Poesia j 1

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Escola Artística António Arroio Disciplina: Português

POEMAS CONTEMPORÂNEOS DE PORTUGAL

[Desenho de Selma Pimentel]

Professora Elisabete Miguel Ana Martins n.º1 10.ºJ 2014-2015


ÍNDICE 3. Introdução 4. Não Posso Adiar O Amor 5. Eis-me 6. Alheamento 7. Percam Para Sempre 8. Os Amantes de Novembro 9. Só o Amor me Interessa 10. Já? 11. No coração, Talvez 12. Teoria do Amor 13. Bilhete Para o Amigo Ausente 14. Sei de um ninho 15. Quando Eu For Pequeno 16. A Vida 17. Languidez 18. Amei Demais 19. Cai a Chuva Abandonada 20. O suporte da música 21. Mundo 22. Retrato de Amigo 23. Urgentemente 24. Poema Escolhido: Urgentemente por Eugénio de Andrade 25. ILUSTRAÇÃO 26. EXPLICAÇÃO DA ILUSTRAÇAO 27. CONCLUSÃO 28. WEBGRAFIA

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho, no âmbito da disciplina de Português, era fazer a escolha de vinte poemas , do século vinte, depois dos anos cinquenta e, em seguida, selecionar um para ilustrar. Depois de ter feito a pesquisa e de ter encontrado poemas que ainda não conhecia, optei pelos vinte que mais significado tiveram para mim. Finalmente, e de acordo com a minha interiorização e interpretação de cada texto, elegi o preferido para ilustrar. Este é o meu trabalho, para vossa apreciação e (muito gostaria eu) fruição.

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Não Posso Adiar O Amor

Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore não posso adiar para outro século a minha vida nem o rneu amor nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

ROSA, António Ramos in Viagem Através de uma Nebulosa

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Eis-me

Eis-me Tendo-me despido de todos os meus mantos Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses Para ficar sozinha ante o silêncio Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca O meu coração desce as escadas do tempo [em que não moras E o teu encontro São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite Escura e transparente Mas o teu rosto está para além do tempo opaco E eu não habito os jardins do teu silêncio Porque tu és de todos os ausentes o ausente

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner in Livro Sexto 5


Alheamento

Meu corpo estiraçado, lânguido, ao logo do leito.

O cigarro vago azulando os meus dedos.

O rádio... a música...

A tua presença que esvoaça em torno do cigarro, do ar, da música...

Ausência!, minha doce fuga!

Estranha coisa esta, a poesia, que vai entornando mágoa nas horas como um orvalho de lágrimas, escorrendo dos vidros duma janela,

numa tarde vaga, vaga...

NAMORA, Fernando in Mar de Sargaço

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Percam Para Sempre

Percam para sempre as tuas mãos o jeito de pedir. Esqueça para sempre a tua boca O que disse a rezar. E os teus olhos nunca mais, nunca mais saibam chorar Porque é inútil.

Faz como os outros fizeram Quando chegou o momento De perder o medo à morte Por ter muito amor à vida.

CARVALHO, Raúl de in As Sombras e as Vozes

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Os Amantes de Novembro

Ruas e ruas dos amantes Sem um quarto para o amor Amantes são sempre extravagantes E ao frio também faz calor

Pobres amantes escorraçados Dum tempo sem amor nenhum Coitados tão engalfinhados Que sendo dois parecem um

De pé imóveis transportados Como uma estátua erguida num Jardim votado ao abandono De amor juncado e de outono.

O'NEILL, Alexandre in No Reino da Dinamarca

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Só o Amor me Interessa Nesta fase em que só o amor me interessa o amor de quem quer que seja

pálpebras pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz

do que quer que seja o amor de um pequeno objecto o amor dos teus olhos o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto

porque o amor meu amor é este equilíbrio esta serenidade de coração e árvores

GONÇALVES, Egito in Antologia Poética

voado das pombas na tarde calma

nesta fase em que o amor é a música de rádio que atravessa os quintais e a criança que corre para casa com um pão debaixo do braço

nesta fase em que o amor é não ler os jornais

podes vir podes vir em qualquer caravela ou numa nuvem ou a pé pelas ruas - aqui está uma janela acolá voam as pombas -

podes vir e sentar-te a falar com as

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Já?

já tentaste praticar o bem fazendo mal? já tentaste praticar o mal fazendo bem? já tentaste praticar o bem fazendo bem? já tentaste praticar o mal fazendo mal? já tentaste praticar o bem não fazendo nada? já tentaste praticar o mal fazendo tudo? já tentaste praticar tudo não fazendo nada? e o contrário, já tentaste? já? seja qual for a tua resposta, não sei que te diga.

PIMENTA, Alberto in Prodigioso Acanto


No coração, Talvez

No coração, talvez, ou diga antes: Uma ferida rasgada de navalha, Por onde vai a vida, tão mal gasta. Na total consciência nos retalha. O desejar, o querer, o não bastar, Enganada procura da razão Que o acaso de sermos justifique, Eis o que dói, talvez no coração.

