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O Manto e a Iconografia da Imagem de Nossa

O Manto e a Iconografia da Imagem de Nossa Senhora Aparecida

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Uma das partes mais representativas da iconografia de Nossa Senhora Aparecida é o seu manto azul que lhe confere um formato triangular. Esse manto que não faz parte da imagem original de Nossa Senhora da Con ceição, aparecida nas águas, é um capítulo à parte da história da fé no Brasil. José Cordeiro 1

1 Jornalista e escritor. Pós-graduado em Teoria da Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. É pesquisador da história de Nossa Senhora Aparecida e do Santuário Nacional.

Concluir a capela em homenagem à padroeira é desejo antigo dos católicos do bairro Jardim Vitória, setor da paróquia do Rosário e São Benedito, na periferia de Cuiabá (MT). As obras começaram em 2002, mas, somente nos últimos anos, os esforços da comunidade para a conclusão do telhado ganharam destaque na imprensa local pela aparência peculiar da edificação.

Como descrevem os fiéis, o prédio tem o formato de Nossa Senhora Aparecida. Numa vista aérea das estruturas, é possível verificar que o alinhamento das paredes revela a perspectiva triangular do manto, e que a pequena sacristia o remata e o eleva como uma coroa.

E foi sob o recém-instalado “manto” da Senhora Aparecida, em outubro de 2019, que uma celebração de casamento coletivo marcou a inauguração e o início da atividade regular do templo.

A homenagem evidencia o mais popular ícone que cerca a Padroeira do Brasil: a santa está envolta num manto azul que a cobre da cabeça aos pés, em acentuado triângulo. Coroada como rainha, só parte da expressão da Mãe de Deus é vista, assim como suas mãos em prece e, aos seus pés, um anjo e a Lua. É familiar a todos essa forma de reconhecer a imagem de Nossa Senhora da Conceição.

A representação estilizada, com mais ou menos detalhes, é vista em pequenos adesivos em veículos, canecas, vasos e itens pessoais; modelada em chaveiros, anéis, brincos, colares, pingentes, escapulários, fivelas dos peões de rodeio; e estampada ou bordada em camisetas, bonés e chapéus.

A reprodução estética das gravuras populares conferiu à célebre imagem de Aparecida um formato reconhecido, simplificado e triangular.

O musical Aparecida, que estreou em 2019, homenageia a história e a devoção à santa. O anúncio do espetáculo é uma ilustração simplificada do manto, representando seus mais conhecidos milagres. A logomarca da rede de comunicação do Santuário Nacional, Rádio, TV Aparecida, Portal A12 e da Editora Santuário recompõe em traços e linhas o manto de Nossa Senhora Aparecida. Suas mãos estão postas em prece e o olhar é sereno e contemplativo. A iconografia da Imaculada Conceição a apresenta em nuvens ou sobre o globo terrestre e, aos seus pés, um anjo, o crescente da Lua e a serpente. O manto azul e a coroa a completam. Em 1646, o rei D. João IV consagrou Nossa Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal.

A pequena obra sacra de Aparecida foi encontrada em 1717, nas águas do rio Paraíba do Sul, na região de Guaratinguetá (SP). Ostenta o repertório da produção ibérica, mas a condição de sua descoberta, a fragilidade e a tonalidade escura a tornaram excepcional entre as demais invocações da Virgem Maria veneradas no Brasil.

Percurso histórico

Nas redes dos pescadores, a escultura surgiu em duas partes, primeiro o corpo e depois a cabeça. É feita em barro cozido, mede trinta e nove centímetros e tem, como característica estrutural, a coloração “castanho brilhante” ou “cor de canela”, adquirida pela ação do tempo e “exposição ao fumo do fogão e possivelmente de candeias de azeite” das primeiras habitações, segundo avaliação de especialistas e publicação divulgada no ano jubilar de 1967, marco dos 250 anos de encontro da imagem padroeira.

Sobre a túnica que realça a gravidez, a estátua exibe manto acomodado e contornando os braços. No estudo, foram verificados traços de policromia em vermelho e azul, cores convencionais da Imaculada Conceição, difundidos em Portugal e na Espanha. A criação, em 1745, de uma capela para a milagrosa imagem “Aparecida” das águas deu início a um povoado, instalado à margem do Caminho Velho para o Rio de Janeiro e para as Minas do Ouro. Além de atender a população, o culto ampliou-se para outras regiões. Em 1822, o naturalista Auguste de Saint Hilaire identificou romeiros de outras paragens: “Aqui vem gente de Minas, Goiás, Bahia para cumprir promessas feitas a N. Senhora da Aparecida”.

