Escola Artística António Arroio Disciplina: Português
“Aqui posso estar seguro e leve no silêncio”
Professora: Elisabete Miguel Trabalho realizado por: Bárbara Vasco Lourenço, 10.ºJ, n.º5 Ano Letivo 2014/2015
Índice Introdução Poemas
3 4-34
Síntese dos poemas
35
Ilustração
38
Explicação da ilustração
39
Conclusão
40
Webgrafia
41
Introdução
No âmbito da disciplina de Português foi me pedido para realizar um trabalho que englobasse uma seleção de vinte poemas contemporâneos da segunda metade do século XX. Nesse trabalho deveria constar uma introdução, os vinte poemas eleitos, uma ilustração, de um poema à escolha, com a devida justificação, uma conclusão e, por fim, a bibliografia. Decidi também acrescentar, em anexo, uma síntese de cada poema, que serve, sobretudo, para justificar a preferência por estes textos e não por outros, ou seja, foi a minha leitura interpretativa de cada um que, ao sensibilizar-me, me fez escolhê-los. Para a minha ilustração, escolhi “Poema Quotidiano”, de Ruy Belo. Neste carme, o sol é referido como um bem essencial e o quanto dele, nós todos, precisamos. Que o fruto do meu labor vos proporcione uma pequena, mas gratificante, viagem pela poesia portuguesa contemporânea.
Sophia de Mello Breyner
Porque Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não.
Em Mar Novo, 1958
Eugénio de Andrade
Adeus Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
Em Poesia e Prosa, de Antologia Poética (1940-1989)
Manuel Alegre
Lisboa perto e longe Lisboa chora dentro de Lisboa Lisboa tem palácios sentinelas. E fecham-se janelas quando voa nas praças de Lisboa - branca e rota a blusa de seu povo - essa gaivota.
Lisboa tem casernas catedrais museus cadeias donos muito velhos palavras de joelhos tribunais. Parada sobre o cais olhando as águas Lisboa é triste assim cheia de mágoas.
Lisboa tem o sol crucificado nas armas que em Lisboa estão voltadas contra as mãos desarmadas - povo armado de vento revoltado violas astros - meu povo que ninguém verá de rastos.
Lisboa tem o Tejo tem veleiros e dentro das prisões tem velas rios dentro das mãos navios prisioneiros ai olhos marinheiros - mar aberto
- com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.
Lisboa é uma palavra dolorosa Lisboa são seis letras proibidas seis gaivotas feridas rosa a rosa Lisboa a desditosa desfolhada palavra por palavra espada a espada.
Lisboa tem um cravo em cada mão tem camisas que abril desabotoa mas em maio Lisboa é uma canção onde há versos que são cravos vermelhos Lisboa que ninguém verá de joelhos.
Lisboa a desditosa a violada a exilada dentro de Lisboa. E há um braço que voa há uma espada. E há uma madrugada azul e triste Lisboa que não morre e que resiste.
Em O Canto e as Armas, 1967
Rosa Alice Branco
O Rosto da Matéria Parece simples a simplicidade que vem das coisas e nos encontra a meio do caminho entre o que não fizemos e o que não faremos. Também elas percorrem os círculos do poço em que se afundam a boca negra de onde sai a tinta e espalha a luz do dia igual á luz da noite. Tratam-se por tu as coisas e esta intimidade flutua no ar do papel onde crianças voam com as cores
de um papagaio pois não é assim que o vento faz o vento desde todo o sempre? Sempre as crianças brincaram com a chuva corsários da terra enlameada sujos de uma alegria
que ninguém despe mas desfaz o tempo e tudo o que pensamos da simplicidade das coisas.
Essa lama que vive no rosto da criança é a única matéria do traço é a limpidez do ar.
Em O Único Traço do Pincel, 1997
Luísa Neto Jorge
A Divisibilidade: a Invisibilidade a Dois A mulher divide-se em gestos particulares o homem divide-se também. Se o átomo é divisível só poeta o diz.
a mulher divide-se em gestos extremos coloridos arenosos destilados.
dois homens são duas divisões de uma casa que já foi um animal de costas para o seu pólo mágico.
A divisibilidade da luz aclara os mistérios. A mulher tem filhos. Descobrem-se partículas soltas um dedo mínimo o peso menos pesado da balança um cabelo eloquente em desagregação
Gestos estrídulos dividem a mulher o homem divide-a ainda.
