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A graça de Nossa Senhora Auxiliadora
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Os senhores estão vendo que eu já fazia um pouquinho de estratégia política: o avanço, o recuo, o conforme, o estudo da situação. Algumas coisas que eu teria que exercer várias vezes no futuro, comecei a exercer sentado sobre o peito de minha mãe e abrindo os olhos dela, quer dizer, jogando a cartada do máximo risco para sair de uma aflição que chegava ao extremo497 . De repente, ela saía do fundo do sono dela e me via olhando para ela. Quando acordava, imediatamente ela se punha sentada na cama e se voltava para mim: – Filhinho, o que é que você quer? – Uma história. Notava que ela estava morta de sono. Mas contava a história e depois perguntava: – Você quer outra, meu filho? – Quero! Isto era feito com tanto afeto, entrando tanto dentro dos lados miúdos de minha alma, e me querendo tão bem por ser filho dela498 que, à medida que ela ia falando, ia me tranquilizando e o sono naturalmente ia subindo499 . E quando ela de novo me fazia deitar na cama, vinha-me a reflexão: “Propriamente, com ela eu me arranjo até o fim. Ela não me recusa nada, e com ela posso contar até onde for500 . Confio inteiramente nela”. E, como recíproca, sentia-me inteiramente dela. Daí um entrelaçamento à fond perdu, até onde fosse o caso501 . Isto tudo preparava o quê? Evidentemente uma coisa muitíssimo maior: a devoção a Nossa Senhora. Quando rezo a Salve Regina e o Memorare, tenho a impressão de fazer com Nossa Senhora um pouco como abrir os olhos de mamãe, não no sentido físico da palavra, em que eu me atrevesse a pôr meus dedos nas pálpebras celestes d’Ela, nunca! Mas em dizer a Ela coisas que abrissem a sua misericórdia, como os meus dedos abriam os olhos de mamãe, compreendendo que súplica do filho aflito é ouvida e que eu posso suplicar com confiança, porque nunca serei mal recebido502 .
497 Jantar EANS 11/10/85 498 Chá EPS 27/1/95 499 SD 14/8/93 500 CSN 31/8/85 501 CSN 25/4/92 502 Jantar EANS 11/10/85
A graça de Nossa Senhora Auxiliadora
Um fato veio marcar de uma vez por todas a minha devoção entranhada a Nossa Senhora. No Colégio São Luís, os padres distribuíam toda semana um boletim a cada aluno, no qual aparecia a nota da matéria lecionada. Em cada matéria havia dois quadradinhos especiais: um era Aplicação e outro Comportamento. A Aplicação visava premiar o bom aluno, ou censurar quem era relaxado, preguiçoso e não aprendia bem. O Comportamento considerava a conduta do aluno durante a aula. Essa distribuição era feita à tarde das sextas-feiras. Na segunda-feira, o aluno tinha que levar o boletim de volta, assinado pelo pai. Em geral, as minhas notas eram elevadas, eram até bem elevadas; e mesmo nas matérias de que não gostava, as notas que tirava ainda eram suportáveis. Minha conduta na aula também era boa. Era um aluno muito disciplinado e a nota de comportamento, graças a Deus, era quase sempre 10, a mais alta nota, em todas as matérias. Quando chegava em casa, Dona Lucilia me dizia: – Filhão, você trouxe seu boletim? Eu tirava o boletim da minha pasta e entregava a ela. Ela lia com atenção e depois em geral me beijava, e às vezes me dizia: “Fico especialmente contente por causa da nota dez de comportamento”. E me dava sempre a mesma explicação: “Ninguém tem culpa de ser burro, tem culpa de ser ruim. Um aluno que tenha nota baixa de comportamento não é burro, é ruim; ele não presta, ele não gosta da ordem, não gosta da disciplina, não gosta do esforço. Prefiro mil vezes ter um filho burro, mas bom, a um filho inteligente, mas ruim. O homem vale pelo caráter. A inteligência é uma coisa de valor, mas secundária. Sem inteligência se vai para o Céu, sem caráter não se vai para o Céu503 . Ouvia aquilo com muito afeto e achava que ela tinha razão504 . Aconteceu que certa vez a nota de comportamento em Geografia veio péssima: seis, muito abaixo do que Dona Lucilia toleraria. Olhei aquilo e fiquei pasmo: “Mas não fiz nada na aula de Geografia! Isso é uma injustiça ou um engano de quem copiou essa nota. Mamãe agora vai ficar indignada e eu não sei o que fazer. Preciso tirar essa nota de dentro do boletim”.