SARAMAGO, José in Os Poemas Possíveis

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Teoria do Amor

Amor é mais do que dizer. Por amor no teu corpo fui além e vi florir a rosa em todo o ser fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei uma princesa ausente em Tripoli amada minha onde fui escravo e rei e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e só tu rainha e puta no teu corpo nu o mar de Itália a Líbia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro morrendo e renascendo e sempre pronto para em ti me encontrar e me perder.

ALEGRE, Manuel in Obra Poética

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Bilhete Para o Amigo Ausente

Lembrar teus carinhos induz a ter existido um pomar intangíveis laranjas de luz laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura é ainda o vestido que trago seda imaterial seda pura de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram os vazios comboios do sonho das mulheres que estão à espera são o único luto que ponho.

CORREIA, Natália in O Vinho e a Lira

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Sei de um ninho

Sei de um ninho. E o ninho tem um ovo. E o ovo, redondinho, Tem lรก dentro um passarinho Novo.

Mas escusam de me atentar: Nem o tiro, nem o ensino. Quero ser um bom menino E guardar Este segredo comigo. E ter depois um amigo Que faรงa o pino A voa

TORGA, Miguel

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Quando Eu For Pequeno Quando eu for pequeno, mãe, quero ouvir de novo a tua voz na campânula de som dos meus dias inquietos, apressados, fustigados pelo medo. Subirás comigo as ruas íngremes com a certeza dócil de que só o empedrado e o cansaço da subida me entregarão ao sossego do sono. Quando eu for pequeno, mãe, os teus olhos voltarão a ver nem que seja o fio do destino desenhado por uma estrela cadente no cetim azul das tardes sobre a baía dos veleiros imaginados. Quando eu for pequeno, mãe, nenhum de nós falará da morte, a não ser para confirmarmos que ela só vem quando a chamamos e que os animais fazem um círculo para sabermos de antemão que vai chegar. Quando eu for pequeno, mãe, trarei as papoilas e os búzios para a tua mesa de tricotar encontros, e então ficaremos debaixo de um alpendre a ouvir uma banda a tocar enquanto o pai ao longe nos acena, lenço branco na mão com as iniciais bordadas, anunciando que vai voltar porque eu sou [pequeno e a orfandade até nos olhos deixa marcas. LETRIA, José Jorge in O Livro Branco da Melancolia

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A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, os dias que contam quando não se espera, o atraso na preocupação dos teus olhos, e as nuvens que caíram mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações a abrir-se para dentro e para fora dos sentidos que nada têm a ver com círculos, quadrados, rectângulos, nas linhas rectas e paralelas que se cruzam com as linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, sob a luz indecisa que apenas mostra as paredes nuas, de manchas húmidas no gesso da memória;

a vida feita dos seus corpos obscuros e das suas palavras próximas.

JÚDICE, Nuno in Teoria Geral do Sentimento

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Languidez

Tardes da minha terra, doce encanto, Tardes duma pureza de açucenas, Tardes de sonho, as tardes de novenas, Tardes de Portugal, as tardes de Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto! Horas benditas, leves como penas, Horas de fumo e cinza, horas serenas, Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas, Que poisam sobre duas violetas, Asas leves cansadas de voar ...

E a minha boca tem uns beijos mudos ... E as minhas mãos, uns pálidos veludos, Traçam gestos de sonho pelo ar ...

ESPANCA, Florbela in Livro de Mágoas

Florbela Espanca: Vila Viçosa, 8.12.1894 – Matosinhos, 8.12.1930

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Amei Demais

Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais todas as coisas que na vida eu emprenhei. Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais, como as tais coisas nas quais nunca pensei.

Demais foram as sombras. Mais e mais. Cada vez mais ardentes as sombras que tirei do imenso mar de sol, sem praia ou cais, de onde parti sem saber por que embarquei.

Amei demais. Sempre demais. E o que dei está espalhado pelos sítios onde vais e pelos anos longos, longos, que passei

à procura de ti. De mim. De ninguém mais. E os milhares de versos que rasguei antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.

PESSOA, Joaquim in Ano Comum

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Cai a Chuva Abandonada

Cai a chuva abandonada à minha melancolia, a melancolia do nada que é tudo o que em nós se cria.

Memória estranha de outrora não a sei e está presente. Em mim por si se demora e nada em mim a consente

do que me fala à razão. Mas a razão é limite do que tem ocasião

de negar o que me fite de onde é a minha mansão que é mansão no sem-limite. Ao longe e ao alto é que estou e só daí é que sou.