Em O seu a seu tempo. Poesia, 2001
Fernando Guimarães
Árvore Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo. Há um movimento que a percorre devagar. Não sei se ela existe. Imagino apenas como são os ramos, este odor mais secreto, as primeiras folhas aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou a sua própria sombra, o espaço que fica à volta para que se torne maior. É assim que chega o que não passa de um pressentimento. Ela compreende este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa.
Em Limites para uma Árvore, antes de 2000
Pedro Tamen
Amigo, a que Vieste? Onde foste ao bater das quatro horas e, antes, quem eras tu, se eras? Amigo ou inimigo, posso falar-te agora sentado à minha frente e com os ombros vergados ao peso da caneta? Falo-te sobre a cabeça baixa e vejo para além de ti, no horizonte, teus riscos e passadas; mas não sei onde foste, nem se eras. Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva, fazendo gestos largos ou só um leve aceno; dizes palavras antigas, de antes das quatro horas, e nada sei de ti que tu me digas dessa cabeça surda. Não te pergunto pela verdade, que pensas de amanhã ou se já leste Goethe; sequer se amaste ou amas misteriosamente uma mulher, um peixe, uma papoila. Não quero essa mudez de condolências
a mim, a ti, ou só à terra que tu e eu pisamos — e comemos. Pergunto simplesmente se tu eras, quem eras, e onde foste depois que se fizeram quatro horas.
Será que não tens olhos? Não tos vejo. De longe em longe agitas a cabeça, mas talvez seja engano. Palavra, não te entendo. Amigo, a que vieste?
Em Horácio e Coriáceo, 1981
Ana Hatherly
Esta Noite Morrerás Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito e aquele que procurar a marca dos teus passos encontra urtigas crescendo por sobre o teu nome. Esta noite morrerás. Quando a lua vier tocar-me o rosto terás partido do meu leito e uma gota de sangue ressequido é a marca dos teus passos. No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio e na casa do tempo a hora é adorno. Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga a marca dos teus passos sobre o meu nome. Constante. O mar é isso. A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome. O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste e no meu leito crescem folhas sangue. A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar. No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia. Agora a lua chega devagar e o mar é o leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto. A noite é eu procurar a marca dos teus passos. Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente. A lua é uma seta. Tu partiste é o silêncio em forma de lança. Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto vou uivar como um lobo. Vou clamar pelo teu sangue extinto. Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta. O teu ventre, lua. Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua possa vir tocar-me o rosto. Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido e a marca
dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito. E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te. Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos abertos de um pássaro esventrado. Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para poderes enfim tocar-me o rosto.
Em Poesia 1958-1978
Fernando Echevarría
Felizes Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos, cheios andam de quanto vão pensando. E, disso cheios, nada mais sabem. Dão para aquele lado onde o mundo acabou, mas resta o eco de o haverem pensado até ao cabo e irem agora criar o movimento que subsiste no tempo de o mundo ainda estar a ser criado. Por isso são felizes. Foram sendo até, perdido o tempo, só em memória o estarem.
Em Figuras, 1987
Fiama Hasse Pais Brandão
Quando eu vir vaguear por dentro da casa Quando eu vir vaguear por dentro da casa o abeto que cresceu no bosque, hei-de ajoelhar no soalho. Todas as coisas comunicam entre si a totalidade das suas formas. A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.
Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias, as cadeias de ouro dos rins. Deixar que as unhas longas da árvore passem entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.
Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer, vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa atracção que a insónia desse vulto há - de exercer sobre mim. Rodo até à tontura da morte. Torturo-me até à alegria. Encontro na casa o tema da despossuição e a agonia.
A pobreza antiga com que o corpo cai para uma vala. Preso apenas às pérolas que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar, com os cânones clássicos, como se o poema fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar a sua configuração. Querem ser reais, quando se aproximam. Vai para diante da minha face, ao fundo. Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão arrasta a forma táctil até à passagem do poema.
Sou eu que me vergo ao domínio. Que me poise a marca incandescente na testa. Tocará na meninge como num cofre. Aceito coroas para depor sobre mim. Deixo os pés do abeto empurrar com a biqueira violetas. A fragrância delas leva-me a imaginar poemas em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.
Em Área Branca, 1978
Miguel Torga
Lastro Depois da noite, o dia, a claridade! A benção de acordar E de ter vida! Olhar E descobrir a eternidade Em cada contingência renascida.
A música concreta dos ruídos… A frescura dos frutos orvalhados… O perfume da brisa que perpassa… E os sentidos Felizes, excitados Como podengos que farejam caça.
