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A prisão do Comando Juarez de Brito

famílias, de namorados, de distração, etc. Mas também ocuparam cargos de direção, como já vimos neste livro. São tratadas plenamente iguais perante a lei de segurança Nacional. Mais que isso, são abusadas por sua situação de gênero de modos específicos. Esses dados colhidos na Auditoria passam a estar presentes nas delegacias de polícia, disseminados pelo SNI. São usados como argumento de coerção, mostrando que os repressores já conhecem o esquema do grupo e pressionando para que os presos falem mais.

A prisão do Comando Juarez de Brito

No processo BNM 361 consta a AÇÃO PENAL 85/71 e a APELAÇÃO STM 39.810. Aqui localizamos parte das ações finais contra os militantes da VPR que mantinham a organização ainda ativa. São julgados os membros da Unidade de Comando Juarez de Brito, a célula responsável pela execução do sequestro do Embaixador Suíço. Perceba-se que aqueles que realizavam o sequestro não eram diretamente beneficiados, pelo contrário, não só não seriam pessoas a serem trocadas pelos diplomatas, como sobre eles recaía a fúria da repressão. O processo indicia: Zenaide Machado (Raquel, Kenia, Muria); Lucia Velloso Maurício (Monica, Adriana); Carlos Alberto do Carmo (Rubens, Ciro); Alex Polari de Alverga (Rafael, Rafa); Adair Gonçalves Reis (Ivan); Alfredo Helio Sirkis (Felipe); José Mauricio Gradel (Jarbas); José Roberto Resende (Ronaldo; Roberto de Chagas e Silva (Caetano, Manoel); Sonia Eliane Lafoz (Paula, Clarisse); Teresa Angelo (Helga, Luiza, Isabel e Sonia); Walter Ribeiro Novais (Jonas); Ivan Motta Dias (Cabana, Eli). Segundo enuncia o documento,

O objetivo da VPR era a tomada do poder, através da luta armada, e a instauração no país de um regime socialista. Os meios a serem empregados, na fase final de realização desse objetivo, seriam as guerrilhas rurais e urbanas, havendo, inclusive, sido iniciado treinamento no Vale da Ribeira em São Paulo.16

A referida organização subversiva, que atuava em São Paulo, Rio Grande do Sul, Nordeste e na Guanabara, se encontrava estruturada:

16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL BNM 361 AÇÃO PENAL 85/71 APELAÇÃO STM 39.810. As páginas referidas são do documento original, não da reorganização do BNM.

Um comando Nacional, que contava om uma Inteligência e Imprensa; Comando Regional; Unidade de Combate; Grupo de ação Tática (ou Base); Quadro ou Combatente. Começaram a por em prática os planos traçados através da prática de inúmeras ações, que constituíram, inequivocamente, uma verdadeira escalada da subversão da estrutura político-social vigente. As ações praticadas por grupos – Unidades de Combate-, com todos os participantes armados, uns de revólver, outros de metralhadoras, e com estruturação tática. Vivendo na clandestinidade, sem profissão definida, os membros da VPR formavam uma extensa rede, entrelaçados entre si, mantendo-se em constante ligação, através de ‘contatos ou ‘pontes móveis’. 17

O documento faz uma extensa lista dos atos da VPR, incluindo-se assaltos a banco e outras expropriações comuns como as de garagens de carros, troca de placas, etc. todos “atos perigosos e nocivos à segurança nacional”, segundo o processo. A seguir, qualifica cada um dos envolvidos. O que proponho ressaltar aqui são falas, ocorridas nos processos de julgamento militar, em que ainda assim os militantes demonstraram bravura e amor à causa, especialmente as mulheres. No primeiro depoimento ficou explícito como, mesmo em situação de tensão e muitos riscos, havia militantes que não hesitavam em reafirmar sua posição, pois estavam convencidos da sua justeza:

A finalidade da organização é a formação da coluna guerrilheira de campo que será o embrião do exército para a revolução socialista no Brasil e que tem o caráter de luta de libertação nacional. A curto e a médio prazo é conseguir uma estabilidade na cidade para criar meios de montar e trabalhar no campo (p.264), e que buscava “identificar com os anseios da classe menos favorecidas do povo, a linha de uma organização só atende aos anseios de um combatente se ela atende aos do povo” (p. 265)

O depoimento traz também elementos sobre aquele momento de fim da VPR no Brasil, onde poucos militantes restavam e precisavam desesperadamente encontrar estratégias de sobrevivência. Há algum tempo já haviam se desmobilizado e não recrutavam mais ninguém, esperavam auxílio para terminar, em segurança, já que a maior parte dos

