profissão: buscam-se as principais dificuldades e desafios no exercício da profissão. REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA MÍDIA
A evolução da mulher na organização social é recente e expande-se de forma exponencial. Com este progresso, elas têm assumido mais funções diretivas e papéis de influência na sociedade24. Assim, percebe-se que uma participação igualitária entre homens e mulheres, nos mais diversos âmbitos, é uma das necessidades efetivas para o bem comum de todas as sociedades. Neste contexto, Santos (2009) ressalta que a imagem da mulher está sendo adequada e ajustada por organizações de massa que retratam o homem como protagonista, considerando-o assim mais relevante para a estrutura organizacional e social. Entretanto, assim como as mulheres tiveram uma participação progressista no mercado de trabalho, entende-se que elas sofrem com desigualdades na padronização definida a partir das distinções sexuais. Sendo estas as mesmas que introduzem o homem como modelo de superioridade e força e as mulheres como arquétipo de submissão e vulnerabilidade. Para as entrevistadas 1 e 5, o processo de representação da mulher na mídia tem tido progresso. A jornalista 1 ressalta que “já foi pior, mas ainda precisa crescer muito”. A jornalista 5, parte desta mesma percepção: “acho que as situações vêm melhorando. A mulher está começando a ser vista com mais respeito e com mais valor. Mas ainda assim, vemos programas, novelas, séries, comerciais, em que a mulher é tratada como um objeto de desejo”. Considerando esta fala, cita-se Davis (2017), ao compreender que a mulher vive um momento em que é indispensável a superação de anos de invisibilidade. A autora explica que o obstáculo está no fato das mulheres não terem volume de voz suficiente para serem ouvidas com igualdade, do ponto de vista dos direitos humanos. As entrevistadas 2 e 4 complementam e destacam que a figura da mulher representada na mídia traz uma visão estereotipada e sexualizada. Ambas as jornalistas apresentam situações relacionadas a essa perspectiva: “no jornalismo esportivo, por exemplo, é comum ver títulos de musa atrelados a torcedoras de futebol. A situação melhorou muito [...], mas ainda não é o cenário ideal”, diz a entrevista 4. 24 Disponível em: https://www.rhportal.com.br/artigos-rh/a-evoluo-da-mulher-nomercado-de-trabalho/. Acesso em 19 de maio de 2019.
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A entrevistada 2 acrescenta que, o que mais se destaca são os estereótipos de beleza: “na própria faculdade ouvi professores contarem que tinham colegas de profissão, na TV, com capacidade para apresentar o jornal local. Sabe qual foi o pedido do chefe? Emagrece que eu coloco. [...] Se for ver, o papel é esse, a bonitinha mostra a cara, vai para a rua fazer reportagem, enquanto as chamadas editorias difíceis ou cargos superiores estão em grande parte representados por homens”. Neste sentido, Bocchini e Reimão (2006) reiteram o depoimento e evidenciam que os meios de comunicação realizam ações que subvencionam o cenário para a discriminação e intolerância.
Entretanto, a jornalista 6 tem uma perspectiva mais otimista da representação midiática: “Hoje vemos os casos aparecendo e a mídia condenando tais atitudes. Os casos deixaram de ser considerados ‘bobagem’. Acredito que conscientizar que esses atos são errados é o primeiro passo”. No que tange às representações sociais, destaca-se que estas são uma forma de construção social da realidade. Partindo do progresso das mulheres na esfera pública, apresenta-se o feminismo como mecanismo de representação. Para Miguel e Biroli (2013), o movimento parte da concepção de uma crítica vinculada à submissão da mulher em diversas frentes.
Na concepção das entrevistadas 1, 2 e 6, o feminismo é a busca pela igualdade. “Grosso modo, feminismo nada mais é do que defender os direitos das mulheres, os direitos igualitários entre homens e mulheres e não permitir a opressão de um sexo pelo outro”, cita a entrevista 1. A entrevistada 6 traz um maior aprofundamento para a significação do movimento feminista ao considerar que “é a luta das mulheres pela igualdade, respeito e atuação efetiva em nossa sociedade”. Neste sentido, Jeffreys (2014) entende que, assim como apresentado pelas jornalistas na entrevista, o princípio fundamental do movimento feminista é desmistificar as teorias e definições criadas pela sistematização patriarcal. Neste sentido, a fala que a entrevistada 2 apresenta, ressalta o que Tiburi (2018) ressalta sobre a definição do movimento, como um desejo por democracia radical para os que passam por injustiças na organização social atual. Neste sentido, a jornalista cita sobre sua definição: “se eu pudesse definir, diria que é a busca pela igualdade. É nosso momento de fala na sociedade para poder dizer que podemos isso, podemos aquilo e também aquele outro”. Em controvérsia, a entrevistada 4 leva o conceito um pouco mais adiante, apresentando o movimento como um mecanismo de união e fortalecimento. “Embora o conceito esteja deturpado e seja visto hoje em dia, na sociedade, como uma ideologia político-partidária, ser feminista nada mais é que ser uma pela outra, independentemente de qualquer divergência ou diferença. A base do feminismo é o respeito e a empatia”, ressalta a jornalista. Este ideal sobre o movimento vai ao encontro do apresentado por Lagarde (1996), destacando que a efetiva construção de uma ordem inovadora entre homens e mulheres só poderia ser alcançada caso houvesse uma revolução intelectual e cultural.
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Para a entrevistada 5, o ideal é um pouco mais amplo, “é uma luta social, política, ideológica pelo direito da mulher estar onde ela quer estar. De não ser diferenciada só porque é mulher. De ser respeitada. Uma batalha contra o machismo, contra a visão patriarcal que oprime e diminui o papel da mulher na sociedade. É poder vestir o que quiser, sem ser vista apenas como objeto sexual” ressalta a jornalista. Lins (2012) recorda o sistema patriarcal foi o grande separador dos homens e mulheres pois, foi o catalizador para a separação entre homens e mulheres. A autora ressalta que a diferença entre os sexos é somente fisiológica e anatômica e que, todo o excedente está subentendido no produto dos grupos e organizações sociais. A partir desta perspectiva, a entrevistada acrescenta: “é como eu digo, a mulher não é mais nem é menos só por ser mulher. Assim como o homem não é. Todos precisam de respeito e podem ocupar os espaços que quiserem. E podem ser o que quiserem. Ter direito de escolha iguais”. A ATUAÇÃO DAS JORNALISTAS ESPORTIVAS
O início da atuação das mulheres, no jornalismo esportivo, quando correlacionada com o princípio masculino, é considerado moroso. De acordo com Stycer (2007), a prática do jornalismo esportivo no Brasil acompanhou a difusão do futebol no país, no início do século XX. De acordo com Coelho (2011), as primeiras jornalistas esportivas começaram a atuar somente no início dos anos 1970.
Em sua entrevista, a jornalista 5 destaca que as mulheres têm avançado, mas este progresso não se consolidou. “Dentro do jornalismo, vejo, aos poucos, a mulher ocupar espaços não só de ‘repórter da galera’, de repórter de campo. Elas já estão começando a narrar e a comentar. É uma mudança lenta, mas que está começando”, destaca a entrevistada. Para a entrevistada 2, essa morosidade é um prejuízo para o progresso das mulheres na atuação desportiva no jornalismo. “Somos pouquíssimas em relação aos homens e, com isso, as pessoas estão acostumadas a não nos ver lá. E quando veem, surge a pergunta: o que ela está fazendo aí? Então, a partir do momento que isso for mais comum na prática, vai se tomar comum também para quem olha”, pondera ela. Neste sentido, Mota (2011) destaca que a mulher tem conseguido desmistificar a ideia de que o mundo dos esportes é pertencente ao gênero masculino. O autor destaca que o poder da comunicação de massa contribui para gerar a credibilidade necessária para a protagonização da mulher. Como Goelnner (2012) destaca, a trajetória das mulheres no esporte brasileiro é marcada por rupturas, persistências, transgressões e avanços. Todavia, muito se tem para progredir. Neste sentido, no que tange às dificuldades ressaltadas pelas jornalistas no exercício da profissão, as cinco entrevistadas acreditam que têm mais dificuldade na prática do jornalismo esportivo, na cobertura futebolística, por serem mulheres. Todavia, acreditam que essa situação vem de diferentes situações.
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Para a entrevistada 4, a carreira profissional é prejudicada pelo frugal fato de ser do gênero feminino. “Para citar um exemplo, já fui impedida de fazer um processo seletivo para uma vaga de assessoria de imprensa em um clube de futebol pelo simples fato de ser mulher. Ou seja, eu nem tive a oportunidade de enviar meu currículo, de sentar para conversar e fazer uma entrevista. Nada”. Neste sentido, como destacado por Coelho (2011), as mulheres podem e devem ter as mesmas oportunidades. O que não se é praticado nas editorias de esportes do país.
A entrevistada 5 entende que falta respeito, tanto dos colegas de trabalho quanto do público. “Infelizmente, mesmo com mais de duas décadas da entrada da mulher nesse mercado de trabalho, ainda somos vistas de forma diferenciada [...]. Pelos colegas de trabalho que não acreditam na mulher como entendedora de regras dos esportes. [...]. O público que tem essa mesma visão e que trata a mulher apenas como um rostinho bonitinho, ou pior, um lindo corpinho. Literalmente um objeto”. Coelho (2011) relata que comumente as mulheres são direcionadas para outros espaços, menos para a esfera esportiva e que o principal motivo para esta situação é o preconceito. Nas entrevistas realizadas, três das cinco participantes, as jornalistas 1, 2 e 3 ressaltam que o notável transtorno é referente ao preconceito estabelecido pelas pessoas em geral. Seguindo este raciocínio, a entrevistada 2 cita que existe prejulgamento na atuação das mulheres no futebol: “não só da torcida, mas dos veículos e até mesmo de outras mulheres. Por mais que a gente tenha tentado destruir esse pensamento, ainda tem muita gente que pensa dessa forma. A cada divulgação de assédio no trabalho, por exemplo, dois estão a teu favor e três estão te criticando e colocando a culpa em ti”. A entrevistada 3 destaca que se percebe que o preconceito está arraigado pelo entendimento da sociedade que as mulheres sabem menos que os homens, principalmente em relação ao futebol. A jornalista afirma que alguns ouvintes não aceitam que o debate de futebol tenha mulheres. Esse relato vai ao encontro a Butler (2003), que destaca que, embora o sistema patriarcal não tenha mais a credibilidade precedente, é difícil sobrepujar. Neste contexto, Beauvoir (1970) apresenta o conceito de que ninguém nasce mulher: torna-se. Percebe-se então, que é de responsabilidade das organizações sociais a forma em que a mulher é vista na sistemática global.
Compreendendo a conjuntura, a entrevistada 4 traz o fato de que só por ser mulher, já se é imposto uma série de barreiras a serem superadas durante a trajetória profissional. “Um simples processo seletivo já tem uma carga maior para quem é mulher e trabalha com esporte. Você olha para o lado e vê muitos homens, quase nenhuma mulher disputando aquela vaga com você. É desigual. Claro que melhorou muito de uns tempos para cá, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido”. Para Nogueira (2001), o termo gênero, a partir especificação estabelecida pela sociedade, dá ênfase à distinção entre as pessoas dos diferentes sexos. A partir deste ponto de vista, a entrevistada 5
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ressalta que, além das preocupações naturais do trabalho, é preciso levar em consideração as questões de assédio. Acerca deste ponto, compreende-se que existe um conjunto de desafios enfrentados pelas jornalistas esportivas no exercício da profissão. Para Mota (2013), nota-se que existe o preconceito do ofício efetuado pelas mulheres na área esportiva. A autora salienta que os homens afirmam que as mulheres dispõem de competência, todavia o trabalho feminino no esporte é pouco crítico e duvidoso. Em consonância, a entrevistada 6 traz sua percepção para o assunto: “A gente sempre tem que provar o ‘a mais’ para ter respeito, os homens não”. Amâncio (1989) lembra que mesmo a partir da entrada das mulheres em múltiplas esferas do mundo do trabalho e, apesar das mudanças estruturais, este processo não garantiu mudanças significativas nas organizações sociais. Entendendo este processo, a jornalista 6 ressalta que o principal desafio é o enfrentamento do preconceito velado quanto à atuação das mulheres na esfera desportiva: “ninguém assume o preconceito, inclusive se declaram militantes no combate. Porém, na realidade não é o que se observa”, lamenta ela. Neste sentido, Silva (2011) entende que a violência contra a mulher surge a partir da expectativa criada pela sociedade, na qual a mulher tem papéis préconcebidos para serem cumpridos. Estes mecanismos passam a ser, então, um reflexo da construção social embasada no sistema patriarcal, o qual submete a mulher desde criança até a velhice. A entrevistada 2 respalda tal pensamento e traz sua perspectiva sobre o movimento feminista como um mecanismo para a luta pela equidade na construção social. “Tem muita gente querendo dizer o que a gente pode ou deve fazer, sendo que isso só diz respeito a nós. Se eu comprovo que posso algo, por que e quem é ele para me dizer que não? Acho que o feminismo é isso, um movimento que serve para dar voz”. No que tange os avanços para as gerações futuras no exercício da profissão, Goellner (2015) ressalta que a ocupação deste espaço, é primordial para a ressignificação dos preceitos estabelecidos e incorporados pela sociedade. Reforçando tal afirmativa, a autora destaca que é possível dizer que a presença das mulheres é vista de forma preocupante. Primeiro, pois é a invasão delas em um espaço antes considerado masculino, segundo pois simboliza a modernização da sociedade. Nesta perspectiva, as jornalistas 2 e 4 trazem dicas para as mulheres que ingressam nessa esfera, principalmente visando resinificar os pressupostos estabelecidos pela organização social. “Eu diria para nunca desistirem. É clichê? Sim, mas é exatamente isso. Gosta de jornalismo? Gosta de futebol? VAI! Se a gente não colocar a cara a tapa, não vai ter ninguém que vai botar e muito menos nos dar uma oportunidade”. Esta fala se encaixa na percepção de Jeffrey (2014), referente ao vasto espaço de tempo em que os homens têm decidido sobre o comportamento ideal que as mulheres devem apresentar através de mecanismos como instituições de poder na organização social como a indústria do sexo, profissões médicas, religião e a psicanálise. A partir deste contexto, a
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jornalista 2 ressalta: “Vamos sofrer preconceito? Vamos, tem que ir preparada para isso, infelizmente. Mas depois que sofrer, ergue a cabeça e mostra que isso não te fez menos que ninguém e que muito menos foi capaz de destruir o teu sonho. A gente é muito capaz, basta acreditar em si mesma e tentar dar o seu melhor a cada dia”, finaliza ela. A jornalista 5 acrescenta que o empoderamento pode ser um mecanismo para superar esta sistematização: “tenha confiança, empodere-se e siga em frente. Jornalismo esportivo é apaixonante. Trabalha com a paixão, de times, de torcedores. Trabalha com emoções. E isso é muito gratificante”. Em conformidade com esta ideia, a jornalista 6 salienta uma frase emblemática para o movimento feminista: “Queria dizer às futuras colegas que se juntem a nós nessa luta, pois lugar de mulher é onde ela quiser!”. Na percepção de Duarte (2016), a partir dos anos de 1870, os movimentos feministas realizaram uma espécie de rede de apoio para mulheres. O que vai ao encontro ao que traz a entrevistada 5, destacando o empoderamento e outros mecanismos como forma de suporte e resistência. OS DESAFIOS DE EXERCER A PROFISSÃO Compreendendo os conceitos apresentados e embasados anteriormente, parte-se do pressuposto de que as mulheres enfrentam dificuldades apenas por serem do gênero feminino. No que tange este assunto, Scott (1995) apresenta o gênero como um elemento constituinte das relações sociais fundamentada nas especificidades entre os sexos, sendo estes, um mecanismo de significar ligações de poder. Entendendo este contexto, a entrevistada 3, traz um panorama vivido pelas jornalistas no estado do Rio Grande do Sul, onde há uma diversificação na construção cultural da diferença entre os sexos. “Sabemos que no Rio Grande do Sul, a cultura é muito masculina e o gaúcho também é um pouco preconceituoso. Não tenho dados disso, nem estatísticas, mas por vivência acho que o machismo é muito forte no estado”, ressalta a jornalista.
Para a entrevistada 1, o machismo, no sentido mais amplo da palavra, é o principal desafio vivenciado pelas repórteres esportivas na cobertura do futebol. Assim, a jornalista comenta sobre a situação nesta esfera: “vai desde os colegas homens que não respeitam a sua presença nos ambientes da crônica esportiva até os torcedores que não entendem que uma mulher pode estar trabalhando junto a eles. Passa também por alguns jogadores e técnicos, talvez em menor escala”, ressalta. Ao reconhecer esta realidade, pode-se mencionar Taylor (1997) ao explicar que a identidade construída da mulher no decorrer das décadas, reflete o processo do sistema organizacional. Elas são vistas através de pressupostos sociais e características designadas à concepção da mulher e sua significação. Interpreta-se então, através dessas análises que, como Beauvoir (1970) pondera, que quando as mulheres passaram a participar da composição do mundo, esse espaço ainda pertencia aos homens.
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Visando este conceito embasado por Beauvoir (1970), a entrevistada 2 traz seu relato: “Nas redes sociais, é muito fácil de visualizar. A gente vê diversos homens, entre jornalistas mesmo e também torcedores, que nos apoiam, que incentivam que a gente continue trilhando esse caminho, porém, os comentários negativos estão em maior quantidade sempre. Então, acho que a repercussão é válida e que talvez de um a um, consigamos mudar esse cenário um dia. Hoje, ainda estamos em minoria”. Por sua vez, para as entrevistadas 4 e 5, o maior desafio no exercício da profissão é provar e comprovar constantemente que as mulheres conhecem e dominam o futebol e que não é sua concepção biológica que modifica este entendimento. A jornalista 5 ressalta que o respeito deveria ser peça fundamental para a efetiva construção de uma igualdade. “Apenas por ser mulher e ter essa falta de respeito, a mulher, mais do que o homem, precisa provar e reprovar que ela pode ser jornalista esportiva. Que ela pode entrar em um estádio sem ter medo de ser assediada. Então, o principal desafio é esse, tão simples e básico: o respeito. Porque só com ele esses outros problemas deixarão de existir”. Amâncio (1989) acrescenta, em complemento à fala apresentada, que o ingresso das mulheres nos profusos campos do trabalho, apresentou mudanças na sociedade. Todavia, não gerou a obrigatoriedade de alterações nas comunidades e nem viabilizou alternâncias para a organizações sociais. Neste sentido, a jornalista 4 entende que o principal desafio é o exercício diário e constante de provar a capacidade no dia a dia da profissão em um ambiente fundamentalmente masculino: “Me lembro de uma entrevista bastante emblemática da Patrícia Amorim, que foi presidente do Flamengo entre 2010 e 2012. Ela contou que na época em que estava fazendo campanha, um adversário pedia votos argumentando: ‘votem em mim, eu sou homem’. Essa fala me marcou muito e é basicamente assim que funciona também no jornalismo esportivo”. Tal colocação vai ao encontro do que foi destacado por Tonani (2011), em que a autora destaca que, percebe-se que a mulher tem a necessidade constante de provar sua competência individual, além da submissão. Neste sentido, por vezes, é criticada em relação à questão de competência. A jornalista 6 entende que a dificuldade central é o preconceito velado. Aquele que não é reconhecido a existência e é mascarado pela população. “Na minha visão, o principal desafio é enfrentar o preconceito velado quanto à atuação das mulheres na seara esportiva”. Como apresentado por Coelho (2011) em seu livro, entende-se que se é mais fácil aceitar que as mulheres atuem em outras frentes além do automobilismo e futebol pois nestes territórios o machismo ainda impera. Em outra visão, a entrevistada 2, cita que o principal desafio diz respeito à segurança: “temos que provar todos os dias que somos capazes de fazer nosso trabalho com capacidade e por estarmos ali, e segundo, por estar insegura de que até o fim do dia vou poder ter feito meu trabalho tranquilamente, sem ouvir piada, sem alguém tentar passar a mão em mim, me beijar ou algo do tipo”. Considerando esta fala, cabe citar Lagarde (1994) ao acrescentar que essa
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crescente adição à concepção de gênero na perspectiva de políticas públicas tem auxiliado na visibilidade das mulheres e da problemática que as envolve. A efetiva construção de uma sociedade mais justa, só poderá ser obtida com uma revolução, tanto intelectual, quanto cultural, que parte de projetos sociais alicerçados na equidade de gênero e no empoderamento. Para isso, percebe-se que as mulheres têm se unido e criado projetos para se engajar e empoderar-se. Pensando nessa busca pela equipolência de gênero, jornalistas brasileiras, atuantes da área esportiva, lançaram um manifesto, em 2018, em defesa da atuação das mulheres no esporte. O #DeixaElaTrabalhar surgiu através de 52 jornalistas e teve como intuito lugar contra o assédio sexual e moral sofrido por elas na cobertura esportiva25. Na perspectiva de engajamento social, a entrevistada 4 acredita que as pessoas precisam entender que “a mulher não quer privilégios, apenas igualdade. No jornalismo esportivo, a mesma coisa: a gente só quer trabalhar como qualquer outro colega, sendo respeitadas, tendo nosso esforço valorizado e recompensado devidamente”. Todavia, a entrevistada 1 entende que estes projetos podem servir de auxilio, entretanto entende que é preciso ter engajamento para além das redes sociais. No que tange aos movimentos e ao engajamento a partir das redes sociais, Helene (2013) acredita que muitos dos protestos contemporâneos têm base na circulação de tecnologias de informação. Entende-se que essa perspectiva apresentada pela jornalista 1, também vai ao encontro do que foi apresentado por Lara (2016), ao ressaltar que, independentemente da vertente feminista, o movimento deve ser entendido de forma interseccional e coletiva, pois é a única forma de aniquilar o sistema político, cultural, econômico e cultural que coloca os homens como seres superiores. Corroborando, a jornalista 6 ressalta a educação como caminho fundamental para a conscientização. “Acredito no poder da educação. Ao menos para as próximas gerações não terem essa visão arcaica e errada que a mulher tem local determinado de atuação”, destaca. QUESTÕES PERTINENTES Entende-se que a discriminação de gênero é comum no meio jornalístico e é reforçada por estereótipos no meio esportivo. Percebe-se que as mulheres enfrentam desafios no exercício da profissão como parte da organização social patriarcal e da manutenção da estruturação machista. Ao analisar as entrevistas realizadas, identifica-se que há um longo caminho a percorrer para acabar com o estigma de que mulher não entende de esportes e que só convém para um papel estético e objetificado, necessitando seguir padrões de beleza. Para tanto, torna-se necessário ações em prol da conscientização da esfera desportiva e jornalística, para que haja a desestruturação do sistema patriarcal e machista arraigado, principalmente nestes âmbitos. 25 Disponível em: https://globoesporte.globo.com/sp/futebol/noticia/deixaelatrabalharjornalistas-lancam-manifesto-em-defesa-do-trabalho-das-mulheres-no-esporte.ghtml. Acesso em 18 de maio de 2019.
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As seis jornalistas entrevistadas, de forma unânime, acreditam que ser do gênero feminino interfere em sua trajetória profissional das mais diversas formas. Seja pelo tipo de pautas que lhe são destinadas, já que elas são minorias na atuação do jornalismo esportivo, seja na visão estereotipada do público que afeta a transmissão e recepção da mensagem. Elas acreditam também que, mesmo em menor escala, há uma visão estereotipada por parte dos colegas de profissão. O que gera uma pressão, pois há o constante exercício de provar sua capacidade no dia a dia da profissão em um ambiente que é fundamentalmente masculino e, consequentemente, machista. Ainda, destaca-se que, neste sentido, poucas jornalistas se sentem respeitadas como profissionais conhecedoras e atuantes na crônica esportiva. Desta mesma perspectiva, há a falta de segurança, seja pessoal ou profissional, pois algumas se sentem atacadas em seu exercício diário da função, quanto assediadas sexual e moralmente. Em grande escala há desafios nas escolhas hierárquicas e de chefia, visto que as proporções de mulheres nestes cargos são imensamente inferiores as de homens exercendo as mesmas funções. Pode-se inferir também que a representação e apresentação da mulher na estrutura da sociedade é realizada de forma discrepante. Por conseguinte, as mulheres atuam menos na área esportiva, tanto pela questão de necessitar provar constantemente sua capacidade, quanto pelo machismo intrínseco na organização social que dificulta o exercício da função diária. Ao término deste estudo, fica claro que a trajetória da mulher no jornalismo esportivo foi morosa e repleta de percalços, mas gradual. Faz-se explícito que o machismo perpetrado cria entraves sucessivos, afirmando a hipótese que suscitou este estudo. Além disto, fica nítido que o feminismo, por sua vez, tem sido grande fomentador da desmistificação da falta de capacidade feminina. Em suma, ratificou-se a relevância do estudo de gênero para a busca pela igualdade, pois é incontestável que estas diferenças existam em consequência dos anos de exclusão na participação social. Outrossim, através da dificuldade para a coleta dos dados referentes ao meio esportivo e sua atuação no futebol, entende-se que é necessário que outros estudos sejam realizados na esfera esportiva visando analisar o papel da mulher como jornalista em áreas anteriormente consideradas masculinas, como correspondente de guerra ou no jornalismo investigativo. Neste sentido, viabiliza-se a expansão e a efetiva participação das mulheres nas mais diversas esferas jornalísticas. E, espera-se que as próximas gerações cheguem ao ápice da justiça: a equidade. REFERÊNCIAS ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1970. (Coleção Primeiros Passos, 44). AMÂNCIO, Ligia. Fatores Psicossociológicos da Discriminação da Mulher no Trabalho. Tese de Doutoramento, ISCTE, 1989.
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Capítulo 3
JORNALISMO E CONTEÚDOS DE MARCA, UMA TENDÊNCIA POSSÍVEL? INTERESSE PÚBLICO E ESTRATÉGIAS DE MARKETING NA REVISTA DONNA Leticia Guarnieri Caimi Sandra Bitencourt
Com as transformações tecnológicas e o advento das redes sociais, o consumo de informações vem modificando práticas jornalísticas, adaptadas às diversas plataformas. Atualmente, o consumidor cada vez mais exigente, busca além de informação, também conteúdo sobre marcas, principalmente na internet. Neste sentido, algumas iniciativas do jornalismo têm aberto espaço para que estratégias de marketing façam parte da produção e publicação de conteúdo sobre marcas para determinados públicos. Apesar de não haver ainda um alinhamento ou definição conceitual mais elaborada, neste estudo será utilizada a nomenclatura branded content para contextualizar seus usos e oportunidades especialmente no ambiente digital. A complexidade em obter um único sentido para a expressão está na mistura de formatos e objetivos desta comunicação. Para efeitos práticos, é importante destacar que se trata de uma estratégia ligada à produção de conteúdo informativo e de entretenimento, em muitas vezes, buscando um diálogo da marca com sua audiência. Ambos os conceitos, jornalismo e marketing, trabalham atuações diferentes. Resumidamente, é possível conceituar jornalismo como a profissão responsável por divulgar informações factuais ou não, mas que sejam de interesse público. Já o marketing atua mediante as diversas estratégias de comunicação com apelo comercial sobre determinada marca, produto ou serviço para atender as necessidades do mercado e do consumidor. Mas como essas duas áreas podem se relacionar? Esta pesquisa busca revelar essa possível tendência, onde jornalismo e marketing se encontram na produção de conteúdo permeado de informação e entretenimento, o chamado branded content. Para isso, é preciso analisar o que motivou a união entre jornalismo e marketing, se existem conflitos ou não, e também, se isto é uma prática possível e viável, em virtude de ambas às áreas possuírem fundamentos e propósitos distintos. Acerca deste contexto, é necessário revelar se esta nova atribuição interfere na prática jornalística, diante do ponto de vista estético e linguístico,
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especialmente no que diz respeito ao interesse público e às questões éticas que determinam o compromisso com a verdade e credibilidade. Os objetivos definidos para o percurso desta pesquisa pretendem compreender como ocorre a relação de ambas as áreas, além de analisar quais são os riscos dessa possível tendência, como a perda de credibilidade do jornalismo, já que a sua principal função é noticiar aquilo que é de interesse público tendo como compromisso a verdade e a imparcialidade. Desta forma, o objeto empírico escolhido para esta pesquisa é a Revista Donna do Grupo RBS, veículo com presença no sul do país, mais precisamente no Rio Grande do Sul. Comercializada na versão impressa aos domingos acompanhada do Jornal Zez, a revista que completou 25 anos em 2018, também é veiculada no formato digital, através do site Gaúcha ZH e das páginas nas redes sociais: Instagram, Pinterest, Twitter, Facebook e Youtube. O conteúdo editorial é majoritariamente de entretenimento e aborda pautas relacionadas ao universo feminino como moda, beleza, celebridades, comportamento, dicas, saúde, entre outras. As publicações são acompanhadas de muita informação, e em muitas delas, um viés mais comercial tem ganhado espaço - com a divulgação de conteúdo publicitário. Atualmente, a Revista Donna possui a tag “Donna Brands”, que divide espaços comuns com o jornalismo, através da divulgação de empresas, produtos e serviços, que são de interesse feminino e que se identificam com público leitor. Nesse sentido, este artigo visa analisar como jornalismo e marketing se relacionam em espaços comuns, quanto ao papel informativo, estratégico e comercial, através da produção de conteúdo para marcas. No contexto teórico, a pesquisa busca compreender as mudanças e adaptações nas práticas do jornalismo que atualizam valores vinculados a esse campo, a evolução e novas práticas no jornalismo a partir da ascensão da internet, a relação mercadológica entre o jornalismo e a publicidade, o papel do marketing e as mudanças relacionadas ao comportamento do consumidor em tempos de Marketing 3.0 e posteriormente 4.0, além das iniciativas e práticas em que é possível jornalismo e marketing se relacionarem. Com a ascensão do jornalismo de marca, também conhecido por brand journalism, o jornalismo tradicional passa por diversas modificações ao se relacionar e dividir espaços comuns com interesses mercadológicos. E este estudo também pretende contribuir para o campo do jornalismo sobre as mudanças ocorridas nos últimos tempos, a partir da análise das novas práticas na área da comunicação. SUSTENTAÇÃO TEÓRICA O suporte teórico para elaboração desta pesquisa conta com conceitos e referências do campo do jornalismo e da publicidade. Neste artigo, vamos privilegiar o foco nas finalidades do jornalismo perante a sociedade, a
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compreensão de interesse público e questões relacionadas à ética da profissão, assim como a relação mercantil com o campo da publicidade e as estratégias de produção de conteúdo, especificamente o branded content, e as mudanças no comportamento do consumidor. Diante desses conceitos e da metodologia que será aplicada nesta pesquisa, será possível contextualizar e compreender se é ou não praticável a relação direta e compartilhada entre jornalismo e marketing. FINALIDADES E INTERESSE PÚBLICO NO JORNALISMO O jornalismo possui funções importantes perante a sociedade, pois é através dele que informações de interesse público são difundidas pelos meios de comunicação. Muitos pesquisadores conceituam o papel do jornalismo, desde o início do exercício da profissão. De acordo com a autora Benetti (2006, p. 2), o jornalismo pode ser entendido: [...] como um discurso: dialógico; polifônico; opaco; ao mesmo tempo efeito e produtor de sentidos; elaborado segundo condições de produção e rotinas articulares; com um contrato de leitura específico, amparado na credibilidade de jornalistas e fontes. (BENETTI, 2006, p. 2).
Para Reginato (2016, p. 214), “o jornalismo deve verificar a veracidade das informações, apurando todos os dados; deve checar as informações para entregá-las ao público com correção e precisão, contribuindo com a busca da verdade dos fatos”. Já Lage (2014, p. 21), define o jornalismo como uma “atividade de natureza técnica caracterizada por compromisso ético peculiar”, ou seja, a profissão exige responsabilidade com a verdade diante das informações que são expostas ao público. No jornalismo, notícias são acontecimentos de interesse coletivo. De acordo com Medina (1998, p. 73), “toda a matéria jornalística parte de uma pauta que pode ser intencional, procurada ou ocasional (acontecimento totalmente imprevisto)”, desde que sejam relevantes para o público. E neste sentido, é importante refletir sobre o que significa interesse público no jornalismo. Para os autores Sartor e Baldissera (2016, p. 325), genericamente o termo também pode ser relacionado ao mesmo que “bem- estar geral” ou “bem comum” para aquilo que é útil para um conjunto de pessoas. Filho (2004, p. 162) ressalta que é necessário compreender o que é de interesse público e para que tipo de público, diante das “circunstâncias políticas, sociais e históricas” em questão. Lage (2014) afirma que o jornalista precisa saber informar o que é útil ao seu público alvo, procurando a versão mais atraente de determinado fato. E também defende que o profissional deve cumprir com a verdade das informações:
O jornalista deve saber selecionar o que interessa e é útil ao público (o seu público, o público-alvo); buscar a associação entre essas duas qualidades, dando à informação veiculada a forma mais atraente possível; ser verdadeiro quanto aos fatos (verdade, aí, é a adequação perfeita
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do enunciado aos fatos, adaequatio intellectus ad rem) e fiel quanto às ideias de outrem que transmite ou interpreta; admitir a pluralidade de versões para o mesmo conjunto de fatos, o que é um breve contra a intolerância; e manter compromissos éticos com relação a prejuízos causados a pessoas, coletividades e instituições por informação errada ou inadequada a circunstâncias sensíveis. (LAGE, 2014, p. 21).
A partir da argumentação teórica acima exposta, é possível compreender que para um fato ser noticiado, é necessário considerar para qual grupo de cidadãos determinada notícia é relevante, ou seja, de interesse público. Este papel é de responsabilidade do jornalista: analisar o que será veiculado e buscar o ângulo mais atraente ao público, sempre visando o compromisso de informar a verdade dos fatos. A esta relação entre informação e veracidade, Miguel (1999, p. 199) afirma que o consumidor de notícias possui um elo de confiança: O leitor/ouvinte/espectador, no papel de consumidor de notícias, mantém em relação ao jornalismo uma atitude de confiança, [...] que pode ser dividida em três momentos: 1) a confiança quanto à veracidade das informações; 2) confiança quanto à justeza na seleção e hierarquização dos elementos importantes ao relato; 3) confiança quanto à justeza na seleção e hierarquização das notícias diante do estoque de “fatos” disponíveis. (MIGUEL, 1999, p. 199).
Diante deste contexto, Miguel (1999) a partir de uma das obras do sociólogo inglês Anthony Giddens, analisa o jornalismo como um sistema perito, onde afirma que a sua relação com público corresponde diretamente ao nível de credibilidade do que é informado. E destaca que é de responsabilidade do jornalista perante o público, manter uma relação de confiança acerca das notícias, tendo como grande pilar a ética.
Questões éticas são importantes para que a integridade e credibilidade da profissão não sejam abaladas. Para Bucci (2000, p. 185), “a ética existe para proteger o jornalismo – e a condição de cidadão que, no homem comum, vem sendo sobrepujada pela condição de consumidor”. De acordo com o autor, o jornalismo deve se manter afastado das questões relacionadas ao consumo, sendo fiel a sua função social para atender as “exigências de diversidade, pluralidade que a democracia impõe” (BUCCI, 2000, p. 185).
Quando cai na idolatria do consumo, dos modismos e das mentalidades em voga, o jornalista, mesmo sem manipular deliberadamente coisa alguma [...] está contribuindo para o empobrecimento da visão crítica do cidadão. [...] cabe a ele, saber dirigir-se aos cidadãos como sujeitos de direitos, e não apenas como plateia consumista, objeto fabricado pela indústria cultural. (BUCCI, 2000, p. 185).
Portanto, de acordo com o autor, o jornalismo não deve se dirigir aos cidadãos com foco no consumo, para não prejudicar a visão crítica dos mesmos. E para isso existe a ética, que tem como objetivo impedir que tal prática aconteça, tornando o jornalismo leal a sua função social.
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Ao retomar o papel do jornalismo, Fraser Bond (1959) citado por Reginato (2016), afirma que além de ser um agente da informação, função básica do conceito de jornalismo, com o decorrer dos anos a imprensa passou a ter funções como interpretar, servir e divertir. Além disso, “o teórico entende que o jornalismo realiza outras funções importantes, como a circulação de anúncios e a difusão de um grande volume de informações e comentários” (REGINATO, 2016, p. 32). Na era industrial, ler jornais era uma atividade prazerosa, advinda da “invenção de um tempo livre destinado ao lazer” conquistado pela sociedade. (AMARAL, 1987, p. 24 apud AGUIAR, 2008, p. 16). No entanto, por meio da opinião de outros jornalistas, Reginato (2016) afirma que atualmente o entretenimento não é mais uma finalidade do jornalismo contemporâneo. Porém esta perspectiva é controversa, visto que também existem autores que defendem o jornalismo e a sua relação com o entretenimento, como forma de proporcionar o lazer ou até mesmo a diversão aos consumidores de notícias. Conforme Bertrand (1999, p. 33), “a imprensa popular sempre privilegiou o divertimento e a mídia comercial impregna agora todos os seus produtos como entretenimento”. O autor ainda afirma que “a sobreposição é quase inevitável: uma notícia pode ser interessante e sem importância; em contrapartida, aprende-se muito divertindo-se [...] os dois tipos de mídia fornecem informação e formação” (BERTRAND, 1999, p. 33). A respeito desta afirmação, é possível associar o atual conceito de “infotenimento”, que surge da união de informação junto ao entretenimento, que caracterizam um novo gênero jornalístico: O jornalismo de INFOtenimento é o espaço destinado às matérias que visam informar e entreter, como, por exemplo, os assuntos sobre estilo de vida, as fofocas e as notícias de interesse humano – os quais atraem, sim, o público. Esse termo sintetiza, de maneira clara e objetiva, a intenção editorial do papel de entreter no jornalismo, pois segue seus princípios básicos que atende às necessidades de informação do receptor de hoje. Enfim, manifesta aquele conteúdo que informa com diversão. (DEJAVITE apud YOSHYAKY, 2007, p. 15, grifos nossos).