Assim dentro de nós o sol nascesse E apagasse Nessa madrugada, A teimosa e penosa consciência Da existência Passada!
Em Câmara Ardente, 1962
José Gomes Ferreira
Dois Epigramas O sábio das coisas simples olhou em torno e disse: não há profundidade sem superfície É preciso dizer bom dia quando o dia anoitece ser exacto todo o dia envelhece
Em Figurações, 1976-1983
Natália Correia
Balada para um Homem na Multidão Este homem que entre a multidão enternece por vezes destacar é sempre o mesmo aqui ou no japão a diferença é ele ignorar.
Muitos mortos foram necessários para formar seus dentes um cabelo vai movido por pés involuntários e endoidece ser eu a percebê-lo.
Sentam-no à mesa de um café num andaime ou sob um pinheiro tanto faz desde que se esqueça que é homem à espera que cresça a árvore que dá dinheiro.
Alimentam-no do ar proibido de um sonho que não é dele não tem mais que esse frasco de vidro para fechar a estrela do norte. E só o seu corpo abolido lhe pertence na hora da morte.
Em O Vinho e a Lira, 1969
Mário Cesariny
Lembra-te Lembra-te que todos os momentos que nos coroaram todas as estradas radiosas que abrimos irão achando sem fim seu ansioso lugar seu botão de florir o horizonte e que dessa procura extenuante e precisa não teremos sinal senão o de saber que irá por onde fomos um para o outro vividos.
Em Pena Capital, 1957
António Maria Lisboa
z As formas, as sombras, a luz que descobre a noite e um pequeno pássaro
e depois longo tempo eu te perdi de vista meus braços são dois espaços enormes os meus olhos são duas garrafas de vento
e depois eu te conheço de novo numa rua isolada minhas pernas são duas árvores floridas os meus dedos uma plantação de sargaços
a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.
Em Ossóptico, 1952
Jorge Sena
Lamento do Poeta Objectivo Anda-me o amor tomando a própria vida, como se, amando, eu existisse mais. E leva-me o Destino em voz traída, como se houvera encontros desiguais.
A multidão me cerca, e, renascida, já dela terei fome de sinais. E, mal a noite se demora ardida, o medo e a solidão me esfriam tais
as cinzas desse amor que sacrifico. Não é futura a só miséria. A queixa também não é: e apenas acontece
no vácuo imenso que este amor me deixa, quando maior, quando de si mais rico, se dá de mundo em mundo, e lá me esquece.
Em Post-Scriptum, 1985
Maria Teresa Horta
Os teus olhos Direi verde do verde dos teus olhos
de um rugoso mais verde e mais sedento
Daquele não só íntimo ou só verde
daquele mais macio mais ave ou vento
Direi vácuo volume direi vidro
Direi dos olhos verdes os teus olhos e do verde dos teus olhos vício
Voragem mais veloz mais verde ou vinco voragem mais crespada ou precipĂcio.
Em Candelabro, 1964
Ruy Belo
Poema Quotidiano É tão depressa noite neste bairro Nenhum outro porém senhor administrador goza de tão eficiente serviço de sol Ainda não há muito ele parecia domiciliado e residente ao fim da rua O senhor não calcula todo o dia que festa de luz proporcionou a todos Nunca vi e já tenho os meus anos lavar a gente as mãos no sol como hoje Donas de casa vieram encher de sol cântaros alguidares e mais vasos domésticos Nunca em tantos pés assim humildemente brilhou Orientou diz-se até os olhos das crianças para a escola e pôs reflexos novos nas míseras vidraças lá do fundo
Há quem diga que o sol foi longe demais Algum dos pobres desta freguesia apanhou-o na faca misturou-o no pão Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar... Foi uma autêntica loucura O astro-rei tornado acessível a todos ele que ninguém habitualmente saudava Sempre o mesmo indiferente espetáculo de luz sobre os nossos cuidados Íamos vínhamos entrávamos não víamos aquela persistência rubra. Ousaria alguém deixar um só daqueles raios atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?
Mas hoje o sol morreu como qualquer de nós Ficou tão triste a gente destes sítios Nunca foi tão depressa noite neste bairro.