503 Palestra NC 28/2/95 504 CSN 26/7/80
Aí veio a criancice, a imbecilidade: como estava chovendo muito, pensei: “Vou lá fora, abro o boletim, cai água da chuva em cima e digo a mamãe que fui ler o boletim na chuva e pingou água na nota de Geografia”. Mas aconteceu uma coisa incrível: chovia em torno da nota 6, mas a água não caía em cima do 6. Então perdi a paciência e, com o dedo, molhei resolutamente a nota 6. Aí verifiquei que ficou uma coisa inaceitável. “Abyssus abyssum invocat”, diz a Escritura, quer dizer, um abismo atrai outro abismo, um erro atrai outro erro, uma má ação atrai outra má ação. Então resolvi escrever 10 em cima de tudo isso com a minha letra. Ela estava farta de conhecer minha letra e veria que era o auge da infantilidade e do não saber fazer as coisas505 . Cheguei em casa, encontro mamãe no quarto de toilette dela, sentada numa cadeira de balanço. Eu me lembro perfeitamente da cena506. Ela, com o seu afeto habitual, disse: – Filhão, você tem seu boletim aí? Eu costumava entregar esse boletim aberto, mas desta vez o entreguei fechado, como se adiantasse fechar. Ela abriu e disse: – O que é isto aqui!?507 – Mamãe, eu recebi esse boletim e estava na chuva. Dentro da chuva mesmo quis ver qual era a minha nota e choveu em cima do boletim508 . – Não, não me venha com essa história. Aqui em cima você escreveu dez. O que é que tinha embaixo? Eu disse: – Mamãe... tinha 6. – Ah?! O que é que você fez para o seu professor de Geografia lhe dar seis? – Não fiz nada, mamãe, mas saiu essa nota. E não querendo aborrecer a senhora, arranjei um jeito de pôr uma nota que deixasse a senhora contente. Ela ficou indignada e disse: – Eu prefiro tudo na vida a ter um filho falsário. Ela pronunciou a palavra falsário de tal maneira que, no modo de ela dizer, sem poder compreender bem o sentido da palavra, senti todo o mal existente na falsificação.
505 Palestra NC, 28/2/95 506 SD 9/7/94 507 Palestra NC 28/2/95 508 SD 9/7/94
E ela prosseguiu: – Fique sabendo o seguinte: na segunda-feira seu pai irá ao Colégio São Luís, vai mostrar ao padre e vai pedir a ele para verificar nos assentamentos do colégio qual é a sua verdadeira nota. Se foi uma nota errada que copiaram mal, você está perdoado; mas se sua nota real for seis, você não vai ficar mais um dia sequer em São Paulo. Eu vou mandar você para o Colégio do Caraça. Fiquei pasmo: – Longe de casa, mamãe? – Sim, senhor. Não quero ter falsários perto de mim. Caí em vários abismos. Para mamãe não me querer mais perto dela, os senhores podem imaginar o que era: uma coisa horrorosa! Ela ao mesmo tempo me disse que esse Caraça era uma espécie de penitenciária para criança, o que não correspondia à verdade: era um dos melhores colégios do Brasil. Mas ela tinha essa informação errada e me disse509: – Eu vou mandar você para lá, vou passar um ano sem te ver e você também vai passar um ano sem me ver. Vou sofrer muito mais do que você, porque eu quero mais bem a você do que você quer a mim. Mas, se é para seu bem, eu mando você para lá. Você lá se lembre de que sua mãe está chorando infeliz por você estar na cadeia, mas você vai para a cadeia. Não pense que eu vá visitar você lá, porque mãe de falsário... eu não quero saber disso510 . Cada vez que ela dizia uma coisa dessas, que contrastava com o carinho requintadíssimo e dulcíssimo com que ela me tratava, eu me sentia mais achatado. Depois, mais esmagado pelo meu próprio delito: “Falsário, que coisa horrorosa!” Nem sabia bem o que era o falsário, mas me sentia um falsário511 . Ela não se aproximou de mim para que eu a beijasse, como era habitual. Saí. E fiquei numa depressão, uma coisa que os senhores podem imaginar, mas não disse nada a ela. Não pedi perdão, o que foi mal feito; deveria ter pedido perdão512 . Passou-se a sexta-feira, o sábado, um sábado triste e aborrecido para
mim.