Aguiar (2008) também define a relação do entretenimento com o jornalismo:
A capacidade de entretenimento constitui-se como um valor-notícia fundamental para que um acontecimento possa adquirir os requisitos necessários para ser construído enquanto narrativa jornalística. Valoresnotícia são qualidades dos acontecimentos que produzem as condições de possibilidades para que sejam transformados e contidos em um produto informativo. (AGUIAR, 2008, p. 16).
É possível compreender que neste contexto, o entretenimento se faz presente no texto de revista, que além de vários atributos estéticos e linguísticos, permite revelar informações como uma forma de promover o lazer aos leitores (VILAS, 1996, p. 33).
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Numa revista, os critérios de clareza, ritmo, realce, ênfase é que determinarão, como já foi dito, a escolha que deve ser feita num contexto determinado. Como qualquer outro texto, o de revista se caracteriza pela correção gramatical. Mas tem também o sentido de informação e, por que não dizer, de entretenimento. Um lazer que mistura sedução, necessidade de haver personagens, “espetáculos” etc. (VILAS, 1996, p. 33).
A partir do próximo capítulo, serão abordados e compreendidos os conceitos e o histórico do formato de jornalismo em revista, especificamente a feminina, que reflete neste estudo. A RELAÇÃO MERCADOLÓGICA ENTRE JORNALISMO E PUBLICIDADE Os meios de comunicação prestam um serviço à sociedade ao entregar informação, notícias e também, conteúdo publicitário. Bertrand (1999, p. 30), afirma que o seu principal objetivo aliado ao jornalismo “é seduzir um público a fim de vendê- los aos anunciantes”, desta forma, criando um contexto propício para que a publicidade ganhe espaço. Segundo Aguiar (2008), a notícia acaba por moldar sua linguagem para ficar mais atraente nas páginas dos jornais:
A notícia – transformada em mercadoria – vai recebendo, gradativamente, mais investimento, com a finalidade de aprimorar o seu valor de uso. A estratégia de uma linguagem da sedução implica em tornar mais atraente as capas dos jornais, com a criação das manchetes, chamadas de primeira página e reportagens [...]. (AGUIAR, 2008, p. 18).
Até meados de 1880, segundo o autor Schudson (2010, p. 112), jornais e revistas se recusavam a dar espaço a anunciantes. Na época, acreditava-se que era um desperdício disponibilizar um grande espaço para anúncios nos jornais. Desta forma, para manter a igualdade entre os anunciantes, a publicidade limitava-se ao “padrão de tamanho ágata” para todos. Entretanto, com o passar dos anos, “a proporção de matéria editorial em relação à publicidade no jornal passou cerca de 70- 30 a 50-50, ou mais baixa. As receitas de publicidade representavam 44% da renda total do jornal em 1888, e 55% em 1900” (SCHUDSON, 2010, p. 113).
De acordo com Marshall (2003), grande parte das revistas e jornais americanos reserva entre 60% a 65% do espaço para conteúdo publicitário. E para compreender de que forma a propaganda ganhou tanto espaço nos veículos de informação, basta entender a relação econômica envolvida entre ambas as áreas, pois é através da venda de espaços publicitários que o jornalismo se mantém. Bagdikian (1993, p. 190 apud Marshall, 2003, p. 107) “revela que 75% dos rendimentos dos jornais provém dos anúncios”. Segundo o autor, o jornalismo não tem outra opção, a não ser se curvar à “ética do capital” (MARSHALL, 2003. p. 111).
Com tudo isso, um novo paradigma começa a nascer no universo do jornalismo. A lógica do capital e do livre mercado flexibiliza o conceito e o processo de newsmaking e a informação transforma-se em um
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campo de negociação e barganha de interesses, submetida às regras e às determinações de marketing empresarial. (MARSHALL, 2003, p. 27).
O autor permite refletir que economicamente o jornalismo necessita da publicidade para sobreviver e continuar cumprindo com o seu papel, pois de que meios o jornalismo poderia ser rentável? A solução foi e ainda é, a venda de espaços para anúncios publicitários. E embora o jornalismo contenha uma função social importante - de noticiar fatos de interesse público, essa prestação de serviço para a sociedade possui um custo de produção. Ou seja, desta forma é possível concluir que a publicidade financia e sustenta a existência do jornalismo com a venda de anúncios publicitários. Marshall (2003, p. 24) também afirma que o jornalismo tem se curvado a lógica do mercado “que parece estar provocando uma transformação generalizada dos padrões éticos, estéticos e culturais do universo da informação”. Desta forma, inferiorizando o jornalismo “a uma simples esfera de sustentação para interesses eminentemente comerciais” (MARSHALL, 2003, p. 24). Segundo Aguiar (2008), historicamente, as novas tecnologias permitiram um número maior de distribuição dos jornais e redução do valor dos exemplares, algo fundamental para que a publicidade exercesse um papel mercantil e de sustentação da empresa jornalística.
Se, por um lado, a industrialização vincula-se com os processos de urbanização e de alfabetização, por outro, também atinge a produção dos jornais, possibilitando, com as novas tecnologias, aumentar a tiragem e baixar os custos do exemplar. A emergência de um amplo mercado de massas incrementa a publicidade, que se torna o principal fator econômico de sustentação da empresa jornalística. Para assegurar fartas verbas publicitárias, os jornais precisam atingir uma alta vendagem, ampliando constantemente seu público através de estratégias comunicacionais. (AGUIAR, 2008, p. 20).
Diante deste contexto, é importante analisar se esta relação comercial que envolve o jornalismo e a publicidade, em algum momento pode causar uma interpretação negativa dos leitores e interferir os princípios éticos e normativos especificamente do jornalismo. Sobre o papel ético do jornalismo, como já mencionado anteriormente, há uma preocupação diante do seu vínculo com os anúncios. Isto porque a publicidade visa o objetivo comercial em benefício da empresa jornalística. Já o jornalismo, diante dos seus preceitos normativos, deve informar e assegurar o compromisso com a verdade e o interesse público, sem almejar o consumo. Os autores revelam que os leitores se contentam tanto com anúncios advindos da publicidade, quanto com o que é de produção do jornalismo. A EVOLUÇÃO DO FAZER JORNALÍSTICO
Assim como as profissões e campos de conhecimento, com o tempo tudo tende a evoluir. São novos conceitos, pesquisas, conhecimentos e habilidades. E no jornalismo não foi diferente. Com as transformações tecnológicas, como o
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surgimento da internet, as relações humanas e sociais passaram por uma grande evolução, e o jornalismo por sua vez, precisou se reinventar para também transmitir conteúdo no formato digital – implicando mudanças no seu modo de fazer e de consumi-lo.
A era virtual, além de reconfigurar de forma radical cada um dos meios e o conjunto da comunicação, revolucionou as formas de socialização do ser humano, as práticas políticas e o modo pelo qual as novas gerações se relacionam com o saber. [...] Na esfera da comunicação, trata-se da maior revolução nos meios de produção, registro, armazenamento, processamento e transmissão da informação, lazer e cultura em toda a história. (KUCINSKI, 2012, p. 3).
Com as diversas mudanças acontecendo simultaneamente após a ascensão da internet, o autor destaca que “na era virtual não sabemos se a comunicação é pública ou privada”. Para ele, até hoje não existe um “protocolo que estabeleça essas regras para a internet e as redes sociais” (KUCINSKI, 2012, p. 11). Além disso, o autor reflete sobre a eliminação das demarcações do jornalismo em “plataformas escritas, gráficas, sonoras, estáticas ou móveis”, já que na internet “tudo se funde, tudo se mistura, tudo interage nos mesmos meios e plataformas” (KUCINSKI, 2012, p. 14). As novas formas de transmissão da informação foram incorporadas com as plataformas online que modificaram os modos de fazer jornalismo. Os jornais se multiplicaram e incorporaram novas linguagens. Na internet grande maioria deles, também possuem páginas nas redes sociais, que interligam os assuntos e direcionam para os sites de notícias. A esse processo, Diel (2014) permite refletir as atuais funções exigidas nas multiplataformas de atuação do jornalismo:
O aparecimento de novos meios de comunicação social, com a ascensão da nova mídia, introduziu novas rotinas e novas linguagens a vida do jornalista. Ao profissional é exigido o domínio alargado de múltiplas capacidades, em que redigir notícias, produzir fotografias, áudio e vídeos, construir páginas na web e transpor conteúdos impressos ou audiovisuais para a rede são características indispensáveis e o momento requer profissionais com destreza multimídia. (DIEL, 2014, p. 21).
Segundo a autora, o jornalista não pode se limitar a função de divulgar acontecimentos, pois diante da internet, novas competências são exigidas para que os profissionais de jornalismo se adaptem as exigências do público que emergem deste novo cenário. A internet possibilitou novas oportunidades ao jornalismo, pois através de diversas ferramentas, pois hoje é possível interagir com o público através dos conteúdos, e, além disso, ainda permitem que os jornalistas tenham acesso a mais informações do que em comparação ao passado – antes da internet (DIEL, 2012). O jornalismo digital é um grande desafio para os jornalistas. Ferrari (2012), também fala sobre as exigências e requisitos necessários para trabalhar com diversos tipos de mídia: Os desafios de fazer jornalismo digital estão relacionados à necessidade de preparar as redações, como um todo, e aos jornalistas em particular, para
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conhecer e lidar com essas transformações sociais. Além da necessidade de trabalhar com vários tipos de mídia, o jornalismo multimídia precisa desenvolver no repórter uma visão multidisciplinar, com noções comerciais e de marketing. (FERRARI, 2012, p. 40, grifos nossos).
Esta nova configuração trouxe outras oportunidades para os profissionais da área, como trabalhar com conteúdos em diferentes formatos, já que muitas pessoas durante esse processo de transformação passaram do jornal impresso para o consumo do jornal digital. Este novo modelo, de forma instantânea e prática, permite o acesso em diversos dispositivos como computadores e celulares, além de oportunizar a interatividade, estreitando relações e interações sociais. Atualmente, a publicidade em processo de hibridização se mescla ao conteúdo e, por si só, passa a ser compreendida e consumida por parte do público como entretenimento. É uma nova maneira de se trabalhar a comunicação publicitária, baseada na aglutinação de três fatores: informar persuasivamente, interagir e entreter (COVALESKI, 2013, p. 23 apud OLIVEIRA, 2014, p. 37).
As mudanças evidenciadas no campo do jornalismo com o avanço da internet refletem em novas práticas na profissão, assim como na área da publicidade, conforme contextualizado anteriormente. Desta forma, essas modificações contemplam novos atributos práticos nas profissões, como no caso do jornalismo, através da ascensão do termo brand journalism, por exemplo, que será conceituado posteriormente. JORNALISMO DE MARCA X JORNALISMO TRADICIONAL Para compreender melhor o cenário de transformações do jornalismo aliado ao marketing é importante falar sobre um novo conceito que vem modificando as práticas do fazer jornalístico, o brand journalism, ou melhor, o jornalismo de marca.
A produção de conteúdos de marca, branded content, com o uso do estilo jornalístico oportunizam informações e conteúdos relevantes ao consumidor através de uma boa história, escrita por um jornalista e com a credibilidade advinda dos seus meios. Para Sortica (2018), o conteúdo de marca no jornalismo: É um processo modernizado do velho publieditorial, post pago ou outro nome que queiram dar para uma estratégia simples: dar a um tema, produto ou marca, a seriedade de um texto jornalístico, mas incorporando elementos de publicidade e marketing. (SORTICA, 2018)
Esta prática vem sendo utilizada como uma atribuição que difere do jornalismo tradicional, que objetiva informar notícias de acordo com o interesse público e não privado, como visto no capítulo que aborda as finalidades do jornalismo. Segundo Bueno (2017), o brand journalism é um exercício eticamente incorreto, pois conforme os preceitos do código de ética da profissão há diversos itens que proíbem a vinculação de interesses comerciais em sua prática:
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O jornalismo de marca, no entanto, não pode ser considerado jornalismo, se incluirmos a ética, a transparência, o interesse público e a veracidade dos fatos como seus valores básicos. O Código Nacional dos Jornalistas, em vários de seus artigos, condena procedimentos que estão presentes em boa parte das manifestações do jornalismo de marca, segundo o que reza, por exemplo, artigo 12, IV, que o jornalista deve “informar claramente à sociedade quando suas matérias tiverem caráter publicitário ou decorrerem de patrocínios ou promoções” e lembra, no artigo 4º que “ o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual deve pautar seu trabalho pela precisão apuração e pela sua correta divulgação”. (FENAJ, 2007 apud BUENO, 2017, p. 10)
Mesmo sendo uma atividade eticamente inadequada no jornalismo, tal prática vem ganhando força no mercado, que tem buscado abrir espaços para que jornalistas trabalhem para marcas: A presença de jornalistas responsáveis pela produção de conteúdo para as marcas é cada vez maior. Além disso, muitos profissionais nem precisam deixar os veículos onde trabalham para produzir o jornalismo de marca. Atualmente jornais e revistas estão anunciando núcleos independentes de produção de conteúdo editorial, ou seja, jornalistas passam a criar conteúdos personalizados para serem anunciados nos veículos em que trabalham. (ADNEWS, 2016)
De acordo com um estudo publicado estudo publicado pela NewsCred no Reino Unido, intitulado como “A ascensão do jornalismo de marca no Reino Unido: jornalistas como profissionais de marketing de conteúdo1”, a produção de branded content para marcas mostra uma tendência no jornalismo mundial. Este formato “exige profissionais que dominem a construção e produção de material” (ADNEWS, 2016). E é desta forma que o jornalista se destaca, através da elaboração de bons textos: As marcas estão à procura de conteúdo de qualidade para se aproximarem do consumidor. Já os jornalistas, abalados com a crise dos modelos tradicionais, veem no marketing uma área promissora para atingir a estabilidade e o crescimento de suas carreiras. (ADNEWS, 2016).
Dados do estudo apontam uma pesquisa de campo realizada com 50 jornalistas e 50 marcas e revelam os esforços das empresas em reunir equipes qualificadas para “compreender a marca e contar grandes histórias com conteúdo envolvente e criativo” (ADNEWS, 2016). O estudo indica que “64% das marcas pesquisadas afirmaram que vão aumentar o investimento em branded content em 2016, enquanto 38% acreditam que seus esforços atuais são eficazes”. (ADNEWS, 2016). Já na visão dos jornalistas ouvidos pela pesquisa, 51% dos entrevistados veem a produção de conteúdo para marcas como uma grande oportunidade no 1 Estudo completo disponível em <https://www.youscribe.com/catalogue/ documents/actualite-et-debat-de-societe/medias/brand-journalism-2674091?utm_ content=YSLogoEmbed>
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mercado e “asseguram que sua nova escolha de carreira lhe dá tanta satisfação quanto o jornalismo tradicional, 73% acham que o jornalismo para marcas será uma escolha comum entre os profissionais da área e acreditam que seus salários vão aumentar” (ADNEWS, 2016). Para compreender o crescimento do brand journalism, Sortica (2018), associa à ascensão das novas tecnologias:
[...] os tempos mudaram, o jornalismo tradicional foi perdendo espaço porque os jovens, em contato com novas tecnologias, praticamente abominam o impresso, não gostam ou não querem dispender tempo na leitura de textos longos e profundos. A queda na procura, na perda de espaço e a falta de interesse reflete-se na perigosa queda de faturamento proveniente de assinaturas e também de anunciantes. (SORTICA, 2018).
Perante esse cenário de transformações, o brand journalism se alicerça como uma nova oportunidade de trabalho para os profissionais. Entretanto, tal prática pode ferir frontalmente os preceitos normativos da profissão, que atua para marcas a fim de interesses mercadológicos, com objetivo de se fortalecer financeiramente. No próximo capítulo, será compreendido o papel do marketing na sociedade e posteriormente, sua relação com o jornalismo.
O PAPEL DO MARKETING Assim como o jornalismo, o marketing também está em constante evolução. Segundo os autores Gullo e Pinheiro (2011, p. 20), “marketing é o processo humano, social e administrativo que facilita a troca de valores entre um comprador e um vendedor, ambos em busca da satisfação de suas necessidades, desejos e objetivos”. Entre as funções do marketing, os autores destacam: A) Avaliar e interpretar continuamente as necessidades, desejos e objetivos dos compradores (consumidores ou clientes); B) Definir objetivos, estratégias e ações para implantar, de forma integrada os quatro elementos de marketing: produto, preço, distribuição e comunicação, e com isso criar um relacionamento com compradores (negociação, vendas e comunicação) que permita efetivar a troca de valores; C) Alcançar, através da troca de valores, a satisfação das necessidades, desejos e objetivos dos compradores e a lucratividade e os objetivos pretendidos pela empresa, respeitando o bem-estar da sociedade (responsabilidade ética e sócio-ambiental) [...]. (GULLO; PINHEIRO, 2011, p. 20)
Segundo Keller e Kotler (2013), o conceito de marketing objetiva suprir as necessidades humanas e sociais alcançando o lucro com o serviço ou produto ofertado. Para isso, as empresas necessitam de estratégias de marketing para que possam se enquadrar dentro do mercado competitivo. Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010) afirmam que o marketing é baseado em três disciplinas, que são gestão de produto, gestão de clientes e gestão da
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marca. Entretanto com o passar dos anos, os conceitos de marketing que estão sempre em adaptação, evoluíram da gestão do produto durante as décadas de 1950 e 1960 para a gestão do cliente entre 1970 e 1980. E posteriormente essa evolução trouxe o foco para a gestão de marca nas décadas de 1990 e 2000.
Com a ascensão do meio digital, atualmente vivencia-se a era do Marketing 4.0, que “combina interações off-line entre empresas e clientes” e, além disso, visa “a conectividade máquina a máquina com o toque pessoa a pessoa para fortalecer o engajamento dos consumidores” (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2017, p. 71). Segundo os autores, “o marketing digital e o marketing tradicional devem coexistir no Marketing 4.0 com o objetivo máximo de conquistar a defesa da marca pelos consumidores” (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2017, p. 71). Mas vale relembrar que a era anterior, a do Marketing 3.0, possui um papel fundamental nesta evolução. De acordo com Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017), o marketing 3.0 está centrado no marketing do significado e no ser humano, e se envolve com a missão, visão e valores de uma empresa. Cada vez mais, as marcas vêm adotando qualidades humanas para atrair novos consumidores na era centrada no ser humano. Isso requer descobrir as necessidades e os desejos latentes dos consumidores [...]. Para abordar de forma eficaz ansiedades e desejos, os profissionais de marketing precisam desenvolver o lado humano de suas marcas. Elas devem ser fisicamente atraentes, intelectualmente interessantes, socialmente envolventes e emocionalmente fascinantes, ao mesmo tempo que devem demonstrar personalidade forte e moralidade sólida. (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2017, p.143)
É a partir deste conceito, que foi possível pensar em uma nova visão para o marketing, que deixa de “ser considerado apenas como um sinônimo de vendas e/ou de uma ferramenta para gerar demanda” para ser um “considerado a principal esperança de uma empresa para recuperar a confiança do consumidor” (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 51). Entretanto, segundo o autor, mesmo diante da sua evolução, ainda existem empresas que praticam as gerações anteriores, como o Marketing 1.0 (centrado no produto) e o 2.0 (centrado no consumidor).
Ao longo dos anos, o marketing evoluiu, passando por três fases, às quais chamamos de Marketing 1.0, 2.0 e 3.0. Muitos profissionais de marketing de hoje continuam praticando Marketing 1.0, alguns praticam o Marketing 2.0 e outros ainda estão entrando na terceira fase, o Marketing 3.0. As maiores oportunidades se abrirão aos profissionais que praticam o Marketing 3.0. (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 3)
Na era do Marketing 3.0, fase mais marcante desta evolução, as pessoas não são vistas somente como consumidoras de um produto ou serviço, as empresas as enxergam como pessoas com mente, coração e espírito. Para Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010, p. 4), nesta etapa do marketing “os consumidores são seres humanos completos, cujas outras necessidades e esperanças jamais
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devem ser negligenciadas”. Sendo assim, as marcas buscam soluções inovadoras que atendam seus desejos e os problemas da sociedade.
Desse modo, o Marketing 3.0 complementa o marketing emocional com o marketing do espírito humano. Em épocas de crise econômica global, o Marketing 3.0 adquire relevância ainda maior para a vida dos consumidores, na medida em que são afetados por rápidas mudanças e turbulências nas esferas social, econômica e ambiental. [...] No marketing 3.0, as empresas se diferenciam por seus valores. Em épocas de turbulência, trata-se definitivamente de um diferencial e tanto. (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 4)
Com a rotina acelerada da sociedade, o consumidor tende a prestar atenção naquilo que o desperte interesse. De acordo com Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017, p. 106), “no marketing, a curiosidade advém de fornecer aos consumidores um conhecimento atraente sem revelar demais”. E é baseado neste ponto de vista, que surge o marketing de conteúdo, que é “um conjunto de atividades relacionadas a criar e distribuir conteúdo que seja relevante para a vida dos consumidores, mas também fortemente associado à determinada marca”.
Em poucas palavras, marketing de conteúdo é uma abordagem que envolve criar, selecionar, distribuir e ampliar o conteúdo que seja interessante, relevante e útil para o público, claramente definido com o objetivo de gerar conversas sobre esse conteúdo. O marketing de conteúdo também é considerado outra forma de brand journalism (“jornalismo de marca”) e brand publishing (“publicações de marca”) que cria conexões mais profundas entre marcas e consumidores. (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2017, p. 147)
E é diante desse cenário que o marketing de conteúdo, fenômeno utilizado no marketing 4.0, ganha força e muda o papel dos profissionais da área “de promotores da marca para contadores de histórias” (KOTLER, KARTAJAYA; SETIAWAN, 2017, p.147). Rez (2016) define conteúdo como uma estratégia de comunicação:
Conteúdo não é mera tendência, mas uma nova estratégia efetiva que define uma nova forma de comunicação. Como a internet não é um meio de massa, muito menos um espaço propício a publicidade agressiva (com exceções), as empresas que quiserem se estabelecer no mercado, precisam buscar novas aproximações para atenderem a demanda de seus nichos. (REZ, 2016, p. 35)
Vale ressaltar que embora existam semelhanças, o marketing de conteúdo se difere do branded content, conceito utilizado nesta pesquisa. Enquanto o conteúdo de marca busca melhorar o posicionamento de uma marca no mercado e melhorar a visão do público “sobre a empresa por trás dos produtos ou serviços oferecidos”, o marketing de conteúdo baseia-se na produção “focada na resolução de problemas de um consumidor, que não precisa conhecer a
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marca para chegar até ela como uma solução para algo que está passando”2 (SIMÕES, 2017). O QUE É BRANDED CONTENT Branded content é uma estratégia de marketing baseada em ideias que agregam valores de entretenimento para marcas. É uma nova forma de abordar a propaganda, com uma linguagem menos persuasiva, pois objetiva a interação do consumidor através de conteúdo sobre uma marca.
O Branded Content é focado em criar conteúdos para os leitores e consumidores, e não para a empresa/marca. Da marca para o consumidor. Um processo que permite que a empresa conheça melhor o seu público alvo e as suas necessidades, o que é fundamental para que o marketing atinja os seus objetivos, que são de melhorar o desenvolvimento e crescimento da empresa. É uma estratégia de marketing, mas que deve ser focada no consumidor. (OLIVEIRA, 2014, p. 43)
Segundo Oliveira (2014, p. 43), é possível compreender que historicamente a prática da “promoção de conteúdo para além dos atributos dos produtos” é utilizada há bastante tempo. No Brasil, a Standard Oil Company of Brazil foi uma das primeiras empresas a usufruir da produção de conteúdo, onde:
[...] produzia informações jornalísticas por meio do programa Repórter Esso. Criado em 1941, a atração nasceu no rádio e, devido ao sucesso com os espectadores, posteriormente foi levada para a televisão. Durante 27 anos, a marca Esso levou conteúdos atuais e notícias para os lares brasileiros. A ligação do programa com seu público-alvo era muito forte e a iniciativa é considerada um marco no jornalismo brasileiro. (OLIVEIRA, 2014, p. 43)
Posteriormente, outras empresas passaram a se interessar pelo que chamamos atualmente de branded content:
Outro exemplo é da marca de açúcar União que, além de comerciais de TV e utilização de mídias convencionais, também já promovia, na década de 60, cadernos de receitas cujo público-alvo eram as donas de casa. (TROIANO, 2014 apud OLIVEIRA, 2014, p. 44)
Como forma de reinventar a publicidade, o branded bontent, é uma estratégia de marketing com apelo mais informativo, todavia com a iniciativa de marcas. E justamente por conter informação, que o jornalismo se faz presente como uma nova possibilidade de atuação, como vimos anteriormente no cenário do brand journalism. Os conteúdos de marca são desenvolvidos com foco no consumidor e refletem diretamente no papel do marketing – onde o propósito é conhecer seu público alvo e enxergá-lo como um ser humano com necessidades e desejos e 2 Disponível em: https://marketingdeconteudo.com/branded-content-vs-marketing-deconteudo/. Acesso em: 5 nov. 2018.
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não apenas como um consumidor de produtos e serviços, como já mencionado no papel do marketing. Collor (2017) defende que esta estratégia pode ser uma oportunidade de atuação tanto para jornalistas quanto para publicitários. Este é um ramo que abrange tanto publicitários como jornalistas. A oportunidade agrega as duas áreas por englobar tanto a estratégia de marketing como a narrativa que o jornalista está familiarizado, contando histórias. A intenção do branded content é tornar o cliente um fã da marca e este não é um conceito novo. De tempos em tempos, o marketing se reinventa e nesse ambiente as marcas hoje conversam com o consumidor – e não discursam. Por isso, oferecer para os consumidores um conteúdo que cause identificação e ao mesmo tempo se encaixe no propósito da empresa é a chave do sucesso. (COLLOR, 2017)
O branded content é uma estratégia de marketing vinculada a marcas com viés informativo e em muitas vezes também associado ao entretenimento. Esta ferramenta vem sendo utilizada por jornalistas, pelo domínio textual dos profissionais. No entanto, por conter uma proximidade com o campo publicitário, também é uma área que abrange profissionais da publicidade. Para compreender os interesses mercadológicos que permeiam o jornalismo, o próximo tópico dessa construção teórica visa explicar como essa relação acontece. O JORNALISMO ALIADO AO MARKETING: UMA TENDÊNCIA? Basicamente, esta é a principal questão que este estudo tenta responder. Jornalismo e marketing além de serem áreas distintas, possuem linguagens diferentes. Entretanto, no âmbito mercadológico, é possível associar a notícia como o produto do jornalismo, que, aliado a estratégias de marketing pode contribuir com o capital através da publicidade – anúncios, ou até mesmo, através do branded content, ou seja, conteúdo de marca. Para Chaparro (2016), marketing e jornalismo estão próximos e se complementam na prática: Nunca como agora o marketing e a notícia andaram tão próximos e interativos. Na política como nos negócios. Nas religiões como na ciência. Na cultura como nos esportes de alta competição. Em qualquer desses campos, e em outros, os acontecimentos noticiáveis são cada vez mais cuidadosamente planejados e controlados pelos saberes e poderes estratégicos do marketing, que transformam em ações táticas os fatos a serem noticiados. Os próprios produtos jornalísticos – jornais, revistas, programas de TV e rádio – investem cada vez mais em estratégias de marketing, em busca de audiências que lhes garantam lucros. Ou seja: sobrevivência. E isso nada tem de ruim, desde que não ocorra a fraude do jornalismo, em suas razões de ser e nos seus modos de produção. (CHAPARRO, 2016, p. 1)
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A partir desta cronologia, é possível compreender como ocorre a relação do jornalismo e do marketing de forma prática e também, quais são os seus objetivos dentro do contexto mercadológico, inseridos em um veículo de informação. AS ENTREVISTAS: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E RESULTADOS A metodologia de pesquisa é de natureza exploratória e qualitativa, com o propósito de analisar se e como jornalismo e marketing se associam na prática, através da escuta de jornalistas e pesquisadores de jornalismo e da análise da Revista Donna, objeto empírico deste trabalho de investigação. Os instrumentos metodológicos escolhidos para cumprir os objetivos da pesquisa são a entrevista estruturada e a análise de conteúdo, com objetivos que se complementam na busca de responder o problema teórico proposto na pesquisa: de que forma o jornalismo e marketing se associam através de estratégias como o branded content. Neste artigo, definimos privilegiar a parte das entrevistas, sem buscar o comparativo da análise de conteúdo realizada. Foi organizado um questionário com entrevista estruturada cujas questões propostas são situadas em categorias identificadas na revisão bibliográfica sobre as finalidades do jornalismo e as características atualizadas do marketing na era digital. Ou seja, a partir da revisão teórica e bibliográfica sobre esses campos foram definidas quatro categorias (antagônicas) de análise e formuladas as perguntas. Tais categorias são: a) Interesse público x interesse mercadológico; b) Verdade x versão da marca; c) Credibilidade x Interesse comercial; d) Informação x entretenimento. Os respondentes também foram divididos em duas categorias: jornalistas que atuam e/ou conhecem a prática de branded content3 para capturar a percepção da factibilidade, ou seja, como o jornalismo acontece na prática e pesquisadores na área do jornalismo, para compreender a percepção mais normativa, como se espera que o jornalismo atue, com quais princípios e valores. Como já mencionado, a construção das 11 questões para a entrevista estruturada ocorreu através da revisão bibliográfica. Com base nos livros, artigos esites pesquisados, foi possível elaborar um percurso teórico que revelou os princípios de cada área, como a relação mercadológica acerca do jornalismo junto à área da publicidade, o papel do marketing e seu viés estratégico perante aos desejos e expectativas do consumidor, e sobre o possível relacionamento entre áreas tão distintas - marketing e jornalismo, a partir do uso de estratégias como a produção de conteúdos de marca (branded content). Além disso, também foram contextualizadas as novas oportunidades no mercado de trabalho 3 Para responder esta entrevista foram convidados os seguintes jornalistas: Andressa Griffante, gestora da agência de comunicação e marketing de influência RSbloggers Patricia Rocha, editora chefe da Revista Donna; Basílio Sartor, doutor, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Marcia Benetti, doutora, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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para jornalistas com ascensão do jornalismo de marca (brand journalism). Como último procedimento metodológico desta pesquisa também foi utilizado o método de análise de conteúdo para estudo das publicações que utilizam o branded content na Revista Donna. Esta análise pretendeu complementar a compreensão e, além disso, exemplificar como estes conteúdos são veiculados na prática. Para essa pesquisa, foram escolhidas duas publicações de branded content da Revista Donna impressa e três no formato online para comprovar se existem diferenças no conteúdo impresso em comparação ao digital. Entrevistas Os entrevistados que contribuíram com as respostas do questionário foram contatados por e-mail pela pesquisadora. Foram escolhidos dois pesquisadores na área do jornalismo, Basílio Sartor e Marcia Benetti, que inclusive fazem parte das fontes bibliográficas do referencial teórico desta pesquisa, e também, uma profissional que além de trabalhar com conteúdos de marca, é ministrante de cursos a respeito do tema, Andressa Griffante. Para análise das opiniões de cada um, das 11 questões propostas na entrevista, foram escolhidas as perguntas mais relevantes, sendo uma de cada bloco de oposição, conforme já explicado anteriormente. Esta entrevista foi extremamente importante para a compreensão e análise do que a academia pensa sobre esta possível tendência, neste caso, através da opinião dos dois pesquisadores, e também como ocorre esta prática acontece no mercado, por meio da opinião da jornalista que trabalha com conteúdos de marca, o branded content. A seguir serão dispostas as perguntas e respostas para análise, elaboradas em formato de tabela para melhor interpretação e visualização. Quadro 1 - Interesse Público x Interesse Mercadológico
Pergunta:
Na prática jornalística, a publicidade se tornou uma forma de “sustento” para a sobrevivência dos jornais. Você avalia que essa associação do branded content – estratégia de marketing junto ao jornalismo favorece mais interesses públicos ou interesses mercadológicos?
Entrevistado (a): Andressa Griffante
Resposta:
Acredito que favoreça ambos os lados, uma vez que transforma interesses mercadológicos como conteúdo útil e relevante para o público. A premissa é que esteja claro que
Basílio Sartor
Marcia Benetti
Certamente favorece os interesses mercadológicos da empresa jornalística. Isso não seignifica que seja uma prática condenável ou antiética. A publicidade na sua forma
No século 20 que o modelo de negócio dos veículos jornalísticos passa a realmente depender da publicidade. Não tenho dúvida de que os conteúdos de marca atendem
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se trata de um conteúdo publicitário. Porém, o êxito do branded content está em fornecer utilidade pública, levar informações relevantes e de forma natural fazer com que o público identifique a marca com o assunto abordado.
tradicional ou por meio de novas estratégias promocionais, sempre foi importante com fonte de financiamento do jornalismo. Desde que essas estratégias sejam claras para o leitor e não se confudam com a produção jornalística regular, não há nenhum problema de ordem ética. Mas a publicidade e o marketing são uma forma de financiamento para o jornalismo, e não um caminho de defesa do interesse público.
a interesses mercadológicos - que podem até ser legítimos do ponto de vista da sobrevivência do jornalismo, mas jamais atenderão ao intersse público.
Fonte: Elaborado pela autora.
A partir da pergunta proposta para entender se, o jornalismo através da prática do branded content, beneficia mais interesses públicos e mercadológicos, é possível compreender que as opiniões dos entrevistados são bem distintas em relação ao tema. Para Andressa Griffante, esta estratégia de marketing pode beneficiar ambos os lados, desde que seja trabalhado um conteúdo relevante e de forma natural, e claro, é importante que seja evidenciado que faz parte de um conteúdo publicitário. Basílio, também concorda que esta prática deve ser clara e identificada para não confundir o leitor em relação ao que é produção jornalística regular e de publicidade. Sendo assim, tal exercício resguarda-se de uma interpretação que possa ser julgada como anti-ética. Para o pesquisador, publicidade e marketing não são formas de defesa do interesse público, mas sim de financiamento do jornalismo.
A pesquisadora Márcia também defende que conteúdos de marca interessam mais o âmbito mercadológico e relembra que o jornalismo passou a depender da publicidade a partir do século 20.
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Quadro 2 - Verdade x Versão da marca Pergunta:
Entrevistado (a):
Resposta:
Você avalia que os conteúdos de marca (branded content) produzidos em espaço jornalístico podem interferir no compromisso com a verdade (princípio ético do jornalismo)? Andressa Griffante
Basílio Sartor
Marcia Benetti
É necessário que não ocorra essa interrupção no compromisso com a verdade. Os conteúdos produzidos para marcas devem checar informações, cuidar para não disseminar informações equivocadas ou antiéticas. Também é necessário deixar claro que o conteúdo é uma co-criação do veículo com a marca/cliente. Para que o público consiga fazer seu julgamento de valor e entender que o que foi produzido se trata de um conteúdo pago.
Depende da forma com que esses contratos são negociados. Imagino que nenhuma marca vá patrocinar um conteúdo para que o jornalismo fale mal dela. Mas isso não significa que o jornalista precisa mentir. É um pouco como o trabalho da assessoria de imprensa, que divulga uma agenda positiva sobre o assessorado, mas deve sempre atuar nos limites da verdade. Por outro lado, é evidente que não se trata mais de um trabalho jornalístico voltado ao interesse público (pode ser em alguns casos, mas não é a motivação principal). O profissional usa técnicas de apuração e linguagem jornalística, mas está a serviço da divulgação de uma marca, e não a serviço do interesse público.
Não tenho dúvida de que a verdade fica comprometida com esta prática. Que jornalista vai introduzir, na matéria, questões ou fontes desfavoráveis àquela marca que está pagando por este conteúdo? Nem sei, na verdade, se podemos chamar este discurso de jornalístico, efetivamente. Talvez seja um simulacro de jornalismo.
Fonte: Elaborado pela autora.
