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Linha do Tempo da Imaginaria Paulista e Brasileira

O Teatro, o Jogo e a Educação Escolar

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O jogo é um importante traço distintivo da linguagem cênica e elemento muito importante da prática teatral dentro da escola. As regras, o ambiente de coletividade, a busca de um objetivo comum e a liberdade imagi nativa e criativa que as relações lúdicas estabelecem apontam para o caráter formativo do teatro, potente prática artística emancipatória. Abel Xavier 1

Émuito comum encontrar quem tenha experimentado o teatro na época da escola. Sempre há aquela peça feita para a aula de língua portuguesa, uma cena sobre aquele conteúdo de história, geografia ou celebra. Tem também aquela aula específica de literatura, aquele momento em que se foi para o palco e fingiu ser uma personagem do livro, dizendo um texto na frente de uma plateia, colegas de sala. A memória desse momento, é bem provável, continua viva, quase intocável. O lugar da apresentação, a dificuldade para decorar o texto, o figurino, a reação do público, os erros que aconteceram na hora, o improviso.

Talvez seja mais raro encontrar quem tenha feito teatro na escola na própria aula de artes, tradicionalmente dedicada à prática das artes visuais ou, no máximo, da música.

Mas isso vem mudando nos últimos anos. Temos percebido, e as políticas públicas para educação escolar ajudam a reforçar, que o teatro cumpre um papel fundamental na formação humana e não pode ficar apenas como alternativa didática dentro de outras áreas do conhecimento. O teatro, como toda arte, é atividade em si mesma, tem princípios, procedimentos e função formativa própria. Mas que função é essa?

O prazer que o teatro proporciona à criança e ao adolescente está diretamente ligado ao fato dele encontrar- -se associado à brincadeira ou, como dizemos tecnicamente, ao jogo. Faz parte da essência da linguagem cênica a construção de um terreno lúdico permeado de regras que balizam, dão segurança e catapultam à imaginação. Mas como funciona o jogo no teatro?

Vamos fazer um breve exercício. Peço que você, leitor, pense nos jogos da sua infância, sobretudo aqueles que você realizava coletivamente, junto aos amigos do bairro, do prédio, com os primos. Pode pensar também nos jogos esportivos.

Pronto, agora veja a definição abaixo e veja se aplica ao que você pensou:

O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente con sentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sen timento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana” (HUIZINGA, 2001, p. 33).

Agora, convido você a substituir a palavra jogo da definição acima, de Johan Huizinga, em Homo Ludens (2001), pela palavra teatro. Verá, de certo, que podemos fazer a substituição, sem prejuízo ou incorreção.

O teatro é uma atividade que acontece num certo tempo (ao vivo e enquanto dura a história) e num determinado espaço (palco ou sala de aula) delimitados. É uma ação voluntária que tem fim nela mesma, ou seja, não possui a obrigação da sua realização, nem função prática que se desdobra em consequências igualmente práticas, funcionais. É também desenvolvido e acompanhado pela plateia a partir de certos pactos, chamados de regras ou convenções, entre todos os participantes do acontecimento cênico. Por fim, é permeado por um sentimento, denominado es

tado de jogo, que vai da tensão à euforia da realização. Tudo isso leva, atores e plateia, do mundo real ao ficcional, do cotidiano ao extra cotidiano e os traz de volta, quando chega a hora do blackout e as cortinas se fecham e as palmas aparecem. No momento em que acontece, o teatro é um jogo.

Ora, se o teatro é por si só um jogo, os atores, as atrizes e a plateia são os jogadores. E para se jogar qualquer jogo, não tem segredo, é preciso aprender a jogar: compreender e respeitar as regras combinadas para que o jogo (ficção) aconteça, entender dos macetes e truques (técnicas), observar o outro, colaborar com seus parceiros (escuta), blefar (improvisar) quando couber, conhecer os materiais ou objetos próprios daquele jogo (corpo, voz, espaço, ritmo, objetos), ter ciência dos objetivos da jogada (circunstâncias ficcionais) e, sobretudo, estar inteiro no que se faz, imbuído de presença. A presença do jogador é extremamente relevante em qualquer jogo.

É disso que se trata fazer teatro.

Agora, podemos pensar porque estudá-lo pode ser uma excelente oportunidade formativa dentro da escola.

A primeira coisa que o teatro exige de qualquer pessoa que o experimenta é considerar que exista um outro, seja este um parceiro de cena ou o próprio público, para quem finalmente o ator se dirige. Estes são os parceiros fundamentais da “jogatina teatral”. Também poderíamos dizer que este outro poderia ser o autor do texto, com quem o ator se relaciona indiretamente através das palavras, o diretor do espetáculo ou o professor, cuja parceria é intrínseca pela ação necessária de “ver de fora” durante os ensaios. Além das demais pessoas da equipe técnica: contrarregras e operadores de luz e som, por exemplo, cuja participação na hora do espetáculo se dá fundamentalmente pela escuta e diálogo com o que o elenco faz no palco. E como se aprende a jogar?