Em Aquele Grande Rio Eufrates, 1961
António Ramos Rosa
Aqui mereço-te
O sabor do pão e da terra e uma luva de orvalho na mão ligeira. A flor fresca que respira é branca. E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas. Pertenço em cada movimento a esta terra. O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras. Sorvo o silêncio visível entre as árvores. É aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono. Sob as pálpebras transparentes deste dia o ar é o suspiro dos próprios lábios. Amar aqui é amar no mar, mas com a resistência das paredes da terra
A mão flui liberta tão livre como o olhar. Aqui posso estar seguro e leve no silêncio entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas, ao fogo esparso que alastra no horizonte. No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada. Tudo o que eu disser são os lábios da terra, o leve martelar das línguas de água, as feridas da seiva, o estalar das crostas, o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra, o incessante alimento que percorre o meu corpo. Aqui no grande olhar eu vejo e anuncio as claras ervas, as pedras vivas, os pequenos animais, os alimentos puros,
as espessas e nutritivas paredes do sono, o teu corpo com todo o vagar da sua massa, todo o peso das coisas e a ligeireza do ar.
Ao flexível volante trabalhado pelas seivas a minha mão alia-se: bom dia, horizonte. Uma saúde nova vai nascer destes ombros. A lâmpada respira ao ritmo da terra. Sei os caminhos de água pelas veredas, as mãos das ervas finas embriagadas de ar, o silêncio donde se ergue a torre do canto.
Abrem-se os novos lábios e eu mereço-te. É este reino de insectos e de jogos, das carícias que sabem a uma sede feliz. Aqui entre o poço e o muro, neste pequeno espaço de pedra cai um silêncio antigo: uma infância inextinguível se alimenta de uma fábula que renasce em todas as idades. É aqui, minha filha, que dança a fada do ar com seu brilho sedoso de erva fina e a sua abelha silenciosa sobre a fronte. É aqui o eterno recanto onde a água diz a pura praia da infância. Aqui bebe e bebe longamente o hábito da tristeza no silêncio da vida, aqui, ó pátria de água calada e de pão doce, da fundura do tempo, da lonjura permanente, aqui, bom dia, minha filha.
Em A Construção do Corpo, 1969
Nuno Júdice
Plano Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor que se despeja no copo da vida, até meio, como se o pudéssemos beber de um trago. No fundo, como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na boca. Pergunto onde está a transparência do vidro, a pureza do líquido inicial, a energia de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta são estes cacos, que nos cortam as mãos, a mesa da alma suja de restos, palavras espalhadas num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez, esperando que o tempo encha o copo até cima, para que o possa erguer à luz do teu corpo e veja, através dele, o teu rosto inteiro.
Em Poesia Reunida, 1967-2000
Ilustração E Justificação
Escolhi “Poema Quotidiano” para ilustrar porque gostei muito do tema e considerei que representava um bom desafio a sua ilustração. O sol é fundamental para todos os seres vivos, pois é a fonte de calor e luz, sem a qual seria impossível a origem e manutenção da vida. A verdade é que é quase impossível imaginar a nossa vida sem a luz solar. Como o astro-rei é acessível a todos, todos o aproveitam, mas de maneira diferente, dependendo do estado de espírito de cada um, do seu sentido de oportunidade, das suas necessidades, da sua condição social, da sua relação com o transcendente, usada em toda a obra em que o poema está integrado, em suma, em todas as vivências do quotidiano por todos os seres humanos. Optei por desenhar um bairro que revelasse os efeitos do sol, bem como a incidência progressiva do próprio astro-rei sobre toda a rua e as pessoas, de modo a encher a rua de vida e de cor. As mulheres às varandas, as crianças a caminho da escola são reveladoras do dinamismo do quotidiano motivado pelos raios solares e pelo reflexo nas vidraças. Deste modo tentei reproduzir os benefícios do sol nas pessoas e também nas próprias plantas, para demonstrar que o sol quando nasce é para todos. Através da utilização de cores vivas , visei transmitir a alegria que o sol proporciona a quem desfruta dos seus benefícios. Reconheço que precisava de um conhecimento mais profundo sobre Ruy Belo tendo em conta que foi membro da Opus Dei, organização da igreja católica, e candidato a deputado, em 1969, pelas listas da Comissão Eleitoral da Unidade Democrática e, consequentemente, controlado e vigiado pela ditadura salazarista, gostaria de ter falado sobre o sentido metafórico que o texto parece transmitir - o descontentamento do Poeta pelo contexto político-social da época. Quem sabe se, num tempo futuro, este meu trabalho não venha a ter continuidade e aprofundamento?