17 Idem, p. 2.

militantes estava no exterior, como abordaremos melhor no próximo capítulo. O inquiridor era enfático em fazer a militante falar, como traz o relato: “perguntada se está satisfeita com os resultados obtidos pelas ‘esquerdas’ no Brasil, respondeu que não estou satisfeita com resultados alcançados pelas esquerdas no Brasil, a gente tem se agitado bastante, mas não temos nos dado muito bem. (...) Não sei se a falha é teórica ou prática, mas temos que descobrir”. (p. 274) Nesse mesmo processo os demais envolvidos prestam seus depoimentos e destaco as falas de outras duas mulheres. Ambas avaliam sua participação, reafirmando a importância da militância e da organização. Relatam a formação, indicam um longo processo de amadurecimento teórico, com a leitura de textos marxistas, e referem a influência da síntese de Jamil. Assim expressou uma delas:

A linha oficial da organização se encontra nas teses de Jamil; seria impossível sintetizá-la, ressaltando, no entanto, os seguintes pontos: dentro de uma abordagem histórica, a VPR vê o socialismo não como um processo natural e evolutivo do capitalismo mas como fruto direto da violência armada; para que se compreenda realmente o sentido da luta armada é preciso que se conheça os conceitos de MARX sobre o papel da violência na história; analisado o Brasil de sua formação até hoje. A VPR compreende a sua estratégia socialista sob a forma de libertação nacional, por acreditar ainda existirem tarefas neste sentido a serem cumpridas. A luta armada é luta de longa duração. Che teorizou a respeito em um dos seus trabalhos; Debray também em “A longa Marcha”. (p. 60)

Ela reiterava que as ações de sequestro não eram ações de Propaganda Armada. Tinham um objetivo imediato para a organização. Mesmo que o grupo (comando Juarez de Brito) tenha realizado ações de convencimento durante o sequestro - a tomada de armazém de mantimentos que também é foco do processo no Inquérito - isso não era o foco principal. Suas ações eram prioritariamente de vanguarda. Esse elemento é recuperado pela segunda militante, que explicita que a VPR ficou sozinha na defesa do “plano nacional de sequestros”, pois a Frente deu parecer contrário, “contudo, a VPR resolveu executá-lo, independente das outras organizações” (p. 418). Ou seja, o processo mostra como os militantes envolvidos no sequestro acabariam sendo presos pela repressão. Salvaram muitas vidas,

mesmo desafiando as demais organizações. E seguiriam esperando a volta dos militantes libertados para seguir a organização. A eles e elas que seguiram no Brasil, restava desmobilização e o enquadramento como “criminosos”. Em maio de 1971 outros militantes da VPR e do MR8 foram presos, gerando mais uma série de informações para a repressão. O cerco definitivamente ia se fechando. As informações se misturavam entre aquilo que era dito diretamente e o que a repressão ia acumulando, jogando com os dados para forçar os demais a falarem. Ao utilizar o vocabulário da repressão, e serem envolvidos pela luta, seja por influência da origem militar de alguns militantes, seja pelo guevarismo, aumentava a autopercepção de poder que os grupos tinham sobre si mesmos. Precisavam acreditar ser inimigos à altura das Forças Armadas Brasileiras. Entretanto, há grande diferença de poder de fogo, de planejamento e de execução dos dois campos em luta. A situação de luta trazia esses elementos presentes. Esse manifesto foi produzido por um militante, indignado com a perda de seus companheiros. Um círculo vicioso se anunciava como desejo de um militante inconformado:

Andávamos dando muita ênfase neste período crítico, de centenas de prisões e de perda de material bélico de outras O.s, pensando, será? Que continuaríamos impermeáveis ao aparelho da repressão. Coloquemos os quatro pés no chão e tiremos a cabeça das nuvens. Eu volto a citar o companheiro que cita o Comandante Che: ‘Se fomos acuados à luta, temos que acuar o inimigo também’. É isso, companheiros, até quando os revolucionários tombarão, nós partiremos para a contraofensiva, fazendo eliminações dos inimigos tanto sistemática e seletiva, e terrorismo repressivo contra os militares. Não podemos mais cruzar os braços, quando clamamos vingança revolucionária pelos companheiros que tombaram. Honremos as memórias odos revolucionários que tombaram: Elias, escoteiro, Doutor, Zequinha, Célio. Joaquim e João Lucas Alves. Ousar lutar! Ousar Vencer!18

Os “nossos” estavam sendo mortos. A repressão crescia. A vingança ficaria apenas no sentimento expresso no papel. O autor foi preso e seria um dos libertados no sequestro do embaixador suíço.

18 A hora é de ação. Panfleto. BNM42.

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