“Ninguém”
ACTO I Cena I – Madalena, só, sentada num canto da sua cama, com um livro entre as pernas, deixa descair a cabeça como que de pesada.
Madalena (lendo e relendo uma única passagem) – “Naquele ingano d’alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito…” – Nunca saberei. Nunca saberei dele. Jamais saberei de mim. Ser uma mera existência em sombra que não conheceu quem a torna escura. O penoso desdobrar do pensamento em mim de possíveis eus que agora já não poderão perecer. Mas que poderia eu ter feito… Que vida esta que me deixaram ver perder. E eu que fui? Que fui eu? Uma espera apenas… (torna a descair em profunda meditação)
Cena II – Madalena, Telmo Pais Telmo (aproximando-se de Madalena sem que esta se aperceba) – Porque se fecha aqui, sozinha? Madalena: A solidão não se ausenta se do outro lado da porta estiver. Telmo: Não diga tal, que pareço não lhe valer. Madalena: Desculpa Telmo, é que tenho pensado… Telmo: Pensa demais, senhora. Madalena: Não consigo evitar. Telmo: O que a atormenta com vida tão calma? Madalena: É essa mesma calmaria. Esse nada acontecer que desde que os olhos deixaram de tocar em D. João me não larga. Telmo: Foram sete longos anos de meticulosa e desgastada procura…