Conclusão
Na realização do meu trabalho comecei por fazer uma pesquisa sobre poesia contemporânea e a subsequente escolha de alguns autores. Em seguida, efetuei uma pesquisa de poemas de cada um e selecionei os que mais gostei. A minha ideia não era centrar-me num só tema mas em vários. Escolhi o verso “Aqui posso estar seguro e leve no silêncio” de “Aqui Mereço-te”, de António Ramos Rosa, para o título do meu trabalho, pois penso que o retrata perfeitamente, no sentido em que é no silêncio que nos envolvemos inteiramente com os poemas, e é isso que proponho que façam todos os que ora leiam esta minha antologia e que encontrem o seu silêncio para que possam dar uma interpretação pessoal. No silêncio podemos pensar e refletir. A fotografia que elegi para a minha capa é, na minha opinião, uma boa representação do silêncio, onde se encontra a silhueta de um homem sentado numa cadeira, no meio do mar, só com a luz do sol a iluminar o local. O mar para mim transmite-me calma e projeta-me para novos horizontes, dando-me uma maior abrangência na análise dos poemas. O homem, nesta imagem, representa o leitor que se perde e que se encontra na poesia. Em anexo, coloquei a síntese da minha leitura dos textos aqui presentes. Neste trabalho foi me possível não só conhecer poetas de que nunca tinha ouvido falar, como também, os factos mais importantes das suas vidas, o que, de algum modo, me possibilitou uma melhor compreensão dos textos.
Webgrafia
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POEMAS Sophia de Mello Breyner http://www.porto.ucp.pt/projectos/kidzlearn/portugues/poemas.htm http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?poeta=296 http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/sophia_m_b_andresen/poetas_sophiambandresen0 1.htm http://www.goodreads.com/book/show/1812311.Geografia
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Manuel Alegre http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html http://delta4.no.sapo.pt/malegre05.html http://chuviscosdepoesia.blogs.sapo.pt/2934.html
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José Gomes Ferreira http://www.citador.pt/poemas/dame-a-tua-mao-jose-gomes-ferreira http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Gomes_Ferreira
Natália Correia http://www.citador.pt/poemas/balada-para-um-homem-na-multidao-natalia-correia http://pt.wikipedia.org/wiki/Nat%C3%A1lia_Correia
Mário Cesariny http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Cesariny http://www.citador.pt/poemas/lembrate-mario-cesariny-de-vasconcelos
Antonio Maria Lisboa http://blogue.sitiodolivro.pt/2011/08/01/antonio-maria-lisboa/ http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Maria_Lisboa
Jorge Sena http://www.citador.pt/poemas/lamento-do-poeta-objectivo-jorge-de-sena http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_de_Sena
Maria Teresa Horta http://www.avozdapoesia.com.br/obras_ler.php?obra_id=14796&poeta_id=297 http://www.citador.pt/poemas/os-teus-olhos-maria-teresa-horta http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Teresa_Horta http://www.coisas.com/Maria-Teresa-Horta---Candelabro-1-edicao1964,name,221598021,auction_id,auction_details http://poesiavimbuscarte.wordpress.com/2014/08/11/%E2%96%91-os-teus-olhos/ http://www.priberam.pt/DLPO/crespo
Ruy Belo http://www.citador.pt/poemas/poema-quotidiano-ruy-belo http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Belo
Ant贸nio Ramos Rosa http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-antonio-ramos-rosa-1606787 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Ramos_Rosa http://lugardaspalavras.no.sapo.pt/arvores/a011.htm
ANEXO
Síntese dos poemas
Começo por salientar “Porque”, de Sophia de Mello Breyner, visto que sintetiza admiravelmente a solidão e a marginalidade em que se encontra aquele que luta coerentemente pela justiça, dizendo a verdade e não utilizando a violência. Em “Adeus”, de Eugénio de Andrade, a relação amorosa é apresentada numa perspetiva crítica, em que um dos apaixonados se despede do Tu, salientando o excesso de palavras e de gestos trocado entre ambos no passado recente, antes do momento do “adeus”. Surge de seguida “Lisboa” apresentada por Manuel Alegre com todos os seus contrastes e sentimentos, antes e depois do 25 de Abril de 1974. Todo o poema é revelador de grande beleza literária e possuidor de uma mensagem de libertação. Escolhi, também, Rosa Alice Branco, cujo poema intitulado “O Rosto da Matéria” nos revela a simplicidade que vem das coisas e da relação íntima, que se estabelece entre a matéria e tudo o que a rodeia. Chamou-me a atenção “A Divisibilidade: a Invisibilidade a Dois”, de Luíza Neto Jorge, pois tanto o homem como a mulher se dividem dentro da sua especificidade e mantêm a sua invisibilidade em conjunto. Em “Árvore”, Fernando Guimarães estabelece uma relação íntima entre uma árvore e o sujeito poético, com a certeza de que esta sabe da sua existência, considerando-o a sua própria sombra. Despertou-me particular interesse o conceito de felicidade que nos é apresentado por Fernando Echevarría no poema “Felizes”. “Amigo, a que vieste?”, de Pedro Tamen, tem como tema a amizade; o sujeito poético fala sobre um amigo que se foi embora e questiona a amizade de ambos. A dúvida está presente no poema e o sujeito poético, na última estrofe, assume o seu não entendimento, questionando “Amigo, a que vieste?”
