Índice
Introdução 20 Poemas: - Os Amigos – Eugénio de Andrade - Quando Morre um Homem – Ruy Belo - Balada de Lisboa – Manuel Alegre - Quase um Poema de Amor – Miguel Torga - Escada sem Corrimão – David Mourão-Ferreira - Esta Gente – Sophia de Mello Breyner Andresen - Amigo – Alexandre O'Neill - A Festa do Silêncio – António Ramos Rosa - Meu Camarada e Amigo – Ary dos Santos - Poema do Poema – António Gedeão - Viver Sempre Também Cansa – José Gomes Ferreira - Testamento do Poeta – José Régio - A Tempo – Vitorino Nemésio - Desencontro – Jorge de Sena - Sono – Carlos de Oliveira - O Poema – Natália Correia - Amizade – Pedro Homem de Mello - O Poema Ensina a Cair – Luiza Neto Jorge - Seria o Amor Português – Fernando Assis Pacheco - Antes que Seja Tarde – Manuel da Fonseca Ilustração Conclusão Bibliografia
Introdução
Após uma pesquisa longa e variada sobre os poetas contemporâneos, alguns deles chamaram-me mais a atenção do que outros, pois os seus poemas, de alguma forma, me transmitiram uma mensagem. Posteriormente, selecionei 20 poemas de poetas que se enquadram nesta época, desde o início da década de 50 até finais do século XX. O critério de seleção de poemas que utilizei não teve como base a temática dos mesmos ou a rima, mas sim o que eu senti enquanto os lia e interpretava.
20 Poemas
Os Amigos
Os amigos amei despido de ternura fatigada; uns iam, outros vinham, a nenhum perguntava porque partia, porque ficava; era pouco o que tinha, pouco o que dava, mas também só queria partilhar a sede de alegria — por mais amarga.
Eugénio de Andrade
Quando Morre um Homem
Quando eu um dia decisivamente voltar a face daquelas coisas que só de perfil contemplei quem procurará nelas as linhas do teu rosto? Quem dará o teu nome a todas as ruas que encontrar no coração e na cidade? Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem no brilho de olhos lavados nas quatro estações? Quando toda a alegria for clandestina alguém te dobrará em cada esquina?
Ruy Belo
Balada de Lisboa Em cada esquina te vais Em cada esquina te vejo Esta é a cidade que tem Teu nome escrito no cais A cidade onde desenho Teu rosto com sol e Tejo
Caravelas te levaram Caravelas te perderam Esta é a cidade onde chegas Nas manhãs de tua ausência Tão perto de mim tão longe Tão fora de seres presente
Esta e a cidade onde estás Como quem não volta mais Tão dentro de mim tão que Nunca ninguém por ninguém Em cada dia regressas Em cada dia te vais
Em cada rua me foges Em cada rua te vejo Tão doente da viagem Teu rosto de sol e Tejo Esta é a cidade onde moras Como quem está de passagem
Às vezes pergunto se Às vezes pergunto quem Esta é a cidade onde estás Com quem nunca mais vem Tão longe de mim tão perto Ninguém assim por ninguém
Manuel Alegre
Quase um Poema de Amor
Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor. E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! A nossa natureza Lusitana Tem essa humana Graça Feiticeira De tornar de cristal A mais sentimental E baça Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo E ninguém me deseje apaixonado, Ou que a antiga paixão Me mantenha calado O coração Num íntimo pudor, — Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor.
Miguel Torga
Escada Sem Corrimão
É uma escada em caracol e que não tem corrimão. Vai a caminho do Sol mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos, mais estragados estão. Nem sustos, nem sobressaltos servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe Quem tem sonhos também não. Há quem chegue a deitar fora o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida. Correm-se p'rigos em vão. Adivinhaste: é a vida a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira
Esta Gente
Esta gente cujo rosto Às vezes luminoso E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto De luta e de combate Contra o abutre e a cobra O porco e o milhafre
Pois a gente que tem O rosto desenhado Por paciência e fome É a gente em quem Um país ocupado Escreve o seu nome
E em frente desta gente Ignorada e pisada Como a pedra do chão E mais do que a pedra Humilhada e calcada
Meu canto se renova E recomeço a busca De um país liberto De uma vida limpa E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Amigo
Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) «Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
A Festa do Silêncio Escuto na palavra a festa do silêncio. Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, o ar prolonga. A brancura é o caminho. Surpresa e não surpresa: a simples respiração. Relações, variações, nada mais. Nada se cria. Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema. É aqui a abóbada transparente, o vento principia. No centro do dia há uma fonte de água clara. Se digo árvore a árvore em mim respira. Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa
Meu Camarada e Amigo
Revejo tudo e redigo meu camarada e amigo. Meu irmão suando pão sem casa mas com razão. Revejo e redigo meu camarada e amigo
As canções que trago prenhas de ternura pelos outros saem das minhas entranhas como um rebanho de potros. Tudo vai roendo a erva daninha que me entrelaça: canção não pode ser serva homem não pode ser caça e a poesia tem de ser como um cavalo que passa.