509 Palestra NC 28/2/95 510 Palestra NC 28/2/95 e SD 9/7/94 511 Palestra NC 28/2/95 512 SD 9/7/94
No domingo, resolvi ir à Missa na igreja do Coração de Jesus. Estava muito agitado. Acordei cedíssimo, pois costumava acordar mais tarde aos domingos. E fui sozinho à Missa, sem mamãe nem papai, sem minha irmã, sem ninguém. Quando cheguei à igreja, esperava encontrar junto à imagem do Sagrado Coração um banco para me ajoelhar. Mas vi uma cena inteiramente diferente da costumeira. Sendo o Colégio do Coração de Jesus um internato enorme, todos os meninos desse internato estavam entrando na igreja para assistir à Missa. E não havia banco livre. Senti-me rechaçado por todos os lados, por Deus e pelos homens. E pensava: “Andei mal, sou um falsário, uma coisa horrorosa. Vou me espremer nesse canto direito da nave lateral, e aqui vou ficar bem no fundo, pois ainda há um lugar. Neste lugar, a um miserável de um falsário, a misericórdia de Deus ainda olha, e ele aqui pode rezar durante a Missa”. Por causa das colunas, não conseguia ver o padre e acompanhar os seus movimentos. Eu me levantava, ajoelhava e acompanhava a Missa pelo movimento do povo. Também não conseguia ver a imagem do Sagrado Coração de Jesus. A única imagem que via era uma imagem de mármore alvíssimo, branquíssimo513 de Nossa Senhora Auxiliadora, com o Menino no braço e uma coroa na cabeça, mas uma coroa aberta, porque se comparada com Nosso Senhor Ela é uma súdita. Ele é o Filho de Deus, é o Homem-Deus e, portanto, não há ninguém que se iguale a Ele. A simbologia é muito bonita, pois Ela tem o Menino no braço esquerdo e no braço direito Ela tem um cetro. O cetro é para dar a entender que o mando era d’Ela. O Menino está risonho, como quem está contente de ter dado o cetro para a Mãe, e Ela está olhando para os fiéis514 . Por um jogo natural de ideias me veio à cabeça que eu, um falsário, se me dirigisse ao Sagrado Coração de Jesus, não seria atendido, mas que, se pedisse por meio d’Ela, eu seria atendido. Porque assim como eu fazia tudo quanto mamãe queria, assim também Ele faria tudo quanto a Mãe d’Ele queria. E pensei o seguinte: – Ela manda no mundo inteiro, e tudo quanto Ela quer Deus faz. Ela participa de algum modo da onipotência de Deus, porque Deus a ama como Mãe, e posso bem imaginar como Ele a ama, imaginando quanto eu quero à minha própria mãe. Se eu, que sou finito e sou um trapo destes,
513 Palestra NC 28/2/95 514 SD 9/7/94
amo minha mãe tanto, tanto, tanto quanto a quero, imaginem Deus, que é infinito, como amará a Mãe d’Ele! Mas imaginem também como é a Mãe de Deus para que Ele a tenha escolhido por Mãe. Ela deve ser formidável! Não sabendo o que dizer a Ela, rezei uma Salve Rainha. Eu só sabia a Salve Rainha em português e rezei em português. Aí foi a primeira vez que prestei uma atenção séria na Salve Rainha que estava rezando. O texto me pareceu lindíssimo – e é mesmo – e convinha para a minha situação.
Salve em latim é uma saudação, é como quem diz “bom dia” ou “eu te saúdo”515. Mas eu estava no primeiro ano de colégio e era muito pernibambo no latim. E entendi que Salve era “salvai-me”516. Então, dizendo Salve Rainha, eu entendia: “Salvai-me Rainha”. E, ao dizer Mãe de Misericórdia, pensei: “Está vendo? Mamãe é tão, tão boa, mas não diria dela que é mãe de misericórdia. Já Nossa Senhora é muito melhor do que ela. Nossa Senhora é Mãe de Misericórdia. Mãe já indica a ideia de misericórdia. Mãe de Misericórdia é uma mãe toda feita de misericórdia. Portanto, por mais que mamãe me queira bem, Nossa Senhora me quer mais do que mamãe. Ah! por meio d’Ela eu escapo dessa história517 . Enquanto pensava assim e olhava para a imagem d’Ela – excluam qualquer ideia de milagre, não se deu milagre nenhum –, sem que houvesse no rosto de mármore da imagem o menor movimento, alguma coisa se passou pela qual eu tive a impressão de que Ela me olhava cheia de bondade e com muita pena de mim. E, por certo sorriso que os lábios d’Ela não definiram – os lábios não se moveram, a imagem é de pedra, não podia se mover –, tive a impressão de que Ela sorria como quem me conhecesse: “É o Plinio, filho de Dona Lucilia, filho do Dr. João Paulo”, e me olhava com uma misericórdia e uma bondade especiais518 . Nisto podem ter concorrido fatores naturais, mas creio que foi sem dúvida preponderantemente uma coisa sobrenatural. Embora não fosse milagre, foi uma coisa sobrenatural. Por tudo quanto se passou em mim, e pelos efeitos que teve, não poderia deixar de ter sido sobrenatural519 . Hoje tenho certeza de que foi uma voz da graça, mas naquele tempo não tinha ideia disso, por falta de instrução, de leitura sobre essas matérias520 .