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Neste bloco, os jornalistas foram questionados se, a criação de conteúdos de marca em espaço jornalístico pode interferir no compromisso com a verdade, princípio inegociável na profissão. Para Andressa, mesmo que sejam conteúdos de marca, as informações devem ser checadas de forma que garantam a verdade. Ela salienta que o branded content é uma criação realizada entre o veículo e o cliente (marca). Desta forma, a transparência deve ser garantida diante do público e, reafirmando a resposta anterior, permitindo que o leitor consiga distinguir que se trata de um conteúdo pago. Já Basílio, divide opiniões, pois para ele nenhuma marca irá contratar um conteúdo que possa falar mal dela. Entretanto, isto não quer dizer que o jornalista tenha que mentir para atender bem um cliente (marca). Ele compara essa prática com o que as assessorias de imprensa realizam ao trabalhar o lado positivo de seu assessorado onde devem cumprir com a verdade. Segundo o pesquisador, este tipo de conteúdo pode até atribuir técnicas jornalísticas, porém não está prestando um serviço a fim de beneficiar o interesse público. Márcia acredita que esta pratica compromete a verdade, já que o jornalista vai buscar ângulos positivos para o conteúdo que está sendo pago por determinada marca. Quadro 3 - Credibilidade x Interesse comercial
Pergunta: Entrevistado (a):
Na sua opinião, o jornalismo aliado ao marketing é prejudicado do ponto de vista ético (de imparcialidade)? A prática do branded content pode afetar na sua credibilidade ou não? Andressa Grifantte
Acredito ser uma seção importante do jornalismo, uma vez que melhora o conteúdo publicitário e ajuda a sustentar a prática jornalística comercialmente. Porém, os veículos Resposta: de comunicação não devem ter a maioria de seu conteúdo como branded content. É necessário espaço para materiais de utilidade pública não ligada à empresas
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Basílio Sartor
Marcia Benetti
Não acredito em imparcialidade. Acredito em objetividade, que é um princípio diferente. Imparcialidade significa neutralidade, e nenhuma pessoa é neutra, ela sempre parte de um ponto de vista e de uma visão de mundo. Mas a objetividade, no sentido de considerar os diferentes pontos de vista sobre um fato, é possível. Acho
Com certeza há um comprometimento ético. Não existe imparcialidade quando um jornalista precisa fazer uma matéria (que pareça jornalismo) para divulgar uma marca. Se isso afeta ou não a credibilidade do veículo, não sei. Acredito que afete, mas seria leviano afirmar isso sem
privadas, espaço para opiniões diversas, conteúdo editorial, etc. Caso contrário o veículo estará sempre fornecendo apenas o ponto de vista das marcas, colocando em xeque sua premissa de imparcialidade (ainda que todo veículo de comunicação tenha um posicionamento enquanto empresa).
uma pesquisa que conteúdos patrocinados não concreta. afetam a credibilidade de uma empresa jornalística como um todo, desde que, repito, fique claro para o público que aqueles conteúdos são patrocinados. Mas é preciso também que a mesma empresa jornalística ofereça conteúdos jornalísticos de interesse público. Se ela oferecer apenas conteúdos patrocinados, não se trata mais de jornalismo.
Fonte: Elaborado pela autora.
A pergunta deste bloco questiona aos entrevistados se o jornalismo associado ao marketing, através do branded content, afeta sua imparcialidade e por sua vez a credibilidade perante o público. A jornalista Andressa comenta que a publicidade ajuda a manter a prática jornalista no âmbito comercial. Entretanto, ela afirma que os veículos devem equilibrar a proporção de conteúdo editorial e branded content. Devem dar espaço para matérias de utilidade pública que não estejam ligadas a marcas, para que não coloque em risco o princípio de imparcialidade, embora ela defenda que os veículos tenham posicionamentos editoriais. Basílio também acredita que é importante essa proporção entre conteúdos de interesse público e privados. Para ele, os conteúdos de marca não prejudicam a empresa jornalística, desde que fiquem claro que são pagos. O jornalista também acredita que se um veículo oferecer somente conteúdos pagos por marcas, não pode ser considerado um instrumento do jornalismo e reafirma que esse tipo de publicação deve ser claramente distinguida como publicidade. Ele também declara que acredita em objetividade, ao invés de imparcialidade, pois nenhuma pessoa é imparcial tendo em vista sua visão de mundo. Já para Marcia, a imparcialidade é prejudicada. Quando um jornalista precisa fazer uma matéria para divulgar uma marca, tal prática interfere diretamente na ética da profissão. Ela também acredita que isto pode prejudicar a credibilidade do veículo.
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Quadro 4 - Informação x Entretenimento
Pergunta:
O infotenimento é um conceito que agrega entretenimento e informação. Um dos objetivos do jornalismo é, além de informar, também promover o entretenimento. Como você enxerga os conteúdos de marca diante desse conceito? Podemos considerá-lo uma forma de entretenimento no jornalismo?
Entrevistado (a):
Andressa Grifantte
Basílio Sartor
Marcia Benetti
Resposta:
O branded content é a produção de conteúdo que promove o posicionamento da marca. Muitas vezes esse conteúdo pode ter a função de entreter, como um clipe musical, uma esquete humorística, etc. Esta opção diverte o usuário, que geralmente associa à marca a este sentimento bom. Como este entretenimento está mais voltado à informar sobre uma marca, eu diria que está mais ligado ao marketing do que ao jornalismo. Ao meu ver teria que se estudar caso a caso. Acredito que algumas estratégias de branded content podem ser uma forma de entretenimento ligada ao jornalismo, mas nem todo o branded content é entretenimento e nem sempre está ligado a um veículo de comunicação.
Sim. E são produções legítimas. Mas notícias e reportagens de interesse público, sobre as grandes questões que afetam a cidadania e a vida pública, são essenciais para o jornalismo e para a democracia. O entretenimento é parte do jornalismo. Mas o jornalismo não pode se resumir a entretenimento, muito menos a conteúdos patrocinados. É possível, e até desejável, aliar o entretenimento ao interesse público, isto é, produzir conteúdos jornalísticos que informem sobre temas relevantes, que esclareçam o público e, ao mesmo tempo, possam emocionar ou divertir. Mas conteúdos que servem apenas para promover marcas ou entreter leitores são uma forma de financiar o jornalismo, que deve ter outros nortes e preocupações.
Não concordo que entreter seja função do jornalismo. Alguns autores mais antigos afirmavam isso, mas a pesquisa mais contemporânea refuta esta visão. A tese da Gisele Reginato mostra que, para o leitor, entreter não é função do jornalismo. Nem para os jornalistas. Nunca poderei achar que a produção de conteúdos pautados pelo marketing seja função do jornalismo. Posso aceitar que o jornalismo faça isso para sobreviver, em um momento dificílimo para os veículos tradicionais. Mas aceitar que isso seja uma finalidade do jornalismo é algo impensável.
Fonte: Elaborado pela autora.
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O último bloco de perguntas é centrado na relação entre o entretenimento e a informação. Os entrevistados foram questionados se o conceito de infotenimento no jornalismo pode ser associado a conteúdos de marca, já que em algumas vezes, o branded content pode ter um formato de conteúdo vinculado ao entretenimento ligado a marcas. De acordo com Andressa o conteúdo de marca está ligado ao posicionamento de uma marca, mas dependendo do seu formato, pode ter um cunho de entretenimento. Ela acredita que podem ser uma forma de entreter junto a jornalismo, porém nem todo branded content está relacionado ao entretenimento, assim como a um veículo. Basílio considera que notícias e reportagens voltadas para o interesse público são extremamente importantes para a democracia e prática da profissão. Ele enxerga o entretenimento como parte do jornalismo, mas salienta que o mesmo não pode se resumir somente a isso, e nem somente a conteúdos pagos. O pesquisador acredita que é possível atrelar o entretenimento ao interesse público, ao informar assuntos relevantes que também possam divertir, mas salienta que os conteúdos de marca são apenas uma forma de sustentar o jornalismo. Já para Marcia, o entretenimento não é um papel do jornalismo. Segundo a pesquisadora, no jornalismo contemporâneo esta função não está mais atrelada a profissão. Ela acredita que a produção de conteúdos encomendados pela área de marketing não são uma atribuição do jornalismo e defende que, embora este dependa de tal prática para sobreviver, jamais poderá ser visto como uma finalidade jornalística. BRANDED CONTENT NA PRÁTICA Além da entrevista estruturada realizada por email com os participantes descritos anteriormente, esta pesquisa procurou trazer a opinião de jornalistas que trabalham com branded content na Revista Donna. Inicialmente, a pesquisadora deste estudo fez contato com a Patrícia Rocha, editora chefe e com a Bárbara Zamberlan, jornalista responsável pelos conteúdos de marca e estratégia digital da revista. As perguntas foram planejadas na mesma disposição dos blocos de oposição, porém com foco na prática e aplicabilidade desta estratégia de marketing que disputa espaços comuns com o jornalismo, através do branded content na Revista Donna. Após envio do questionário, Patrícia retornou com as respostas de apenas seis perguntas por email, pois em conversa telefônica, ela esclareceu que não se envolve com conteúdos de marca e que a jornalista Bárbara Zamberlan, que estava de férias, é quem está à frente das produções de conteúdos de marca. Até a finalização deste estudo, a pesquisadora não conseguiu contato com a mesma, e optou por centralizar apenas nos esclarecimentos da editora chefe. Na ausência da responsável pelos conteúdos de marca, a jornalista Pâmela Zottis, que eventualmente trabalha com branded content, também foi
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contatada pela pesquisadora, porém a mesma também preferiu direcionar as perguntas para Bárbara. Por telefone, a editora chefe Patrícia Rocha explicou que por questões éticas e de credibilidade, a redação da Revista Donna se resguarda para não se envolver com os conteúdos de marca. Questionada sobre a participação de jornalistas na produção destes temas, como a própria Bárbara que cria a maior parte dos mesmos, ela comenta que dependendo do tema do branded content, podem ser abertas exceções. Ela citou como exemplo uma matéria realizada pela jornalista Thamires Tancredi, que na oportunidade produziu conteúdo de marca, a partir de uma notícia – a inauguração da loja Ashua em Porto Alegre, marca das Lojas Renner. A Ashua comercializa roupas plus size e como a jornalista é colunista do blog “Um Plus a Mais” que trabalha diretamente com este público, foi aberta uma exceção, pois o tema é familiar ao propósito da sua coluna. Patrícia reitera que esse tipo de situação acontece eventualmente, desde que não comprometa a liberdade editorial do jornalista em questão. Já sobre a atuação da jornalista Bárbara Zamberlan na produção de branded content, ela esclarece que na Revista Donna existe um setor separado da redação que trabalha exclusivamente com esta estratégia. O núcleo de negócios, como é denominado, é de responsabilidade da Bárbara, que desenvolve conteúdos para marcas que utilizam tags como “Donna Brands” e “Donna Trends”. Patrícia explica que embora Bárbara seja jornalista e evidencie isso no perfil da sua coluna, por ela trabalhar com conteúdos de marca, acabou se afastando da área editorial para garantir que questões éticas não fossem abaladas diante desta prática. Portanto, optou-se por dividir o que é produto jornalístico do publicitário – ou seja, redação e área de negócios. Sobre a relação de jornalismo e marketing na Revista, Patrícia afirma que ambas as áreas se aproximam, em suas palavras “há uma vizinhança” entre elas. Porém no Grupo RBS, o uso de branded content não é de responsabilidade da redação. Embora a Revista Donna se preocupe em sinalizar os conteúdos publicitários, algo que para Andressa e Basílio é extremamente importante para evidenciar a transparência com o leitor, nota-se que mesmo não sendo papel dos colunistas da Revista, em alguns momentos, esta estratégia é disposta de uma forma que pode se confundir com conteúdo jornalístico, já que a maioria dela são produzidas por jornalistas, como no caso da Bárbara Zamberlan e da Pâmela Zottis. A editora chefe, ao ser questionada sobre a linguagem e formato dos conteúdos, que se aproximam do jornalismo, afirma que por Bárbara ser formada em jornalismo, obviamente utiliza em suas produções, recursos jornalísticos como técnicas de entrevista e de texto para a produção de conteúdos de marca. Mas ela ressalta, que há um cuidado com a diagramação para que possa ser distinguida como conteúdos de marca, para garantir a credibilidade da Revista Donna.
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CONCLUSÃO Para a conclusão dessa pesquisa é importante retomar quais os motivos que permearam esta construção. Em um cenário de transformações tecnológicas, o jornalismo adaptado às diversas plataformas tem buscado estreitar relações com o marketing, modificando suas práticas diante dos preceitos normativos da profissão. Portanto, esse estudo procura entender de que posições o jornalismo está em relação a interesses públicos e mercadológicos e se esta prática fere os princípios que norteiam a profissão. Para isso, observa-se que o jornalismo possui diversas funções, mas a principal delas está ligada ao interesse público diante do que é noticiado e veiculado, conforme Filho (2004). É papel do jornalista prestar serviço à sociedade ao transmitir informação de qualidade tanto em temas de relevância social quanto de entretenimento. Portanto, a prática deve estar atrelada à ética, segundo Lage (2014) e ao compromisso com a verdade de acordo com Reginato (2016). Atualmente, o consumidor cada vez mais exigente busca conteúdos relevantes, e o branded content, como visto anteriormente, pode ser um meio para isso, através de informação atrelada a marcas. Neste sentido, algumas iniciativas do jornalismo têm aberto espaço para que estratégias de marketing façam parte da produção editorial e publicação de conteúdo sobre marcas para determinados públicos. Em suma, esta pesquisa procurou revelar como se dá na prática e como deve ser entendida a relação do jornalismo e do marketing, utilizando como objeto empírico a Revista Donna. Foram entrevistados dois pesquisadores, Basílio Sartor e Marcia Benetti para verificar o que percebem e como formulam suas críticas sobre esta tendência. Também foram ouvidos profissionais que atuam no ramo, para capturar a dimensão da factibilidade, Patrícia Rocha, editora chefe da Revista Donna e Andressa Griffante, jornalista e gestora da Agência RSBloggers. É possível concluir com base nas entrevistas que este tema é bastante controverso. Embora o jornalismo necessite das práticas comerciais atreladas à publicidade e ao marketing, tal exercício sem a separação tradicional de espaço pode ferir frontalmente os princípios éticos que permeiam a profissão, conforme Marshall (2003). Diante desse impasse, cabe a questão problematizadora da pesquisa: isso é uma tendência praticável e viável diante do interesse público? É compreensível que diante de questões econômicas o jornalismo tem se curvado à ética do capital, algo que prejudica suas referências ao disputar espaços comuns com a publicidade e interesses mercadológicos. Entretanto, esta nova atribuição diante de um contexto novo para a profissão, como o jornalismo de marca (brand journalism), merece ser mais investigada e estudada a fim de compreender se esta prática tem condições de permanecer em atividade. Ao mesmo tempo em que percebe-se a valorização por teóricos e profissionais de alguns princípios básicos como o interesse público, a objetividade, a credibilidade e a verdade, também é evidente que
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os experimentos para associar estratégias mercadológicas e publicitárias parecem lograr interesse do público e alternativa de financiamento da atividade jornalística. É importante verificar em pesquisas futuras se a remuneração que viabiliza a prática no curto prazo não acaba por ferir a credibilidade do veículo, este sim, o grande ativo de qualquer empresa de comunicação. O jornalismo está autorizado pela sociedade a narrar o mundo. Se fizer propaganda pode ter esse compromisso rompido? São muitas as questões que esta abordagem ainda suscita e que as inferências foram capazes de apontar como um dos temas mais relevantes especialmente em um período de profundas transformações. REFERÊNCIAS ADNEWS, Redação. A migração do jornalista para a produção de branded content. 2/05/2016. Disponível em: <https://adnews.com.br/midia/a-migracaodo- jornalista-para-a-producao-de-branded-content/> Acesso em: 31 out. de 2018. AGUIAR, Leonel Azevedo de. Entretenimento: valor-notícia fundamental. Disponível em:<https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/ view/1984- 6924.2008v5n1p13> Acesso em: 10 out. 2018. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, LDA, 2009. BENETTI, Marcia. Jornalismo e perspectivas de enunciação: uma abordagem metodológica. Intexto. Porto Alegre, UFRGS, v. 1, n. 14, 1-11, Jan-Jun, 2006. BERTRAND, Claude Jean. Deontologia das Mídias. Edusc, Bauru. 1999. BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. BUENO, Wilson. Do publieditorial ao jornalismo patrocinado: os desvios éticos da comunicação de marca no Brasil. Disponível em: http://ebooks.pucrs. br/edipucrs/acessolivre/anais/abrapcorp/assets/edicoes/2017/arq uivos/49. pdf> Acesso em: 20 out. 2018. CHAPARRO, Carlos. Marketing, Jornalismo e Sociedade – um acordo possível. Disponível em: <http://oxisdaquestao.provisorio.ws/wpcontent/ uploads/2016/03/2012_7_31_14_39_18_43153.pdf> Acesso em: 15 out. 2018. COLLOR, Natalia. Branded content: uma nova área no jornalismo. 14/03/2017. Disponível em: <http://mescla.cc/2017/03/14/branded-content-uma-nova-areano- jornalismo/> Acesso em: 06 out. 2018. DIEL, Ana Louíse. BRANDED CONTENT: A RELAÇÃO – POSSÍVEL – ENTRE O JORNALISMO E O MARKETING. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, 2016. Disponível em: <http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/ bitstream/handle/123456789/4137/Ana%20Louise%20Diel.pdf?sequence=1> Acesso em: 20 out. 2018. FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2012. FILHO, Adelmo Genro. Sobre a necessidade de uma teoria do Jornalismo. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/ viewFile/2233/1845> Acesso em: 10 out. 2018.
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Capítulo 4
JORNALISMO CIENTÍFICO: OS CRITÉRIOS PARA A TRADUÇÃO DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS Lucas Lobato Marsiglia Valéria Deluca Soares
A ciência tem como objetivo a investigação e a elaboração de teorias que possam descrever fenômenos e serem comprovadas por experimentos a partir do que é conhecido como método científico. No decorrer do processo de investigação, os pesquisadores colhem indícios de acordo com o tema que se propõem a estudar. Caso a soma destes indícios esteja de acordo com o objetivo final, tem-se uma pesquisa científica pronta para ser publicada. Considerando a relevância de pesquisas científicas, não somente para os acadêmicos e pesquisadores, mas também para a sociedade em geral, estes estudos devem ser também publicados nos veículos de comunicação de massa, a fim de que a sociedade tome conhecimento do tema estudado. O papel do jornalismo é de apurar e informar a população e no caso de uma descoberta científica que influencie a vida das pessoas, esta missão é de grande relevância. Logo, torna-se necessário que o jornalista traduza a publicação científica, a fim de que se torne compreensível ao público em geral, transformando termos técnicos em linguagem acessível a todos. Os termos utilizados para a elaboração de um artigo científico são técnicos, referentes à área específica em que atua o pesquisador. Se a pesquisa elaborada for de uma nova descoberta no campo da física, utilizar-se-ão termos que se apliquem a profissionais e acadêmicos daquela área em específico. Contudo, descobertas científicas são de interesse da sociedade. Assim, o presente estudo tem como objetivo verificar os critérios que jornalistas que atuam na área da divulgação científica, utilizam para transformar uma publicação científica com seus termos técnicos e especificidades, em um texto de fácil compreensão por parte do público leigo. A compreensão de que a ciência e o jornalismo caminham juntos visando à evolução e à conscientização da sociedade foi um dos motivos pelos quais a presente pesquisa foi proposta. As descobertas no campo das diferentes ciências influenciam diretamente na vida das pessoas. Questões que envolvem saúde, prevenção, descobertas que estimulam o conhecimento, exemplificam a relevância destes estudos para a sociedade.
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Acredita-se que a divulgação de conteúdo referente à uma publicação científica está a cargo de jornalistas que devem buscar uma compreensão do tema, a fim de que consigam uma eficiente tradução para o público leigo. Ambas as áreas, ciência e jornalismo, devem cooperar e manter-se em sincronia, para que, juntas, somem seus esforços e intenções e consigam, da melhor maneira possível, atingir e cooperar com a vida das pessoas. Com a tecnologia que desponta nos tempos atuais, vê-se grandes descobertas realizadas pela ciência virem à tona. A presente pesquisa ganha peso, ao considerar a responsabilidade que é transmitir de maneira acessível as informações de publicações científicas, que, devido ao avanço tecnológico, acontecem com maior frequência e precisão do que em outras épocas. Cabe então, salientar que o papel social do jornalismo está intimamente ligado ao papel social que a ciência exerce. A importância destas duas áreas do conhecimento para a sociedade é de valor intangível. Como uma engrenagem funcionando em perfeita sintonia, os trabalhos criam importante resultado para o coletivo. De nada adianta descobertas como as referidas, se elas não forem compreensíveis e não chegarem até a vida do público em geral. Somente o impacto gerado pelo trabalho de cientistas e a atuação de jornalistas, em divulgar tais questões, pode criar uma mudança positiva para o coletivo, no que se refere à área que o presente estudo se propõe a contemplar. A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E O JORNALISMO CIENTÍFICO
O trabalho científico atinge a sua finalidade a partir de sua publicação (OLIVEIRA FILHO et al., 2007). Tomando como referência Pereira Junior (2007), uma publicação científica se resume ao ato de trazer a público a metodologia e o resultado de uma pesquisa. Se a pesquisa realizada deu o enfoque para algo relevante à sociedade, espera-se que a mesma a partir de seus grupos e representantes, interesse-se pelos resultados, como também pelas possibilidades de utilizar os ganhos obtidos na resolução de problemas do coletivo. A publicação, assim, é a etapa final de uma pesquisa, é a contribuição social do autor (TRZESNIACK, 2009). Bueno (1984) salienta que a atuação da divulgação científica tem como objetivo alcançar um grande número do público em geral com o discurso científico, realizando uma comunicação de massa. Para isso, há diferentes modalidades e formatos: jornalismo científico, livros didáticos, campanhas educativas, documentários, entre outros. Na visão de Colombo e Levy (2012), as modalidades referidas por Bueno (1984) devem apresentar um discurso marcado por neutralidade e objetividade, salientado o que o emissor propagou como ciência. Para as autoras, esta é uma forma de demonstrar propriedade em relação às informações decodificadas. Em relação ao texto, tanto pode ser formulado a partir da linguagem jornalística, como didática, o que é relevante neste caso, é onde o mesmo será publicado. Elas explicam que este texto deve ser feito com imediatismo, conotando um
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aspecto do jargão jornalístico conhecido como dead line (prazo final de entrega dos textos ao editor para publicação). Também deve conter terminologias (analogias, metáforas) que busquem a facilitação do entendimento por parte do público, do que a ciência faz. Por sua vez, Veras Junior (2005) observa que a divulgação e jornalismo científico são polos distintos. Alvares (2008, p. 71) ratifica que a divulgação tem como objetivo a propagação de informação científica, podendo ser feita por cientistas e pesquisadores acadêmicos, mas que não, necessariamente, necessitam possuir formação em comunicação social. Já no jornalismo científico, sim, é obrigatório ter graduação acadêmica na esfera jornalística. Evidenciadas as conceituações possíveis sobre divulgação científica, neste ponto se torna necessário apresentar uma compreensão acerca do jornalismo científico no grupo das iniciativas divulgadoras da ciência. Entende-se por jornalismo científico, conforme Bertolli (2006), um produto elaborado por um veículo de mídia que se pauta nas diretrizes rotineiras do jornalismo tradicional, tais como: contato com as fontes, apuração e checagem de informação e elaboração de texto noticioso, com o uso de um vocabulário de compreensão acessível a todos os públicos. Entende-se que, em se tratando de jornalismo científico, são apresentados temas específicos e complexos referentes à ciência e à tecnologia. No âmbito linguístico, busca-se uma estruturação que torne natural e compreensível o texto noticioso para o público leigo. Todavia, cabe lembrar Chaparro (1999) em entrevista concedida ao portal Comunique-se1, ao afirmar que o jornalismo não é ciência, muito menos jornalismo científico. Argumenta, ainda, que a função do jornalista não contempla a produção de conhecimento, mas, sim, a sua socialização e pondera que “não cabe ao jornalismo venerar a ciência’’. Pena (2005), por sua vez, salienta que, sim, existe jornalismo científico. Para ele, é um meio que tem como principal finalidade a popularização da ciência, bem como também pode ser utilizado como ferramenta de educação na sociedade. Considera que os veículos de mídia e seus aparatos tecnológicos acabam por se tornarem responsáveis pela divulgação de informações de conhecimento para o coletivo. Para Colombo e Levy (2012), é consenso entre a sociedade que os veículos de mídia possuem ‘autorização’ para tal, dada a sua responsabilidade ética e moral para comunicar. Destacam que educadores utilizam trechos de matérias e reportagens divulgadas por veículos de mídia em suas provas e mesmo salas de aula, para discorrer sobre temas como cidadania. Isto, certamente, ocorre devido à referida responsabilidade ética e moral que os jornalistas destes veículos têm para com a informação e a sociedade. Nesta linha, Veras Júnior (2005, p. 45) considera que “a expressão jornalismo científico é geralmente designada aos profissionais da informação (repórteres e editores) que trabalham em veículos especializados”. 1 Disponível em: www.reescrita.jor.br. Acesso em: 02.05.19
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Em complemento, Bueno (2008), em entrevista ao Portal do Jornalismo Científico On-Line2, coloca que os profissionais do jornalismo têm por dever a divulgação da ciência para toda a população: “o jornalismo científico diz respeito à divulgação da ciência e tecnologia pelos meios de comunicação de massa, de acordo com os critérios e o sistema de produção jornalístico”. Bertolli Filho (2006), então, compreende o jornalismo científico com as mesmas características que são configuram o dia-dia do jornalismo propriamente dito. Logo, atua em todas as etapas de elaboração de uma reportagem, na elaboração da pauta e inclusive no processo de gatekeeping (profissionais que atuam como ‘porteiros’ na permissão ou não para uma notícia ser publicada por um veículo de mídia). Assim, Bueno (apud CALADO, 2006) pensa o jornalismo científico como dependente de características que especificam o jornalismo em geral, sendo elas: periodicidade, atualidade e difusão coletiva. Para Colombo e Levy (2012), sendo o jornalismo uma atividade profissional, modalidade de discurso e forma de produção, este apresenta propriedades e gêneros próprios. Torna-se necessário, então, para Bertolli (2006), a compreensão da relação que ocorre entre o jornalista de ciência e a linguagem, pois, para o autor, são comuns as análises que colocam o jornalista como aquele profissional que faz a mediação entre o material produzido pela ciência e o público leigo no assunto. Aponta o quão frequentes são os autores que colocam os comunicadores sociais como sendo autores de um trabalho com as palavras que é denominado por ‘tradução inter linguística’ PEREIRA (2002 apud BERTOLLI, 2006, p. 4) Tendo o jornalista científico comumente direcionado o seu foco a contextualizar os textos a fim de atingir o chamado ‘leitor comum’, surgem questionamentos. Neste ponto, PRATTICO (2003 apud BERTOLLI, 2006, p. 04) indaga se o profissional atuante na área específica de jornalismo científico seria somente um ‘tradutor’ do discurso produzido pela ciência para um vocabulário compreensível ao cidadão leigo. Neste sentido, Bertolli (2006) traz à discussão a linguista Lilian Zamboni, que contesta a afirmação acima proferida. Para a autora, o discurso elaborado em divulgação científica não se caracteriza como ‘um discurso da ciência degradado’, mas tem a qualidade de um gênero textual autônomo, sendo este discernido do texto de onde é originário, e completa ao defender que “o discurso de divulgação científica constitui um gênero de discurso científico, resultado de um efetivo trabalho de formulação discursiva, no qual se revela uma ação comunicativa que parte de um ‘outro’ discurso e se dirige para ‘outro’ destinatário. (ZAMBONI, 2001, p.17 apud BERTOLLI, 2006, p. 04) Um ponto interessante que Bertolli (2006) destaca é que os jornalistas ao trazerem a público os acontecimentos da ciência, utilizam-se de algumas estratégias que são permitidas pela linguagem, mas abominadas pelos cientistas. Estas são as comumente usadas metáforas e analogias. É comum, segundo o autor, que ao tomar conhecimento do texto redigido pelo jornalista a fim de 2 Disponível em: http://paralelas.wordpress.com Acesso em: 02.05.19
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informar o público comum, o cientista afirmar que ‘não declarou’ o que é visto na imprensa como sendo parte de seu depoimento. Além do que, para o cientista, pontua o autor, o uso de analogias e metáforas toma um caminho perigoso, pois pode sugerir erros e simplificações interpretativas das ideias originais. Neste sentido, o resultado deporia contra o cientista que forneceu a informação e a equipe de pesquisadores do qual o mesmo faz parte. Bertolli (2006) adentra no campo da defesa a um jornalismo interpretativo como elemento fundamental para um jornalismo científico consequente. Aponta que isto tem intensificado uma relação conflituosa entre divulgadores da ciência e os donos de veículos de mídia, que, segundo o autor, estão inebriados pela ‘ideologia neoliberal’. Neste contexto, propõe a pergunta de caráter fundamental para o esclarecimento da mesma: afinal, para que serve o jornalismo científico? Bertolli (2006) acredita que a lógica para guiar a publicação de material científico deve ser fundamentada em quatro parâmetros básicos: 1 - Utilidade: o conteúdo proposto – conhecimentos ou técnicos – irá aumentar significativamente as perspectivas de emprego a longo prazo do aluno que completou o ensino secundário? Será útil na tomada de decisões pessoais?
2. Responsabilidade social: o conteúdo proposto terá probabilidades de ajudar os cidadãos a participarem de forma inteligente na tomada de decisões sociais e políticas em matérias que envolvem a ciência e a tecnologia? 3. Valor intrínseco do conhecimento: o conteúdo proposto apresentará aspectos da ciência, matemática e tecnologia que sejam tão importantes na história humana ou tão universais na nossa cultura que uma educação geral ficaria incompleta sem eles?
4. Valor filosófico: o conteúdo proposto contribuirá para a capacidade das pessoas de ponderarem as questões relativas ao significado da humanidade, como a da vida e da morte, da percepção e da realidade, do bem individual contra o bem-estar coletivo, da certeza e da dúvida?
Por fim, Bertolli (2006) destaca que existem outros profissionais comprometidos com a prática de um jornalismo analítico, não se restringindo única e exclusivamente a traduzir termos técnicos de cientistas, têm buscado propor uma visão crítica. Estes, segundo o autor, visam produzir e compartilhar conhecimento de áreas de políticas públicas e reais necessidades sociais. NEWSMAKING E A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
No fazer jornalístico, o jornalista não atua sozinho e nem para si, pois no entorno de um jornalista, na construção de uma notícia atuam diferentes e contraditórias forças (MORAES JÚNIOR; ANTONIOLI, 2016). A qualidade do que o jornalista faz somente tem sentido quando há sintonia com o compromisso público. Em se tratando de teorias do jornalismo, uma que pode instruir o caminho para o fazer jornalístico é a Newsmaking.
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Na Hipótese do Newsmaking, a elaborações da pauta, a seleção de fontes, o trabalho de apuração, redação e circulação de uma notícia são elementos preponderantes na operação de produção informativa. Além de uma forma de construção da notícia, o Newsmaking é, antes de tudo, a constituição de uma abordagem teórica consistente sobre a profissão, abrangendo preocupações com a rotina do jornalismo. Portanto, pode-se dizer que é um olhar que, ao buscar pontos importantes da produção da informação jornalística, termina por formar uma ideia sobre o perfil do profissional. (MORAES JUNIOR; ANTONIOLI 2016) Neste sentido, Tuchman (1983) pondera que a notícia constrói uma representação da realidade social. Faz-se importante ressaltar o desenvolvimento da Hipótese Newsmaking como combate aos pressupostos da teoria do espelho. Esta (teoria do espelho) oferece a compreensão de que jornalistas são agentes descomprometidos, que não oferecem interferências no curso normal dos acontecimentos e somente transmitem a realidade. O combate aos pressupostos da teoria do espelho ainda hoje causa grandes discussões entre as alas mais conservadoras do jornalismo.
Um dos argumentos mais utilizados pelos adeptos da Newsmaking é que não existe uma linguagem neutra e ao dar vida textual a um acontecimento, o jornalista mesmo inconscientemente, deixa marcas de sua subjetividade no processo de mediação, que pressupõe a existência de uma construção discursiva (ARAÚJO, 2011). Outro ponto a ser apresentado é que a Newsmaking revela a importância da cultura profissional dos jornalistas, de uma organização de trabalho e de processos produtivos. É dentre um gigantesco número de acontecimentos que ocorre dia a dia da sociedade que os órgãos de informação filtram o que é válido de ser noticiado (FERNANDES, 2011). Assim, “entre um número imprevisível e indefinido de fato, um órgão de informação acaba por selecionar uma quantidade finita e estável de notícias” (WOLF, 1995, p. 190).
Para Sá Martino (2009), as escolhas feitas pelo jornalista no ato de escrever uma notícia irão em uma certa escala, alterar a forma como o leitor irá compreendê-la. Para este leitor, o entendimento da notícia está relacionado à forma como ela é apresentada a ele, bem como à informação acerca do assunto tratado foi anteriormente organizada. Neste sentido, há uma discrepância, conforme o autor, entre uma quantidade infindável de eventos reais e o limite de um jornal ou de uma revista. Continuando em Sá Martino (2009), o autor destaca que o jornalista aplica o filtro da realidade a partir do seu olhar, treinado na prática, para formular a conclusão do que deve ser utilizado e do que deve ser descartado. A atitude acima referida é comum em veículos de comunicação e não conota qualquer tipo de manipulação ou de distorção previamente pensada dos acontecimentos. Selecionando os fatos, a mídia os dá um significado renovado, na medida em que um evento é recontextualizado e convertido em uma nova versão do fato em si. O autor pontua que os profissionais da comunicação nem sempre estão cientes deste processo. Inúmeros estudos demonstram que existe uma tendência
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destes profissionais de diminuir a importância destas filtragens, racionalizandoas como completamente óbvias e inevitáveis. Não reconhecer os aspectos arbitrários que levam os profissionais a fazerem as escolhas, enfatiza a hipótese de que os padrões de conhecimento que o profissional utiliza ao realizar as filtragens entre os fatos são invisíveis para ela mesma, mas aparecem como um mecanismo ‘natural’. Devido à quantidade imensa de informação, os veículos de comunicação perceberam a necessidade de elaborar um conjunto criterioso de classificações, a fim de filtrar a quantidade de informação (FERNANDES, 2011). As exigências na seleção e elaboração de uma notícia se baseiam em três normas (WOLF, 1995): transformar um acontecimento desconhecido em um acontecimento notável e reconhecido por todos; relatar os acontecimentos de forma a demonstrar que foram tratados de forma natural, sem nenhum tipo de pressão e ou influência; e organizar a informação no tempo e no espaço, com o intuito de que a mesma seja trabalhada e planificada, permitindo que os acontecimentos noticiáveis fluam. Para Wolf (1987, p. 179), “o produtor é visto como um Middle Man (Homem Central), obrigado a movimentar-se entre negociações constantes quer com o staff (corpo administrativo) quer com o network (redes de contato), para conseguir um produto aceitável para todos”. Em se tratando de ser uma peça do mosaico de construção social, Traquina (2005, p. 180) lembra que a notícia é o “resultado de um processo de produção definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias)”. Sá Martino (2009, p. 09) considera a visão de White acerca da descrição de um gatekeeper dentro da redação de um veículo de mídia. Para o autor, o gatekeeper é descrito como um homem de 40 anos, com 25 de profissão. O autor enfatiza que o conjunto de experiências governa suas ações, indicando a incumbência de que o gatekeeper possua um conhecimento prático prévio para a definição das notícias. Da totalidade de fatos apurados, somente uma parte irá se tornar texto noticioso, sendo o resto dispensado com o rótulo de ‘irrelevante’ na decorrência do processo editorial. Para Shoemaker e Vos (2011, p. 14), os gatekeepers, na sua atuação, determinam o que irá se tornar a realidade social de uma pessoa, colocando para elas a sua forma particular de perceber o mundo. Segundo Bagdikian (1983, p. 226), “o poder de controlar o fluxo de informação é uma peça majoritária no controle da sociedade. Dar aos cidadãos a oportunidade de escolher entre ideias e informações é tão importante quanto lhes dar a oportunidade de escolha política”. Hardt (1997, p. 22) concorda ao afirmar que “o controle da mídia sobre a disseminação pode indicar o controle sobre a mente da sociedade”. Neste sentido, Shoemaker e Vos (2011, p. 14) compreendem que o processo do gatekeeping é determinante na forma como as pessoas constroem as suas vidas e o mundo ao seu redor, concluindo, que o gatekeeper tem consequências na realidade social de todas as pessoas. Dentre os efeitos mais visíveis na audiência, está o cognitivo – moldar a compreensão das pessoas sobre o modo de funcionamento do mundo – o que alguns chamam de “mapa
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cognitivo” (RANNEY, 1983). A informação que ultrapassa os portões com o consentimento dos gatekeepers pode se tornar parte integrante da realidade social das pessoas. Já o contrário não ocorre com as informações que são ‘barradas’ nos portões pelos gatekeepers. Os autores sustentam que o aspecto mais importante em se tratando de gatekeeping é de que assuntos e eventos não cobertos pelas mídias estejam excluídos das percepções de mundo, da audiência. O público não tem como conhecer o que a mídia não lhes apresenta ao menos que o evento seja experienciado diretamente. Valores Notícia e Critérios de Noticiabilidade Em se tratando de texto jornalístico, algumas características se apresentam como fundamentais. Para Lima (1960), o que conota as qualidades que são intrínsecas ao jornalismo como gênero é a objetividade, sendo este um traço próprio do estilo jornalístico. Para o autor, o profissional desta área deve tomar cuidado para ser exato no seu estilo, pois, senão, pode distanciar-se do jornalismo e tornar o texto um conto ou uma ficção. Para Pretto (2009), uma consequência da precisão que o jornalista deve demonstrar é a concisão do texto. A autora afirma que a melhor maneira de se ser preciso é ser conciso, utilizando a menor quantidade de palavras, sendo estas as mais adequadas possíveis para o momento. O jornalismo também necessita de ideias que demonstrem clareza, delimitando em um fato objetivo o que se mostra essencial e o que é acidental. De acordo com Sousa (2001), a redação de um texto jornalístico deve prezar sempre pelo seu entendimento. O autor acredita que brevidade e clareza das frases, são características fundamentais como princípio da redação, e comenta: Beltrão (1969) indica cinco qualidades subjetivas que qualificam o jornalismo, sendo elas: clareza, correção, precisão, unidade e harmonia. A clareza conota uma exposição concisa, objetiva e simples dos fatos. Cabe uma correção, a sabedoria das normas gramaticais, a precisão, a colocação da quantidade exata de palavras, a unidade na ordem das ideias, identificando-as em ideia principal e secundária. E a harmonia, que se caracteriza por manter o ritmo próprio de cada gênero. Beltrão (1969) segue ressaltando que a redação jornalística deve procurar ter períodos simples e curtos, iniciar a partir de uma frase decisiva, deve-se evitar o uso de palavras exóticas e técnicas. De acordo com as características, a redação jornalística preza principalmente pela clareza. Amaral (1978) salienta que o estilo de texto jornalístico se define por ser claro, direto, conciso, fácil e acessível a qualquer leitor. Sendo o objetivo do jornalista escrever um bom texto, o autor conclui que este deve usar frases breves, palavras curtas, vocábulo usual, estilo direto (ordem direta das frases – sujeito, verbo e complementos) além de adjetivos adequados e verbos vigorosos, de ação, sempre na forma ativa e deve-se evitar ser negativo. Nesta linha, Baroni, Rosa, Mansur e Bacelar (2013) ressaltam que o jornalista deve ater-se que o gênero notícia é a qualidade de relatar um fato,
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e que esta qualidade tem que obedecer a um padrão definido, sendo este: clareza, concisão e isenção de opiniões de cunho pessoal. Os autores ainda esclarecem que a notícia precisa ter uma linguagem direta e simples e que a mesma pode ser traduzida como o ato de transmitir uma informação que seja um fato atual e real, além do que, o fato a este fato precisa ser relevante. Entre os textos jornalísticos, a notícia cumpre papel que, para Lustosa (1996, p.17) “é a técnica de relatar um fato” ou, “é o relato do fato, não o fato”. Para Baroni, Rosa, Mansur e Bacelar (2013), entretanto, o relato deve também possuir uma abordagem característica e descrição de fatos que emocionem e instiguem o interesse de quem lê. Em sintonia, Lage (1999, p. 30) constata que “a notícia só é notícia se trouxer informação. Do contrário, ela é um relato do nada”. Baroni, Rosa, Mansur e Bacelar (2013) complementam ao dizer que a informação produzida é convertida em notícia a partir de técnicas de jornalismo e redação jornalística. Os autores comentam que tal situação ocorre na própria redação do jornal, sendo conduzida por uma estrutura característica do gênero além de levar em consideração expressões sócio-históricas e culturais, as quais fazem parte da esfera deste gênero. Para Epstein (2007), usualmente, a definição de notícia é composta por atributos como: atualidade, proximidade, consequência (eventos que mudam ou podem mudar a vida das pessoas), interesse humano, conflitualidade (o choque de interesses, na guerra, no esporte, na política) e a relevância dos atores envolvidos. Neste sentido, os valores notícia são derivados de algumas regras práticas que incluem uma coletânea de aprendizados profissionais, que, implícita e explicitamente, muitas vezes, norteiam os processos de trabalho nas redações. Na seleção do material, os valores notícia devem permitir que esta seja realizada de maneira atenta e consistente. São características de conteúdo, segundo Wolf (1990): grau e nível hierárquico dos indivíduos implicados no evento noticiável; impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional; quantidade de pessoas envolvidas no evento (de fato ou potencialmente); e importância e significação do evento com respeito à evolução futura de uma determinada situação. Os temas apresentados pela mídia configuram um campo que determina uma presença e, consequentemente, uma ausência na realidade social. Para Silva, Santos, Andrade, Rodrigues e Lima (2017), os estudos alusivos a valores notícia ocasionam mudanças reais e concretas, gerando novas formas de escolher, definir, conceituar, construir e editar os fatos e acontecimentos no jornalismo atual. Novos enfoques e abordagens são assim, integrados através da produção jornalística à construção da realidade social. De acordo com Jorge (2006), ao citar Wolf (2003), destaca a importância e o interesse acerca da notícia como os principais valores-notícia. O que importa em um fato está ligado a quatro valores: grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável; impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional; quantidade de pessoas que o acontecimento (de fato ou potencialmente) envolve; e a relevância e significância do acontecimento em relação aos desenvolvimentos futuros de uma determinada situação.
