Poesia j 19

Page 1

Que Há para Lá do Sonhar? Português

Elizabete Miguel | Mariana Campos | 2014/2015


Índice:

Índice…………………………………………………………………………………………………………………. 1 Introdução………………………………………………………………………………………………………….. 2 Desenvolvimento………………………………………………………………………………………… 3 – 23 Ilustração………………………………………………………………………………………………………… 24 Justificação da Ilustração………………………………………………………………………………… 25 Conclusão……………………………………………………………………………………………………….. 25 Webgrafia……………………………………………………………………………………………………….. 26

PÁGINA 1


Introdução

Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de Português, foi pedido que selecionássemos 20 poemas contemporâneos a partir de 1950. Dos 20 poemas que escolhi, achei todos muito interessantes e todos reportam diversos assuntos importantes. O trabalho deve incluir uma introdução, um desenvolvimento, uma ilustração de um poema a escolha, uma conclusão e uma webgrafia/bibliografia. Escolhi o poema “No coração, talvez” de José Saramago. O poema fala da duvida da razão em oposição ao coração, das escolhas que fazemos na vida e do tempo que perdemos e já não volta atras. Fala também da vida e achei que o coração representaria bem tudo isto.

PÁGINA 2


Desenvolvimento Que Há para Lá do Sonhar? Céu baixo, grosso, cinzento e uma luz vaga pelo ar chama-me ao gosto de estar reduzido ao fermento do que em mim a levedar é este estranho tormento de me estar tudo a contento, em todo o meu pensamento ser pensar a dormitar.

Mas que há para lá do sonhar?

Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente 1

Desespero

Não eram meus os olhos que te olharam Nem este corpo exausto que despi Nem os lábios sedentos que poisaram No mais secreto do que existe em ti. Não eram meus os dedos que tocaram

PÁGINA 3


Tua falsa beleza, em que não vi Mais que os vícios que um dia me geraram E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto, Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero. A voz com que te chamo é o desencanto E o esperma que te dou, o desespero.

José Carlos Ary dos Santos

Retrato de uma princesa desconhecida Para que ela tivesse um pescoço tão fino Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos Para que a sua espinha fosse tão direita E ela usasse a cabeça tão erguida Com uma tão simples claridade sobre a testa Foram necessárias sucessivas gerações de escravos De corpo dobrado e grossas mãos pacientes

PÁGINA 4


Servindo sucessivas gerações de príncipes Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente Para que ela fosse aquela perfeição Solitária exilada sem destino

Sophia de Mello Breyner Andresen

Um Amor

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão, puxaste-me para os teus olhos transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua, ainda apanhámos o crepúsculo. As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar diferente inundava a cidade. Sentei-me nos degraus do cais, em silêncio. Lembro-me do som dos teus passos, uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas, e a tua figura luminosa atravessando a praça até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é, o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,

PÁGINA 5


continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha essa doente sensação que me deixaste como amada recordação.

Nuno Júdice, in A Partilha dos Mitos

Amnésia

Posso pedir, em vão, a luz de mil estrelas: penas obtenho este desenho pardo que a lâmpada de vinte e cinco velas estende no meu quarto.

Posso pedir, em vão, a melodia, a cor e uma satisfação imediata e firme: (a lúbrica face do despertador é quem me prende e oprime).

E peço, em vão, uma palavra exata, uma fórmula sonora que resuma este desespero de não esperar nada, esta esperança real em coisa alguma.

E nada consigo, por muito que peça!

PÁGINA 6


E tamanha ambição de nada vale! Que eu fui deusa e tive uma amnésia, esqueci quem era e acordei mortal.

Maria Fernanda de Faria e Castro Botelho

Noite por Ti Despida

Adulta é a noite onde cresce o teu corpo azul. A claridade que se dá em troca dos meus ombros cansados. Reflexos coloridos. Amei o amor. Amei-te meu amor sobre ervas orvalhadas. Não eras tu porém o fim dessa estrada sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos amadurecem) a transparência, o caminho. A noite por ti despida. Lume e perfume do sol. Íntimo rumor do mundo.