Ao longo da história do ensino-aprendizagem do teatro, foram sendo criadas ações metodológicas que tinham o jogar como base de atuação. São pequenas estruturas pedagógicas que, de certa forma, seccionam o grande jogo geral da cena em competências e habilidades menores, mais focadas digamos, e, por isso mesmo, se relacionam diretamente com ela, a cena.

Neste sentido podemos ter, por exemplo, jogos teatrais específicos que focam: a relação com o espaço, a relação com o tempo, a relação com a música, a relação com objetos, a argumentação, a escuta dos parceiros, o subtexto, a qualidade do gesto, o ritmo, entre outros.

Segundo a pesquisadora americana Viola Spolin, considera referência nos chamados jogos teatrais, “o jogo é democrático! Todos podem aprender jogando! O jogo estimula vitalidade, despertando a pessoa como um todo – mente e corpo, inteligência e criatividade, espontaneidade e intuição – quando todos, professores e alunos unidos estão atentos para o momento presente” (SPOLIN, 2012, p. 30). Spolin dá ênfase ao caráter vivo do jogo, que solicita um jogador sabedor de si, inteiro, consciente da realidade própria do jogo.

O pesquisador inglês Peter Slade apresenta outra forma de pensar o jogo, dessa vez focando mais na relação entre adultos e crianças, professores e alunos. Relação esta que, segundo ele, deve estar mais no campo da nutrição do que da interferência. O jogo, neste caso, é mais um laboratório de efervescência de expressão, a construção de um tempo/espaço que suscita a escuta, o diálogo, a imaginação, a criatividade e a construção de relações humanas observáveis.

Neste sentido, o professor é elemento essencial de condução do jogo, colocando-se também em situação lúdica, jogando junto.

De qualquer maneira, quando trabalhamos o jogo cênico na escola temos a possibilidade de criar um espaço e um tempo de criação e reflexão coletiva que oportuniza o trabalho da subjetividade, da interação, da fala e da escuta. Ao fim, o jogo acaba por apresentar aos estudantes os caminhos da construção de uma linguagem, a artística teatral, que tem o ‘estar juntos, presentes e em pacto criativo’ como fundamento.

Parece urgente, e a função do teatro na escola trabalha diretamente nisso, que tragamos a nossos educandos oportunidades de aprendizagem fundamentadas na experiência estética do corpo como elemento íntegro, integral e integrador. Isto quer dizer que, nos

momentos atuais, em que a experiência virtual toma conta das relações, o ataque toma o espaço do diálogo e a polarização sobrepõe a ponderação, parece-nos muito importante insistir em práticas agregadoras, dialogadas, de percepção e de espaço de falar e ouvir. É na contramão das tendências atuais que o teatro, e sua centralidade na ideia de jogo, navega.

É neste sentido que precisamos preservar o teatro enquanto componente educacional e ação pedagógica dentro da escola, valorizar os espaços em que esta ação acontece de maneira reflexiva, insistir na formação de pessoas pelo viés do pensamento crítico, proporcionar a ampliação do imaginário para que haja um futuro de possibilidades, de alternativas, de soluções humanamente saudáveis. E não que estejamos fadados ao individualismo, ao consumo desenfreado, ao ataque e acepção, ao encurtamento da empatia. Neste sentido, é preciso pensar e sobretudo agir sobre a pedagogia do teatro, valorizando o rigor do pensamento e da prática docente, conhecendo instrumentos didáticos e buscando construir currículos e processos de criação seguros e significativos do ponto de vista da aprendizagem.

A Lei 13.278/2016 obrigou o ensino das linguagens artísticas na educação básica, determinando o prazo de cinco anos para que as escolas admitam ou formem professores capazes de trabalhar as diversas modalidades, incluindo o teatro.

A Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Fundamental (BNCC) dá importante sustentação às práticas educacionais das artes cênicas. O teatro compõe a BNCC de maneira bastante contundente, na medida em que é abordado em seus aspectos contextuais, históricos, corporais, sensoriais e, em destaque, na sua face socializante. Isto quer dizer que, em termos de conteúdo, o teatro é visto como oportunidade para o aprendizado do fazer coletivo, do trabalho das relações de alteridade, do ato de falar, escutar e dialogar em suas dimensões objetivas e subjetivas.

Inspirados por estes instrumentos legais, que esta atividade tão importante seja, enfim, presença sólida nos projetos políticos pedagógicos das nossas escolas.

Bibliografia

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2001. SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

Museu de Arte Sacra de São Paulo Av. Tiradentes, 676 - Luz (Ao lado do Metrô Tiradentes). Estacionamento gratuito: Rua Dr. Jorge Miranda, 43

Visitação: de terça a domingo das 09h às 17h. Sala Presépio Napolitano: das 10h às 11h, e das 14h às 15h.

Ingresso: R$ 6,00 (Inteira) | R$ 3,00 (meia entrada nacional) Gratuito aos sábados | Isenções: crianças de até 7 anos, adultos a partir de 60 anos, professores da rede pública, pessoas portadoras de deficiências, membros do ICOM, policiais e militares.

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