É por dentro desta selva desta raiva deste grito desta toada que vem dos pulmões do infinito que em todos vejo ninguém revejo tudo e redigo: Meu camarada e amigo.
Sei bem as mós que moedo pouco a pouco trituraram os ossos que estão doendo àqueles que não falaram.
Calculo até os moinhos puxados a ódio e sal que a par dos monstros marinhos vão movendo Portugal — mas um poeta só fala por sofrimento total!
Por isso calo e sobejo eu que só tenho o que fiz dando tudo mas à toa: Amigos no Alentejo alguns que estão em Paris muitos que são de Lisboa. Aonde me não revejo é que eu sofro o meu país.
Ary dos Santos
Poema do Poema
Conscientemente escrevo e, consciente, medito o meu destino.
No declive do tempo os anos correm, deslizam como a água, até que um dia um possível leitor pega num livro e lê, lê displicentemente, por mero acaso, sem saber porquê. Lê, e sorri. Sorri da construção do verso que destoa no seu diferente ouvido; sorri dos termos que o poeta usou onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo; e sorri, quase ri, do íntimo sentido, do latejar antigo daquele corpo imóvel, exhumado da vala do poema.
Na História Natural dos sentimentos tudo se transformou. O amor tem outras falas, a dor outras arestas, a esperança outros disfarces, a raiva outros esgares. Estendido sobre a página, exposto e descoberto, exemplar curioso de um mundo ultrapassado, é tudo quanto fica, é tudo quanto resta de um ser que entre outros seres vagueou sobre a Terra.
António Gedeão
Viver Sempre Também Cansa O sol é sempre o mesmo e o céu azul ora é azul, nitidamente azul, ora é cinzento, negro, quase-verde... Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica. As árvores dão flores, folhas, frutos e pássaros como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam. Não cai neve vermelha, não há flores que voem, a lua não tem olhos e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens. Soluçam, bebem, riem e digerem sem imaginação.
José Gomes Ferreira
Testamento do Poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos: Não sou dos que se aceita... a não ser mortos. Demais, já desisti de quaisquer portos; Não peço a vossa esmola de mendigos.
O mesmo vos direi, sonhos antigos De amor! olhos nos meus outrora absortos! Corpos já hoje inchados, velhos, tortos, Que fostes o melhor dos meus pascigos!
E o mesmo digo a tudo e a todos, - hoje Que tudo e todos vejo reduzidos, E ao meu próprio Deus nego, e o ar me foge.
Para reaver, porém, todo o Universo, E amar! e crer! e achar meus mil sentidos!.... Basta-me o gesto de contar um verso.
José Régio
A Tempo A tempo entrei no tempo, Sem tempo dele sairei: Homem moderno, Antigo serei. Evito o inferno Contra tempo, eterno À paz que visei. Com mais tempo Terei tempo: No fim dos tempos serei Como quem se salva a tempo. E, entretanto, durei.
Vitorino NemĂŠsio
Desencontro Só quem procura sabe como há dias de imensa paz deserta; pelas ruas a luz perpassa dividida em duas: a luz que pousa nas paredes frias, outra que oscila desenhando estrias nos corpos ascendentes como luas suspensas, vagas, deslizantes, nuas, alheias, recortadas e sombrias.
E nada coexiste. Nenhum gesto a um gesto corresponde; olhar nenhum perfura a placidez, como de incesto,
de procurar em vão; em vão desponta a solidão sem fim, sem nome algum - que mesmo o que se encontra não se encontra.
Jorge de Sena
Sono Dormir mas o sonho repassa duma insistente dor a lembrança da vida água outra vez bebida na pobreza da noite: e assim perdido o sono o olvido bates, coração, repetes sem querer o dia.
Carlos de Oliveira
O Poema O poema não é o canto que do grilo para a rosa cresce. O poema é o grilo é a rosa e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui uma determinação na fonte donde ele flui e naquilo que descreve. O poema é o que no homem para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras e a poesia transcendê-las na já longínqua noção de descrevê-las.
E essa própria noção é só uma saudade que se desvanece na poesia. Pura intenção de cantar o que não conhece.
Natália Correia
Amizade Ser-se amigo é ser-se pai ( — Ou mais do que pai talvez...) É pôr-se a boca onde cai A nódoa que nos desfez.
É dar sem receber nada, Consciente da prisão, Onde os nossos passos vão Em linha por nós traçada...
É saber que nos consome A sede, e sentirmos bem O Céu, por na Terra, alguém Rir, cantar e não ter fome.
É aceitar a mentira E achá-la formosa e humana Só porque a gente respira O ar de quem nos engana.