Em oposição a este poema escolhi “Esta Noite Morrerás”, de Ana Hatherly, que nos fala das consequências da partida da pessoa amada e dos sinais que ficaram depois de uma relação terminada. Fiama Hasse Pais Brandão, em “Quando eu vir vaguear por dentro da casa”, fala-nos das figuras da natureza, que perseguem os mortais, pretendendo ser reais quando se aproximam destes. “Plano”, de Nuno Júdice, o amor comparado como o vinho turvo bebido de um trago, mas sem o gastar de uma só vez, para que através do corpo da pessoa amada seja possível observar o seu rosto inteiro. Na procura do equilíbrio, aparece Miguel Torga com “Lastro” que nos fala sobre a bênção de acordar na esperança de uma vida renovada, descobrindo-se em cada situação uma vida nova, com o desejo de apagar, em cada momento novo, a existência passada. Em complementaridade, de toda esta temática apresentada, o poeta José Gomes Ferreira, em “Dois Epigramas”, de modo irónico, fala-nos sobre as coisas abordadas de maneira simples e com leveza, para não envelhecermos antes do tempo. Natália Correia, em “Balada para um Homem na Multidão” fala-nos do homem que, quer cá ou no Japão, é sempre o mesmo à espera que cresça a árvore que dá dinheiro e que na hora da morte tem apenas o seu corpo como pertença. Em seguida, “Lembra-te”, de Mário Cesariny. Aqui, o sujeito poético relembra à personagem oculta todos os momentos vividos entre eles e os trilhos procurados a dois
(“Lembra-te/que
todos
os
momentos/que
nos
coroaram/todas
as
estradas/radiosas que abrimos”). Este poema é em verso branco, não apresentando qualquer rima e utiliza, como recurso estilístico mais expressivo, a repetição anafórica de “seu”( “seu ansioso lugar; seu botão de florir”). António Maria Lisboa, em “z”, refere que tudo se transforma, quando conhece, de novo, a pessoa amada, revelando rara beleza literária no emprego da metáfora em todo o seu poema.
Com Jorge de Sena, em “Lamento do Poeta Objetivo”, o amor é apresentado num contexto de amargura; este sentimento, tomando a sua própria vida, não impede o medo e a solidão que o esfriam cada vez mais. Maria Teresa Horta, em “Os Teus Olhos”, fala de uns olhos verdes de uma pessoa especial, não de um verde comum, mas sim ‘mais ave’ ou mais ‘vento’, transparente como o vidro, mais veloz e mais voraz. O “Poema Quotidiano”, de Ruy Belo, faz recordar o provérbio “O sol quando nasce é para todos”. Refere a transformação que se opera em todas as pessoas que enchem as suas mãos de sol, que lhes atravessa as almas e ilumina as suas penas. Elegi, para terminar, o autor de uma das obras poéticas mais extensas e mais marcantes da poesia portuguesa contemporânea: António Ramos Rosa. Em “Aqui mereço-te”, o sujeito poético, dirigindo-se ao ‘tu’ (“minha filha”, “bom dia, minha filha”) faz referência à terra que o viu nascer. “Pertenço em cada movimento a esta terra. Amar aqui é amar o mar, mas com a resistência das paredes da terra”. Não poderia ter escolhido hino mais belo para terminar esta minha seleção de poemas.
Escola Artística António Arroio Disciplina: Português
“Aqui posso estar seguro e leve no silêncio”
Professora: Elisabete Miguel Trabalho realizado por: Bárbara Vasco Lourenço, 10.º J, n.º5 Ano Letivo 2014/2015