FERREIRA, Vergílio in Conta-Corrente 1

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O suporte da música

O suporte da música pode ser a relação entre um homem e uma mulher, a pauta dos seus gestos tocando-se, ou dos seus olhares encontrando-se, ou das suas

vogais adivinhando-se abertas e recíprocas, ou dos seus obscuros sinais de entendimento, crescendo como trepadeiras entre eles. o suporte da música pode ser uma apetência

dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se ramifica entre os timbres, os perfumes, mas é também um ritmo interior, uma parcela do cosmos, e eles sabem-no, perpassando

por uns frágeis momentos, concentrado num ponto minúsculo, intensamente luminoso, que a música, desvendando-se, desdobra, entre conhecimento e cúmplice harmonia.

MOURA, Vasco Graça in Antologia dos Sessenta Anos


Mundo

Tenho um amor nas Honduras e tenho outro no Nepal que o terceiro negro seja se for chinês não faz mal

me falta ainda da Austrália quem sabe do Polo Norte me não virá mais algum se houver foca que dê sorte

até o centro da terra dará por quem me apaixone por quem nunca me atormente com falas ao telefone

mas de verdade o que eu amo é o do nada do mundo que até duvido que exista tanto se acolhe ao profundo.

SILVA,Agostinho da in Poemas

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Retrato de Amigo

Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo meu irmão minha amêndoa meu amigo meu tropel de ternura minha casa meu jardim de carência minha asa.

Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo um caminho de nardos empestados uma intensa e terrífica ternura rodeado de cardos por muitíssimos lados.

Meu perfume de tudo minha essência meu lume minha lava meu labéu como é possível não chegar ao cume de tão lavado céu?

SANTOS, Ary dos in Fotosgrafias

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Urgentemente

É urgente o amor É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer.

ANDRADE, Eugénio de in Até Amanhã

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Poema Escolhido:

Urgentemente É urgente o amor É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer.

ANDRADE, Eugénio de in Até Amanhã

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ILUSTRAÇÃO:

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EXPLICAÇÃO DA ILUSTRAÇAO:

O sujeito poético fala-nos de como é importante que as pessoas se deixem guiar pelas coisas boas da vida, que vão à procura da felicidade e que ponham um fim à guerra e a toda a tristeza que nos rodeia .. Diz-nos como é importante terminar com “o ódio, a solidão e a crueldade”, destruir “as espadas”, que, no verso, simbolizam a guerra e a violência e refere também como é urgente construir a felicidade, a alegria. Como o sujeito lírico escreve, “é urgente descobrir rosas”, que simbolizam a beleza, o amor e a harmonia entre a felicidade e estes. O «eu» sente a necessidade de viver num mundo melhor, num mundo repleto de felicidade e amor, eliminando as coisas negativas nele presentes, portanto, representei esse mundo. Recorrendo à Matemática, utilizei um diagrama de Venn para criar “3 mundos” ilustrados. O “mundo” a vermelho (cor que simboliza o amor) é o mundo que o poeta idealiza. O “mundo” a preto simboliza “o ódio, a solidão e a crueldade”. Com a junção de ambos ao centro, desenhei a Terra. O que significa que a Terra não é o mundo idealizado, mas também não é o mundo detestado pelo poeta.

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CONCLUSÃO:

Depois do desafio lançado pela professora de Português, dediquei-me à procura de poemas de diferentes autores do século vinte, depois dos anos ciquenta. Foi um caminho com vários obstáculos, principalmente com a dificuldade que tive na interpretação dos textos. Após ter consultado diferentes fontes e ter pedido sugestões à professora, senti que consegui ultrapassar alguns obstáculos. Agora, terminado o trabalho, sei que valeu o meu esforço pois adquiri não só conhecimentos sobre poetas (alguns que desconhecia até ao momento) como, e especialmente, com a minha perseverança, enriqueci os meus conhecimentos sobre o texto poético e até a minha maneira de refletir. Mesmo sabendo que haverá

as falhas de um primeiro trabalho desta

dimensão, desejo ter cumprido a maior parte dos requisitos. Proponho o seguimento desta tarefa para os próximos anos e, talvez, uma por cada período escolar já que este tipo de trabalho, na minha opinião, ajuda o aluno a interiorizar e perceber os temas do programa.

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WEBGRAFIA:

http://lusofonia.com.sapo.pt/literatura_portuguesa.htm [consultada a 03 de Janeiro de 2015] http://www.citador.pt/ [consultado entre 03 e 07 de Janeiro de 2015] http://zitamadeira.blogspot.pt/ [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015] http://www.escritas.org/ [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015] http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Urgentemente-De-Eug%C3%A9nio-DeAndrade/121188.html [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015] http://ruadaspretas.blogspot.pt/2008/05/eugnio-de-andrade-o-silncio.html [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015] http://pt.slideshare.net/search/slideshow?searchfrom=header&q=O+Sil%C3%AAncio+ Eugenio+de+Andrade&ud=any&ft=all&lang=**&sort= [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015] http://sylviabeirute.blogspot.pt/2010/12/eug%C3%A9nio-de-andrade-poemaspoesia.html [consultado entre 25 e 28 de Fevereiro de 2015]

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