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Por outro lado, o interesse estaria relacionado a decisões subjetivas, como, por exemplo, a formação da imagem com que o jornalista vê o público e a capacidade de oferecer a este material valioso para leitura. É nesta categoria que é inserido por Wolf (apud JORGE, 2006) o interesse humano, valor-notícia reverenciado desde o início da profissão A partir do exposto, para Silva (2005), é no decorrer do processo da extensa cadeia produtiva de uma notícia que se deve investigar a rede de critérios de noticiabilidade, percebendo noticiabilidade como qualquer variável que de alguma forma possa atuar no decorrer do processo de produção da notícia. Entre estas, pode-se citar: características do fato, condições favorecedoras ou limitantes de uma empresa de mídia, julgamentos pessoais do jornalista, qualidade do material (imagem e texto), fatores éticos, relação com a fonte e com o público e, por fim, circunstâncias políticas, históricas, sociais e econômicas. Em meio à agitação da sociedade contemporânea, para Rossignolli, Assêncio e Cordenonsi (2013), os cidadãos não tem o hábito de lembrar de sua finitude. Neste sentido, a morte, por exemplo, sempre será um critério de noticiabilidade relevante, tornando-se um acontecimento de interesse público. Sendo enfático em relação a este valor-notícia, Traquina (2005, p.79), afirma: “Onde há morte, há jornalistas”. Em se tratando do critério de notoriedade, Rossignolli, Assêncio e Cordenonsi (2013) concluem que o mesmo somente possui vínculo com o interesse público caso a pessoa citada tenha as seguintes aptidões: emprego público, prestamento de serviços à sociedade ou grande influência social e/ou econômica. Neste conceito, enquadram-se notícias que se referem a chefes de estado e também, chefes de grandes companhias e grupos empresariais, os quais, suas ações podem repercutir na vida de um vasto número de pessoas. Traquina (2005, p. 79) exemplifica este valor-notícia: “É fácil visualizar este valor-notícia ao ver a cobertura de um congresso partidário e a forma como os membros da tribo jornalística andam atrás das celebridades políticas”. A proximidade ao fato também é citada por Traquina (2005, p. 80) como “o valor notícia fundamental da cultura jornalística”. Fontuberta (apud FERNANDES, 2012, p. 06) completa que “a proximidade é um dos fatores mais poderosos na hora de eleger uma notícia”, entretanto adverte que essa proximidade não deve ser entendida apenas como geográfica, mas também como “social e inclusive psicológica”. Seguindo em Traquina (2005, p. 81), outro critério evidenciado pelo mesmo é o critério de tempo. Este, segundo o autor, pode ser utilizado em esferas diferentes. A perspectiva inicial é quando é dado enfoque em uma notícia devido a sua atualidade. A segunda é já tendo o fato ocorrido há tempos, este é relembrado devido à sua importância. A terceira perspectiva ocorre no sentido da longevidade da notícia a partir de sua repercussão, aumentando as fronteiras de sua noticiabilidade. O autor observa que a primeira e a última vez em relação a uma notícia é algo que desperta considerável interesse no âmbito jornalístico. Neste caso, aplica-se o conceito de novidade. Contudo, os critérios de tempo
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e novidade serão considerados como sendo somente um, e, por consequente, seus desdobres analisados a partir da unificação dos mesmos. Outro critério que, para Rossignolli, Assêncio e Cordenonsi (2013) vale ser ressalto, refere-se à característica de ser visível, ou seja, a notabilidade. É mais provável que algo que para a audiência seja tangível e de clara visualização, seja considerado e abordado pelos veículos de mídia. A notabilidade é um critério que pode vir a ser utilizado em muitas situações, como por exemplo: acontecimentos que envolvam grande número de pessoas, quando ocorre algo insólito ou, casos de escassez ou excesso. Sendo o conflito, outro valor-notícia relevante na noticiabilidade, Traquina (2002, p. 84) comenta que “a presença da violência física fornece mais noticiabilidade [...] muitas vezes exemplificam a quebra do normal’’. Tanto o conflito quanto a controvérsia podem ser físicas ou meramente simbólicas. O autor considera que, por explanar uma ruptura social, a violência torna-se notícia. As infrações são da mesma forma, consideradas critério substantivo de seleção de notícia, pois, possuem ligação com a violência. Há, segundo Traquina (2004), dois polos opostos no jornalismo, sendo um ideológico e na forma de prestador de serviço público e o outro econômico, com enfoque nos lucros e operações comerciais de grupos jornalísticos. Nesse sentido, quando uma notícia é veiculada de modo a privilegiar os interesses comerciais de uma empresa jornalística, o conteúdo tende a somente atender a curiosidade da audiência, mas não o que de fato, o público necessita saber. Faz-se relevante concluir, contudo, que, para Rossignolli, Assêncio e Cordenonsi (2013, p. 04), “interesse público, portanto está sendo considerado como um conceito macro, pois o jornalismo perpassa esse conceito e assim se legitima, mas não se esgota nele. O interesse público não tem raiz jornalística, é da esfera social”. RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA Neste estudo, de cunho exploratório e abordagem qualitativa, foram aplicados questionários a três entrevistados3, como forma de obtenção de 3 Participaram da pesquisa, os seguintes jornalistas, que atua no segmento do jornalismo científico: Jornalista 1: Jornalista, formado pela UFRGS. Como pesquisador, tem interesse nas áreas de produção de sentidos no discurso jornalístico, identidade, tecnologia e pósmodernidade. Jornalista 2: Professora nos cursos de Comunicação Social da Universidade Feevale (Novo Hamburgo). Graduada em Jornalismo (Feevale). Doutora (2019) e Mestra (2015) em Processos e Manifestações Culturais pela mesma universidade. Mestrado com ênfase em cibercultura e análise do discurso e doutorado com ênfase na crítica genética do processo criativo em manifestações pictóricas. Jornalista 3: Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela PUCRS. Realizou curso de 16 semanas na The Internacional Peoples College (Dinamarca 1996) - Atividades e grupos: Desenvolvimento Sustentável, relacionamento interpessoal, formação integral do ser humano, comunidades tradicionais.
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dados campo. Estes foram encaminhados a jornalistas que atuam na esfera do jornalismo científico, no período de 01 a 14 de maio de 2019. Usa-se como técnica de apresentação, análise e interpretação dos dados a análise de conteúdo, do tipo categorial. Para Bardin (1977), em tal procedimento, o texto por um crivo de classificação e quantificação de acordo com a presença ou com a ausência de itens de sentido. Ela o compara como um método de gavetas ou de rubricas significativas, e estes, permitindo a classificação dos elementos de significação que constituem a mensagem. Ao ponderar que a categorização se constitui como uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto. Estes seguem por diferenciação e, segundo a autora, seguidamente, por reagrupamentos segundo o gênero com os critérios previamente definidos. Seguindo tais recomendações, o conteúdo a ser apresentado e categorizado é aquele coletado com as respostas dos questionários aplicados, analisado à luz do referencial teórico apresentado, para então, obter as respostas desejadas. Então, elenca-se como categorias de análise, os seguintes termos: Critérios de Noticiabilidade; O Texto Jornalístico; e O Papel do Jornalista na Mediação. Categoria 1: Critérios de Noticiabilidade
Em se tratando de critérios de noticiabilidade, o entrevistado 1 afirma que estes, são critérios que dão o Norte ao jornalista a fim de classificar um evento como uma notícia. Ele pondera que tendo o jornal um limite de espaço/ limite de pessoas para cobrir a realidade, nem todo o acontecimento é notícia. Complementa explicando que os critérios de noticiabilidade são aspectos internalizados pelos jornalistas, funcionando como uma bússola que busca organizar a rotina produtiva no jornal. Neste ponto, pode-se citar Fernandes (2011), que postula acerca da importância da cultura profissional dos jornalistas, de uma organização de trabalho e de processos produtivos. É dentre um gigantesco número de acontecimentos que ocorrem no dia a dia da sociedade que os órgãos de informação filtram o que é válido de ser noticiado.
Neste sentido, cita-se Moraes (2016), que recupera a teoria do Newsmaking para postular elementos preponderantes na operação de produção informativa. O autor cita estes elementos como sendo: a elaboração de pauta, seleção de fontes, trabalho de apuração, redação e circulação da notícia. O autor segue ressaltando que além de ser uma forma de construção da notícia, o Newsmaking é, antes de tudo, a constituição de uma abordagem teórica e consistente sobre a profissão que abrange preocupações acerca da rotina de produção do jornalismo. Pode-se, portanto, considera que é um olhar que busca pontos importantes de produção da informação jornalística e termina por traçar uma ideia sobre o perfil de seus profissionais, o que contempla a fala do entrevistado 1. Por sua vez, o jornalista 2 salienta que o “critério de noticiabilidade é aquilo que pode ser noticiável, o que é importante para ser noticiado por este ou aquele veículo. Porém, o que é importante de ser noticiado por exemplo, na
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Globo News, pode não ser em um programa de final de tarde que possua um viés mais apelativo. O critério pode ser o factual”. O entrevistado explica que na área da ciência, configura-se o que é importante ser passado para a população. Ela explica que os cientistas trabalham muito com pares, e este critério tem a ver com a temática da pesquisa. “Por exemplo: Parkinson e Alzheimer possuem alto grau de noticiabilidade pois são doenças que dizem respeito a uma gama muito grande da população”. Neste sentido, toma-se como referência, Tuchman (1983), onde o autor pondera que a notícia constrói uma representação da realidade social. Para a jornalista 3, o critério de noticiabilidade se configura exclusivamente a partir de uma pergunta: “quais as principais características que um fato ou acontecimento precisa ter para ser entendido como uma potencial notícia? Ao responder este questionamento, o jornalista assume o que é noticiável do que não é, a partir de sua experiência”. Entretanto, ele assume que algumas características são marcantes para um acontecimento ser noticiado ao público. Acredita que, fundamentalmente, o impacto que o fato representa na vida das pessoas é algo que deve ser levado em consideração. Também pontua o que este fato significa para o contexto em que estas pessoas estão inseridas. Nesta linha, cita-se Epstein (2007) ao concluir que, usualmente, a definição de notícia é composta por atributos como: atualidade, proximidade, consequência (eventos que mudam ou podem mudar a vida das pessoas), interesse humano, conflitualidade (o choque de interesses, na guerra, no esporte, na política) e a relevância dos atores envolvidos. O jornalista 1, entretanto, pondera que os critérios, como estabelece Traquina (2008), são básicos e de extrema relevância. “Há alguns critérios básicos, como morte, notoriedade do personagem principal, proximidade geográfica ou cultural, relevância, novidade, tempo, notabilidade, inesperado, conflito/ controvérsia e infrações. Tudo isso é levado em conta também na elaboração de matérias de ciência e tecnologia. Eu adicionaria, hoje, outro critério que norteia cada vez mais redações no Brasil e no mundo: a audiência”. De fato, Traquina (2008) elenca como principais critérios de noticiabilidade a morte, a notoriedade, a proximidade, a relevância, o tempo, a notabilidade, o inesperado, o conflito e a infrações. Ele também destaca o critério de proximidade como sendo o valor notícia fundamental da cultura jornalística. O jornalista 1 ainda explica que matérias sobre determinados assuntos rendem mais engajamento do que de outros. Pondera que a análise do desempenho de um tipo de matéria pode nortear o veículo a investir mais em determinado assunto. “Na prática, isso pode incentivar uma editoria de educação a cobrir mais ensino superior, por exemplo, ou a editoria de ciência a produzir mais tutoriais de tecnologia e lançamentos de gadget, por exemplo”. O jornalista 1 destaca que, em temos de crise nos jornais e de muitas demissões, as redações se organizam para produzir reportagens que engajem os leitores a assinar a publicação. Aliado a isso, o jornalista 2 recorda as características que um ponto precisa ter para ser entendido como potencial notícia: questões factuais. Enfatiza que
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estas questões podem estar linkadas ao próprio assunto que é depurado para o factual, como por exemplo, o tema da violência contra a mulher. Neste sentido, ressalta que por ser uma pauta constante, podem gerar grandes quantidades de outras pautas, que vão desde o ponto de vista jurídico ao social. Para o jornalista, cabe prestar atenção no que está acontecendo nas redes sociais, como uma forma de classificar o que pode vir a ser uma notícia. Por fim, complementa explicando que os movimentos sociais tendem a gerar pautas que atendem aos critérios de importância e relevância daquilo que será veiculado. Neste sentido, Rossignolli, Assêncio e Cordenonsi (2013) postulam como critério a notabilidade. Para estes autores, é mais provável que algo que para a audiência seja tangível e de clara visualização, seja considerado e abordado pelos veículos de mídia. Em se tratando da noticiabilidade no campo do jornalismo científico, o jornalista 2 afirma que existe uma falta de conexão considerável, entre o cotidiano das pessoas e o significado daquilo que é veiculado. Considera que a noticiabilidade no jornalismo científico se mostra como um grande desafio. “Os cientistas são muito acostumados a falar para seus pares, em uma linguagem que é muito característica do seu campo especifico de atuação. Cientistas estão acostumados com seus termos. Somente veicular isso como uma notícia sem explicar ao público, se torna um texto ou fala que não são compreendidos”, alerta. O jornalista 2 compreende que é importante que o fato englobe uma grande temática ou uma temática específica. “É importante que a noticiabilidade diga respeito à população, a exemplo do Alzheimer que é uma pauta comum. Outra pauta que eu me envolvi quando estive a frente de uma assessoria de imprensa ligada à ciência, foi a do impacto da violência dos ambientes no cérebro de crianças que estudam em escolas públicas do Sul. É um tema de relevância social que envolve violência, mas que diz respeito somente a esse ponto: o cérebro de crianças que são expostas a violência, como elas aprendem, como o estudo é prejudicado por isso”. Para o entrevistado, pode-se extrair de um grande campo suas nuances ou utilizar uma pesquisa específica sobre uma doença e abrir para outras questões, “como por exemplo, uma descoberta pontual sobre Alzheimer pode se tornar uma pauta, porque o tema Alzheimer é muito importante’’. Tais referências encontram suporte em Epstein (2007), que em um dos critérios de noticiabilidade que pontua, traz a consequência. Explica que tem alta noticiabilidade os eventos que mudam ou tem o potencial de mudar a vida das pessoas. Neste sentido, cabe trazer a luz como forma de corroboração a este pensamento, Wolf (1990). Para este autor, são importantes características de conteúdo: grau e nível hierárquico dos indivíduos implicados no evento que irá ser noticiado, impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional em relação ao fato, a quantidade de pessoas envolvidas no fato (de fato ou potencialmente) e complementando, a significância do evento com respeito à evolução futura de uma determinada situação. Por outro lado, o jornalista 1 considera os critérios de noticiabilidade no jornalismo científico, como os mesmos que incidem sobre outras áreas. Para
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ele, a forma como os critérios são aplicados, sendo estes uma espécie de enquadramento dado pelo jornalista para decidir o que deve ser noticiado, não são específicos de cada campo do jornalismo. Portanto, os critérios de noticiabilidade são os mesmos para o jornalismo científico, político, econômico, esportivo, cultural, internacional etc. Em complemento a ponderação do entrevistado 1, Bueno (2008) salienta que o jornalismo científico trata da divulgação de ciência e tecnologia a partir dos veículos de comunicação de massa, de acordo com os critérios e o sistema de produção jornalístico. Cita-se também, Bertolli (2006) ao considerar que a lógica para guiar a publicação de material científico deve ser fundamentada em quatro parâmetros básicos: utilidade, responsabilidade social, valor intrínseco do conhecimento, valor filosófico. Categoria 2: O Texto Jornalístico No decorrer do processo de tradução de uma publicação científica para uma notícia que venha a ser compreensível ao público leigo, o jornalista científico se utiliza de alguns artifícios. Entre estes, cita-se o uso de metáforas e analogias como forma de fazer uma conexão entre os termos técnicos utilizados por cientistas e a linguagem que possa ser entendida pela audiência que não possui conhecimento técnico em ciência ou tecnologia. Neste sentido, o jornalista 1 afirma que “metáforas e analogias são instrumentos necessários para que o público leigo entenda e retenha o conteúdo da reportagem. Servem como pontes e facilitam a retenção da informação. Por vezes, deixamos detalhes de lado ou usamos palavras que cientistas não gostariam que usássemos. No entanto, há uma espécie de ‘liberdade poética’ ao repórter científico. Se eu usar a palavra “sinapse”, o público leigo não entenderá o que eu digo. Essa estrutura cerebral representa muito mais do que uma breve explicação de que a sinapse é “a conexão entre neurônios”. No entanto, o jornalista faz questão de destacar seu compromisso de informar o público e esforçar-se para que o leitor guarde e, sobretudo, entenda a informação que está relatando. Para ele, isso inclui mergulhar fundo em um fato e trazer apenas o mais importante, em um processo que deixa detalhes de fora. Para um cientista que passou muito tempo investindo energia e foco para um estudo, pondera o jornalista, tudo é importante, não existem detalhes a serem deixados de lado, a descoberta é como se fosse seu filho. “Mas o compromisso do jornalista não é com a fonte, e sim com o público. Portanto, o jornalista de ciência resume a descoberta. Todo resumo é enquadramento, e todo enquadramento deixa algo de fora. O bom jornalista de ciência explicita isso à fonte e a convence de que, se a reportagem retratar muitos detalhes, sem traduzi-los, o público não irá entender”, destaca. O entrevistado 1, sustenta esta posição, que encontra respaldo em Bueno (2008). O autor coloca que os profissionais do jornalismo têm como dever a divulgação da ciência para toda a população. Afirma, ainda, que o jornalismo científico diz respeito à divulgação de ciência e tecnologia, utilizando-se dos
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meios de comunicação de massa e de acordo com os critérios e sistema de produção jornalístico. Bertolli Filho (2006) completa ao postular que compreende o jornalismo científico com as mesmas características que se configuram o diadia do jornalismo propriamente dito. O mesmo autor considera o jornalismo científico como sendo um produto que é elaborado por um veículo tradicional de mídia. Este, pauta-se justamente nas diretrizes formais e rotineiras do jornalismo tradicional, sendo estas: contato com as fontes, apuração e checagem das informações e elaboração de texto noticioso. Ainda salienta que este texto noticioso deve usar de um vocabulário que seja compreensível e acessível a todos os públicos. Ao contrário, o jornalista 2 infere que não é interessante o uso de metáforas e analogias pelo jornalista, pois o mesmo consegue fazer a tradução de uma publicação científica sem necessitar recorrer a estes artifícios. O entrevistado ainda afirma que as metáforas podem não ser entendidas e o jornalista corre um grande risco de ser mal compreendido, principalmente na área da ciência. Neste sentido, tal pensamento é corroborado por Bertolli (2006), ao ressaltar que os jornalistas, ao levarem ao público os acontecimentos da ciência, utilizamse de estratégias que, embora permitidas pela linguagem, são abominadas pelos cientistas. O autor constata que o cientista, ao tomar conhecimento do uso de metáforas e analogias por parte dos jornalistas científicos, sugere que o fato toma um caminho perigoso, pois pode sugerir erros e simplificações interpretativas das ideias originais. Em contraponto, o jornalista 3 sugere que o uso de metáforas e analogias no texto jornalístico científico é uma forma do leitor, que não tem conhecimento nos termos técnicos da ciência e tecnologia, entender o que seria intangível para ele. Tal pensamento está alinhado ao entrevistado 1. O entrevistado 3 diz portanto, que este artifício no texto jornalístico, é visto como uma modalidade de discurso do jornalismo científico, sendo valido para a compreensão pelo público leigo de assuntos complexos. Colombo e Levy (2012) acompanham esta linha de raciocínio, ao afirmar que por ser o jornalismo uma atividade profissional, além de uma modalidade de discurso e de forma de produção, este apresenta propriedade e gêneros próprios. É válido complementar o pensamento do entrevistado 3, com Pena (2005), que percebe no jornalismo científico um meio que tem como principal finalidade a popularização da ciência e ferramenta de educação à sociedade. Categoria 3: O Papel do Jornalista na Mediação O papel do jornalista na construção de uma notícia oriunda de uma publicação científica é algo que se busca destacar neste item da análise. A questão das marcas de subjetividade inconsciente que o jornalista deixa no texto no processo de mediação entre o fato científico com seus termos técnicos e a publicação da notícia ao público leigo em ciência, é algo a ser pontuado. Para o entrevistado 1, “todo enquadramento depende de uma subjetividade. O jornalista reproduz discursos de sistemas peritos (em suma,
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especialistas de diversas áreas), mas também é ele mesmo atravessado por vários discursos”. Em relação a isso, destaca-se como complemento as ideias de Moraes (2016). O autor conclui que, no ato do fazer jornalístico, o jornalista não atua sozinho e nem para si. No seu entorno, no processo de construção de uma notícia, soma diferentes e contraditórias forças. O pensamento do entrevistado 1 encontra sincronia com as ideias de Araújo (2011) que considera a característica subjetiva como um traço inconsciente do jornalista. Para o autor, que traz à luz os argumentos utilizados pelos adeptos da teoria do Newsmaking, não existe linguagem neutra a dar vida textual a um acontecimento. O jornalista deixa marcas inconscientes de sua subjetividade justamente no processo de mediação, que pressupõe a existência de uma construção discursiva. Para o jornalista 2, a questão da subjetividade deve ser encarada com naturalidade, no sentido de existir em jornalistas e mesmo veículos que possuem determinado estilo de escrita. Afirma que subjetividade é como alguém que entende algo subjetivamente e o aplica. O importante para o entrevistado 2 é que haja um equilíbrio e que, mesmo um jornalista tendo sua percepção, o que deve ser buscado, sempre, é a objetividade em relação ao fato que está sendo apurado. Neste sentido, Sá Martino (2009) salienta que o jornalista no processo de construção de uma notícia aplica o filtro da realidade a partir do seu olhar, treinado na prática de seu ambiente de trabalho, para formatar a conclusão do que deve ou não ser utilizado. Para o autor, a ação acima referida é comum em veículos de comunicação e não conota nenhum tipo de manipulação ou de distorção previamente estabelecida, dos acontecimentos nos quais o jornalista esteja trabalhando. Outro autor que corrobora com o pensamento do entrevistado 2 é Lima (1960), ao considerar que uma das qualidades que são intrínsecas ao jornalismo como gênero é justamente a objetividade. O autor considera este um traço próprio e característico do estilo jornalístico e salienta que o profissional jornalista deve ter cuidado para ser exato em seu estilo, pois senão distanciar-se-á do jornalismo e irá transformar o texto em um conto ou em uma ficção. Neste ponto, o entrevistado 3 acredita que não existe imparcialidade. Toda a notícia é mediada por quem a escreve, de acordo com sua percepção. No caso do jornalismo científico, observa que o repórter vai escrever de acordo com seu grau de entendimento e de conexão a diferentes campos da ciência. Corroborando com o pensamento tal raciocínio, menciona-se Traquina (2005). Ele aponta que a notícia é o resultado de um processo de produção que se define como a percepção, seleção e transformação de uma matéria prima em um produto, realizada pela ação do jornalista. Também se menciona Fernandes (2011) ao sugerir que a teoria do Newsmaking revela a importância da cultura profissional do jornalista, de uma organização de trabalho e de processos produtivos. Outro autor que se aproxima do pensamento do entrevistado 3 Sá Martino (2009). Ele cita que muitas vezes, os jornalistas não estão cientes de seu processo subjetivo ao realizar filtragens no ato da mediação entre o fato e a notícia. O autor destaca que inúmeros estudos demonstram que existe uma tendência
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dos profissionais de diminuir a importância destes processos de filtragem, racionalizando-os como sendo completamente óbvios e inevitáveis. Segue, afirmando que o ato do jornalista não reconhecer tais aspectos arbitrários que levam profissionais a fazerem escolhas, reforça a hipótese de que os padrões de conhecimento que o profissional jornalista utiliza ao realizar processos de filtragem são invisíveis para ele mesmo, aparecendo como um mecanismo ‘natural’. QUANDO A PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA VIRA NOTÍCIA Entende-se que o processo de tradução ocorre a partir de uma específica gama de particularidades que constituem este campo de atuação jornalística em específico. O jornalista toma conhecimento de um fato científico que chega até ele por meio de uma publicação e a partir disso, inicia o processo de leitura e análise do material. Busca, além de construir a sua interpretação considerando sua percepção pessoal, entender como pode tornar aquele fato científico, com seus termos técnicos, claro, objetivo e de fácil entendimento ao público leigo, sem perder de vista parâmetros básicos, como a utilidade, responsabilidade social, valor intrínseco do conhecimento, valor filosófico. Utiliza-se assim, de técnicas de linguagem que fazem parte do discurso jornalístico, como o uso de analogias e metáforas buscando aproximar o conteúdo técnico com o público final, embora um dos participantes da pesquisa apontar o perigo de usar tal estratégia de redação. Procura, contudo, no decorrer do processo, atuar com objetividade e utilizando critérios de produção textual e de noticiabilidade que são presentes não somente no jornalismo científico, mas em outras áreas como: jornalismo cultural, político e econômico. Entre estes critérios, destaca-se: notoriedade, relevância, novidade, tempo, notabilidade, inesperado, conflito/controvérsia. Com a pesquisa realizada, identificou-se, também, que o jornalista científico busca, na ciência, pautas que apresentem relevância social. Ao fazer o processo de tradução de uma nova descoberta da ciência, empenha esforços para que a informação chegue o mais clara possível ao público leigo, visto que em muitos casos, a descoberta possui um grau de importância alto para a população. infere-se que mesmo o jornalista científico tendo o seu mundo inconsciente e de subjetividade e que traga este no processo de mediação entre o fato e a construção da notícia, procura, dentro do padrão jornalístico de valor notícia, critério de noticiabilidade, característica de produção textual, ser íntegro, objetivo, claro e relevante no seu papel para com a sociedade. Assim, é possível considerar que as notícias que integram a esfera do jornalismo científico têm como objetivo maior, a divulgação da ciência para a sociedade, permitindo, então, a utilização e avaliação da mesma sob outros pontos de vista além da academia. A publicação científica e a sua tradução feita por jornalistas, consiste em um importante alicerce social para a propagação de conhecimento e ampliação de pontos de vista, gerando debate e fomentando a cultura, a reflexão e o pensamento crítico.
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Por fim, a presente pesquisa buscou elucidar a forma como ciência e jornalismo dialogam e como disto resulta a construção de um texto noticioso a partir de um processo de mediação realizado pelo jornalista científico. O questionamento elaborado pelo pesquisador é apenas um pequeno acréscimo que espera aguçar a curiosidade de mais estudiosos acerca da importância e da relevância que o jornalismo possui para com a sociedade. Neste sentido, sugere-se que pesquisa futuras explorem de modo mais profundo este processo de mediação entre jornalismo e ciência, esclarecendo novas variáveis e ajudando com que a sintonia entre estas duas áreas se construa de maneira cada vez mais precisa, contribuindo com a sociedade de uma maneira eficiente e que além de auxiliar com novas descobertas e informação de qualidade, estimule o saber em todas as suas esferas. REFERÊNCIAS ALVARES, A. Oito (ou mais) razões para se exigir o diploma. In: Federação Nacional dos Jornalistas (org.) Formação Superior em Jornalismo: uma exigência que interessa à sociedade Florianópolis, 2008. AMARAL, L. Jornalismo, matéria de primeira página. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro,1978. 207 p. AMARAL, L. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978b. 189p. ARAÚJO, Bruno Bernardo. A Narrativa Jornalística e a Construção do Real: Como as revistas Veja e Isto É trataram a manifestação dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP). Universidade de Coimbra – Portugal, 2011. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/araujo-bruno-a-narrativa-jornalisticaconstrucao-real.pdf ASSIS, F. Fundamentos para a compreensão dos gêneros jornalísticos - ALCEU - v. 11 - n.21 - p. 16 a 33 - jul/dez. 2010. Disponível em: http://revistaalceu.com. puc-rio.br/media/Alceu21_2.pdf - Acessado em 29/05/2019 BAKHTIN, Mikhail. Speech genres and other essays. Austin: UT Press, 1986. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977 BARONI, Daniela; ROSA, Teresa Ratti de Oliveira; MANSUR, Rosana; BACELAR, Roberta Baldo. O gênero textual notícia: do jornal impresso ao on-line. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontrosnacionais-1/9oencontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-digital/o-generotextual-noticia-dojornal-impresso-ao-on-line>. Acesso em 21 abril. 2019. BARTELMBERS, R.C. Analisando os dados na pesquisa qualitativa. Metodologias de Estudos e Pesquisas em Educação III, 2013. Disponível em: http://www. sabercom.furg.br/bitstream/1/1453/1/Texto_analise.pdf - Acesso em: 18.05.2019 BELTRÃO, L. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica. Porto Alegre: Sulina, 1976. _________. A imprensa informativa. São Paulo: Folco Masucci, 1969. 424 p.
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Capítulo 5
COPA DO MUNDO DA RÚSSIA: OS VALORES-NOTÍCIA CONSIDERADOS NA COBERTURA JORNALÍSTICA DO SITE BRASIL DE FATO Guilherme Bernst Roesler Valéria Deluca Soares
A Copa do Mundo é o principal torneio organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). A cada quatro anos, seleções masculinas de futebol de diversos países se reúnem em uma sede escolhida, para disputar o sonhado título de campeão mundial. Em 2018, aconteceu a 21ª edição, na Rússia. Um país conhecido por ter tido uma das maiores revoluções de trabalhadores na história. Aproveitando-se do contexto histórico do país e entendendo que futebol e política se misturam, o site Brasil de Fato fez uma cobertura do evento que foi além do olhar esportivo. O Brasil de Fato (BdF)1 é um site de notícias e uma radioagência criado em 2003, por movimentos populares. Possui jornais regionais no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Pernambuco. Os criadores entendem que, na luta por uma sociedade justa e fraterna, a democratização dos meios de comunicação é vista como fundamental. O veículo foi criado com o intuito de contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos, tendo em vista a necessidade de mudanças sociais no Brasil. Plural e diversificado, o site reúne jornalistas, articulistas e movimentos populares do Brasil e do Mundo. A rede Brasil de Fato teve como primeiro veículo o semanário nacional, que foi lançado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em janeiro de 2003. Em seguida foi lançado o site, com coberturas das lutas sociais, entrevistas, e notícias sobre política, economia, direitos humanos e cultura, com uma visão popular das cidades, ao redor do mundo. Em 2014, o Brasil de Fato incorporou a Radioagência Notícias do Planalto. As matérias produzidas pela Radioagência Brasil de Fato são enviadas para rádios de todo o país e também estão disponíveis no site. O BdF ainda circula pelas redes sociais, Facebook, Twitter, Youtube, Flickr e SoundCloud. 1 As informações a respeito do Brasil de Fato (BdF) foram obtidas próprio site. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/quem-somos/. Acesso em 10 de mai. 2019.