Foi a chegada dos ateliês fotográficos ao Vale do Paraíba, como o estúdio dos franceses Louis Robin e Valentim Favreau, que funcionou em Guaratinguetá e

no povoado de 1868 a 1869, que trouxe materialidade e autenticidade às estampas, lembranças e recordações que os devotos levariam a outras paragens. Em 1869, Robin e Favreau anunciavam pelo jornal O Parahyba, os “verdadeiros retratos de NS. da Conceição Apparecida”, obtidos com autorização do vigário Manoel Benedicto de Jesus.

Assim como o extraordinário relato do encontro nas águas, a coloração da imagem era admirada pelos fiéis e a oferta da cópia fotográfica (em papel albuminado) revelava o aspecto e a tonalidade escura da estátua, a despeito da primeira gravura oficial de Nossa Senhora Aparecida, com a tez clara, feita em comemoração ao dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX. A ilustração foi produzida na Europa, encomendada pelo bispo dom Antonio Joaquim de Mello.

A pioneira fotografia mostrava a perspectiva levemente entreaberta e alongada do manto, notavelmente triangular com as laterais encimada por uma coroa. Dois cordões e crucifixos –adornos que se tornariam populares na iconografia – são vistos sobre a santa, aparentemente para encobrir as imperfeições do reparo que unia a cabeça ao corpo.

Inserido em pinturas e quadros, o “verdadeiro retrato” podia ser adquirido no comércio, como numa litografia de 1872: ilustração da imagem combinada à narrativa do achado, do milagre da prodigiosa pesca e da libertação do escravo, bem como de uma vista da afamada capela de “N.S. da Apparecida”. Algumas reproduções inspiradas nessa temática ainda são encontradas nas lojas de lembranças e no santuário nacional.

O avanço técnico nos suportes fotográficos e nos meios de impressão agregou qualidade às publicações. Entre as matrizes mais utilizadas está a fotografia produzida em 1924 por André Bonotti. Com detalhes, o “retrato” obedece à mesma estética, a angular disposição do manto, recriando a composição de Robin e Fraveau.

A foto de Bonotti está na edição inaugural do Almanak de N. Senhora Apparecida, de 1927, atual Ecos marianos – almanaque de Aparecida, um dos títulos mais conhecidos da Editora Santuário, mantida pelos missionários redentoristas. Para divulgar a fé, os aspectos da devoção e os eventos católicos, os religiosos publicavam o semanário Santuário d´Apparecida (1900) e o Manual do devoto (1904).

As estampas foram divulgadas nacionalmente, em homenagem à consagração de Nossa Senhora da Conceição Aparecida como Padroeira do Brasil, numa grande manifestação realizada em 31 de maio de 1931, que reuniu a hierarquia católica, os governantes e, de acordo com a imprensa local, um público de um milhão de pessoas, no Rio de Janeiro.

A partir da proclamação do padroado, foram acrescentados novos elementos à iconografia. O padrão – a santa, a igreja, o Rio Paraíba do Sul ou o mapa do Brasil – passou a receber os símbolos nacionais, a bandeira do Brasil e do Vaticano. Entre 1965 e 1968, pelas celebrações do jubileu dos 250 Anos do encontro da imagem, foram realizadas peregrinações regionais e nacionais com a autêntica imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Referências

BRUSTOLONI, Júlio J. A Senhora da Conceição Aparecida: história da Imagem, da capela, das romarias. 6.a ed. Aparecida: Editora Santuário, 1986 CORDEIRO, José. Aparecida: devoção mariana e a imagem padroeira do Brasil. São Paulo: Cultor de Livros, 2013. RIBEIRO NETO, Pedro de Oliveira. A imagem de N. Senhora Aparecida. Jubileu de Ouro & Rosa de Ouro. Aparecida: Editora Santuário, 1970. SANTOS, Lourival dos. Igreja, nacionalismo e devoção Popular: As estampas de Nossa Senhora Aparecida (1854-1978). 2000. Dissertação de mestrado em História Social. FFLCH – Universidade de São Paulo USP – São Paulo.

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