Casimiro de Brito, in Solidão Imperfeita

PÁGINA 7


No Coração, Talvez

No coração, talvez, ou diga antes: Uma ferida rasgada de navalha, Por onde vai a vida, tão mal gasta. Na total consciência nos retalha. O desejar, o querer, o não bastar, Enganada procura da razão Que o acaso de sermos justifique, Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

Já? já tentaste praticar o bem fazendo mal? já tentaste praticar o mal fazendo bem? já tentaste praticar o bem fazendo bem? já tentaste praticar o mal fazendo mal? já tentaste praticar o bem não fazendo nada? já tentaste praticar o mal

PÁGINA 8


fazendo tudo? já tentaste praticar tudo não fazendo nada? e o contrário, já tentaste? já? seja qual for a tua resposta, não sei que te diga.

Alberto Pimenta, in Prodigioso Acanto

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

PÁGINA 9


Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada.

PÁGINA 10


E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.

Eugénio de Andrade, in Poesia e Prosa

Árvore

Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo. Há um movimento que a percorre devagar. Não sei se ela existe. Imagino apenas como são os ramos,

PÁGINA 11


este odor mais secreto, as primeiras folhas aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou a sua própria sombra, o espaço que fica à volta para que se torne maior. É assim que chega o que não passa de um pressentimento. Ela compreende este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.

Fernando Guimarães, in Limites para uma Árvore

Esta Noite Morrerás

Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito e aquele que procurar a marca dos teus passos encontra urtigas crescendo por sobre o teu nome. Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito

PÁGINA 12


e uma gota de sangue ressequido é a marca dos teus passos. No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio e na casa do tempo a hora é adorno. Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome. Constante. O mar é isso. A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome. O mar é tu morreste. O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste e no meu leito crescem folhas sangue. A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar. No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia. Agora a lua chega devagar e o mar é o leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto.

PÁGINA 13


A noite é eu procurar a marca dos teus passos. Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente. A lua é uma seta. Tu partiste é o silêncio em forma de lança. Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto vou uivar como um lobo. Vou clamar pelo teu sangue extinto. Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta. O teu ventre, lua. Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua possa vir tocar-me o rosto. Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido e a marca dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito. E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.

PÁGINA 14


Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos abertos de um pássaro esventrado. Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para poderes enfim tocar-me o rosto.

Ana hathlery, in Poesia 1958-1978

Dois Epigramas

O sábio das coisas simples olhou em torno e disse: não há profundidade sem superfície É preciso dizer bom dia quando o dia anoitece ser exacto todo o dia envelhece

José Gomes Ferreira, in Figurações

PÁGINA 15


Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa Nem árvores nem casas existiam antes que tu tivesses palavras e todo eu fosse um coração para elas Invento-te e o céu azula-se sobre esta triste condição de ter de receber dos choupos onde cantam os impossíveis pássaros a nova primavera Tocam sinos e levantam voo todos os cuidados Ó meu amor nem minha mãe tinha assim um regaço como este dia tem E eu chego e sento-me ao lado da primavera

Ruy Belo, in Aquele Grande Rio Eufrates

PÁGINA 16


Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto

Amo-te muito, meu amor, e tanto que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda depois de ter-te, meu amor. Não finda com o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto sofro a traição dos que, viscosos, prendem, por uma paz da guerra a que se vendem, a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo, nesta invenção da humanidade inteira que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa... Que encanto é o teu? Deitado à tua beira, sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Jorge de Sena, in Poesia, Vol. I

PÁGINA 17


Em Todas as Ruas te Encontro

Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco conheço tão bem o teu corpo sonhei tanto a tua figura que é de olhos fechados que eu ando a limitar a tua altura e bebo a água e sorvo o ar que te atravessou a cintura tanto tão perto tão real que o meu corpo se transfigura e toca o seu próprio elemento num corpo que já não é seu num rio que desapareceu onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro em todas as ruas te perco

Mário Cesariny, in Pena Capital

PÁGINA 18


Serenata à Chuva

Chuva, manhã cinza, guarda-chuva. Entrar no contexto, dois pontos. Ele e ela abraçados caminham sob o tecto do guarda-chuva que os guarda. Pelas ruas vão com a vontade de voltar ao branco dos lençóis. Esse objecto prosaico que às vezes se vira com o vento torna-se objecto de poema. Dizer também como a chuva é doce neste dia de verão. Como o amor altera o sentido da chuva, sim, como ela se eleva no ar e as frases se colam ao vestido. No interior da pele o poema mudou desde que entraste no guarda-chuva esquecido a um canto do armário. Talvez o amor seja tudo amar sem excepção. Eu que nunca uso guarda-chuva assino incondicionalmente este poema.