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Um dos motivos que fez um site que não é especializado em esporte fazer uma cobertura de um evento esportivo, foi a Revolução Russa, que é exaltada na página do BdF, como a maior revolução de trabalhadores na história. A Revolução de 1917 foi uma rebelião popular ocorrida contra o governo do Czar Nicolau II em plena Primeira Guerra Mundial. Os revolucionários aboliram a monarquia e implantaram um regime de governo baseado em ideias socialistas. Olhando para a história, em muitos momentos futebol e política andaram de mãos dadas. Alguns desses acontecimentos ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, durante a Ditadura Militar, muitas figuras importantes do futebol brasileiro utilizavam o futebol para protestar contra o regime. Podese dizer que o futebol e a política muitas vezes tiveram uma relação tensa e cheia de contrariedades ao longo da história. O jornalismo, por sua vez, é muito importante na cobertura de um grande evento. E quando se trata desse tipo de competição esportiva, emissoras do mundo inteiro se preparam para fazer a cobertura desses momentos. Isso se dá a partir de vários critérios de noticiabilidade, linhas editoriais e plataformas. O Brasil de Fato acompanhou o mundial por dois meses, com correspondentes internacionais, que chegaram a Rússia um mês antes de começar a Copa do Mundo. Assim, o objetivo deste artigo se concentra em analisar de que forma o site Brasil de Fato utilizou critérios de noticiabilidade e valores-notícia para a realizar a cobertura da Copa do Mundo 2018, considerando os princípios do webjornalismo, e a relação entre jornalismo, política e futebol. A pesquisa se torna relevante pelo fato de apresentar-se uma análise de como funciona a cobertura esportiva de um veículo que não é especializado em esportes e não possui uma editoria que fale sobre o assunto. A pesquisa se torna pertinente ainda, por servir de referência para os jornalistas que atuam com jornalismo político e esportivo. O trabalho pode ser importante também para o público que consome o conteúdo pelo site, principalmente por estar abordando um assunto que normalmente não é trabalhado pelo BdF. Além disso, o trabalho é relevante para a acadêmia e para construção de conhecimento na área da comunicação e nas áreas em que jornalismo esportivo e jornalismo político se entrelaçam. O BRASIL DE FATO, A COPA E A RÚSSIA Neste artigo, analisou-se quatro matérias publicadas pelo Brasil de Fato na cobertura da Copa da Rússia. A primeira é Palco do segundo jogo do Brasil, São Petersburgo é símbolo da resistência ao nazismo. A matéria foi públicada no dia 19 de junho de 2018. A reportagem destaca o sofrimento que a cidade de São Petersburgo passou durante a segunda Guerra Mundial. A segunda matéria analisada será Rei Belga matou dez milhões no Congo; hoje, um filho de congoleses é ídolo da seleção. A reportagem foi publicada no dia 03 de julho de 2018. O texto ressalta a situação histórica do genocídio comandado pelo rei belga Leopoldo II, no território que hoje pertence à
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República Democrática do Congo. A matéria salienta a idolatria da torcida belga por jogadores com raízes africanas, como Lukaku, Fellaini e Chadli. A terceira reportagem é Jovens negros na França: enquanto uns brilham na Copa, outros são mortos pela polícia. A matéria foi publicada no dia 09 de julho de 2018. A matéria destaca os jogadores da seleção francesa que possuem raízes na África Subsaariana. Salienta que apesar do sucesso de jogadores com essas origens na seleção nacional, os jovens negros que não são famosos sofrem por preconceito na França, relatando o caso da morte do jovem Fofana, morto por um tiro disparado por um policial. A quarta e última reportagem analisada neste trabalho é Não é só um jogo: oito fatos da Copa que reforçam a ligação entre futebol e política. A matéria foi veiculada no dia 11 de julho de 2018 e faz uma retrospectiva de acontecimentos do mundial da Rússia que ultrapassam a barreira do futebol. Primeiramente são destacadas e apresentadas as reportagens. Posteriormente, são levados em conta conceitos teóricos, no âmbito do jornalismo esportivo, jornalismo político e webjornalismo, para desenvolver a análise a partir das categorias de análise. Apresentação das reportagens em estudo O site do Brasil de Fato tem como foco realizar matérias sobre política, economia, direitos humanos e cultura. Então, a realização da cobertura da Copa do Mundo de 2018 foi algo diferente promovido pelo veículo. Um dos motivos que levaram o BdF a realizar essa cobertura, é porque eles entendem que futebol e política se misturam, além disso, a cobertura contemplou não apenas o futebol, mas sim aspectos históricos, econômicos e culturais do paíssede. A Rússia foi apresentada pelo BdF como o país que teve a maior revolução de trabalhadores da história. Além disso, conectados esses aspectos com personagens que estiveram envolvidos no mundial. Matéria 1: Palco do segundo jogo do Brasil, São Petersburgo é símbolo de resistência ao nazismo2 A matéria foi publicada no dia 19 de junho de 2018. Foi realizada antes 129 do jogo entre Brasil e Costa Rica, pela segunda rodada do mundial. Por conta disso, foi trazida a história relacionada à cidade de São Petersburgo, que antes se chamava Leningrado, que durante a Segunda Guerra Mundial foi cercada por tropas militares nazistas por 872 dias. Antes de contarem a história em si, eles salientaram os resultados do Brasil na Copa do Mundo. No texto, é relatado que quase dois milhões de pessoas foram mortas durante aquele período, entre civis e membros do exército vermelho. O autor 2 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/19/palco-do-segundo-jogo-dobrasil-sao-petersburgo-e-simbolo-de-resistencia-ao-nazismo/ Acesso em 05 de abr. de 2019.
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da matéria destaca o significado para os nazistas, de destruir Leningrado. Para os alemães, era praticamente acabar com a União das Repúblicas Soviéticas, o que acarretaria na vitória dos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Os autores do texto também salientaram Leningrado como um dos maiores símbolos da Revolução Russa, e que concentrava 10% da produção industrial soviética. A cidade de Leningrado ficou conhecida como um símbolo de resistência ao Nazismo, por conta do que foi feito pelos habitantes da cidade, que conseguiram evitar o avanço alemão e que suportaram diversos bombardeios que provocaram 178 incêndios em um único dia. O texto conta que os moradores tiveram de cortar árvores para produzir alimentos, além de utilizarem vegetais para tentar reabrir as fábricas. Por conta disso, muitas pessoas quase morreram de fome, mas isso não ocorreu pois mergulhadores soviéticos conseguiram recuperar barcas com milho, que antes haviam sido bombardeada por alemães. A salvação veio do exército soviético que se dirigiu para Leningrado, após derrotarem as tropas nazistas em Moscou e Stalingrado. Antes do fim da matéria, os autores relataram a memória da cidade São Petersburgo em relação àquela época. Diversos museus e monumentos exaltam aqueles dias de resistência. No encerramento, voltaram a falar em relação ao Brasil na Copa, destacando a programação da seleção brasileira até encerrarem a participação na fase de grupos contra a Sérvia. Matéria 2: Rei Belga matou dez milhões no Congo; hoje um filho de congoleses é ídolo da seleção3 O texto foi publicado no dia 03 de julho de 2018. Traz relatos sobre o genocídio comandando pelo rei belga Leopoldo II, no território que hoje percente à República Democrática do Congo. O fato ocorreu entre 1885 e 1924 e é estimado que ao menos dez milhões de congoleses foram mortos. Eles sofreram tal situação por conta da exploração de recursos naturais, como marfim e latéx, que são usados na produção de borracha. Além disso, a matéria salienta as posições da Bélgica e da República Democrática do Congo perante ao ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que mostram uma grande diferença. A Bélgica possui resultados muito melhores sendo um dos países mais desenvolvidos do mundo, enquanto a República Democrática do Congo apresenta um dos piores resultados. A matéria também destaca que os belgas utilizavam africanos como escravos. Os africanos sofriam diversos castigos físicos se não alcançavam a meta de produção estipulada por Leopoldo II. Em seguida, relatam a história do atacante belga Romelu Lukaku, que é filho de congoleses. O pai de Romelu, Roger, também foi jogador de futebol 3 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/07/03/rei-belga-matou-dezmilhoes-no-congo-hoje-um-filho-de-congoleses-e-idolo-da-selecao/ Acesso em 05 de abr. de 2019.
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profissional e brilhou por times belgas. Ambos enfrentaram com gols o racismo, que ainda persiste no território belga e na Europa. Além disso, são trazidos números de Romelu Lukaku como jogador do Anderlecht da Bélgica, ao alcançar a marca de 131 gols em 93 jogos. Também são apresentadas entrevistas do atacante belga, em que ele relata que chegou a passar fome quando era pequeno e sofreu discriminações, principalmente no início da carreira. A matéria também traz que a Bélgica possui outros jogadores com raízes africanas, salientando os meias Fellaini e Chadli, que marcaram gols na classificação nas oitavas de final contra o Japão. A reportagem foi públicada antes de Bélgica e Brasil, jogo das quartas de final da Copa do Mundo, que culminou na eliminação dos brasileiros do mundial, que foi disputada em Kazan. Matéria 3: Jovens negros na França: enquanto uns brilham na Copa, outros são mortos pela polícia4 A matéria foi veiculada no dia 09 de julho e traz um conflito atual. Nessa reportagem foi ressaltado o protesto dos franceses por conta da morte de um jovem negro, em conflito com o sucesso da seleção francesa que possui diversos jogadores com origem africana. O texto começa destacando que cinco dos onze titulares da seleção da França possuem raízes na África Subsaariana. O zagueiro Umtiti é natural de Camarões, os pais do volante Pogba nasceram em Guiné, os de Kanté em Mali, e o atacante Mbappé é filho de uma camaronesa com um pai argelino. Também é ressaltado no texto que a seleção francesa há pelo menos 20 anos, depende de imigrantes negros para ter sucesso no futebol, mesmo tendo homens brancos como chefe de estado. Na primeira Copa do Mundo vencida pelos franceses, haviam diversos jogadores de origem africana. O autor da matéria salientou que o reconhecimento dentro de campo não resultou no fim da exclusão social, da xenofobia e da violência nas ruas francesas. Mostra que no mesmo dia em que a França venceu o Uruguai e se classificou para as semi-finais da Copa do Mundo, havia um protesto nas ruas de Nantes, em que mil pessoas protestavam contra o assassinato de Aboubakar Fofana, de 22 anos, que foi morto por um policial. Após a manifestação pacífica, os protestantes atearam fogo em 50 automóveis, invadiram e depredaram estabelecimentos comerciais. Ainda foi destacado a versão do policial que não teve o nome revelado e que disparou contra Fofana no dia 03 de julho. O policial contou duas histórias diferentes quando foi interrogado. Primeiro falou que agiu em legitíma defesa e em menos de 48 horas disse que o tiro foi acidental. A família de Fofana não gostou da ação da polícia e da imprensa que anunciou o passado da vítima, que possuía um mandado de prisão por roubo e associação a criminosos. Em seguida, a matéria trata sobre a Brigada Antinegrofobia, um dos grupos que organizou o protesto pacífico. Esse grupo interpretou que a cor 4 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/07/09/jovens-negros-na-francaenquanto-uns-brilham-na-copa-outros-sao-mortos-pela-policia/ Acesso em 05 de abr. de 2019
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da pele e a origem de classe foram decisivas para o disparo do policial. Por conta desse ocorrido, o texto ainda relembrou um histórico recente de violência policial contra jovens negros na França. O texto é encerrado com o subtítulo Fofana é regra, Pogba é exceção. O autor da matéria trouxe a situação social dos jogadores Mbappé e Pogba, que se não fossem jogadores de futebol viveriam situação semelhante a de Fofana. Ainda é destacado que a maioria dos pedidos de exílio que a França recebe são de ex-colônias na África, que falam francês e querem escapar de guerras civis. Ainda citam que 19 países se declararam independentes da França entre as décadas de 50 e 70. A matéria é finalizada com um trecho que ressalta a diferença social entre Fofana e Pogba, em que Fofana é a regra e Pogba é a exceção e que os franceses só costumam exaltar os excepcionais. Matéria 4: Não é só um jogo: oito fatos da Copa que reforçam a ligação entre futebol e política5 A última matéria destaca o viés deste trabalho de pesquisa. A reportagem publicada no dia 11 de julho de 2018, relembra oito momentos em que futebol e política se misturaram durante a Copa do Mundo. O BdF selecionou acontecimentos políticos mais importantes da Copa, além de dados e estatísticas que destacam a realidade social dos países participantes. O primeiro acontecimento relatado foi que os jogadores do Irã não receberam suas chuteiras por conta da retirada dos Estados Unidos do acordo de controle de atividades nucleares do Teerã. A empresa norte-americana, Nike, não enviou os materiais. Alguns jogadores tiveram que tirar dinheiro do bolso ou esperar os matériais de chuteiras fornecidas por outras marcas. O segundo caso foi sobre o dilema do sul-coreano Son Heung-Min, principal jogador da Coréia do Sul. O país da Ásia tem como regra que qualquer homem deve cumprir 21 meses de serviço militar até completar 28 anos. Son que já havia completado 26, precisava comprovar um grande feito esportivo pela seleção nacional, senão teria que interromper a carreira até completar o serviço. Os autores criticaram a Coréia do Sul, destacando que eles possuem face autoritária e impiedosa, mesmo se apresentado como um país que preza pela liberdade e democracia. O terceiro caso é que na Copa do Mundo da Rússia, só havia um técnico negro entre 32 seleções, o treinador de Senegal, Aliou Cissé. Essa baixa proporção dos negros em postos de comando no futebol chamou atenção da imprensa, por conta de muitos jogadores com ascendência africana estarem nas seleções européias. Além disso, curiosamente o treinador de Senegal é o que possuía menor remuneração entre os treinadores do mundial, recebendo 16 vezes menos que o técnico do Brasil, Tite. 5 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/07/11/nao-e-so-um-jogo-oito-fatosda-copa-que-reforcam-a-ligacao-entre-futebol-e-politica/ Acesso em 05 de abr. de 2019.
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Em seguida foi destacado a primeira vez desde a Revolução Iraniana, em 1979, que mulheres puderam assistir um jogo de futebol no estádio. A presença de mulheres em competições masculinas é proibida. Mesmo com a pressão do líder supremo do Irã, que destaca que estádios de futebol não são locais adequados e preparados para receber mulheres, uma mobilização na internet fez com que mulheres pudessem acessar o estádio Azadi, onde havia um telão para que os torcedores pudessem acompanhar o Irã na Copa. Outra lembrança foi em relação ao principal jogador do Egito, Mohamed Salah, que teve de participar de jantares com políticos ligados ao país de origem. Salah recebeu uma placa de cidadão honorário da Chechênia, uma das 21 repúblicas autônomas da Rússia. O jogador ficou incomodado por ter sua imagem utilizada para fins políticos e de aproximação diplomática. Outro episódio foi o caso dos jogadores da Suíça, Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka, punidos pelo Comitê Disciplinar da Fifa, por fazerem gestos na comemoração de gols consideradas de cunho político. Eles tiveram essa atitude na partida contra a Sérvia, por possuírem ligações com o Kosovo, província da antiga Iugoslávia. Essa área do território europeu é alvo de disputa, com grupos querendo declarar a independência e a Sérvia reivindicando para si a região. Eles fizeram o gesto da representação da bandeira da Albânia, pois a maioria dos cidadãos de Kosovo possuem essa origem. Os jogadores foram multados em 10 mil francos suíços cada.
Durante a Copa também ocorreu um caso de fascismo e antifascismo na Suécia. O jogador Jimmy Durmaz cometeu uma falta que resultou em gol da Alemanha. Horas depois daquele jogo, diversos torcedores suecos dirigiram insultos racistas e islamofóbicos contra Durmaz nas redes sociais. O jogador nasceu na Suécia e tem pais turcos. A Federação Sueca de Futebol prestou queixa e os jogadores da seleção gritaram contra o fascismo e o racismo em vídeo publicado na internet. Por fim, eles destacaram matérias já relacionadas a cima por conta das heranças do colonialismo, principalmente na França e na Bélgica, seleções que tiveram destaque no mundial. Os autores da reportagem salientaram que apesar do futebol ser criticado por ser uma ferramenta de alienação, fornece elementos para o estudo sobre as condições de vida dos imigrantes e refugiados na Europa. A análise
Neste momento, é feita a análise do conteúdo das reportagens, considernado a técnica Análise de Conteudo (BARDIN, 2011), através das seguintes categorias: Futebol, Política e os contextos apresentados pelo BdF; A relevância da Copa do Mundo e a cobertura na web pelo Brasil de Fato; e O processo de Newsmaking do BdF, e por último as inferências do pesquisador.
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Categoria 1: Futebol, Política e os contextos apresentados pelo BdF
Como o Brasil de Fato possui uma editoria mais específica em relação à política, contextos sociais, etc, eles utilizaram o futebol para indicar que esse esporte vai além das quatro linhas. Todas as matérias estudadas nesta pesquisa, em relação à essa cobertura, mostram que futebol e política possuem algum tipo de ligação. Gurgel (2009) defende que o esporte não é um assunto fácil de ser tratado, pois em vários aspectos envolve muito mais que apenas um jogo e que isso requer estudo e acompanhamento constante. Isso é salientado pelo BdF que relata que futebol também é política, e que um jogo vai além de duas equipes se enfrentando dentro de campo. Martins (2005) destaca que para a construção de uma notícia jornalística só dar a notícia não é o suficiente. É necessário qualificá-la e relacioná-la com outros fatores, explicar suas causas e avaliar suas possíveis consequências. Isso também está presente no material produzido pelo BdF, em específico na construção das notícias, visto que sempre são trazidos elementos que qualificam a matéria, fugindo sobre o que aconteceu apenas dentro do campo de futebol ou envolvendo as táticas de jogo e rotina das equipes durante o campeonato. Eles evitam apresentar o que geralmente é feito por qualquer mídia que realiza a cobertura de um evento como a Copa do Mundo. Martins (2005) ainda pondera que o repórter que cobre política não pode somente se contentar com o factual, conceito levado à risca pelo BdF. De acordo com Drummond (2008 apud CANETTIERI, 2010), quando o futebol caiu no gosto popular, cada vez mais aumentou a influência do esporte como um instrumento político do Estado. O autor relata que o futebol em si é uma guerra simbólica em que duas forças se enfrentam dentro de campo, mas que também existem confrontos fora dele. Neste caso, como salienta o autor, o futebol acaba sendo um instrumento político. Conforme é destacado na Matéria 4, os jogadores Xhaka e Shaqiri usaram o esporte como uma forma de protesto. Os jogadores da Suíça que fizeram os gols contra a Sérvia possuem ligação com o Kosovo, território requisitado pelos sérvios.
Essa briga entre kosovares e sérvios é antiga. Ela vem desde o início do século XX, durante as Guerras dos Bálcãs, onde a Sérvia tomou o controle de Kosovo dos turcos. Já pro fim dos anos 90, muitos albaneses que residiam naquele território sofreram graves repressões dos sérvios, o que teve fim apenas com a intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Há dez anos, a população de Kosovo, que é de maioria albanesa, declarou sua independência da Sérvia, sendo reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a maioria dos países da União Europeia. Mas isso ainda não ocorreu por parte da Rússia, que é aliado da Sérvia, e pelos sérvios em Kosovo.6 Apesar dessas ligações claras entre futebol e política, a Fifa acaba não tolerando 6 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44623419 Acesso em 20 de mai. 2019.
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ações dentro de campo que compactuem com isso. Os jogadores da Suíça acabaram sendo penalizados pela Federação. Silveira (2009) ressalta que diversos tipos de interesse influenciam diretamente o esporte. Isso ocorre principalmente por ele ser cada vez mais influenciado por interesses políticos, econômicos, comerciais e até científicos. Todo e qualquer fato apresentado vem juntamente com fatores relacionados a eles. Na Matéria 4, os autores do BdF trazem a questão de os Estados Unidos terem se retirado do acordo de controle de atividades nucleares feitos com o Teerã. Com isso, o governo do Irã proibiu os jogadores de utilizarem chuteiras de uma marca norte-americana, prejudicando os atletas que receberiam aquele material. Isso remete a mais um momento que o futebol teve influência política, pois, uma falta de acordo entre dois países, acabou envolvendo o esporte.
Outros acontecimentos que ligaram futebol com política apresentados nas matérias estudadas são sobre o choro do sul-coreano Son Heung-Min. Esse fato remete ao aspecto da política de um país, que influencia no futebol, e que mesmo o atleta de maior destaque de um país, precisa se submeter à lei imposta pela Coréia do Sul e que com isso ele poderia ter sua carreira prejudicada por ter que servir ao exército. Outro fator preponderante buscado nas matérias estudadas, tem relação com a política tentar usar a imagem de algum jogador famoso para promover uma aliança diplomática, como ocorreu com o jogador egípcio Mohamed Salah, que ficou visivelmente incomodado, segundo a reportagem, por ter sua imagem veiculada a essa aliança política. Esse ponto reflete ao que foi destacado por Canettieri (2010), que defende que o futebol muitas vezes opera como um elemento de mediação entre as necessidades sociais e os objetivos políticos do governo. As matérias publicadas pelo BdF evitam um conceito ressaltado por Silveira (2009), que a espetacularização do esporte faz com que a editoria seja confundida com entretenimento. Esses momentos de ligação entre esporte e política mostram, que existem momentos de maior tensão, envolvendo o futebol. Os autores Cornelsen e Vejmelka (2018) destacam que a política permeia o futebol e suas culturas, podendo ser estudada com base em discussões históricas e atuais. Por conta disso, os autores trouxeram a história da cidade de São Petersburgo, que antes era chamada de Leningrado, como mostra a Matéria 1. Uma das cidades que conseguiram sobreviver a uma invasão nazista. Mesmo não tendo muito a ver com o futebol, os autores trouxeram elementos que pudessem contextualizar a importância daquela cidade para a Rússia. Café (2010) destaca que as mudanças ocorridas na sociedade de uma forma geral, podem ser observadas no mundo do futebol. Isso se mostra em relação as matérias sobre o jogador Lukaku e a seleção francesa, vista na Matéria 3. Com isso, é destacado que as seleções européias possuem muitos jogadores de origem africana. Isso ocorreu por conta da imigração dos africanos para o continente europeu, o que refletiu diretamente no futebol. Antes disso ocorrer, a França nunca havia sido campeã do mundo. No ano de 1998, quando conquistou
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seu primeiro mundial, eles dependeram de imigrantes como protagonistas, a exemplo Thuram, Desailly, Vieira e Karembeu e Zidane. O que ocorreu também em 2018, onde alguns jogadores franceses são imigrantes vindos da África.
Esse tipo de mudança em relação à sociedade no mundo fez com que o jogador sueco, Jimmy Durmaz, filho de turcos, nascesse na Suécia. Na seleção belga que terminou o mundial em terceiro lugar, também ocorreu o mesmo. No fim da Matéria 4, que apresentou oito fatos da copa que reforçam a ligação política, os autores do BdF destacam que o futebol fornece elementos para um estudo em relação às condições de vida dos migrantes e refugiados na Europa.
Em complemento, Café (2010) relata que o esporte além de ser o mais popular do mundo possui intensas relações de sociabilidade. Por meio do futebol, é possível fazer uma análise da própria política mundial, principalmente junto à questão de globalização, que atualmente impõe uma série de elementos que antes eram inimagináveis no mundo futebolístico, aspectos estes trazidos pelo BdF nas matérias estudadas. Na Matéria 2 em que é destacado o atacante Lukaku, são trazidos contextos históricos, como o genocídio cometido pelo rei belga Leopoldo II, no território de Congo. A isso, eles ligaram a diferença social entre Bélgica e Congo, além de trazerem as dificuldades passadas por um jovem negro no país europeu. Também salientaram a atual idolatria de um país com um jogador que veio nessas condições, mostrando que somente o futebol pode ter trazido o respeito que o Lukaku e qualquer pessoa negra mereceria. O que ainda foi ressaltado é que o belga conseguiu dar melhores condições para a família dele, por ser jogador de futebol, mostrando que essa foi uma grande ferramenta de melhoria social para Romelu Lukaku. Isso ocorreu também na Matéria 3, relacionada aos franceses, pois mostra uma grande diferença político-social, entre um jogador de futebol negro e um negro qualquer do país que não é famoso. Além disso, também foram destacadas as motivações que fizeram muitos negros saírem de seus países na África, pedindo exílio na França. Eles queriam escapar das mazelas ou das guerras civis, provocada na maioria pelos próprios europeus. Com a ida de muitos africanos para o continente europeu, a França recebeu muitos desses imigrantes, principalmente por conta do idioma. Isso acabou influenciando no futebol, também. Pois a França venceu dois mundiais após isso. Mas, mesmo com títulos conquistados com ajuda de imigrantes africanos, somente os que estão em campo são valorizados, e os que estão nas ruas francesas, ainda sofrem com exclusão social, xenofobia e violência, conforme pontua a matéria.
Essa matéria ainda foi capaz de buscar a semelhança entre jogadores consagrados, como Pogba e Mbappé com o jovem Fofana, morto pela polícia local francesa. Pois esses atletas saíram de locais vulneráveis socialmente na França, assim como Fofana. Esse contexto é semelhante com o que foi destacado por Café (2010), que salienta que muitos jovens são tirados de suas casas para os grandes centros europeus na esperança de se tornarem ídolos
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mundiais e ganharem dinheiro e para mudar a realidade de suas famílias e até da comunidade onde nasceram. Apesar de muitos momentos de preconceito vivenciados no futebol, esse esporte desde o surgimento da modalidade tem como lado positivo ter ultrapassado as barreiras de classe e raça, destacam Cornelsen e Vejmelka (2018). Mesmo com o futebol sendo reconhecido dessa forma, a questão dos treinadores da Copa do Mundo, destacados na Matéria 4 é diferente do que foi destacado pelo autor. Apenas um treinador entre todas as 32 seleções que disputaram o mundial, era negro. Curiosamente, o treinador de Senegal Aliou Cissé, também é o que possuía a menor remuneração entre todos os treinadores. Ainda na Matéria 4 e que serve como contraponto ao que destacaram os autores Cornelsen e Vejmelka (2018), foram as ofensas racistas sofridas pelo jogador da Suécia, Jimmy Durmaz. Esses casos comprovam que ainda que apesar do futebol ter sido capaz de superar as barreiras de raciais e sociais, ele também é utilizado como ferramenta para as pessoas demonstrarem formas de preconceito. Categoria 2: A relevância da Copa do Mundo e a cobertura na web pelo BdF A Copa do Mundo é um dos eventos esportivos mais relevantes do mundo, sendo que na Rússia em 2018 chegou a ter quase 3,3 bilhões de espectadores7. Mas não só pela dimensão dos números que é capaz de ver a importância do mundial na vida das pessoas. Em todos os textos públicados pelo BdF esse sentido é explorado, sendo o futebol capaz de mudar a vida das pessoas. Além disso, o futebol em si é um dos negócios mais lucrativos do universo capitalista, segundo Galeano (2004). O mundial em si é um evento de grandes proporções. Segundo o autor Ribas (2018), só em relação a Copa da Rússia, foram investidos US$ 11,8 bilhões pelo governo na construção e reformas de estádios, além da infraestrutura das cidades sede. No Brasil, segundo Fatheuer (2014), o futebol é o maior fenômeno social do país, capaz de representar a identidade nacional e dar significado aos desejos de potência da maioria absoluta dos brasileiros. Por ter uma relação forte, o futebol é como parte da própria natureza do país. Isso mostra que a imprensa brasileira de uma forma geral, se engaja com o grande evento. Essa pode ter sido uma das motivações para um veículo como o Brasil de Fato, realizar a cobertura de um evento esportivo, assunto que não é muito explorado por eles. Conforme destacou Bezerra (2008), os esportes de uma forma geral ocupam nos meios de comunicação uma posição de destaque. Já Barbeiro e Rangel (2006) destacam que o jornalista que fala sobre esporte, deve saber também de tudo que ele abrange. Isso é uma forma de passar credibilidade, matérias bem elaboradas, verdadeiras e bem documentadas. Isso é apresentado pelos autores das matérias do Brasil de Fato, pois as matérias são bem 7 Disponível em: https://extra.globo.com/esporte/melhor-copa-do-mundo-da-historiateve-audiencia-recorde-em-2018-diz-fifa-23321043.html. Acesso: 24 de mai. 2019
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construídas, pois envolvem vários aspectos que abrangem o jogo de futebol e a Copa do Mundo em si. No que tange ao webjornalismo, a cobertura do Brasil de Fato, nos conteúdos publicados, traz poucos elementos para agregar a forma de leitura. A grande parte do conteúdo é em forma de texto. Basicamente, as reportagens publicadas pelo site, são com textos, que segundo o autor Canavilhas (2014), mesmo com os outros recursos de linguagem, é ainda o principal conteúdo para o webjornalismo. Isso também é salientado por Salaverría (2014), sendo o texto o elemento chave, pois ele possui a capacidade de contextualizar e documentar. O autor ainda destaca que apesar dos ínumeros formatos comunicativos disponíveis, o texto oferece o conteúdo mais racional e interpretativo. Segundo Prado (2011), o que difere do texto do webjornalismo para o impresso, é a possibilidade de instantaneidade e simultaneidade. As matérias 1 e 3 possuem hipertextualidade, com dois hiperlinks que se ligam a outros textos do próprio BdF. Hipertextualidade, que segundo Canavilhas (2014), é a possibilidade de interconexões com outros textos, por meio de hiperlinks, que permite ao usuário o acesso a produções que complementam o conteúdo trabalhado. Clicando, o consumidor pode alterar o sentido de leitura, de acordo com a percepção do que está escrito. Já Dalmonte (2007) destaca que o hipertexto oferece uma possibilidade de organização textual inovadora, além de poder interligar textos por meio de links, ocorre uma convergência de modalidades comunicacionais, podendo ligar também vídeos, fotos, e aúdios ao mesmo componente textual. Viu-se que as matérias 2 e 4 possuem um áudio, produzido pela rádio Brasil de Fato, mas que somente é a leitura do texto que já está ali, então eles pouco utilizam outros elementos que ajudariam na construção da notícia, o que daria uma característica de multimidialidade, que segundo Salaverria (2014), é a integração de conteúdos de diferentes tipos, como áudio, vídeo e texto em uma mesma notícia. A memória que segundo Palacios (2014), se refere à capacidade de banco de dados na web onde serão armazenadas informações que permitem tanto o usuário, quanto o produtor de jornalismo, buscar e acessar informações antigas, também permite que o pesquisador realize este trabalho. Pois com esse conceito toda informação publicada no site, naquela cobertura, está disponível para consumo. Palacios (2014) ainda destaca que a memória possui a capacidade de mudar a construção da notícia, pois permite que o conteúdo chegue ao usuário mais completo possível. Categoria 3: O processo de Newsmaking do BdF Conforme destacou Wolf (1999), a função do gatekeeping está associada à análise de critérios utilizados pelo jornalista para selecionar as notícias. Os gatekeepers do BdF nas matérias escolhidas, não destacam o futebol em primeiro lugar, mesmo sendo a cobertura de uma Copa do Mundo. Eles salientam outros
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fatores que são incluídos através do que vira notícia por conta do futebol, ou seja, o que é disputado dentro do campo fica em segundo plano para aqueles que selecionaram o que ia ser publicado nessa cobertura sobre o mundial.
Os gatekeepers exploram fatores políticos, econômicos ou sociais de acordo com quem estava em campo. Como por exemplo, a segunda partida da Seleção Brasileira na Copa do Mundo contra a Costa Rica, disputada em São Petersburgo, cidade que antes se chamava Leningrado. O jogo do Brasil serviu para os jornalistas relatarem a invasão que aquela cidade havia sofrido por nazistas, na Segunda Guerra Mundial. Isso vai ao encontro do que foi destacado por Hohlfeldt (2001). O autor explica que a teoria do Newsmaking há uma atenção especial à produção de informações, transformando acontecimentos cotidianos em notícia. A matéria 2 tem como objetivo secundário a proximidade com o jogo do Brasil nas quartas de final da competição. Os gatekeepers do BdF selecionaram essa matéria como notícia por conta do sucesso da Bélgica na Copa do Mundo, mas trataram especificamente do jogador Romelu Lukaku que até então havia marcado quatro gols no mundial. O centroavante belga, é filho de congoleses, país em que ocorreu uma das maiores barbáries contemporâneas, comandada pelo rei belga Leopoldo II. Na matéria 3 selecionada nesta pesquisa, os gatekeepers vem ao encontro do factual por conta de dois acontecimentos que envolviam o mesmo país, a França. Enquanto a seleção francesa vencia o Uruguai e se classificava para a semi-final com a colaboração de jogadores com raízes africanas, a morte de um negro na França era objeto de um protesto feito por moradores da cidade de Nantes. Isso é proposto pela página durante a cobertura: relatar situações políticas que estão diretamente ligadas com o futebol. E na matéria 4, os jornalistas veiculam um texto por conta da proximidade com a grande final do mundial. Naquele momento, eles ressaltaram que o futebol não é apenas um jogo. Com isso, eles selecionaram oito momentos da Copa do Mundo em que futebol esteve ligado à outras questões. O estudo do Newsmaking com os conteúdos públicados em matérias do BdF encontra suporte em Pena (2005). O autor salienta que embora o jornalista seja ativo na construção dessa realidade, ele não consegue ter autonomia total na sua prática profissional, e sim deve se submeter a um planejamento produtivo. Entende-se que o Brasil de Fato tinha este planejamento produtivo que segue uma ideologia e que os jornalistas que produzem as matérias precisam respeitar. Para a produção dos conteúdos apresentados na cobertura do BdF foram contemplados vários critérios de noticiabilidade. Traquina (2012), Wolf (1999) e Hohlfeldt (2001) destacam que tais critérios são um conjunto de elementos que controlam a quantidade e os tipos de acontecimentos que serão noticiáveis. E que os valores-notícia são componentes da noticiabilidade. Wolf (1999) ainda salienta que os valores-notícia podem ser utilizados de duas formas, como um critério de seleção de elementos que serão incluídos no produto final, e como
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um guia do que deve ser apresentado nas matérias, focando no que precisa ser realçado para o público. Após analisar as reportagens selecionadas, pode-se dizer que tais valores-notícia de seleção, em especial os substantivos foram identificados. A morte, relevância, novidade, fator tempo, notabilidade, conflito, infração. Além deles, foram identificados os valores-notícia de seleção contextuais, de disponibilidade, equilíbrio e concorrência. Já os valores-notícia de construção que foram constatados nas matérias são: simplificação, amplifiação, relevância, personalização, dramatização, consonância e referência a algo negativo. A morte, que foi o primeiro valor-notícia de seleção proposto por Traquina (2013), serve para explicar o negativismo no jornalismo. Esse valor-notícia é bastante evidenciado nas matérias do Brasil de Fato estudadas. Isso ocorre na matéria 3, em que falam sobre a morte do jovem negro Fofana. É identificado na matéria 1, pois este contexto também é trazido para exemplificar a magnitude da invasão nazista à cidade de Leningrado, pois foi ressaltada a morte de dois milhões de pessoas, sendo civis e membros do exército vermelho. Outro valornotícia que serve para exemplificar esse negativismo no jornalismo é o de eferência a algo negativo, conforme salientado por Galtung e Ruge (1963 apud TRAQUINA, 2013). Esse elemento é destacado nas matérias, principalmente quando ficam em evidência os diversos problemas sociais escancarados pela sociedade e que são retratados pelas reportagens do BdF
Nesse sentido também se encaixa o valor-notícia infração, que faz parte da lista de Ericson, Baranek e Chan (1987). Ele é relatado por Traquina (2013) como um acontecimento crucial para o jornalismo, sendo como um ‘escândalo’. Nesse critério se encaixa a morte do francês Fofana, que pode ser considerado um escândalo por conta do disparo ser feito pelo policial, e que gerou protestos. Segundo Traquina (2013), o conflito ou a controvérsia também é tratado como valor-notícia, sendo ele na maioria das vezes, a violência física ou simbólica. Esse valor-notícia também se faz presente em todas as matérias estudadas pelo pesquisador. A violência que ocorreu na invasão dos nazistas em Leningrado, o genocídio cometido pelo Rei belga Leopoldo II no Congo, a morte do jovem negro Fofana na França, além da violência verbal dos torcedores suecos com o jogador Jimmy Durmaz. Esses fatos se encaixam também no conceito de violência, que segundo Traquina (2013), é quando ocorre algum tipo de infração ou transgressão das regras. Nesse sentido, pode ser citada ainda, a comemoração em forma de protesto dos jogadores Xhaka e Shaqiri, que por envolver cunho político, fez com que os atletas fossem punidos pela Fifa. Traquina (2013) trouxe também a relevância como valor-notícia, tanto como de seleção como de construção. O autor salienta que esse critério de noticiabilidade tem como norte, a preocupação de informar os acontecimentos que têm impacto na vida das pessoas. Além disso, tem como objetivo dar mais sentido à notícia, para que ela possa ser mais percebida pelo receptor, destacando que o jornalista tem como papel fazer com que o acontecimento
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seja relevante para as pessoas. Relacionando esse valor-notícia com as matérias publicadas pelo BdF, a Copa do Mundo por si já é algo relevante. Ainda são trazidos contextos sociais e históricos que acabam tornando-a ainda mais relevante para a sociedade. Nesse sentido, pode-se fazer uma aproximacao com o valor-notícia significância, trazido por Galtung e Rage (1965 apud TRAQUINA, 2013). Este critério tem como uma de suas interpretações a relevância de um acontecimento. Outro valor-notícia que se encaixa nesse sentido é a simplificação, como apresentado por Ericson, Baranek e Chan (1987). Ele possui praticamente, o mesmo significado do valor-notícia clareza de Galtung e Ruge (1965). Ericson, Baranek e Chan (1987) relatam que um acontecimento deve ser significativo e relativamente claro no que significa. Outro valor-notícia que faz parte dos critérios utilizados pelo BdF que se encontra presente nas matérias analisadas é a novidade. Principalmente por conta do que destaca Traquina (2013), ao indicar que esse valor-notícia é um conceito fundamental do jornalismo, ou seja, trazer o que há de novo. Apesar de algumas matérias relatarem contextos históricos, todas essas notícias fazem parte de uma novidade, que é a cobertura da Copa do Mundo. Talvez se a França ou a Bélgica não fizessem sucesso na Copa, pode ser que não houvessem notícias sobre eles. Também se o Brasil não jogasse na cidade de São Petersburgo o propósito poderia ter sido diferente. Já o valor-notícia notabilidade, definido por Traquina (2013), como um elemento que mostra que o jornalismo se preocupa mais com a cobertura de acontecimentos e não na problemática, pode ser citado. O BdF mostrou que isso pode ser abordado de forma diferente, pois em todos os momentos, as matérias do Brasil de Fato possuem elementos que mostram a problemática dos acontecimentos. Como na matérias 2, 3 e 4. Na matéria de número 2, por exemplo, demonstra um lado mais humano, em que vivenciou o jogador Romelu Lukaku, que antes de ser famoso, teve de passar fome e por discriminação no início da carreira, pela sua cor. Já a matéria número 3, a problemática envolve os jovens negros da França, que não são bem sucedidos como os jogadores de futebol, sendo o jovem Fofana, apenas um exemplo do que acontece com outros que vieram da África e estão em território francês. Ainda cita-se na matéria 3, o caso de 2005, que dois adolescentes negros foram eletrocutados enquanto se escondiam da polícia, em uma subestação elétrica. Já na matéria 4, o caso mais emblemático é o que envolve o jogador sueco, vítima de preconceito, dos torcedores do próprio país, por ter ascendência turca. Outro valor-notícia de construção citado por Traquina (2013), é a dramatização. Esse critério que também figura na lista de Ericson, Baranek e Chan (1987). É entendido como o reforço de aspectos críticos, ou seja, o reforço do lado emocional e a natureza conflitual. Ericson, Baranek e Chan (1987 apud TRAQUINA, 2013) relatam que a dramatização está ligado ao valor-notícia personalização, pois são acontecimentos retratados em relação a personalidadeschave. O autor salienta que a presença de uma figura pública é um fator decisivo
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para algo ser noticiável. As matérias geralmente tiveram personagens chave. Na da Bélgica, a figura central era o jogador Romelu Lukaku. A matéria 3 que traz a problemática da França tem como personalidades chave, os exaltados jogadores Pogba e Mbappé, e o jovem Fofana, morto pelo policial. Na matéria 4, alguns personagens chave são essenciais para a construção dessas problemáticas. O coreano Son Heung-Min, o único técnico negro do mundial, o senegales Aliou Cissé, o atacante egípcio Mohamed Salah, que teve sua figura envolvida para fins políticos e aproximação diplomática, os jogadores da Suíça, que protestaram na hora do gol e o sueco Jimmy Durmaz, que foi ofendido por suecos. Já o fator tempo é um dos principais valores-notícia trazidos pelo BdF em suas matérias. Traquina (2013) já havia justificado esse valor-notícia em três segmentos: fator tempo na forma da atualidade, justificar a noticiabilidade que já ocorreu no passado, e em uma forma estendida ao longo do tempo. Todas as matérias possuem o fator tempo como valor-notícia. Desde apresentar o tempo na forma atual, com o que está ocorrendo na Copa do Mundo, ligando isso à histórias do passado, que são bastante ressaltadas nas matérias produzidas pelo BdF.
