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Gosto pela largueza física e pela bonomia

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ÍNDICE DE LUGARES

ÍNDICE DE LUGARES

havia passado procurando adiar, com as cogitações, a segunda-feira iminente de que fugíamos. Fazíamos assim o mito do domingo que acabava e fugíamos da careta da segunda-feira que ameaçava, projetando-nos dentro do luar rumo às nuvens com reminiscências históricas. Era o ambiente criado pelo céu, pelas nuvens, na noite com luar. O que dizer aos senhores do ambiente do mar? Quando eu era deputado, a Assembleia ficava perto de um braço de mar no Rio. E de lá se partia de barca para Niterói. Quantas vezes eu me “moxinifava” naquele ponto de embarque e ficava sentado, olhando o mar que sobe e que desce, os barcos que sobem e descem, o mar, o tropel da gente que entra, da gente que sai, dos navios que se distanciam. Depois ficava tudo sereno, tudo tranquilo, e eu olhando só o mar, tão mais interessante do que tudo isso. E pensava: “Nisto que eu estou vendo não há mais do que há na Constituinte?”. É uma riqueza de ambiente221 .

Gosto pela largueza física e pela bonomia

Por natureza, por temperamento, por modo de ser, não gosto de absolutamente nada que me aperte e que me sirva de obstáculo. Basta dizer que eu usei ainda por muito tempo relógio de bolso. E preferi o relógio de bolso por não gostar do relógio pulseira em torno do meu pulso, porque aquilo cria um entrave. Vou me mover e sinto aquela pulseira me apertando, quando aquilo deveria estar longe de mim. Depois entrou de tal forma o costume do relógio pulseira que eu já não podia mais usar o relógio de bolso: seria quase um escândalo usar relógio de bolso. Tive então que aposentar meu relógio – um bonito relógio que perdi – e comecei a usar relógio de pulseira. Até hoje não me habituei ao relógio de pulseira: me cerceia. Se faço um movimento para cá, sinto aquela pelota que vai para lá: é o relógio. *

Se essa é a reação do pulso diante do relógio, a fortiori é a reação do pescoço diante do colarinho: são situações análogas. Muito mais prosaicamente, a fortiori também dos pés com os sapatos. Sapato, quanto mais largo e arejado, melhor. Entra ar dentro e nos sentimos à vontade.

221 SD 4/9/82

Aquela caixa de couro que aperta o pé, não. Apertar não. Quero estar à larga. Já nas coisas de doutrina eu não sou assim, nem nas coisas onde entra a lógica. As únicas coisas de que eu gosto apertadas são a ortodoxia, a moral e a lógica. Aí o aperto me encanta. De resto, aperto não. Por quê? Porque eu quero ser livre de me mover, de fazer como eu entender, sem embaraços. Aquele incômodo me chama a atenção penosamente, desagradavelmente, não quero. Quem dirige as almas deve tomar muito em consideração a variedade delas, para não exigir das pessoas aquilo que não está no plano de Deus que elas deem, e para exigir delas o que está no plano de Deus que elas devem fazer. Desde que aquilo me atrapalhe para pensar, me atrapalha para amar a Deus. Então não serve222 .

Em certas fases e situações, sou muito de laissez trotter les choses, deixar as coisas irem andando por si e ir tirando proveito de cá, de acolá. Assim, quando as coisas não estão muito claras, não sou favorável a delimitar o caminho223 . Aonde houver possibilidade de entrar o mal, tem que estar tudo justo. E o homem deve, desse lado, estar como num campo de batalha continuamente. Aonde não entra o mal, é bom certa largueza boa, generosa, e que se estenda até largamente. Assim as duas pulsações da alma humana, ou do coração humano, ficam bem claras. Por exemplo, em poucos ambientes eu agiria com a intimidade e com a folga com que eu procedo na presença dos senhores. E não há ocasião que eu perca para deixar os senhores à vontade, e os senhores compreenderem com que vontade de lhes ser benéfico, de ser benfazejo eu procedo em todos os momentos. E dentro da aparência da folga, até nisto tenho muita precisão. Porque o demônio gostaria muito que isto não fosse assim. Ele gostaria que eu tratasse os senhores com certa severidade rija, e que os senhores se sentissem à distância de mim, curvados ante uma obediência exercida com o sobrolho carregado e, para usar uma metáfora, de chibata na mão. Os senhores percebem quanto isso lhes faria mal. Pelo contrário, sabem quanto lhes faz bem eu agir de outra maneira.

222 Chá PS 27/11/90 223 CM 20/5/84

Então, no seguinte ponto eu sou muito preciso: eu não tenho um gesto, uma inflexão de voz que não tenha em vista desmentir o demônio. Junto aos filhos das trevas o demônio gostaria de fazer constar que sendo eu, pela graça de Nossa Senhora, muito católico, sou mole. Então, para desmentir o demônio, é preciso que eu proceda de modo duro. Exatamente junto aos senhores, eu bem percebo que o demônio gostaria de dar a entender que sou implacavelmente duro. Então, eu sou implacavelmente suave. E suave com toda a precisão. Isto faz parte da luta implacável contra o demônio. Ele é nosso inimigo implacável, nós devemos ser implacáveis com ele. Bom, uso colarinhos e sapatos folgados. Por quê? Porque isso dá-me uma sensação agradável da misericórdia de Nossa Senhora, que, pedindo-me coisas duras, também me dá algumas coisas suaves. E acho que é benfazejo para a minha alma que eu me permita uma folga razoável, uma folga proporcional dentro disso. Pelo contrário, naquilo que, mesmo em matéria de traje e em outras coisas do gênero, não deve haver nenhuma forma de relaxamento, eu procuro ser preciso. Este é também o modo pelo qual os senhores devem se tratar a si próprios. Quer dizer, em algumas coisas em que não esteja envolvida a luta do bem contra o mal, permitirem-se com folga, com bondade, com alguma largueza. Mas, pelo contrário, nas coisas em que esteja envolvida a luta do bem contra o mal, é ali!224

Até mesmo por temperamento sou propenso à bondade, à indulgência, ao perdão, ao estímulo, e de todos os modos225 . Corresponde muito a esse bon vouloir uma planta brasileira que não sei se dá fora do Brasil, mas de que eu gosto muito: é o capim gordura. O aspecto é muito agradável, e o cheiro dele mais agradável do que o aspecto. O capim gordura mantém um relacionamento afetuoso com os outros elementos da natureza226 . Meu afeto para com as pessoas se dá muito largamente, pode abranger um número indefinido de pessoas. Mas qualquer um, não.

224 Chá 16/4/90 225 Chá SB 19/4/88 226 MNF 18/5/93

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