Rosa Alice Branco, in Soletrar o Dia

Troco-me por Ti

Troco-me por ti Na brasa da fogueira mal ardida

PÁGINA 19


renovo o fogo que perdi, acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser na verdade conjugo o velho verbo e sou, remido esquartejado, o retrato perfeito em que exacerbo os passos recolhidos pelo tempo andado.

Pedro Tamen, in Rua de Nenhures

H

Sei que dez anos nos separam de pedras e raízes nos ouvidos

e ver-te, ó menina do quarto vermelho, era ver a tua bondade, o teu olhar terno de Borboleta no Infinito

e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço em que tu eras uma estrela que caiu e incendiou a terra

PÁGINA 20


lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.

António Maria Lisboa, in Ossóptico e Outros Poemas

Para Sempre

Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra — mistério profundo — de tirá-la um dia?

PÁGINA 21


Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade, in Lição de Coisas

Amizade

Ser-se amigo é ser-se pai ( — Ou mais do que pai talvez...) É pôr-se a boca onde cai A nódoa que nos desfez.

É dar sem receber nada, Consciente da prisão, Onde os nossos passos vão Em linha por nós traçada...

PÁGINA 22


É saber que nos consome A sede, e sentirmos bem O Céu, por na Terra, alguém Rir, cantar e não ter fome.

É aceitar a mentira E achá-la formosa e humana Só porque a gente respira O ar de quem nos engana.

Pedro Homem de Mello, in Miserere

PÁGINA 23


Ilustração

PÁGINA 24


Justificação da Ilustração

Escolhi o poema “No coação, talvez” de José Saramago e a minha ilustração foi um coração humano, a escorrer sangue. O poema de Saramago fala-nos sobre a procura e a dúvida da razão em oposição ao coração. Fala-nos também do que fizemos de certo e de errado nesta vida e que por vezes nos faz perder tempo que já não volta mais. Como o coração e um simbolo da vida, do amor e por vezes dos desamores, decidi desanhá-lo, mas com sangue a escorrer, porque como diz no poema é “uma ferida rasgada de navalha”, daí o sangue. O desenho representa tristeza, melancolia, desanimo, duvida, por isso representei-o a preto e branco, para deixar passar através dele esses sentimentos menos bons. Os materiais que ulitizei foi a grafite de varias texturas e tonalidades diferentes.

Conclusão O titulo do meu trabalho é “o que há para lá do sonhar”, porque é o titulo de um dos poemas que eu pus aqui e do qual eu gosto muito, pessoalmente. Penso que esta frase é ideal para um trabalho de poesia porque é misteriosa e chama a atenção, o que faz com que queiramos ler mais. Aconselho então a que todos leiam o poema que pus no titulo do meu trabalho. A imagem que pus na capa, traduz no fundo o que é a poesia, um conjunto de letras agrupadas, que podem não ter qualquer significado para uma pessoa que não se interesse por elas, mas que aos olhos de quem lê com gosto, tem muito significado e pode ser interpretado de maneiras diferentes, consoante os olhos de quem lê. A poesia é um mundo, em que quando lá entramos já não queremos mais sair pois descobrimos sensações novas e únicas. Neste trabalho, quis abordar vários temas, tendo em conta que, o mais comum é o amor. Descobri alguns poetas que desconhecia e aprofundei alguns dos que já conhecia.

PÁGINA 25


Webgrafia

http://www.citador.pt/poemas/no-coracao-talvez-jose-de-sousa-saramago http://www.citador.pt/poemas/amizade-pedro-homem-de-mello http://www.citador.pt/poemas/autores http://www.citador.pt/poemas/h-antonio-maria-lisboa http://www.citador.pt/poemas/trocome-por-ti-pedro-tamen http://www.citador.pt/poemas/serenata-a-chuva-rosa-alice-branco http://www.citador.pt/poemas/em-todas-as-ruas-te-encontro-mario-cesariny-devasconcelos http://www.citador.pt/poemas/amote-muito-meu-amor-e-tanto-jorge-de-sena http://www.citador.pt/poemas/povoamento-ruy-belo

PĂ GINA 26


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.