Pedro Homem de Mello
O Poema Ensina a Cair O poema ensina a cair sobre os vários solos desde perder o chão repentino sob os pés como se perde os sentidos numa queda de amor, ao encontro do cabo onde a terra abate e a fecunda ausência excede
até à queda vinda da lenta volúpia de cair, quando a face atinge o solo numa curva delgada subtil uma vénia a ninguém de especial ou especialmente a nós uma homenagem póstuma.
Luiza Neto Jorge
Seria o Amor Português Muitas vezes te esperei, perdi a conta, longas manhãs te esperei tremendo no patamar dos olhos. Que me importa que batam à porta, façam chegar jornais, ou cartas, de amizade um pouco — tanto pó sobre os móveis tua ausência.
Se não és tu, que me pode importar? Alguém bate, insiste através da madeira, que me importa que batam à porta, a solidão é uma espinha insidiosamente alojada na garganta. Um pássaro morto no jardim com neve.
Nada me importa; mas tu enfim me importas. Importa, por exemplo, no sedoso cabelo poisar estes lábios aflitos. Por exemplo: destruir o silêncio. Abrir certas eclusas, chover em certos campos. Importa saber da importância que há na simplicidade final do amor. Comunicar esse amor. Fertilizá-lo. «Que me importa que batam à porta...» Sair de trás da própria porta, buscar no amor a reconciliação com o mundo.
Longas manhãs te esperei, perdi a conta. Ainda bem que esperei longas manhãs e lhes perdi a conta, pois é como se no dia em que eu abrir a porta do teu amor tudo seja novo, um homem uma mulher juntos pelas formosas inexplicáveis circunstâncias da vida.
Que me importa, agora que me importas, que batam, se não és tu, à porta?
Fernando Assis Pacheco
Antes que Seja Tarde Amigo, tu que choras uma angústia qualquer e falas de coisas mansas como o luar e paradas como as águas de um lago adormecido, acorda! Deixa de vez as margens do regato solitário onde te miras como se fosses a tua namorada. Abandona o jardim sem flores desse país inventado onde tu és o único habitante. Deixa os desejos sem rumo de barco ao deus-dará e esse ar de renúncia às coisas do mundo. Acorda, amigo, liberta-te dessa paz podre de milagre que existe apenas na tua imaginação. Abre os olhos e olha, abre os braços e luta! Amigo, antes da morte vir nasce de vez para a vida.
Manuel da Fonseca
O poema escolhido para ilustrar
Escada Sem Corrimão É uma escada em caracol e que não tem corrimão. Vai a caminho do Sol mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos, mais estragados estão. Nem sustos, nem sobressaltos servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe Quem tem sonhos também não. Há quem chegue a deitar fora o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida. Correm-se p'rigos em vão. Adivinhaste: é a vida a escada sem corrimão
David Mourão-Ferreira
Este desenho é o resultado visual da minha leitura interpretativa do poema, a representação de um percurso de vida. Uma espiral com retângulos que vão aumentando de tamanho gradualmente. Partindo do ponto de vista do observador, o início das escadas é o começo da vida e o topo é o fim da mesma. Alguns dos degraus estão brancos ou em falta para representar os erros e sustos que cometemos ao longo da nossa vida. Quanto mais altos, mais desgastados estão os degraus, ou seja, maior é a experiência e o saber.
Conclusão
Chegado ao final do trabalho, é também o tempo de fazer uma reflexão sobre o seu percurso. Normalmente não tenho o hábito de ler poesia, a não ser aquela que é transmitida através da música, pelo que, de início, encarei a proposta da professora de português com séria apreensão. Comecei por ler, aqui e além, sem ter ainda ideia de como iria orientar a minha pesquisa. Com o passar do tempo, senti-me mais entusiasmado porque comecei a descobrir autores de que nunca havia ouvido falar e senti-me agarrado às suas formas de expressão. Li sobre a amizade, a vida, a liberdade, o amor, a condição humana, entre outros temas. Iniciei, então, a fase da recolha dos vinte poemas pedidos. De seguida, optei por apenas um para fazer a ilustração e a sua explicação. Surgiram-me várias dúvidas, fiquei indeciso muitas vezes. Nessas ocasiões, parei, refleti mais ponderadamente e, creio, acabei por ultrapassar esses momentos. Agora, sinto que foi bom ter elaborado este dossiê. Percebi que existem outras maneiras para nos expressarmos para além da prosa e, talvez pela primeira vez, tomei consciência da força que as palavras podem adquirir. Sei também que estou mais alertado para a atenção a dar às palavras, ao seu sentido e ao seu significado.
Bibliografia
Citador - http://www.citador.pt/ Duvidavidando - http://duvidavidando.blogspot.pt/2009/07/poema-escada-sem-corrimaodavid-mourao.html Parque dos Poetas - http://parquedospoetas.cm-oeiras.pt/?page_id=1313
Entregue em 8 de março de 2015 às 22:56