Traquina (2013, p. 73) e Galtung e Ruge (1965) também trazem o inesperado como valor-notícia, sendo o que surpreende e irrompe a comunidade jornalística. O BdF traz uma abordagem com essa perspectiva, pois quando a maioria da imprensa foca no que é ocorrido dentro das quatro linhas, eles ressaltam outras questões que envolvem uma Copa do Mundo, como política, problemas sociais, etc. Isso encontra conexão com o valor-notícia concorrência, conforme o conceito de Traquina (2013). Esse valor é mostrado pois as empresas jornalísticas possuem concorrentes diretos, portanto o BdF possui esse diferencial, pois é diferente da concorrência. Hohlfeldt (2001) também salienta o valor notícia concorrência, ao destacar que ele acontece por conta da competição entre as empresas jornalísticas. Já o valor-notícia de seleção disponibilidade, segundo Traquina (2013) envolve a oportunidade de fazer a cobertura do acontecimento. Esse foi um valor-notícia que se fez presente no trabalho realizado pelo BdF, principalmente por eles terem enviado uma equipe para a Rússia. Isso acabou fazendo com que esse trabalho ficasse mais acessível para os repórteres que produziam as notícias, além de poderem acompanhar de perto tudo que aconteceu no mundial. O equilíbrio é outro valor-notícia, para Traquina. A noticiabilidade de algum acontecimento pode estar relacionada com outro que já ocorreu. As matérias remetem a esse valor-notícia também, como ocorrem nos casos em que são abordados os contextos históricos. No que tange aos valores-notícia de construção, identificou-se a simplificação. Esse elemento também identificado por Ericson, Baranek e Chan (1987) segue a seguinte lógica: o assunto precisa ser o mais simplificado possível, sendo desprovido de ambiguidade e complexidade. Todas as matérias públicadas pelo BdF possuem esse valor-notícia, pois nenhuma das matérias estudadas não
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são de difícil entendimento. Já o valor-notícia amplificação, segundo Traquina (2013) e também identificado por Galtung e Ruge (1965), indica que o assunto noticioso deve ser amplificado, tendo assim, mais possibilidades de ser notado, seja pela amplitude do ato, de quem intervém ou das próprias consequências do ato. As matérias do BdF também trabalham com esse valor-notícia. Pois todas as matérias diversos assuntos são amplificados, são tratados diversos contextos dentro de apenas uma matéria. Outro valor-notícia trazido por Traquina (2013) e mencionado por autores Galtung e Ruge (1965) e Ericson, Baranek e Chan (1987) é a personalização. Esse valor-notícia informa que quanto mais personalizada a notícia, maior é a chance de ser notada, principalmente por facilitar a identificação do acontecimento em termos negativo ou positivo. A personalização se faz presente nas matérias estudadas pelo pesquisador, pois não é dificil identificar quais são os acontecimentos positivos e os negativos. Na matéria 1 por exemplo, são ressaltados os problemas vividos pela cidade de Leningrado, como lado negativo. Já como lado positivo existe o fato dessa mesma cidade ser importante na resistência contra o nazismo. Na matéria 2, o lado negativo é a diferença social entre Congo e Bélgica, além do genocídio comandado pelo Rei belga Leopoldo II no território congoles. Como positivo, pode encontrar a superação de Romelu Lukaku, que foi capaz de superar diversos problemas que enfrentou, sendo atualmente ídolo de uma nação toda. Isso também ocorre nas matérias 3 e 4. Desde o problema enfrentados pelos negros na França, até como lado positivo o sucesso de jogadores negros na seleção francesa. Na matéria 4 pode se chamar de positivo a presença de mulheres na arquibancada no Irã, o que era proibido, e o apoio dos suecos, tanto da federação, quanto dos próprios jogadores que apoiaram o jogador que havia sido vítima de preconceito.
Outro valor-notícia observado por Traquina (2013), é a consonância. Esse critério, também salientado por Galtung e Ruge (1965), tem como lógica de que quanto mais a notícia é inserida a uma narrativa já estabelecida, mais ela tem como ser notada. Todas as matérias produzidas pelo BdF nessa cobertura, que são objetos desse estudo, são narrativas inseridas em narrativas já estabelecidas. Por exemplo, na matéria 1, a narrativa já estaria estabelecida por conta do jogo do Brasil, mas como esse não é o objetivo da página, eles ressaltaram o que envolvia a cidade em que o Brasil jogaria. POLÍTICA E FUTEBOL NA COPA DO MUNDO DA RÚSSIA
O Brasil de Fato fez uma cobertura diferente do que é acostumado a fazer. Sendo um site que aborda notícias sobre política, economia, direitos humanos e cultura, acabou evidenciando um evento esportivo nessas editorias, mostrando que política e futebol se conectam. Eles realizaram a cobertura da Copa do Mundo 2018, que além de ser um evento midiático, teve como país sede a Rússia, conhecido por ter uma das maiores revoluções de trabalhadores do mundo, o que foi exaltado pela página.
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Todas as matérias analisadas contemplaram situações que ligam o futebol e a política. Esse realmente foi o sentido que o BdF deu para suas reportagens, principalmente as que fizeram parte desse estudo. Tendo em vista que a Copa do Mundo é o maior e mais importante evento futebolístico e que possui uma proporção mundial, nota-se que em muitos momentos, o futebol acaba se misturando com a política. Isso também demonstra que em diversas situações que envolvem o esporte, que mais possui adeptos no mundo, podem ser identificadas na sociedade ou servir como contraste com a realidade em que se vive. Isso pode ser destacado quando, jogadores de futebol são ídolos nacionais, não importando a cor. Enquanto um negro que não é jogador e nem famoso, acaba sendo morto pela polícia. Os jogadores Pogba, Mbappé e Lukaku, da Bélgica, se não fossem jogadores poderiam estar passando o mesmo que Fofana e que diversos negros que moram nos bairros de classe baixa em muito países europeus. A cobertura do Brasil de Fato se diferencia dos demais veículos que são acostumados e direcionados a cobrir o futebol. Isso ocorre, principalmente porque o BdF não possui essa editoria, sendo a cobertura do mundial, algo esporádico naquela página. Isso se mostrou na construção das reportagens, pois é pouco explorado quem foi o melhor jogador em campo, quem fez o gol mais bonito, qual foi o resultado daquela ou de outra partida e qual tática o treinador utilizou. Isso ficou em segundo plano ou nem se quer chegou a ser levado em conta. O relevante para o Brasil de Fato era mostrar questões pertinentes à sociedade, como o problema social da França ou a diferença entre o Congo e a Bélgica ou demonstrar com história a importância de uma cidade como São Petersburgo, palco do segundo jogo da seleção brasileira. Além de demonstrarem todas as situações da Copa do Mundo de 2018, em que futebol e política de certa forma, se misturam. Nesse contexto, também, o país sede acabou sendo relevante na escolha das reportagens. Infere-se ainda, que ficou evidenciado que a grande quantidade de africanos que foram para a Europa, fazem a diferença no futebol, não à toa, as seleções da França, campeãs em 1998 e 2018, possuem muitos jogadores de origem africana, que foram importantes nas campanhas realizadas pelos franceses. As matérias também ressaltam o preconceito que ainda existe, em torno do futebol e fora dele. Por exemplo, os franceses só são capazes de endeusar jogadores de futebol, mas em compensação os negros que vivem nas favelas, sofrem com a intolerância da própria polícia. Isso também mostra que apesar do futebol ter sido uma ferramenta que desde o início conseguiu ultrapassar a barreira de classe e raça, ainda há muito preconceito por parte das pessoas que utilizam esse esporte para propagar seu ódio. Em relação ao webjornalismo, ficou constatado que o Brasil de Fato utilizou pouco as ferramentas disponíveis que podem ser exploradas na internet. Utilizando apenas dois hiperlinks e dois áudios, sendo só uma leitura do conteúdo relatado nos textos. Isso acabou mostrando que o texto é a principal ferramenta utilizada por eles. Por outro lado, há um zelo com os valores-
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notícia, pois, praticamente todos os critérios de noticiabilidade e valores-notícia mencionados pelos autores estudados, foram contemplados. Ou seja, esses critérios jornalísticos foram prioridade na hora da escolha dessas matérias. As notícias foram bem elaboradas e sempre relacionadas com vários fatores, onde diversas situações sociais são relatadas. Isso evidencia que o futebol acaba sendo uma ferramenta de estudo em questões sociais. Evidenciase que o futebol pode ser objeto de uma reflexão principalmente, para estudar a história do colonialismo, além de ser uma ferramenta de reflexão sobre a vida dos imigrantes africanos no continente europeu. Assim, infere-se que os principais critérios de noticiabilidade e valoresnotícia identificados foram: morte, relevância, novidade, fator tempo, notabilidade, conflito, infração, como critérios de seleção substantivos. De disponibilidade, identificou-se: equilíbrio e concorrência, como valores-notícia de seleção contextuais. Simplificação, amplificação, relevância, personalização, dramatização, consonância e referência a algo negativo, são apontados como valores-notícia de construção. Apesar do Brasil de Fato ter sido pouco parcial na escolha das pautas e condução de boa parte do texto, o objetivo do site com a publicação das matérias que cobriram a Copa do Mundo 2018, destacando momentos em que futebol transcende as quatro linhas e conecta-se com questões da sociedade, como a política, se efetivou. Com isso, eles apresentaram aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais, que demonstrassem esse encontro. Além disso, foram utilizados uma série de valores-notícias e critérios de noticiabilidade que demonstram o porque daquelas matérias serem de fato veículadas. Entende-se ainda, que essa pesquisa acaba sendo um passo inicial para outros estudos relacionados a veículos especializados em política que resolvem fazer a cobertura de algo que não é de sua expertise. Além disso, também influencia na verificação de coberturas de mídias menores que fogem do padrão exercícido pelas grandes empresas jornalísticas. Ainda serve para estimular estudos que verifiquem a importância do futebol em todas as instâncias e circustâncias, não limitando-se apenas ao que é realizado dentro de campo. Cabe destacar, finalmente, que os resultados encontrados não apresentam uma conclusão definitiva. Servem para somar conhecimento e trazer força para análises que se envolvam com essa temática. REFERÊNCIAS BARBEIRO, Heródoto e RANGEL, Patricia. Manual do Jornalismo Esportivo. 1.ed. São Paulo: Contexto, 2006 BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 6.ed. Lisboa: Edições 70, 2011. BARRETO, Emanoel. Jornalismo e política: a construção do poder. Estudos em Jornalismo e Mídia Vol. III Nº 1, 2006. BASTOS, Helder. A diluição do jornalismo no ciberjornalismo, 2013, Disponível
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Capítulo 6
WEB RÁDIO ATUALIDADE: OS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE DO PROGRAMA PRIMEIRO JORNAL Vinícius Domingues Carneiro Valéria Deluca Soares
O rádio nasceu no Brasil, oficialmente, em 07 de setembro de 1922, nas comemorações do centenário da Independência do país, com a transmissão, à distância e sem fios, da fala do presidente Epitácio Pessoa, na inauguração da radiotelefonia brasileira. Roquette Pinto, um médico que pesquisava a radioeletricidade para fins fisiológicos, acompanhava tudo e, entusiasmado com as transmissões, convenceu a Academia Brasileira de Ciências a patrocinar a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que viria a ser a PRA-2.1 Muito se falou sobre o fim do rádio, que ele estava com os dias contados. Foi assim com a televisão, e não poderia ter sido diferente, com chegada da internet e todos os avanços tecnológicos. Porém, segue fazendo parte do dia a dia dos brasileiros. De acordo com a mais recente pesquisa da Kantar IBOPE Media sobre o meio, realizada entre maio e julho de 2017, o tempo médio diário dedicado pelo brasileiro à atividade de ouvir rádio é de 4 horas e 40 minutos. Segundo a pesquisa, 52 milhões de pessoas escutam rádio em 13 regiões metropolitanas no Brasil, sendo 52% mulheres e 48% homens. O pico de consumo do meio ocorre entre 10h e 11h da manhã, quando o rádio alcança 37 milhões de pessoas diferentes em um intervalo de 30 dias. O infográfico do Ibope Media também destaca os tipos de programas que não podem faltar em uma rádio, na opinião do ouvinte. Para 65%, o conteúdo jornalístico e a prestação de serviço são imprescindíveis. Além disso, a pesquisa mostra que 16% utilizam telefone celular/smartphone com acesso às emissoras de rádio. 2 Hoje, o rádio não está mais somente no aparelho físico. Quebrou barreiras e se tornou aliado das novas ferramentas que foram apresentadas. As 1 Disponível em: <https://www.abert.org.br/web/index.php/notmenu/item/23526-historia-do-radio-no-brasil> 2 Disponível em: <https://www.kantaribopemedia.com/radio-mantem-sua-presencapelo-brasil-aponta-pesquisa-da-kantar-ibope-media-2/>
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transmissões ao vivo pelo Facebook, as enquetes no Twitter, os recados pelo Whatsapp, o rádio soube aproveitar as alternativas. Tudo isso está presente diariamente nas emissoras AM e FM. Cabe destacar que, atualmente, não é necessário esperar uma concessão do Governo para criar uma emissora. E não se trata aqui das rádios piratas. O rádio se adequou à internet com a criação das web rádios, que utilizam a tecnologia de streaming para chegar até os ouvintes. Desde sua criação, apesar de todas as alterações no decorrer dos anos, o rádio sempre foi sinônimo de credibilidade e informação em tempo real, aspecto que deve ser seguido, independente se for através das frequências ou internet, primando pelo bom jornalismo. A Rádio Klif, no Texas, Estados Unidos, foi a primeira emissora comercial a transmitir de forma contínua e ao vivo através da internet, a partir de setembro de 19953. No Brasil, a webrádio só chegou três anos depois dos Estados Unidos. No dia 05 de outubro de 1998 entrou em funcionamento a Rádio Totem, a primeira emissora brasileira a estar somente na internet, criada pelo empresário paulista Eduardo Oliva4. No início, a rádio disponibilizava aos seus ouvintes apenas áudio de uma programação gerada ao vivo de um pequeno estúdio na sede da empresa, em São Paulo. Com o decorrer do trabalho, foram agregados novos produtos e serviços ao site da rádio, como a criação de onze canais, contendo programação diversificada, abrangendo vários estilos musicais. Nos Estados Unidos, segundo dados do Pew Research Center5, publicados em 2016, a audiência das web rádios é crescente. Em 2016, 53% dos americanos de 12 ou mais anos ouviram a rádio na semana da pesquisa e, no mês, 61%. Em 2007, o número correspondia respectivamente a 12% e 20%. Em território brasileiro, ainda é muito complexo achar dados concretos sobre a audiência das web rádios. Mas, segundo o site Radios.com.br6, em fevereiro de 2019, a rádio mais acessada via streaming foi a Rádio Coca-Cola FM, de São Paulo, com 163.623 visitas somente em fevereiro, por meio do portal que apresenta milhares de emissoras em seu catálogo. Seguindo as tendências, o programa Primeiro Jornal é exclusivamente transmitido pela internet, com a essência do rádio tradicional. Apesar de ser um produto da web rádio Atualidade, com sede em Butiá, o mesmo pode ser ouvido em qualquer lugar do mundo que tenha acesso à internet7. É apresentado de segunda à sexta-feira, com duração de uma hora e trinta minutos. O mesmo traz 3 Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/resumos/R50322-1.pdf> 4 Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/R80095-1.pdf> 5 Disponível em: <https://aerp.org.br/novo/associados/radio-online-ja-chega-a-61dos-americanos/> 6 Disponível em: <https://www.radios.com.br> 7 Disponível em: <http://www.radioatualidade.com.br>
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o formato jornalístico com apresentação de notícias de interesse local, estadual e nacional. A atração é exclusivamente transmitida pelo site da web rádio Atualidade e na página do Facebook, seguindo o exemplo dos grandes veículos. Considerando o exposto, o objetivo geral deste artigo é verificar os critérios de noticiabilidade a webrádio Atualidade utiliza para apresentação no programa Primeiro Jornal. Para tal, opta-se pela pesquisa exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa. Escolhe-se quatro técnicas de coleta de dados: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a observação simples e entrevista. (GIL, 2008; MANZO, 1971; TRUJILLO, 1974; MARCONI; LAKATOS, 2010). A apresentação, a análise e a interpretação dos dados coletados utilizarse-á da Análise de Conteúdo categorial (FONSECA JÚNIOR, 2005; BARDIN, 1977) O interesse pelo tema surge a partir da criação da rádio web Atualidade, na cidade de Butiá, localizada a 80 quilômetros de Porto Alegre, na Região Carbonífera do Rio Grande do Sul. Inúmeras rádios web são criadas, muitas surgem apenas como um hobby para seus fundadores. Porém, a Atualidade tem como proposta a produção de conteúdo jornalístico, apresentado no programa Primeiro Jornal. Desta forma, não se limita apenas ao fato de reproduzir músicas, por exemplo. Também incentivam a realização do estudo, as demissões em massa de jornalistas, fato que se tornou comum, inclusive no radiojornalismo. Enquanto alguns profissionais se preparam para atuar no universo da internet, outros apostam na web após a saída dos chamados veículos tradicionais (TV, rádio e jornal). A presente pesquisa pode colaborar na compreensão de um novo modelo de negócio, ofertando novas oportunidades no mercado de trabalho, por mais que o mesmo ainda esteja em desenvolvimento no Brasil, enquanto em outros países já é uma realidade. São raros os autores que se preocuparam em conceituar em profundidade o assunto apresentado. Com a presente análise, tem-se por premissa estimular a pesquisa e difusão desse conteúdo tão importante para comunicadores, levando em consideração que a área está em plena evolução. Destaca-se que é necessário apostar em novos modelos, porém sem deixar de trabalhar pelo jornalismo de qualidade, independente do canal que atua, sempre primando em informar com responsabilidade. GÊNEROS INFORMATIVOS Até final dos anos 50 do século XX, não se falava em teoria dos gêneros jornalísticos. Este processo inicia com os estudos de Jacques Kayser. Conforme Bertocchi (2002), os gêneros nasciam naquele momento, com forte caráter sociológico. Posteriormente, ganham uma dimensão filológica própria da sociolinguística e, por fim, passam a ser adotados sistematicamente e nas universidades como o método mais seguro para organização pedagógica dos estudos universitários sobre o jornalismo. “Por razão óbvia, é praticamente impensável encontrar algum autor da teoria do jornalismo que não faça
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referências à questão dos formatos de relato jornalísticos desenvolvidos ao longo de séculos” (ALBERTOS, 1991, p. 393). A literatura existente explica que as espécies de gêneros nascem, transforma-se, mesclam-se com outras, originam subgêneros e, eventualmente, morrem. Os gêneros, além disso, não aparecem em estado puro na prática: as espécies mantêm fronteiras ambíguas, pontos de contato, aproximações e intersecções. O exemplo disso no jornalismo seria a crônica, que não nasceu com o jornal diário, mas encontrou campo fértil no jornalismo quando os periódicos se tornaram diários de grandes tiragens, há mais de 150 anos. (LOPES; REIS, 2002) Com o passar do tempo, de acordo com as tradições científicas, culturais e sociais dos autores, as classificações variaram. Embora com as particularidades especiais, pode-se selecionar os estudos mais significativos e resumir da seguinte maneira: a) Gêneros informativos notícias, reportagem, entrevista; b) Gêneros Interpretativos: análise, perfil, enquete, cronologia; c) Gêneros argumentativos editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, caricatura, crônica, cartas; d) Gêneros Instrumentais:indicadores, cotações, roteiros, obituários, previsão do tempo, agendamentos, cartaconsulta. Os autores contemporâneos têm uma tendência a classificar os gêneros não pela quantidade e proporção de informação ou opinião que carregam, mas segundo a função que exercem: relatar e comentar. Para a informação, recorre se a um gênero informativo (como a notícia). Precisando entender um acontecimento, procurase um gênero interpretativo (como a reportagem). De forma sucinta, as espécies do gênero informativo contam o que ocorreu, as do interpretativo explicam os porquês e as do opinativo valoram o sucedido (YANES MESA, 2004). Vista por esse ângulo mais cognitivo e pragmático, percebe-se na literatura sobre o tema uma tendência pela classificação teórica de gêneros por função e não por conteúdo (CHAPARRO, 1999; GOMIS, 1991; GONZÁLEZ REYNA, 1991). Especificamente sobre o gênero informativo, segundo Bertocchi (2002), é necessário estabelecer um ponto de partida: as reflexões sobre o gênero informativo no jornalismo impresso avançaram em relação a quê? Ela segue o pensamento do Marques de Melo (2003), visto que ele é o autor que analisando as produções bibliográficas europeias, norte-americanas, hispano-americanas e brasileiras sobre esse tema, ao longo do tempo, escreveu a obra mais consistente sobre os gêneros jornalísticos. Para este autor, o gênero informativo apresenta os seguintes formatos: nota, notícia, reportagem e entrevista. Conforme Nascimento (2015), o pioneiro a falar sobre gêneros jornalísticos no Brasil foi pernambucano Luiz Beltrão, orientador de Marques de Melo em sua tese de doutoramento. Ele escreveu três de suas obras voltadas para o tema. O primeiro livro, publicado em 1969, aborda o gênero informativo, o segundo, em 1976, trata do gênero interpretativo e o terceiro, divulgado quatro anos depois, discute acerca do gênero opinativo. Depois de 15 anos aproximadamente do primeiro livro, baseado na ideia de Beltrão, José Marques de Melo começa a defender uma divisão diferente da encontrada na bibliografia estudada.
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Em 1966, em pesquisa realizada, José Marques de Melo contemplava a imprensa diária e enfocava o gênero informativo com predominância nos jornais regionais. O gênero informativo é o “relato puro e simples de fatos pertencentes ao presente imediato ou ao passado que sejam socialmente significativos” (BELTRÃO, 1980, p.29), quando “a instituição jornalística assume o papel de observadora atenta da realidade, cabendo ao jornalista proceder como ‘vigia’, registrando os fatos, os acontecimentos e informando-os à sociedade” (MARQUES DE MELO, 2003, p.28). Marques de Melo (2003, p.28) distingue os gêneros informativo e opinativo. Explica que, junto ao jornalismo informativo (que “assegura a informação ao povo”) e do jornalismo opinativo (que “tem procurado influenciar o homem”), há outras duas categorias: o jornalismo interpretativo e um jornalismo de entretenimento. O primeiro faz a explanação das notícias e o segundo comenta os aspectos pitorescos da vida cotidiana. A NEWSMAKING A Hipótese do Newsmaking mostra que no Jornalismo não existe o reflexo do real ou da realidade, ao ser mostrada quando apurada, porém, é uma teoria construtiva para a realidade. E para manter o grau de noticiabilidade, são necessários critérios a serem usados com as fontes e na própria notícia, pois existe uma série de fatores que devem ser analisados para se divulgar uma notícia em uma matéria. Na Newsmaking, as notícias não são distorções da realidade e não cabe ao jornalista, com suas atitudes políticas, o papel de determinante no processo de produção das notícias. Para socióloga Tuchman (1978), alguns pontos que devem ser levados em consideração, como cogitar a notícia como uma estória, é admitir que esta tem uma realidade construída e uma própria realidade interna, não que esta seja fictícia. Ainda de acordo com ela, por mais que o jornalista tente participar ativamente na construção da realidade, este profissional, ausente da autonomia, estará sempre submisso a um planejamento produtivo. Aliás, autores como Pena (2008), Souza (1999) e Traquina (1999a, 2001, 2005) classificam a Newsmaking como uma Teoria do Jornalismo e não como Teoria da Comunicação, como o faz Wolf (1994). Traquina (2001) inclusive, enquadra as ideias de Tuchman (1978) como uma teoria etno construcionista. A Hipótese do Newsmaking se orienta para a produção e os produtores da notícia, ao estudar a influência da rotina (constrangimentos organizacionais, condições orçamentárias, distribuição da rede noticiosa, etc.) na representação dos acontecimentos. A produção noticiosa é pensada como rotina industrial e a notícia é vista como resultado dos diversos fatores envolvidos no processo, isto é, a ação pessoal, social, ideológica, cultural, do meio físico, histórica (SOUZA, 1999). Como metodologia no estudo que resultou em sua tese de doutorado e deu origem ao livro Making News, Tuchman (1978) lançou mão da pesquisa etnográfica, por meio da observação participante. O período de análise foi
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de 1966 a 1976. Tuchman (1978) acompanhou a rotina produtiva de um canal de TV, três jornais impressos de Seaboard e Nova York e da sala de redação da Prefeitura de Nova York. Fez ainda entrevista com ativistas do movimento feminista e repórteres, além de analisar a cobertura jornalística da época sobre o movimento feminista e uma crise em Nova York (CARVALHO, 2009). O problema central da pesquisa era: em que medida os media podem contribuir com a construção social da realidade e como as rotinas do trabalho informativo determinam a produção da notícia? O autor concluiu que os jornalistas trabalham sob a tirania do fator tempo. Diante da imprevisibilidade dos acontecimentos noticiáveis, que podem surgir em qualquer parte e a qualquer momento, os jornais se organizam de forma a impor ordem no tempo e no espaço. Os veículos jornalísticos se esforçam para ordenar o tempo por meio da distribuição da rede noticiosa: a) por área geográfica, ao enviar correspondentes e delegações a outros territórios; b) por especialização organizacional, ao escalar sentinelas em instituições, como Senado, Câmara, Palácio do Planalto; c) e por especialização temática, com a manutenção das editorias, cadernos e suplementos. (TRAQUINA, 1999) Nesse sentido, destaca-se que a notícia, que se propõe a retratar a realidade, ao fazê-la também, interfere nela, a partir do contexto em que a produção noticiosa está inserida. A distribuição por área geográfica, diante da impossibilidade de enviar correspondentes e delegações a todos os lugares, provoca a dependência dos veículos jornalísticos em relação às agências de notícias e aos releases de assessorias de imprensa. A distribuição da rede noticiosa, tanto por especialização organizacional quanto por especialização temática, produz o mesmo efeito: a escolha de determinados lugares e temas, a partir do entendimento de que existe maior propensão para que as notícias surjam nesses territórios e sobre esses assuntos, faz com que, exatamente por causa de tais escolhas, esses lugares e temas estejam mais presentes no noticiário que outros assuntos e localidades.
Para impor ordem no tempo, as empresas jornalísticas trabalham com: a) a expectativa de acontecimentos no horário de expediente; b) o serviço de agenda, que consiste na previsão de acontecimentos; d) o próprio ritmo de trabalho, baseado em valores como o imediatismo e a atualidade; e) e critérios de noticiabilidade. A expectativa de que acontecimentos ocorram no horário de expediente leva os veículos a reduzirem o tamanho da equipe de profissionais fora desse horário. O serviço de agenda é uma precaução dos jornais para que não sejam surpreendidos diariamente pela ausência de eventos noticiáveis. Entretanto, os fatos inesperados são exatamente aqueles que melhor se enquadram no conceito de notícia e, não raro, costumam forçar os veículos a replanejarem suas pautas. Para Martins e Paiva (2010), mesmo que o jornalismo na web traga novas rotinas e novos modos de produzir notícia, autores como Sousa (2000), acreditam que teorias do jornalismo – sobretudo a Newsmaking, uma teoria
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geral da notícia – podem ser aplicadas em todos os meios, porém, sem esquecer de que cada veículo impõe uma rotina diferente (LAGE, 2006; PENA, 2008). De acordo Martins e Paiva (2010), com a chegada da internet como nova mídia de produção noticiosa, cumpre entender de que forma se configuram as etapas da rotina de produção noticiosa, bem como os critérios de noticiabilidade – ou valores-notícias, em um espaço onde a figura do gatekeeper e as rotinas profissionais tendem a se modificar. Na teoria do gatekeeper, acreditase que “um indivíduo ou um grupo tem ‘o poder de decidir se deixa passar ou interrompe a informação’” (LEWIN, 1947 apud WOLF, 2005, p. 184), ou seja, aquilo que é veiculado, que o público consome. Já na Newsmaking é considerada uma atualização e uma complementação da teoria do ‘guardião do portão’, pois procura entender todo o processo de rotina (diária, semanal, mensal ou mesmo de atualização constante) de produção da notícia, não só (mas também) os critérios que levaram a notícia a ser veiculada (inserida no estudo do gatekeeper). Até se perceber que a seleção do que deve ser veiculado é parte da rotina da produção noticiosa, ou seja, até o surgimento da Newsmaking, acreditava-se que as escolhas do ‘guardião’ eram apenas subjetivas e pessoais. Isso fica evidente no empenho de muitos teóricos em deixar claro que forças organizacionais e editoriais muitas vezes se sobrepõem à decisão pessoal. Wolf (2005) cita um dos primeiros a perceberem isso. Robinson (1981apud WOLF, 2005, p. 186) destaca que “as decisões do gatekeeper são realizadas menos numa base de avaliação individual de noticiabilidade do que em relação ao um conjunto de valores que incluem critérios tanto profissionais quanto organizacionais”. Para Wolf (2005, p. 185), na seleção e no filtro das notícias, as normas ocupacionais, profissionais e organizacionais parecem mais fortes do que as preferências pessoais. Por sua vez, Pena (2008, p. 134) deixa transparecer a importância da teoria das rotinas produtivas – Newsmaking– para essa superação. Segundo o autor, as decisões do gatekeeper estavam mais influenciadas por critérios profissionais ligado às rotinas de produção da notícia e à eficiência e velocidade do que por uma avaliação individual de noticiabilidade. CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE E VALORES DE NOTÍCIA Os critérios de noticiabilidade fazem parte da história das notícias e, principalmente, do seu processo de construção. Nas redações são como um consenso para definir como construir o produto final, qual viés será abordado e que forma pode atrair mais o interesse do leitor, segundo explica Cardoso (2012). Assim, pode-se dizer que os valores-notícia são um produto cultural. Silva (2005, p.100) observa que “a demarcação do conceito de valores-notícia se dá, então, dentro da larga compreensão de que a notícia é uma construção social, [...], a notícia é um produto cultural”. Traquina (2008, p. 63) destaca que o conceito de noticiabilidade pode ser definido como o “conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de
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merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia”. Além disso, apresenta os critérios de noticiabilidade como um conjunto de valores notícia que determinam se “um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia” (TRAQUINA, 2008, p. 63). Na prática, traz uma abordagem histórica por meio de três épocas distintas para argumentar que os valoresnotícia apresentam “um padrão geral bastante estável e previsível” (TRAQUINA, 2008, p. 63). Nesse intervalo, o autor volta o olhar inicialmente aos séculos XVI a XVII, quando surgiram na Europa as primeiras “folhas volantes”, precursoras dos jornais modernos, e apresenta aqueles que seriam os “primeiros valoresnotícia”, isto é, os acontecimentos mais recorrentes nos impressos da época: os milagres, as abominações, as catástrofes e os acontecimentos bizarros. Outros valores-notícia importantes mencionados pelo autor remetem ao insólito: “os acontecimentos que produziam o maior espanto, a mais profunda maravilha, a maior surpresa”, e à notoriedade do ator principal: “os atos e as palavras das pessoas importantes, as crônicas e as proezas de personalidades da ‘elite’” (TRAQUINA, 2008, p. 65) Ele também analisa o jornalismo norte-americano no século XX na década de 1930. Traquina (2008, p. 67) sublinha o fato de que a partir do surgimento da chamada pennypress nos Estados Unidos, jornais emergentes como o New York Sun passaram a dar ênfase “às notícias locais, às histórias de interesse humano e apresentavam reportagens sensacionalistas de fatos surpreendentes”. Por fim, em um terceiro momento histórico, a década de 70 do século XX, o autor cita o livro Deciding Whats News, do sociólogo norte-americano Herbert Gans (2004), para ressaltar o peso do valor-notícia ‘notoriedade’. Ele demonstra que no contexto estadunidense, assim como em todas as nações modernas, “as pessoas que aparecem mais frequentemente nas notícias são aquelas conhecidas, e, na maior parte, aquelas em posições oficias” (GANS, 2004, p. 09). De acordo com Silva e Jeronymo (2007), em termos de sistematização, a recuperação histórica realizada por Nelson Traquina guarda certa semelhança também com a tentativa de John Galtung e Mari Ruge (1965) de identificar, na forma de listagem, os fatores que influenciam o fluxo das notícias. Os autores dinamarqueses, em estudo que se tornou referência no campo teórico do jornalismo, enumeram vinte fatores com proeminência no universo das notícias: a frequência, a amplitude, a intensidade absoluta, o aumento de intensidade, a inequivocidade, a significância, a proximidade cultural, a relevância, a consonância, a predicabilidade, a exigência, a imprevisibilidade, a impredicabilidade, a escassez, a continuidade, a composição, a referência a nações de elite, a referência a pessoas de elite, a referência a pessoas e a referência a algo negativo (GALTUNG; RUGE, 1965). Resumidamente, conforme apresenta Traquina (2008, p.78), os valores de seleção dizem respeito aos critérios que os jornalistas utilizam para selecionar no complexo rol de acontecimentos cotidianos, aqueles que merecem ser transformados em conteúdo jornalístico. De modo mais específico, eles se
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subdividem em outros dois grupos: os critérios substantivos, que tratam da avaliação direta do acontecimento em termos de sua importância ou interesse como notícia; e os critérios contextuais, que se referem ao contexto de produção noticiosa. Por sua vez, os valores-notícia de construção envolvem as qualidades da estrutura da notícia e funcionam como “linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia” (SILVA, 2017). Conforme o Manual de Comunicação da Secom do Senado Federal (2019)8, os critérios para a importância que formam o valor notícia são divididos em seis tópicos: 1) ineditismo (+ inédito = + importante); 2) probabilidade (provável); 3) interesse (+ pessoas afetadas); 4) apelo (+ curiosidade); 5) empatia (+ pessoas que se identificam); 6) proximidade (+ proximidade geográfica). Mas de acordo com Traquina (2008), são nove os valores-notícia de seleção em termos de critérios substantivos elencados com base na distinção inicial de Wolf (2003): a morte, a notoriedade, a proximidade, a relevância, a novidade, o tempo (atualidade), a notabilidade, o inesperado, o conflito (ou controvérsia), a infração e o escândalo. Já os valores-notícia em termos de critérios contextuais somam cinco: a disponibilidade, o equilíbrio, a visualidade, a concorrência e o dia noticioso. Finalmente, os chamados valores-notícia de construção – conceitualmente, aqueles que tratam dos “critérios de seleção dos elementos dentro do acontecimento dignos de serem incluídos na elaboração da notícia” (TRAQUINA, 2008, p.91), somam seis: a simplificação, a amplificação, a relevância, a personalização, a dramatização, e a consonância. Para Silva e Jeronymo (2017), esse elenco de fatores, conforme sugere Nelson Traquina (2008), mostra que a compreensão da noticiabilidade não pode ser observada de maneira estanque e impermeável, ou seja, parte-se do entendimento de que os critérios de noticiabilidade dialogam e trocam influências entre si. Além disso, reconhece-se que o entendimento dos critérios substantivos de seleção deve tangenciar outro aspecto de natureza teórica: a compreensão da sociedade como um consenso. As noções de inesperado, conflito, infração, novidade, escândalo, relevância e notabilidade somente ganham relevo, assim, quando interpretadas a partir de uma compreensão consensual das relações sociais. Em suma, “sem este conhecimento consensual de fundo, nem os jornalistas nem os leitores poderiam reconhecer o primeiro plano das notícias” (TRAQUINA, 2008, p.86). RADIOJORNALISMO NA ERA DA CONVERGÊNCIA O webjornalismo, em sua essência, possui características que diferenciam o seu fazer do jornalismo praticado em outros meios. A começar pela nova dinâmica do tempo, esse tipo de jornalismo quebra com as rotinas industriais 8 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/glossario/valornoticia>
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estabelecidas no passado. Com a possibilidade de atualização contínua e sob a pressão do fetiche da velocidade, o jornalista se vê diante da necessidade de adotar novas práticas de apuração e produção da notícia. (MORETZSOHN, 2002) A figura do público como uma massa passiva dá lugar a uma audiência participativa. Muito além da interação reativa, descrita por Primo (1998), as redes sociais forçam as empresas jornalísticas a participarem de um novo jogo de forças em que a audiência tem mais do que o simples poder do controle remoto ou da assinatura. Tem o poder da palavra e a possibilidade de ganhar visibilidade. Aspecto, esse, fundamental para que a ideia possa ter algum tipo de impacto na esfera pública (ESTEVES, 2003). Nesse sentido, de acordo com Dantas e Rocha (2016), as redes sociais da internet vêm desempenhando um importante papel da redefinição da atividade jornalística. Ao aumentar a participação do público, elas acabam por modificar as relações previamente existentes entre público, jornalista e veículo. Principalmente, devido à nova relação estabelecida com os leitores, a empresa jornalística vem sofrendo o efeito Groundswell, que também se abate sobre os outros setores econômicos. Segundo Charlene Li (2008, p. 08), o Groundswell pode ser definido como “uma tendência social na qual as pessoas passam a utilizar as tecnologias para conseguir as coisas que elas precisam, geralmente, entre elas, ao invés de utilizar as instituições tradicionais, como as corporações”. No caso do jornalismo, isso exerce um forte impacto na legitimação social da atividade em si, já que, através das redes sociais, as pessoas passaram a trocar, cada vez mais, informações e criar consciência crítica sem a intermediação dos veículos de imprensa. Mas cabe destacar que a busca pela velocidade para transmitir o conteúdo se configura como algo negativo quando não há o devido cuidado com a apuração, fato que propicia a divulgação de notícias com informações errôneas. Portanto, vale lembrar que “alguns não conseguem distinguir entre a vantagem dos recursos tecnológicos, que encurtam o tempo despendido entre a apuração e a veiculação da notícia, e a função básica do radiojornalismo, que é informar bem e com segurança, independentemente dos recursos tecnológicos” (ABREU, 2003, p. 02 apud LOPEZ, 2009, p. 30). Se faz pertinente atentar, ainda, para o fato de que o preparo e conhecimento dos profissionais acerca da usabilidade dos recursos também são fundamentais para não causar ruído na comunicação. Além dos processos produtivos, esses aparelhos também modificaram a forma de recepção. O desenvolvimento acelerado da tecnologia digital nas últimas três décadas incluiu a incorporação de diversos aparelhos eletrônicos em uma única plataforma. De tal maneira, hoje, além da mobilidade, os ouvintes têm a possibilidade de interagir com a emissora por meio de ferramentas da internet. Também podem consumir informações na web ao ouvirem a emissora por meio dessa plataforma ou acessar podcasts e newsletters. Considerando este contexto, Fernandes (2013) salienta que o rádio possuiu como característica marcante a veiculação de informação de uma maneira dinâmica, rápida e ágil, fazendo uso da audição como instrumento
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de mediação. Produzir e veicular informações através do rádio é um processo muito único e específico, que irá conter variações dependendo da linguagem do veículo. Em complemento, de acordo com Ortriwano (1987), o rádio sempre reagiu. O veículo passou por situações desafiadoras. A criação da telefonia móvel e da internet entram nessa lista. A convergência com essas tecnologias não influencia apenas do ponto de vista técnico, mas também no aspecto econômico, comunicacional e cultural deste meio. Ainda é importante lembrar que a estrutura das emissoras também passou por grandes modificações ao longo dos anos com a modernização dos equipamentos. Segundo Archangelo (2006, p. 64), o processo de adaptação acontece, uma vez que o desenvolvimento das tecnologias de digitalização (a modernização dos estúdios, estabelecimento de protocolos, programas e extensões de áudio), difusão via satélite, pela internet, somado ao contexto de globalização, desregulamentação, mundialização e a globalização, levaram as empresas de comunicação a utilizarem com maior intensidade esses recursos, extinguindo alguns dos tradicionais serviços por rádio ondas curtas para gerar novas produções, conteúdos, adaptações de formatos e possibilidades de difusão, contribuindo para seu ingresso nas programações das rádios locais (em AM e FM). Hoje, fruto dos avanços tecnológicos, tem-se a webrádio: com o novo modelo, é possível ouvir na internet emissoras do mundo inteiro, em qualquer lugar do planeta, no momento em que o internauta desejar. Durante a navegação, lê-se, assiste-se a vídeos, escreve-se e ouve-se rádio (CUNHA, 2006, p. 09).
O advento da internet trouxe mudanças significativas para o rádio tradicional, pois a qualidade das conexões dos servidores propõe novas possibilidades, o rádio na internet. “O ouvinte on-line possui acesso a toda a programação da rádio em tempo real através de um link, o rádio exige apenas um dos sentidos humanos, a audição, o que permite sua presença ao lado do homem em qualquer circunstância” (CARVALHO, 1998, p.23). É importante diferenciar o conceito de web rádio de rádio na internet, pois o primeiro é conhecido como rádio livre, termo que designa a liberdade do ouvinte internauta a definir músicas, entrevistas e programas que irá acompanhar e no horário que propuser. Dessa forma, se o “ouvinte está cansado da mesmice da rádio convencional. O internauta pode ao mesmo tempo surfar pela internet e ouvir uma rádio na web” (PRADO, 2005, p. 07). A WEB RÁDIO ATUALIDADE E O PRIMEIRO JORNAL A Web Rádio Atualidade é uma emissora localizada em Butiá, na Região Carbonífera do Rio Grande do Sul, a 90 quilômetros de Porto Alegre. Foi criada pelo radialista Sérgio Fernandes Cavalheiro e entrou oficialmente, no ar, no dia 26 de abril de 2016. O veículo surgiu com o intuito de proporcionar uma nova experiência aos ouvintes, com a cobertura de pautas da Região Carbonífera, Vale do Rio Pardo
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e Região Metropolitana, devido à proximidade das mesmas. O próprio slogan ‘Rádio Atualidade, uma nova rádio, com um jeito novo de ouvir rádio’ deixa clara a proposta da emissora. Desde sua criação, a Web Rádio Atualidade mantém sua essência, transmitindo a programação, exclusivamente, pela internet, através do site: www.radioatualidade.com.br e redes sociais. Quando fundada, a emissora também contava com um portal de notícias, que era atualizado diariamente com pautas locais, porém não está sendo alimentado desde maio de 2018. Atualmente, a emissora possui uma grade de programas preenchendo 24 horas. Ao todo, são vinte e uma atrações, de segunda a sexta-feira. Porém, apenas cinco programas são transmitidos ao vivo. As demais atrações são programas comprados de terceiros, ou seja, de produtoras de conteúdo que produzem estes materiais e comercializam, vendendo para emissoras AM, FM e web rádios, para preencher os espaços. Já no sábado e domingo, web rádio transmite 33 programas, todos com a mesma origem dos demais citados anteriormente. Conforme o radialista e proprietário da emissora, Sérgio Fernandes9, a audiência da emissora é em grande parte das cidades de Butiá e Porto Alegre. Porém, segundo informações de Fernandes, a web rádio já foi ouvida em 54 países. O conteúdo da emissora também difundido na fanpage no Facebook e no canal do Youtube. O programa Primeiro Jornal, veiculado na Web Rádio Atualidade, é um programa dedicado a informação, com formato jornalístico. A atração entrou no ar no dia 02 de maio de 2016 e é o único programa que permanece na grade da emissora desde sua fundação. Atualmente, o programa é apresentado pelo radialista Sérgio Fernandes, de segunda a sexta-feira, com duração de 1h30, das 8h30 às 10h. Além de apresentador, o radialista também é o responsável pela produção do Primeiro Jornal. Ao longo do programa, que é dividido em três blocos, além da leitura de notícias em evidência no Estado e País, o programa é composto por quadros e a participação ao vivo por telefone. Tudo é mediado pelo radialista Sérgio Fernandes, que possui 40 anos de experiência em rádio. Além da transmissão pelo site da emissora, o programa é transmitido pelo Facebook, através fanpage, utilizando a ferramenta live. Após a vinheta, o apresentador realiza abertura do programa, saudando a audiência e trazendo fatos históricos do dia. Posteriormente, entra no ar o primeiro quadro da atração, a ‘mensagem do dia’ um momento de reflexão aos ouvintes. Na sequência, o apresentador faz a leitura de notícias em evidência, sempre seguidas de comentários sobre o tema da ocasião. A leitura de comentários que entram na transmissão via Facebook é característica marcante, ficando evidente a valorização do ouvinte. A política local, principalmente de Butiá, também é um tema frequente por meio da opinião do apresentador. 9 A entrevista foi realizada no dia 14 de maio, na sede da Web Rádio Atualidade, localizada na rua Alice Albernaz Ilha, bairro Centro, Butiá.
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A participação de correspondentes também ocorre no programa. O primeiro a participar é caminhoneiro Ronaldo Nogueira, que transita pela rodovia BR-290 e via telefone passa informações sobre condições do tráfego, manutenções na estrada ou acidentes de trânsito. Outro quadro do Primeiro Jornal é o comentário sobre política do jornalista José Woitechumas. Além disso, o sindicalista Oniro Camilo e o correspondente Orlando de Souza fazem parte do roteiro do programa. O primeiro traz comentários sobre causas dos sindicatos. Já o segundo, entra com informações do Vale do Rio Pardo. O programa Primeiro Jornal é produzido e apresentado pelo radialista Sérgio Fernandes, que também é o responsável pela operação. Devido a sobrecarga de funções, é comum falhas técnicas durante as transmissões. OS CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE NO PRIMEIRO JORNAL Serão analisados dois programas. O primeiro programa veiculado no 02 de janeiro de 2019 e o segundo no dia 26 de abril de 2019. A escolha da primeira edição partiu do fato que ela foi veiculada um dia após a posse dos novos deputados, senadores, governadores e presidente da República, em eleições gerais. Desta forma, é comum que a pauta dos noticiários seja a posse dos governantes, como presidente e governador, no caso de atrações locais. Já escolha da segunda edição partiu do princípio que foi transmitida no dia do aniversário da Web Rádio Atualidade. O Programa Primeiro Jornal é o único que, desde a criação da emissora, segue o formato definido na estreia na programação, desta forma, se espera uma produção especial, devido a data marcante para o veículo. Tem-se como técnica para apresentação, análise e interpretação dos dados desta pesquisa, a análise de conteúdo categorial (FONSECA JÚNIOR, 2005; BARDIN,1979). As categorias de análise definidas são: - Construção da pauta: Por trás de qualquer matéria de jornal, existe uma pauta jornalística que indica parâmetros importantes para a construção do texto. O mesmo vale para os demais veículos, como televisão, web e, inclusive o rádio. O Programa Primeiro Jornal é produzido e veiculado diariamente, portanto, utilizando a pauta evento ou factual. Além disso, fica claro a pauta artigo, já que durante a atração há momentos de comentários feitos pelo apresentador ou dentro de quadros. - Noticiabilidade e valores-notícia: A seleção e hierarquização do que é ou não notícia recorrem aos valores-notícia. Mas estes agem aqui apenas como uma parte do processo. Critérios como o público-alvo e a linha editorial da atração são o mote do conteúdo apresentado pela equipe de produção do Programa Primeiro Jornal. - Interatividade e rádio web: Interatividade é um conceito que, quase sempre, está associado às novas mídias de comunicação. Pode ser definida como uma medida do potencial de habilidade de uma mídia permitir que o usuário exerça influência sobre o conteúdo ou a forma da comunicação mediada. A web rádio
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é uma dessas novas mídias e dentro do Programa Primeiro Jornal fica claro a preocupação desta interação com a audiência. A partir das categorias adotadas, segue-se com a apresentação das duas edições do Programa Primeiro Jornal da Web Rádio Atualidade. Programa1: Primeiro Jornal – 02.01.2019 O primeiro programa, nesta pesquisa chamado de Programa 1, a ser apresentado nesta análise foi veiculado em 02 de janeiro de 2019 pela Web Rádio Atualidade e tem por mote principal pautas factuais10. A atração inicia com a apresentação de uma mensagem religiosa, deixando a reflexão aos ouvintes. Posteriormente, o apresentador Sérgio Fernandes, que também atua como operador, entra com a interatividade saudando os ouvintes. Logo após, o âncora inicia o comentário sobre a posse do presidente Jair Bolsonaro, dando ênfase ao gesto da primeira dama Michele Bolsonaro sobre a pauta abordada durante seu pronunciamento direcionado aos deficientes auditivos. Na sequência, o apresentador volta a interagir com a audiência que está acompanhando através da fanpage no Facebook. Durante a interação, o radialista destaca que gosta da interação e comenta que, em algumas oportunidades, não segue o roteiro do programa, pois prioriza o momento de interação. Depois segue com a leitura dos comentários, ele chama a previsão do tempo com informações sobre a Região Sul. O programa retorna ao estúdio e o apresentador complementa a previsão, mas desta vez com a atualização da meteorologia na cidade de Butiá. Aos 12 minutos de atração, entra o bloco de comerciais, com três propagandas. A vinheta roda e o Primeiro Jornal prossegue novamente com o momento de interação, quando uma série de abraços são mandados pelo apresentador. Logo em seguida, Sérgio Fernandes entra no assunto trânsito, fazendo a leitura de notícias sobre a situação do fluxo em rodovias que levam ao litoral gaúcho, devido ao retorno do feriadão de ano novo. O apresentador aproveita e faz um comentário defendendo a ligação da Região Metropolitana ao Litoral por meio de uma ferrovia. Ele relembra que o projeto já havia sido abordado na Assembleia Legislativa, quando atuava como assessor, mas não dá mais detalhes. Encerrando o tema, o apresentador entra na pauta política, especificamente, a posse do presidente Jair Bolsonaro, mas um aparelho celular toca. Neste momento, ele interrompe, atende à ligação e coloca no ar o motorista Ronaldo Nogueira, que cumpre a função de repórter de trânsito. O motorista informa que estacionou seu caminhão às margens da BR-290, em Pantano Grande e inicia o bate-papo dando atualizações sobre a situação do trânsito na rodovia e condições de trafegabilidade da mesma. Além disso, muitos 10 Disponível em:https://www.facebook.com/radioatualidade/videos/400166594098512/ Acesso em 20.05.2019
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comentários recheados de críticas são direcionados ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), pelo apresentador e pelo “repórter”. A conversa dura em média sete minutos.
O programa continua e novamente com interatividade, que se resume em mandar abraços. Em seguida, entra no ar o quadro Infomusic, com informações sobre o DJ Alok. Na sequência, o quadro Saúde e Beleza traz uma dica sobre o uso de corretivo. Após o apresentador volta comentando sobre o discurso em libras da primeira dama e chama a reportagem de Sayonara Moreno, da Rádio Nacional, de Brasília, quem vem com mais detalhes sobre o fato. A participação é possível graças a aquisição do programete da rádio nacional. Em seguida, o apresentador vem com a informação sobre a nomeação de Carlos Marun para o conselho da Usina Itaipu Binacional. Neste momento, Sérgio Fernandes faz um logo comentário sobre política, condenando a atuação do ex-presidente Michel Temer e depositando confiança no presidente Jair Bolsonaro. Com a conclusão do raciocínio, mais uma vez, é dado o espaço para a leitura de comentários de ouvintes. O Primeiro Jornal segue e o apresentador chama o correspondente Orlando de Souza, de Pantano Grande, que fala sobre a previsão tempo e entra no assunto política.
Novamente as notícias abordadas são o discurso da primeira dama Michele Bolsonaro e a nomeação de Carlos Marun. O diálogo entre o apresentador Sérgio Fernandes e o correspondente segue com opiniões pessoais sobre a temática. O correspondente Orlando de Souza aproveita a oportunidade e frisa que é de esquerda, gremista fanático, mas que é imparcial e a audiência sabe disso. O apresentador Sérgio Fernandes aproveita a oportunidade e comenta que as emissoras do interior não possuem os mesmos compromissos das grandes redes, desta forma podendo dar a opinião verdadeira e sem medo. A conversa segue falando sobre política, dando uma pincelada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e projetando a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Após a participação do correspondente, o apresentador Sérgio Fernandes retorna com a interatividade e mais um bloco do quadro Infomusic, desta vez tratando sobre o filme Como Nasce Uma Estrela. O programa retorna ao estúdio e logo em seguida vai ao ar o quadro Receita do Dia que ensina como fazer um pão caseiro. Na sequência, o apresentador chama mais um quadro do Infomusic, com a notícia sobre a cantora Anitta que figura na lista de celebridades mais importantes da música latina. Depois, entra no ar mais um quadro do Saúde e Beleza, com a dica sobre o conserto de pó e sombras utilizadas para maquiagens. Para finalizar a atração, o apresentador chama mais uma matéria de Sayonara Moreno, da Rádio Nacional de Brasília, trazendo um trecho do discurso do então presidente empossado Jair Bolsonaro, destacando que pretende acabar com a corrupção e a troca de favores políticos. O programa encerra com o apresentador Sérgio Fernandes interagindo com a audiência e desejando um bom dia a todos.
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Programa 2: Primeiro Jornal – 26.04.2019
O segundo programa a ser apresentado, nesta pesquisa chamado de Programa 2, foi veiculado em 26 de abril de 2019 pela Web Rádio Atualidade e tem por mote principal pautas factuais11. A trilha de abertura da atração roda e logo após o radialista Sérgio Fernandes entra ao vivo, porém não é possível escutar nada, devido falha técnica. O silêncio permanece e minutos depois toca uma música do ritmo sertanejo, da dupla Jorge e Mateus. Antes mesmo do fim da melodia, o programa retorna ao estúdio com a saudação do apresentador que também justifica os problemas técnicos. Em seguida, o locutor interage mandando abraços aos ouvintes.
Dando continuidade, o radialista traz curiosidades sobre o que é comemorado no 26 de abril, informando que data é marcada pelo dia nacional de prevenção e combate a hipertensão e dia do goleiro. Na sequência, ele realiza a leitura de curiosidades do dia na história, citando a data de quando ocorreu a primeira missa no Brasil e a fundação da rede Globo. Neste momento, faz um comentário sobre as críticas que emissora recebe. Após a explanação, mais fatos históricos são narrados aos ouvintes. Com o fim do texto sobre curiosidades, a trilha de abertura roda, o apresentador informa a hora e diz que dará início aos trabalhos do Primeiro Jornal. Posteriormente entra o quadro Mensagem do Dia, com a narração de um texto motivacional, mas não pelo apresentador. A voz é de uma segunda pessoa. Na volta ao estúdio, o apresentador entra mais uma vez na interação com os ouvintes mandando abraços e lendo os comentários dos mesmos. Logo após, é a vez da previsão do tempo para região sul, através de um boletim gravado por uma voz feminina. O apresentador retorna complementando a previsão do tempo com a leitura de um texto com informações sobre a meteorologia no Rio Grande do Sul e, especificamente, da cidade de Butiá e Região Carbonífera. Logo depois entra o bloco de comerciais. O programa volta e o locutor abre mais um momento de interação com audiência. Em seguida, o radialista Sérgio Fernandes traz informações do trânsito, fazendo a leitura de notícias de Porto Alegre e da rodovia BR-290. O apresentador anuncia que está tentando fazer contato com o repórter de trânsito, o motorista Ronaldo Nogueira, mas afirma que não está conseguindo. Sem sucesso, o apresentador inicia a participação do correspondente Dagoberto Paulo, com um diálogo sobre notícias do trânsito e comentam sobre a infraestrutura necessária na Região Carbonífera. Logo após, retoma os assuntos do dia a dia, desde fatos ocorridos na vida de ambos até a passagem de uma receita de um prato de peixe. Além disso, a participação é finalizada trazendo fatos históricos da Região Carbonífera. 11 Disponível em:https://www.facebook.com/radioatualidade/videos/311622322801166/ Acesso em 20.05.2019.
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Concluída a participação, o apresentador anuncia a entrada do correspondente de trânsito, o motorista Ronaldo Nogueira. Ele vem com informações das condições de trafegabilidade na rodovia BR-290. Com o encerramento da participação, entra mais um bloco de comerciais. O Primeiro Jornal retorna com a entrada de mais um correspondente, desta vez, Orlando de Souza, de Pantano Grande, que inicia o boletim atualizando sobre a previsão do tempo. Depois entra no assunto do assalto a banco em Porto Xavier, comenta sobre a falta de segurança pública e emenda comentando sobre os decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, especialmente sobre o fim do horário de verão, criticando o presidente devido a medida.
A conversa permanece, mas desta vez na editoria futebol, mas em segundos retorna para a pauta da segurança pública. Posteriormente, o correspondente traz a primeira notícia de Pantano Grande, com a leitura da manchete sobre o investimento da Prefeitura Municipal na pintura de escolas. A mudança na lei de transporte por aplicativos, em Santa Cruz do Sul, a agenda do prefeito de Pantano Grande e o atropelamento no centro de Rio Pardo também são notícias apresentadas, sempre seguidas de opinião. Após o longo diálogo de 33 minutos, o apresentador chama mais um bloco de comerciais. Na volta dos comerciais, o apresentador Sérgio Fernandes anuncia a entrevista com sindicalista Oniro Camilo, que fala sobre o ato público em defesa ao trabalhador, no dia 1º de maio, em Butiá. Com o fim da entrevista, o apresentador volta a interagir com a audiência e encerra o programa Primeiro Jornal, desejando um bom final de semana.
Feita a apresentação dos programas selecionados, inicia-se a análise dos dados. Categoria 1: Construção da Pauta
O Programa Primeiro Jornal, durante a construção da pauta diária apresentada aos ouvintes segue passos conforme orienta os estudos de Traquina (1999), mas também deixa de lado tópicos que são importantes na elaboração do que será noticiado aos ouvintes, como ter conhecimento a partir do contexto que produção noticiosa está inserida. Diante da imprevisibilidade dos acontecimentos noticiáveis, os veículos se organizam de forma a impor ordem no tempo e no espaço. Souza (1999) ainda vai mais fundo, comparando à produção noticiosa a rotina industrial. Seguindo o pensamento do autor, dentro do Programa Primeiro Jornal a noticia é resultado dos aspectos: ação pessoal e ideológica. Sendo que a ação social, cultural, histórica e do meio físico não são contempladas dentro da elaboração da pauta. Durante as duas atrações analisadas fica nítida a preocupação por área geográfica, ao contar com correspondentes, para trazer informações das regiões que a web rádio Atualidade se propõe a cobrir. Ou seja, a pauta é produzida
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pela escolha de determinados lugares e temas. A partir do entendimento de que existe maior propensão para que as notícias surjam nesses territórios e sobre esses assuntos, faz com que, exatamente por causa de tais escolhas, esses lugares e temas estejam mais presentes no noticiário que outros assuntos e localidades. Nesta linha, cita-se Traquina (1999) ao observar que as empresas jornalísticas trabalham com diversos critérios para organização do tempo e pauta. O principal e muito presente no rádio e na internet, é o imediatismo e a atualidade. A pauta do Primeiro Jornal é preparada com foco em notícias da atualidade, principalmente com assuntos nacionais envolvendo política, sempre sendo pautada pela grande mídia. Porém, o imediatismo é deixado de lado, pela falta de profissionais, já que a produção e apresentação é realizada pelo radialista Sérgio Fernandes. Entretanto, os fatos inesperados são exatamente aqueles que melhor se enquadram no conceito de notícia e, não raro, costumam forçar os veículos a replanejarem suas pautas. Mas, isso não acontece no Primeiro Jornal, considerando os dois programas analisados. A dependência em relação às agências de notícias e aos releases de assessorias de imprensa, conforme aponta Traquina (1999), pela impossibilidade de enviar correspondentes a todos os lugares, é notável na elaboração da pauta da atração. Mas o que chama atenção é que isso ocorre até mesmo na participação dos correspondentes, que se apoiam em matérias que já estão prontas. Além disso, para preencher espaço, a produção do programa utiliza de conteúdos comprados de agências, apenas para ocupar o espaço, independente da relevância ou não para o ouvinte. Dois exemplos são a Mensagem do Dia e o Infomusic, material produzido por terceiros e adquirido pela emissora, o que não se encaixa em uma atração de caráter jornalístico. A opção de inclusão disso na pauta vai na contramão do que propõe Wolf (2005), ao salientar que na seleção e no filtro das notícias, as normas ocupacionais, profissionais e organizacionais parecem mais fortes do que as preferências pessoais. Categoria 2: Noticiabilidade e Valores-Notícia O Programa Primeiro Jornal, seguindo os estudos de Marques de Melo (2003) sobre os gêneros jornalísticos, tem características dos gêneros informativo e opinativo. Pelo gênero informativo apresenta a notícia. E, pelo gênero opinativo, traz os comentários. Em parte, os critérios de noticiabilidade estão presentes no Programa Primeiro Jornal, indo ao encontro aos estudos de Traquina (2008). O autor destaca que o conceito de noticiabilidade pode ser definido como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. A utilização dos critérios está evidente quando a produção insere no roteiro notícias do trânsito, política e previsão do tempo. Porém, no momento da produção e até mesmo na escolha dos correspondentes ou quadros, não é pensado em qual viés será abordado e que
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forma pode atrair mais o interesse do ouvinte. E, esse aspecto dos critérios são como um consenso para definir como formar o produto final, conforme Cardoso (2002). Tal falha pode ser cometida pelo fato do número reduzido de profissionais para produzir a atração. Pois, o radialista Sérgio Fernandes é o responsável pela produção, apresentação e técnica, de uma atração que dura uma hora e meia. Segundo Bourdieu (1997), não há nada mais perecível do que a notícia de rádio. Ela é dada e pronto, não dá para virar a página e ler de novo. O ouvinte tem que entender de primeira. Ou seja, essa captação da notícia pelo receptor está diretamente ligada com a afirmação de Cardoso (2002), quando fala na entrega do produto final, sendo de suma importância a presença dos critérios.
Nas duas edições analisadas do Programa Primeiro Jornal, percebe-se que esses pontos não são seguidos. Primeiro pelo fato que não há preocupação com a dinamicidade em que notícia é dada. Quando lidas as notícias, todas retiradas de sites de grandes veículos em nível nacional e estadual, são textos longos, narrados pelo apresentador. Além disso, a marca do programa são os comentários entre uma informação e outra, dando a entender que a principal preocupação não é informar, mas sim externar opiniões próprias. Neste caso, do apresentador Sérgio Fernandes também tem a função de formador de opinião. Conforme Marques de Melo (2003), essa é uma característica do gênero opinativo, que propõe influenciar o homem.
Outro aspecto que se pode analisar diz respeito ao fato do Programa Primeiro Jornal fazer parte da programação da web rádio Atualidade, com sede em Butiá. Apesar de estar na web com a possibilidade de atingir qualquer parte do mundo, a emissora afirma ter o compromisso de cobrir fatos da Região Carbonífera e Vale do Rio Pardo. Dentro deste contexto, a atração deveria ter como carro chefe pautas locais, cumprindo os critérios elencados por Wolf (2003), principalmente a proximidade. Seguindo essa linha, outro critério apontado pelo autor estaria presente na atração, neste caso a novidade.
Porém, o que é apresentado é totalmente o inverso. Quando levadas aos ouvintes, as notícias locais ficam em segundo plano, até mesmo quando há participação de correspondentes. Um dos exemplos é a participação de Orlando de Souza, que entra ao vivo da cidade de Pantano Grande, no Vale do Rio Pardo e utiliza a maior parte do tempo de sua participação tratando de assuntos políticos em nível nacional, sempre deixando claro sua posição política, com fortes críticas ao atual governo do presidente Jair Bolsonaro. Até mesmo na apresentação destas informações, o critério novidade não se faz presente, já que as notícias são obtidas por meio de outros veículos. Outro ponto que contribui para a grande falha no uso dos critérios de noticiabilidade durante a produção e apresentação é a falta de profissionais da comunicação, como jornalistas. Fora a presença do radialista Sérgio Fernandes, as demais participações como dos correspondentes Orlando de Souza, Dagoberto Paulo e Ronaldo Nogueira, não são da área. Inclusive, fica evidente que eles atuam em outras profissões, como o caso do motorista Ronaldo
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Nogueira, que traz informações do trânsito. Tais características deixam claro que as contribuições destas partes acontecem na intenção de contribuir com o apresentador, ou até mesmo, por hobby. Categoria 3: Interatividade e as web rádios A interatividade é uma das características marcantes na internet. Hoje, uma matéria de um site de notícias não fica somente no portal, pois é replicada em redes sociais como o Facebook, Twitter, Instagram. O mesmo movimento favorece o Programa Primeiro Jornal, que faz parte de um veículo da web e explora muito a participação do público, exclusivamente no Facebook. A atração da web rádio Atualidade utiliza muito esta possibilidade, através do apresentador Sérgio Fernandes. Tal comportamento vai ao encontro do que afirmam Aldé e Chagas (2006), quando citam que os profissionais da comunicação inseridos no ambiente das mídias digitais passam a funcionar de acordo com a lógica do meio, baseada na interatividade, acessibilidade e atualização constantes. É notável que a interatividade com os ouvintes faz parte do Programa Primeiro Jornal. Isso fica evidente logo na abertura, quando o apresentador Sérgio Fernandes já inicia mandando abraços e lendo os recados da audiência que lhe acompanham. A característica dos programas jornalísticos de rádio durante a abertura é a informação aos ouvintes do que será abordado durante a atração, com a leitura das manchetes e destaques. Porém, no Primeiro Jornal, a conduta do apresentador passa a mensagem que a interatividade está em primeiro lugar. Primo (1998) afirma que as redes sociais forçam as empresas jornalísticas a participarem de um novo jogo de forças em que a audiência tem mais do que o simples poder do controle remoto ou da assinatura. E é justamente isso que ocorre no Programa Primeiro Jornal, que utiliza da interatividade para manter os ouvintes. A figura do público como uma massa passiva dá lugar a uma audiência participativa. Em ambas as edições analisadas, nota-se a presença de um público fiel, que participa, comenta e quer receber atenção. O comportamento é explicado por Dantas e Rocha (2016), conforme os autores as redes sociais da internet vêm desempenhando um importante papel da redefinição da atividade jornalística. Ao aumentar a participação do público, elas acabam por modificar as relações previamente existentes entre público, jornalista e veículo. Porém, toda essa interatividade durante o Programa Primeiro Jornal não é nem um pouco informativa. Os ouvintes não participam mandando sugestões de pauta ou relatando fatos que podem ser noticiados, como um problema de trânsito por exemplo. E, também, não participam dando comentários sobre as notícias veiculadas durante a programação. Essa realidade é totalmente ao contrário do que explica Esteves (2003), quando afirma que a interatividade da audiência com os veículos de poder da palavra, a possibilidade de ganhar visibilidade e ter algum impacto na esfera pública.
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O grande espaço que o apresentador da atração oferece ao público, não está ligado ao quanto eles podem contribuir com informações relevantes, mas sim, uma alternativa para preencher espaço e tempo, já que atração possui pouquíssimos quadros e são constantes as falhas técnicas que não lhe permitem o contato com seus correspondentes. Ou seja, a interatividade massiva com os ouvintes não é pelo fato das novas possibilidades advindas das redes sociais, surgindo uma nova opção para a produção de notícias, conforme aponta os estudos de Zago (2011). REFLEXÕES PERTINENTES Verificou-se que a atração não tem como foco principal, durante a montagem da pauta, notícias de interesse local e regional, com informações de Butiá e da Região Carbonífera. Além disso, as inserções com notícias nacionais estão em primeiro plano e não apenas para complementar a atração, alternativa muito utilizada nas emissoras AM, por exemplo.
Por se tratar de um veículo local e que faz questão de deixar isso bem claro durante a programação da emissora, no site e fanpage no Facebook, criase a expectativa de que, ao acessar as plataformas digitais para acompanhar o Programa Primeiro Jornal, o ouvinte ficará bem informado dos fatos de sua comunidade, pautas que acabam não tendo espaço na grande mídia. O caminho natural de ouvintes, leitores, internautas e telespectadores que buscam esse produto final, são os veículos locais. Porém, a mensagem que o Programa Primeiro Jornal passa de ter o compromisso com a informação local, não se concretiza.
Ficou nítido que a proximidade e novidade, critérios de noticiabilidade que devem ser levados em conta na produção de qualquer programa jornalístico, para desta forma entregar o produto inserido no contexto no qual o veículo está presente, não são levados em consideração pelo radialista Sérgio Fernandes. Recorda-se que o mesmo é o responsável pela produção, apresentação e técnica da atração. Existe o critério do que é noticiável ou não, mas apenas em assuntos de repercussão na mídia. Desta forma, entende-se que quem pauta o programa, na maioria das situações, são os grandes veículos e não os acontecimentos locais das regiões que a Web Rádio Atualidade se propõe a cobrir. Ou seja, o que é apresentado nos Programa Primeiro Jornal, já foi noticiado em outros veículos. Em suma, o Programa Primeiro Jornal faz a ‘propaganda’ de um produto em sua faixada, mas ao entrar no seu ‘interior’, o ouvinte se depara com algo totalmente diferente. As notícias da cidade de Butiá, da Região Carbonífera e Vale do Rio Pardo são meras coadjuvantes, apenas figuram para preencher espaço na atração. Quando noticiadas, não há profundidade, pois existe uma preocupação maior de fazer comentários, onde a figura do formador de opinião tem presença marcante e sobrepõe-se ao gênero informativo. Cabe destacar que até mesmo nos comentários, a pauta local não é o principal objetivo. As opiniões sempre são externadas a partir de assuntos nacionais, principalmente política e até mesmo
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futebol. O que chama a atenção é que a política local não é citada. Quando abordada, nomes de políticos não são mencionados. Os comentários sempre surgem em forma de códigos, charadas ou indiretas. Uma pauta de grande interesse público, principalmente de comunidades do interior, perde espaço em uma emissora local até mesmo para quadros que trazem informações sobre o mundo da música, por exemplo. Mais uma vez os critérios de noticiabilidade são deixados de lado. Outro aspecto a considerar é a falta de profissionais na emissora. Considerase que este é um dos fatores para as constantes falhas na elaboração da pauta. Fica evidente que notícias locais não são o foco, pois faltam profissionais para apurar os fatos. A Rádio Web Atualidade é uma emissora de somente uma pessoa. Os demais participantes não recebem nada em troca. Então, não há preocupação se vão ou não entregar o que a emissora se propõe. E, também não há como cobrar critérios de noticiabilidade de quem é leigo na área da comunicação, já que no caso dos correspondentes, todos atuam em outras esferas. Destaca-se ainda o fato de que por mais que a participação dos ouvintes seja muito valorizada no Programa Primeiro Jornal, através da interatividade que as redes sociais proporcionam, esse espaço não é utilizado para tratar de assuntos, pautas ou problemas locais. Além disso, nota-se que não há um roteiro de quando será dado espaço para interatividade. Como existem muitas falhas técnicas, como não conseguir contato com um correspondente, o apresentador Sérgio Fernandes usa essa possibilidade para preencher o tempo. Toda vez que algum problema surge, a válvula de escape são os ouvintes. É comum que até mesmo grandes atrações utilizem desta ferramenta, mas com moderação. Nos programas de rádio é normal que os ouvintes interajam mandando informações, que serão apuradas pela equipe de produção ou repórteres. Na web rádio Atualidade isso não acontece, os recados se limitam a abraços e saudações, sem viés jornalístico. Ficou claro então, que a emissora tem noção do que é notícia, sendo ela pautada pela grande mídia. O uso dos critérios de noticiabilidade e dos valoresnotícia para compor a pauta com assuntos locais, são ignoradas. As notícias das regiões que a emissora diz cobrir são deixadas em segundo plano. Dito isso, cabe esclarecer que essa pesquisa é um passo para estudos futuros, sobre web rádios. Espera-se, dessa forma, gerar novos estudos, debates e entendimentos como as novas mídias, em especial sobre como as web rádios podem ganhar espaço, oferecendo conteúdo jornalístico de qualidade, especialmente em cidades do interior, onde as emissoras AM, muitas vezes, ainda são o único meio de informação local. REFERÊNCIAS ABERT. História do Rádio no Brasil. Disponível em: <https://www.abert.org.br/ web/index.php/notmenu/item/23526-historia-do-radio-no-brasil> ABIINTER. História do Jornalismo, 2014. Disponível em: <http://abiinter.com/
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Capítulo 7
O JORNALISMO ECONÔMICO NO JORNAL DO COMÉRCIO: A COBERTURA DO EMPREEDEDORISMO NO CADERNO GERAÇÃOE Sabrina Rosa Dias Maria Lúcia Patta Melão
O caderno GeraçãoE, encartado semanalmente no Jornal do Comércio, de Porto Alegre, foi publicado pela primeira vez em agosto de 2015 e surgiu como um projeto da Pontifíca Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com um conteúdo direcionado ao empreendedorismo. Atualmente, a publicação faz parte do contexto do Jornal, não havendo mais envolvimento da Universidade na linha editorial. O caderno, atualmente preparado por uma equipe formada pelos jornalistas Mauro Belo Schneider, Roberta Fofonka, Robson Hermes e Júlia Fernandes, busca se comunicar com um público empreendedor. Além do caderno impresso, a comunicação com o público também acontece através das redes sociais, como o Facebook, Instagram e Twitter. Esta pesquisa pretende entender como os empreendimentos são abordados nas reportagens, além de verificar se as edições apresentam algum diferencial no que diz respeito à linguagem e diagramação. Também procura identificar como o jornalismo econômico está presente nas reportagens, uma vez que o Jornal do Comércio é um veículo segmentado na área da economia, de negócios. A hipótese é de que o caderno GeraçãoE apresenta o empreendedorismo como uma saída para entrar no mundo dos negócios, mas não mostra profundidade nas abordagens das matérias e, consequentemente, não é possível desenvolver jornalismo econômico. JORNALISMO ECONÔMICO A economia não é um assunto muito simples de se entender, ainda mais para quem é leigo. No entanto, ela pode se tornar de fácil compreensão quando traduzido como notícia pelos jornalistas. Caldas (2008, p. 9) diz que o jornalismo econômico “é de fato um guia de sobrevivência indispensável para a nossa vida cotidiana: é lá que estão as notícias sobre juros e inflação, tarifas públicas e aluguel, golpes e trambiques, sobre o preço da carne e do feijão, o
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emprego perdido e o salário reduzido.” Jacobini (2008), citando Kucinski (1996), salienta que o jornalismo econômico é um jornalismo diferente, pois não aborda apenas coisas singulares e/ou excepcionais. Pensa em todos os momentos da “constante transformação da realidade econômica, das novas variáveis que surgem e da ausência de independência dos fatos”. (KUCINSKI, 1996 apud JACOBINI, 2008, p. 190). A autora acrescenta, também, que a “economia é um processo e, justamente por isso, o jornalismo econômico reflete essa conexão de fatos contínuos”. (JACOBINI, 2008, p. 192). Jacobini (2008), ao citar Quintão (1987), destaca, ainda, que o jornalismo econômico é uma “difusão dos fatos e temas relacionados com economia e setor de finanças” (QUINTÃO, 1987 apud JACOBINI, 2008, p. 192). No caso do Brasil, esses fatos também devem ser vinculados às diversas fases e crises pelas quais a economia passou. Vale lembrar que muitas delas foram influenciadas por questões políticas. A partir disso, o jornalismo econômico foi conquistando um espaço nas editorias dos principais jornais do país. Alguns acontecimentos históricos marcaram o crescimento do jornalismo econômico, como a ditadura milita que possibilitou que as notícias sobre economia se sobressaíssem mais que as de política, conforme lembra Basile (2011). Puliti (2013) destaca que isso ocorreu porque, durante o regime militar, os conteúdos sobre política eram censurados. Segundo o autor, foi nesse período que surgiu um jornalismo mais especializado, com conteúdo voltado para atender o perfil agrário-exportador, que definiu por anos a economia do país. Segundo Basile (2011), com a redemocratização do Brasil, em 1985, o jornalismo econômico se especializou cada vez mais. Segundo o autor, poucos eventos históricos foram tão importantes para o crescimento do jornalismo econômico quanto o confisco da poupança, imposto pelo presidente Collor de Mello, nos anos 90. As questões financeiras preocupavam e incomodavam muito os cidadãos brasileiros, e, com isso, os jornais investiram muito na cobertura econômica, para explicar ao público o que estava acontecendo naquele momento. A imprensa econômica cresceu muito e ganhou leitores fiéis, que, em busca de acompanhar o mercado, procuram canais de comunicação especializados sobre o assunto. Basile (2011) lembra que as novas tecnologias também ajudaram no crescimento desse segmento do jornalismo, pois basta um clique para saber as informações econômicas do mundo todo. “Em consequência temos milhares de serviços noticiosos, sites na internet que fornecem serviços extremamente segmentados e valiosos para estratos de públicos cada vez mais diferenciados e discriminados” (BASILE, 2011, p. 90). REPORTAGEM No século XVII, quando surgiu o jornalismo, o texto das notícias carregava um discurso retórico, para exaltar o Estado e a fé (LAGE, 2008). Segundo o autor, os primeiros jornais começaram a circular a partir de 1609 nos comércios e
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eram ligados à burguesia, cabendo aos jornalistas a missão de difundir as ideias burguesas. Já nessa época, conforme Lage (2008), o jornalista era visto como um publicista, que dava orientações e interpretava a política. O autor lembra, ainda, que a função de repórter é importante para a elaboração de um jornal, que é o agente da notícia e os olhos do leitor, pois ele presencia o fato e mostra ao público aquilo que ele achou mais relevante. Assim, a reportagem é, entre outros aspectos, “a busca do ângulo (às vezes apenas sugerido ou nem isso) que permita revelar uma realidade, a descoberta de aspectos das coisas que poderiam passar despercebidos”. (LAGE, 2008, p. 35). Para Miranda e Santos (2010), a reportagem é diferente da notícia, pois exige um esforço maior para apurar os fatos, “já que tem como base declarações e opiniões de especialistas no assunto, pessoas envolvidas no fato, material de arquivo consultado pelo jornalista; além de pesquisas, que podem atribuir credibilidade ao repórter”. (MIRANDA; SANTOS, 2010, p. 53). Para os jornalistas econômicos, no entanto, existe um desafio maior, pois precisam traduzir os números e siglas para os leitores, explicar, de maneira clara, o que ocorre na economia e como os fatos afetam o cotidiano da população. Além disso, conforme Caldas (2008, p. 48), “no jornalismo econômico, as possibilidades de temas para uma reportagem de fôlego são infinitas. Basta usar a criatividade”. E essa criatividade surge antes mesmo da matéria ser escrita. Ocorre durante a apuração, fazendo com que o repórter forme uma notícia atrativa para o leitor, sem nunca esquecer que precisa “sobretudo, saber interpretar com simplicidade e agregar novos dados para projetar e oferecer ao leitor indicações de tendências, para que ele possa planejar sua vida e seus negócios (CALDAS, 2008, p. 85). Basile (2011) lembra que estruturar a cobertura econômica é fundamental, sendo que pode ser vertical ou horizontal, o que ajuda o jornalista a identificar como será o acesso à economia e aos negócios. Na vertical, o jornalista deve imaginar a economia como um uma figura geométrica, um cubo, por exemplo, e fatiá-lo em vários pedaços, sendo cada uma delas um setor. Quanto à horizontal, ela permite que o jornalista faça uma cobertura econômica geográfica, ou seja, quando o profissional se dedica a cobrir um país, um estado, uma cidade ou um bairro. Outra maneira de organização desse tipo de cobertura seria, segundo Basile (2011), trabalhar com competências para atrair os leitores que buscam por determinados assuntos. “Assim como no jornalismo setorizado, organizar a cobertura por competências é uma forma eficaz de ganhar interesse, audiência, respeito, influência e credibilidade do público” (BASILE, 2011, p. 101). EMPREENDEDORISMO O empreendedorismo no Brasil vem se intensificando desde os anos 90, com o avanço da globalização e a estabilização da economia. Chiavenato (2012) entende o empreendedorismo como um refletor da prática de novos
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negócios ou de revitalizar velhos negócios. Para Dornelas (2004, p. 81), “as definições para empreendedorismo são várias, mas sua essência se resume em fazer diferente, empregar os recursos disponíveis de forma criativa, assumir riscos calculados, buscar oportunidades e inovar”. Stevenson (1993), citado por Dornelas (2004), acredita que o empreendedorismo é o “processo de criação de valor pela utilização de forma diferente dos recursos, buscando explorar uma oportunidade” (STEVENSON, 1993 apud DORNELAS, 2004, p. 81).
Segundo Fernandes e Ribas (2015), empreender é um processo que inicia com problemas, necessidades ou oportunidades e que, a partir disso, começam a surgir ideias criativas. Os autores entendem que a criatividade está ligada à “produção de ideias novas, originais e de valor em qualquer domínio de atividade”, (FERNANDES, RIBAS, 2015, p. 4). Os autores, citando Christina Shalley (2004), apontam a criatividade como o desenvolvimento de novas ideias que sejam possíveis de ser colocadas em prática, sendo inovadoras a partir do momento em que são executadas com êxito dentro de uma organização. Fernandes e Ribas (2015, p. 4-5), por conta dessas colocações, dizem que “a criação ou o desenvolvimento de novos produtos, processos ou serviços depende de pessoas ou equipes terem boas ideias e darem vida a essas ideias. As ideias são o combustível da inovação.” Segundo West e Farr (1990), citados por Fernandes e Ribas (2015, p. 7), a inovação é a “introdução e aplicação intencional de novas ideias, processos, produtos ou procedimentos com o objetivo de beneficiar significativamente indivíduos, grupos, organizações ou a sociedade como um todo”. Bessant e Tidd (2009) lembram que inovar não é apenas criar algo novo, mas também renovar aquilo que já é consolidado. Para os autores, “a inovação possui três pontos principais, que são a geração de novas ideias, a escolha das melhores e a implementação delas”. LINGUAGEM E DIAGRAMAÇÃO Segundo Antunes (2005, p. 13), a linguagem jornalística trabalha ao mesmo tempo com as “linguagens verbal, escrita, fotográfica, gráfica e diagramática. Cada matéria, cada foto, cada unidade no jornal é como uma constelação, onde nenhuma estrela isoladamente tem sentido”. Considerado uma linguagem mais definida, o campo do design gráfico tem ganhado cada vez mais espaço nas editorias de jornais, tendo em vista a preocupação com o campo visual dos periódicos (DAMASCENO, 2013). O autor explica, ainda, que existem duas etapas, que seriam distintas, no que diz respeito à diagramação e ao projeto gráfico. Enquanto o primeiro seria o “ordenamento diário dos elementos nas páginas” (DAMASCENO, 2013, p. 11), o segundo diz respeito a um conceito, basicamente no aspecto de estabelecer um padrão, geral, gráfico de alguma publicação. O que une as duas etapas é que a diagramação reproduz, ou como diz o autor, replica o que foi estabelecido como padrão.
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Há algum tempo o jornalismo impresso passa por uma crise, e muito se ouviu falar no fim dos jornais impressos, conforme Lage (2004). No entanto, o que está acontecendo é uma evolução nesse meio de comunicação. A partir desse momento, os jornais passaram a buscar novas formas visuais de atrair o leitor, que vão além do texto jornalístico. É preciso integração de quem faz a notícia com quem executa o planejamento gráfico (DAMASCENO, 2013). Para Lage (2004), o projeto gráfico de um jornal deve manter a identidade do veículo, para, assim, o leitor reconhecer antes mesmo de ler o título. Silva (1985) entende que, independente do estilo gráfico do jornal, a diagramação utiliza dois modelos básicos de planejamento gráfico, que garantem a harmonia de uma publicação impressa. Segundo o autor, existe o modelo simétrico, com uma homogeneidade dos elementos gráficos, isto é, com uma “disposição simétrica dos títulos, textos, ilustrações e outros elementos”. (SILVA, 1985, p. 51). O outro modelo seria o assimétrico, com a “utilização de coordenadas mistas (horizontais e verticais simultaneamente), provocando grande valorização estética”. (SILVA, 1985, p. 51) Damasceno (2013), citando Zappaterra (2007), destaca as funções do design editorial, apontando que tem a qualidade de conferir a expressão e personalidade do conteúdo. O objetivo seria promover um envolvimento do leitor através da apresentação visual, para que houvesse um interesse por aquilo que está sendo apresentado, pela leitura. A ideia central seria a construção de uma informação de maneira agradável. Assim, o projeto gráfico forma um padrão visual para as publicações, e que se repete a cada edição de um jornal impresso (DAMASCENO, 2013). Em relação à fotografia, ela seria uma peça importante para a diagramação de um conteúdo jornalístico em um jornal impresso. Além da beleza, a foto traz uma carga emocional e informativa de uma ação ou de um fato e, por isso, dispensa outro tipo de informação (SILVA, 1985). Segundo Lage (2004), o fotojornalismo surgiu para acabar com a monotonia das páginas cheias de textos, mais do que para informar ou retratar algum fato. Para Souza (2002), o fotojornalismo não é somente uma fotografia. Tal prática concilia fotografia e textos, um completando o outro no que diz respeito à informação. METODOLOGIA DE PESQUISA A análise será de forma exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa, com técnicas de coletas de dados por meio de pesquisas bibliográficas e documental, com amostragem não probabilística, conforme Gil (2008). O método de pesquisa será a análise de conteúdo, que, de acordo com Fonseca Júnior (2008, p. 298), trabalha com a categorização de dados, que “consiste no trabalho de classificação e reagrupamento das unidades de registro em número reduzido de categorias, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados e sua diversidade”. Em relação a esta pesquisa, as categorias identificadas são a cartola Negócios (junto com as palavras de apoio que existem), criatividade (um dos
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preceitos do empreendedorismo), inovação (também destacado pelo conceito) e diagramação, onde serão pinçados os elementos fotografia e grifos de texto (são utilizados marcadores amarelos para destacar determinadas frases ou citações diretas). A análise será realizada em 3 publicações de 2018, mais especificamente do mês de setembro - dias 13, 191 e 27. Como o caderno GeraçãoE é construído não por editorias, mas por cartolas (retrancas) que praticamente se repetem ao longo das publicações, definiu-se que a cartola ‘Negócios’ seria a analisada, pois acredita-se que pode representar o empreendedorismo. Edição do dia 13 de setembro 2018 A reportagem, com 5 colunas, sendo 3 com apenas seis linhas, tem uma fotografia da empresa em destaque ocupando o espaço restante dessas 3 colunas. A matéria ‘Espaço une gastronomia e artesanato’ é sobre um café, o Obra Café, e que tem uma decoração inspirada em indústria, com os funcionários usando macacões. A reportagem é de Giana Milani. Categoria Negócios – A reportagem, ao ser colocada nessa retranca, que está localizada na página 3 da edição, tem como apoio as palavras novidade e gastronomia, separadas por vírgula. São palavras que vão atrair o leitor, especialmente o interessado em empreendedorismo, que, de acordo com Chiavenato (2012), reflete novos negócios, mais precisamente com a prática dos mesmos. Assim, a palavra novidade dá um indicativo do que o leitor terá condições de encontrar ao ler a reportagem. Gastronomia, como uma palavra solta, não mostra, a quem vai ler a matéria, o que pode ser encontrado. Ao colocar a vírgula, a impressão que passa é de que são dois assuntos separados, sem nenhuma ligação, o que não é verdade. Categoria Criatividade – A reportagem não destaca como criatividade o fato de o empreendimento unir dois ambientes em um só, que seria uma forma de atrair dois tipos de público para um único espaço. Também passa como natural a ideia de ser um ambiente que lembre uma fábrica, com os funcionários usando macacão. O único destaque da reportagem em termos de criatividade é o fato de o cardápio apresentar nomes de sanduíches com termos utilizados em construção. Nessa categoria, a reportagem não destaca uma das essências do empreendedorismo, conforme Dornelas (2004), que seria fazer diferente. Que o empreendedor precisa saber utilizar, de maneira criativa, os recursos que dispõe e que, além de prever os riscos, ir atrás de oportunidades e, acima de tudo, inovar. Categoria Inovação – Para Bessant e Tidd (2009), inovar não é apenas criar algo novo, mas também renovar aquilo que já é consolidado. Para os autores, a inovação possui três pontos principais, que são a geração de novas ideias, a escolha das melhores e a implementação delas. Na reportagem sobre o ‘Obra Café’, que trabalha com dois tipos diferentes de atividade (cafeteria e 1 Por conta do feriado de 20 de setembro, o caderno foi publicado na quarta-feira, dia 19/9.
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artesanato), nada disso é visível: tal fato não está claro na matéria e tampouco existe fotografia do ambiente interno que mostre a sistemática do local. Categoria Diagramação – O texto possui uma linguagem clara e objetiva, dividido em cinco colunas, que é completada com uma foto centralizada entre o texto. A foto mostra o proprietário em frente ao local, vestindo um macacão cinza e representa o que é destacado no texto. O título, centralizado, revela a proposta do negócio, que é ‘Espaço une gastronomia e artesanato’. Ainda conta com o apoio do subtítulo, em cor azul (mesma cor da cartola dessa edição). Os grifos em cor amarela nos textos são uma marca do caderno GeraçãoE, que neste dia explica o objetivo do espaço que une dois ambientes, “Queremos valorizar o trabalho manual. Para que as pessoas tenham um local onde possam expor seus trabalhos”. Por fim, ao lado da cartola, em um box, o caderno traz uma pequena notícia, dados ou serviços, que, nessa edição, não tem nada a ver com a reportagem. Percebe-se que o caderno não explora os recursos que a diagramação disponibiliza, o que faz com que uma reportagem que, teoricamente, mostra um negócio criativo, não apresenta tal característica. A fotografia tem um enquadramento básico, com o personagem centralizado. No entanto, ele está sentado, o que faz com que exista muito teto em relação à cabeça do empresário, pois há necessidade de mostrar a fachada do negócio. É preciso destacar, diante das observações feitas acima, que o GeraçãoE parece seguir ou manter a identidade do veículo. Só que essa forma de apresentação do assunto não dá, de acordo com Damasceno (2013), ao lembrar Zappaterra (2007), expressão e personalidade ao que está posto na matéria.
Em relação à edição do dia 13 de setembro, identifica-se que não houve maior apuração do conteúdo dessa matéria, como, por exemplo, o ambiente da cafeteria, que também integra um ambiente de artesanato. Tal fato poderia ter sido explorado em descrição no texto, ou até mesmo em fotografia. Conforme sugere Lage (2008), uma reportagem exige uma maior imaginação do repórter, assim permitindo que ele transmita ao leitor a realidade daquele negócio. Como o assunto não teve profundidade, não houve necessidade, no entendimento desta pesquisadora, da utilização das regras inerentes ao jornalismo econômico, ou seja, traduzir o que acontece para que haja o entendimento do leitor, conforme lembra Caldas (2008). Edição do dia 19 de setembro
A segunda matéria a ser analisada, localizada na página 7, composta por 5 colunas e uma fotografia, traz o empreendimento de um casal de Porto Alegre que lançou uma coleção de roupas sem gênero. A marca Piña con Limón surgiu em outubro de 2016, a partir da necessidade de um dos idealizadores. Categoria Negócios – A categoria Negócios, localizada na página 7, tem como palavras de apoio ‘vestuário’ e ‘genderless’, separadas por uma vírgula. Mais uma vez, a vírgula leva a crer que serão tratados dois assuntos diferentes na matéria. A primeira palavra dá a entender que a matéria é sobre roupas, não
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existindo, na segunda, que está em inglês, uma identificação do que o leitor vai encontrar na reportagem. Isso só ocorre no decorrer do texto, quando fica claro o significado de genderless, que significa ‘sem gênero’. Categoria Criatividade – A reportagem, apesar de deixar claro que o negócio surgiu a partir da necessidade de um dos idealizadores, contendo, assim, uma das características de empreender, conforme Fernandes e Ribas (2015), não apresenta claramente a criatividade. Houve apenas o entendimento de que a ideia do empreendimento foi diferenciado, tendo tal aspecto apenas no nome Piña con Limón, que, na verdade, não dá a dimensão do que o consumidor vai encontrar no local, e nas roupas que são coloridas, podendo ser usadas por homens e por mulheres. Categoria Inovação – A reportagem aponta a inovação do negócio, a partir do momento em que identifica que tudo foi pensado visando a criação de uma coleção de roupas com uma única modelagem, sem gênero e com estampas alegres. A matéria explica, inclusive, que os empreendedores foram além e que desenvolveram produtos voltados para homens, mais especificamente para os plus size, e ainda com estampas. Categoria Diagramação – O texto, escrito de forma clara e objetiva, é dividido em cinco colunas e ocupa meia página do jornal. O título ‘Casal de Porto Alegre lança roupas sem gênero’ está localizado no canto superior esquerdo da página e já deixa claro o que o leitor vai encontrar na matéria. Também há um subtítulo em cor vermelha (mesma cor da cartola dessa edição), na primeira coluna. Uma fotografia de tamanho médio no canto superior direito, mostra o casal empreendedor e algumas peças da marca. Conforme ressalta Lage (2004), a imagem tira a monotonia da página, o que acontece na foto citada, pois mostra as roupas coloridas. No entanto, não há detalhes do produto oferecido pelos empresários. O grifo em cor amarela destaca uma citação direta dos sócios: “A ideia é ser uma coisa alegre, latina, sugere Bruno. E exagerada, diverte-se Johny entre risos”. Tal destaque, na verdade, é que dá um pouco da real dimensão do negócio, a proposta do empreendimento. A diagramação da página é simétrica, mantendo coordenadas verticais e horizontais entre títulos, texto e fotos. A diagramação, no entanto, é completamente convencional, não criativa. Apenas uma fotografia ilustra a matéria, não mostrando o local e nem, como já foi citado, os produtos em destaque. Não é possível ver a coleção como alegre, divertida e latina, conforme os empreendedores definem. A reportagem dessa edição não traz nenhum diferencial que desperte o interesse do leitor. A linguagem e a diagramação são simples, lembrando muito o modelo do Jornal do Comércio. Não há nenhum componente atrativo. Além disso, a pouca profundidade na abordagem da história não permite conhecer mais sobre o empreendimento e quem está empreendendo. A fotografia também poderia ser mais explorada, dando vida e informação ao texto. Mais uma vez, o jornalismo econômico não esteve presente em sua totalidade, a não ser na identificação de um negócio entendido como diferente. Não foram apresentados dados e números que exigissem a intervenção do repórter,
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no sentido de traduzir, de interpretar a informação para o leitor, uma das características do jornalismo econômico. Edição do dia 27 de setembro Nesse dia, existem duas reportagens na cartola Negócios. A primeira matéria possui texto dividido em 3 colunas e duas fotografias. A repórter Giana Milani conta a história do bar Na Vida Real, em Porto Alegre, que faz a releitura de drinks, com destaque para a bebida alcoólica servida em uma cuia de chimarrão, o Bagé Mule. Inclusive, faz alusão ao mês, que é o dedicado às comemorações da Semana Farroupilha. Destaca no texto que esse foi um dos motivos que fez com que a matéria fosse produzida, além de ser um empreendimento novo na cidade. O que chama a atenção no início da reportagem é a linguagem bem pessoal do texto: “No local, descobrimos que não era bem um chimarrão normal que nos esperava, mas sim, um drink autoral da casa, chamado de Bagé Mule, servido em uma cuia. Embora o líquido pareça um mate de verdade, tivemos que beber com cautela. Afinal, além da espuma de erva-mate e do xarope de camomila, os outros ingredientes – a cidra de maçã e a cachaça de butiá – contém álcool”. Categoria Negócios – A cartola ‘Negócios’ está acompanhada de duas palavras, ‘novidade’ e ‘serviços’, separadas por uma vírgula. A palavra novidade faz sentido com o contexto de empreender, que, segundo Stevenson (1993), citado por Dornelas (2004), é um processo de criação que permite usar recursos existentes de uma maneira diferente. Já a palavra serviços dá a entender que, por estar na cartola negócios, é um empreendimento que oferece um produto. Categoria Criatividade – A reportagem deixa bem claro que é um negócio criativo, pois, conforme Shalley (2004), criatividade é o desenvolvimento de novas ideias que possam ser colocadas em prática. A criatividade também está presente, no entendimento desta pesquisadora, na maneira como a reportagem foi construída, propondo um texto em primeira pessoa, quase como uma crônica. Categoria Inovação – Bessant e Tidd (2009) acreditam que inovar é também mudar algo que já é consolidado. Na reportagem isso está bem identificado, em especial quando a repórter dá destaque à releitura de uma bebida típica no estado do Rio Grande do Sul, o chimarrão. Também fica claro na matéria que o empreendimento propõe que as pessoas fiquem longe do mundo virtual, sendo solicitado que o celular seja deixado em um cofre por um tempo determinado. Categoria Diagramação – A matéria, que ocupa um pouco mais de meia página, é escrita de forma clara e objetiva, apresentando as propostas do negócio. O texto é dividido em 3 colunas, um título localizado no canto superior esquerdo da página, que diz ‘Bar de Porto Alegre faz releitura de drink para servi-lo em cuia’, e deixa claro para o leitor o que ele vai encontrar no conteúdo. A matéria traz duas fotografias pequenas localizadas no canto superior direito, acompanhadas de legendas. Uma das fotografias exibe o proprietário do bar segurando a bebida que é oferecida em uma cuia de chimarrão, e a segunda
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foto mostra a cuia que leva a bebida e a gravação do nome do bar no material. A fotografia é importante, pois, segundo Silva (1985), ela traz uma carga de informação que não necessita de maiores informações. O grifo em amarelo destaca “O ‘Bagé’ remete à nossa roda de chimarrão”. Não está claro o motivo desse grifo, que não destaca nada em relação ao contexto da matéria. Seria, no entendimento desta pesquisadora, uma redundância, uma vez que existe uma relação entre chimarrão e roda. Supõe-se que houve a proposta de mostrar que o ambiente é amigável, que é um local ideal para reunir amigos. É importante ressaltar que ao lado da cartola, em cor cinza, há um box com a informação da projeção do crescimento de franquias para 2019. Tal elemento não acrescenta nada à reportagem, pois não está vinculada ao que está sendo exposto. No entanto, está nesse detalhe uma tentativa de apresentar dados, de deixar a reportagem um pouco mais com as características preconizadas pelo jornalismo econômico. A segunda matéria dessa edição, que faz parte da cartola ‘Negócios’, localizada na página 7 do caderno, ocupa menos de meia página com um texto dividido em cinco colunas e possui uma fotografia. A matéria ‘Empreendimento de psicologia busca valorizar pesquisas’, fala sobre a startup Semear, voltada para a psicologia, que havia iniciado há pouco tempo e buscava valorizar as pesquisas acadêmicas, que muitas vezes não são colocadas em prática. A matéria foi realizada por Giana Milani. Categoria Criatividade – É possível definir a reportagem como a mais superficial de todas as analisadas por esta pesquisadora. Isso porque não existe, a não ser a ideia que as sócias tiveram, nenhum elemento que remeta ao jornalismo econômico. Pode, em alguns momentos, apresentar o empreendedorismo, pois destaca a criatividade das psicólogas que, conforme Fernandes e Ribas (2015), diz respeito à criação e desenvolvimento de um produto ou um serviço, que surge a partir de uma ideia e é viabilizado. No entanto, entende-se que não basta apenas esse destaque para que a reportagem possa ser compreendida como um produto que tem como foco o empreendedorismo. Categoria Inovação – Nesta categoria, a reportagem não apresenta com detalhes como trabalha a startup, apesar de dizer que atua a partir de pesquisas desenvolvidas na academia e que, normalmente, ficariam engavetadas. Também não aponta, conforme West e Farr (1990) citados por Fernandes e Ribas (2015), como acontece na prática o benefício aos indivíduos. Mais uma vez, por falta de elementos mais profundos, não houve necessidade de uma tradução do material para o público, uma das características do jornalismo econômico. Categoria Diagramação – O conteúdo ocupou a segunda metade inferior da página, com um texto claro e objetivo, dividido em 5 colunas e um título localizado no canto esquerdo, onde diz ‘Empreendimento de psicologia busca valorizar pesquisas’. Em um primeiro momento, o título já dá a ideia do que o leitor vai encontrar, que é sobre um empreendimento de psicologia, mas a palavra ‘pesquisas’ pode deixar o leitor curioso para saber qual o tipo de pesquisa. A fotografia é pequena, centralizada no canto direito da página entre
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duas colunas e ao lado do título e com legenda. A foto exibe as duas sócias em uma sala, uma ao lado da outra, e de fundo um banner com o nome da empresa. O grifo em amarelo destaca a citação direta de uma das empreendedoras: “Uma escola tem uma situação de bullying em uma série, chama a Semear e a gente vai analisar tudo o que aconteceu”. Mais uma vez, o grifo não dá a dimensão do empreendimento, que teria a proposta de trabalhar com pesquisas acadêmicas. Houve o destaque de um tema que há muito tempo vem sendo discutido, combatido e trabalhado. Segundo Miranda e Santos (2010), uma reportagem possui maior profundidade e envolve mais pessoas do que uma notícia. Porém, não é o que acontece nesse caso, onde a repórter não busca relatar quais são os tipos de pesquisas que serão utilizadas nesse processo do empreendimento, nem como elas serão aplicadas, isto é, como de fato acontece o atendimento. O texto é superficial, já que poderia trazer mais informações sobre o trabalho da startup e de que maneira as sócias pretendem colocar em execução essas pesquisas acadêmicas que ficam paradas dentro das universidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise das categorias elencadas nas reportagens da cartola ‘Negócios’, presentes em três edições do mês de setembro de 2018, do Caderno GeraçãoE, esta pesquisadora entende que a publicação procura destacar o empreendedorismo, mas faz isso de uma maneira muito superficial, não entrando em maiores detalhes sobre o negócio, as dificuldades enfrentadas para a constituição do empreendimento, como são desenvolvidos os produtos que criam, entre outros aspectos. As matérias trazem a essência dos empreendedores, que, segundo Dorneles (2007), devem fazer diferente, empregar os recursos disponíveis de forma diferente, buscar oportunidades e inovar. No entanto, não há informações que possam, por exemplo, auxiliar as pessoas que estejam pensando em constituir um negócio. Por conta dessa característica, percebe-se que o repórter, para atuar no caderno, não necessita de uma especialização em jornalismo econômico. A hipótese dessa pesquisa se confirma, pois não há nenhum aprofundamento nas matérias para ressaltar o caminho do empreendedorismo. Além disso, nenhuma das matérias fala sobre as dificuldades de empreender no Rio Grande do Sul, sobre a forma de driblar a crise e como conseguem manter um padrão do negócio – para não deixar cair a qualidade, e, com isso, diminuir as vendas. Além disso, acredita-se que as reportagens, ao não aprofundarem o assunto, passam a impressão de que basta ter uma ideia diferente, ser criativo e inovar que é possível entrar no mundo dos negócios, que é possível empreender. Esta pesquisadora entende ser importante destacar que, por meio da observação realizada neste trabalho, percebeu-se que as reportagens do caderno GeraçãoE não são elaboradas por jornalistas econômicos, uma vez que não existe uma abordagem profunda em relação ao que está sendo relatado.
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Também não buscam informações que poderiam despertar o interesse do leitor, deixando o conteúdo mais atraente. Conforme Jacobini (2008) citando Kucinski (1996), o jornalista que fala sobre economia precisa fazer diferente, o tema não aborda somente eventos atípicos ou únicos, é uma realidade que está em constante transformação. Lage (2008) afirma que o trabalho de um repórter deve ir além de seguir um roteiro, ele envolve imaginação, insight e torna relevante aquilo que poderia passar despercebido. O conteúdo do caderno GeraçãoE, por ser superficial, poderia ser entendido como um canal de propaganda em relação ao negócio que está sendo destacado e não como uma reportagem construída para falar sobre novos empreendimentos no Rio Grande do Sul. Uma propaganda com roupagem jornalística. Na realidade, seria um aspecto a ser pensado profundamente, pois essas duas áreas da comunicação podem ser percebidas como complementares, como uma só, o que é preocupante, principalmente, no que diz respeito à isenção do jornalista. Um outro fator que também deve ser destacado é que a falta de criatividade na construção das reportagens pode ter a ver com o fato de que a grande maioria foi construída pela mesma repórter. Em relação à diagramação, não foi identificado nenhum diferencial, mantendo, inclusive, um padrão de simetria para as publicações da cartola Negócios, isto é, o mesmo número de colunas e fotografias. Percebe-se que reproduz o desenho gráfico do Jornal do Comércio, mas poderia, justamente por falar sobre empreendedorismo, que preconiza criatividade e inovação, trabalhar com outro modelo, com outro desenho, inclusive fugindo de padrões. Isso levaria a fotografia, por exemplo, a ser melhor explorada, com mais ação e realmente contando uma história do local. As fotografias das reportagens analisadas não retratam nenhuma ação ou emoção, muito menos exploram os sentidos visuais do leitor. Esta pesquisa não tem a pretensão de ser o fim de um caminho. Podese pensar, por exemplo, em explorar a questão da criatividade dos repórteres, quando são setoristas, ou que trabalham em editorias específicas e acabam trabalhando com pautas de uma única área. Também existe um outro aspecto que pode ser pesquisado, que seria um comparativo entre as reportagens do impresso e as que são postadas na plataforma online do caderno. Qual teria conteúdos mais completos? Criatividade do repórter, com mais elementos para trabalhar, seria mais desenvolvida na web? Essas são apenas algumas questões que ainda podem ser analisadas e trabalhadas em futuras pesquisas, que, agora, sim, poderiam pensar no jornalismo online. REFERÊNCIAS ANTUNES, Elton. Os tempos no discurso do jornal: fotografia, títulos e diagramação. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005, Rio de Janeiro. Disponível em:< >. Acesso em: 5 set. 2018.
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SOBRE OS AUTORES ...Caroline Riet Maciel
Formanda de Jornalismo do Centro Universitário Metodista - IPA e formada em Magistério. Atua na área comercial em uma instituição de ensino superior. Desenvolveu o estudo, pois acredita no feminismo como movimento empoderador e de igualdade de direitos entre homens e mulheres. Anseia por um Brasil no qual todos possam expressar suas opiniões e os jornalistas não sejam censurados ou perseguidos. ...Fabio Ramos Berti
Jornalista e Doutor em Educação em Ciências pela UFRGS. Coordenador dos cursos de Jornalismo, de Publicidade e Propaganda e de Turimos do Centro Universitário Metodista - IPA. Foi coordenador de comunicação do Comitê Gestor da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 - CGCopa/RS e chefe de gabinete da Secretaria Estadual do Esporte e do Lazer e diretor-geral da Secretaria Estadual da Ciência e Tecnologia. Atuou como assessor de imprensa no Palácio Piratini e na Assembleia Legislativa/RS, e como Diretor de Jornalismo da RDCTV, além de outros veículos de comunicação (rádio, TV, jornal e internet). ...Guilherme Bernst Roesler Estudante de Jornalismo no Centro Universitário Metodista - IPA. Trabalhou na empresa Barrionuevo Gestão de Imagem LTDA e na Assessoria de Imprensa do Grupo Hospitalar Conceição. Possui experiência em assessoria na área da saúde, também na produção de conteúdo para redes sociais e fotografia. Apaixonado por futebol, acredita que o esporte não é apenas um jogo. Acredita também na importância do jornalismo e que ele deve ser exercido com ética e princípios fundamentais compactuados com a sociedade, como a busca pela verdade, isenção e responsabilidade social.
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...Leticia Caimi Jornalista formada pelo Centro Universitário Metodista - IPA. Atualmente trabalha no setor de comunicação e marketing de uma instituição de ensino, em Porto Alegre. Possui experiência em assessoria de imprensa, marketing digital em mídias sociais, comunicação interna e endomarketing. Acredita na importância da comunicação integrada nas organizações.
...Lucas Lobato Marsiglia
Graduando em Jornalismo pelo Centro Universitário Metodista IPA. Atua em assessoria de imprensa corporativa e gestão de crise na empresa AZPress Brasil. Entusiasta do conhecimento científico, busca informações relevantes e como estas impactam o coletivo. Teve como objeto de estudo de sua monografia os critérios de tradução que jornalistas científicos utilizam ao transformar uma publicação acadêmica em notícia.
...Maria Lúcia Patta Melão
Mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos, jornalista, professora do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Metodista - IPA. Está na docência há mais de 15 anos e atua em veículo de Comunicação, sendo funcionária concursada da Fundação Piratini, que congrega a TVE-RS e a rádio FM Cultura, as emissoras públicas do Rio Grande do Sul.
...Sabrina Rosa Dias
Bacharel em Jornalismo pelo Centro Universitário Metodista - IPA, trabalhou durante três anos na assessoria de comunicação da Secretaria dos Transportes do Estado. Atualmente, atua no setor administrativo, onde é de extrema importância a formação como comunicadora. Acredita que o jornalismo é a peça chave na construção da nossa história e na formação de opiniões. Espera um dia poder desenvolver a profissão em uma sociedade que valorize o profissional Jornalista.
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...Sandra Bitencourt de Barreras
Jornalista. Pesquisadora vinculada ao NUCOP - Núcleo de Pesquisa em Comunicação Pública e Política da UFRGS e membro do Conselho Deliberativo do Observatório da Comunicação Pública. Doutora em Comunicação e Informação (PPGCOM) da UFRGS e Mestre em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Atualmente, é assessora de imprensa na Subsecretaria do Tesouro da SEFAZ-RS e professora dos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Metodista – IPA. ...Thayna Iglesias
Graduada em Jornalismo pelo Centro Universitário Metodista - IPA. Tem experiência em Comunicação Interna e Assessoria de Imprensa. Atualmente trabalha na elaboração e gerenciamento de projetos da Lei de Incentivo ao Esporte. Acredita que a Comunicação deve cumprir seu papel social de dar voz às minorias, combater preconceitos e proteger os direitos dos cidadãos, sendo essencial na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. ...Valéria Deluca Soares
Doutora e Mestre em Comunicação Social. Jornalista. Coordenadora do Multiverso – Agências e Laboratórios Experimentais dos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda. Professora no Centro Universitário Metodista – IPA. Atua na docência e na coordenação de espaços laboratoriais há 15 anos. Desempenhou atividades em veículos e em consultoria de comunicação, tendo mais de 25 anos de formação e profissão. ...Vinícius Domingues Carneiro
Formando de Jornalismo do Centro Universitário Metodista – IPA. Atua como coordenador da Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Butiá. Desde o início da formação sempre atuou na área. Desenvolveu esse estudo, pois acredita que o mercado de comunicação ainda tem muito para explorar, mas precisa da presença de profissionais qualificados, que irão entregar produtos de qualidade e seguindo a
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ética profissional. Mas o principal motivo da pesquisa é pelo fato de acreditar que a comunicação pode transformar realidades. E para isso, os dois motivos citados inicialmente são fundamentais.
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Nota dos Organizadores Os capítulos que compõem este livro foram redigidos pelo corpo discente, pelo corpo docente e por colaboradores e são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões contidas nos capítulos são a expressão das ideias de seus autores, que fizeram a revisão final dos textos e das referências. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa dos organizadores.