515 Palestra NC, 28/2/95 516 SD 21/7/90 517 Palestra NC 28/2/95 e SD 21/7/90 518 Palestra NC 28/2/95 519 CM 11/11/90 520 CSN 16/7/94
Aquilo produziu na minha alma uma verdadeira reviravolta. Eu compreendi, então, quem era Nossa Senhora e o papel de Nossa Senhora para com cada um de nós quando andamos mal, não só quando andamos bem. Então, sem ouvir nenhuma voz nem nada disso, alguma coisa me disse, no interior de minha alma, o seguinte: “Confie, Nossa Senhora rezará por você, tudo isto se resolverá e sua mãe ficará bem com você de novo”. Na realidade, quando voltei para casa, encontrei Dona Lucilia tal e qual. E não podia deixar de ser, porque ela só iria tomar conhecimento do boletim no dia seguinte. Passou-se assim o domingo. Na segunda-feira, a horas tantas, Dr. João Paulo foi ao Colégio São Luís521 e, quando chegou de volta, eu fiquei de orelha em pé522 . Ele nem percebeu que eu estava em casa. Mas sua fisionomia era calma, segura, tranquila, preocupado com o chaveiro que não funcionava bem. Eu pensei: “Isto é bom. Se ele está pensando no chaveiro, é porque não está preocupado comigo e tudo correu bem”. Meu pai era de Pernambuco e os pernambucanos antigos tinham o hábito de chamar as esposas de senhora. Ele chegou para ela e disse: – Senhora, aqui está o boletim de vosso filho. Mamãe o pegou logo e disse: – O que é que houve? – O Padre Reitor do colégio, com quem conversei, deu muita risada quando viu a borradela que o Plinio fez aqui. Depois me disse que ele achava que deveria haver um engano de cópia, porque o Plinio era em geral de uma boa educação e de uma correção excepcional nas aulas. Mas como pode sempre acontecer que um menino faça alguma coisa, iria falar com o professor de Geografia para saber o que foi. O Padre Reitor saiu, levou algum tempo, entrou depois com o boletim na mão e com uma nota escrita por ele, dizia que tinha havido um engano da secretária, e que a nota que dera ao meu comportamento era dez523 . Aí mamãe abriu os braços para mim e me disse: – Vem cá que sua mãe vai lhe dar um beijo524 .
521 Palestra NC 28/2/95 522 SD 9/7/94 523 Palestra NC 28/2/95 524 Palavrinha 30/1/94
Eu vumm! em cima dela525: voei! E o assunto se resolveu. Mas essa foi a menor das soluções: a grande solução foi eu ter descoberto Nossa Senhora526. E começou aí a minha devoção a Nossa Senhora527 . Aquela graça me marcou inteiramente a alma, queira Nossa Senhora que para todo o sempre, por toda a eternidade528 . Marcou-me como? Cada um é feito de um determinado modo. Está no meu feitio ter uma apetência e uma tendência para o absoluto. Tal coisa só é tomada a sério se se pode reportar ao absoluto; se não puder reportar ao absoluto, não tomo a sério, é bagatela, eu não me interesso. E um dos pontos nos quais a alma humana quer notar o absoluto é no desinteresse do afeto de que ela é objeto. Ela pede para ser querida pelas razões adequadas, sem vantagem para ela e sem vantagem para quem a quer. E, de um modo absoluto, vai assim até o fim do caminho. Foi o que notei no como que olhar da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora naquela ocasião. E foi o que me tocou529 . Tinha bem a noção, pelo meu senso do ser, da inteira equivalência entre a massa do gênero humano e aquela posição em que eu estava: “Eu sou sórdido e não valho nada, tal como esta gentalha toda que não vale nada, pela simples razão de que somos homens. Mas vejo que a misericórdia de Nossa Senhora é infatigável e que me dá isto a todo momento de novo, de maneira que de minha parte é só querer. Logo, é só querer para todo mundo”. Não tive a mínima noção de ser um privilegiado, um especialmente querido, nada! Era um católico como outro, encontrando-me nos apuros em que todos se encontram530 A gente compreende bem que ver uma tal Senhora ter pena, ter uma compaixão que envolve tudo, até mesmo aquele que a ofendeu indiscernidamente, e dá qualquer coisa que lhe seja pedida, isso toca no absoluto. Esse absoluto eu não via em mamãe. Eu sentia e notava bem, primeiro, que ela era incomparavelmente menor do que Nossa Senhora. Em segundo lugar, que em rigor ela era pecável e Nossa Senhora não. Em toda veneração
525 SD 9/7/94 526 Palavrinha 30/1/94 527 SD 9/7/94 528 Conversa ESB 29/6/82 529 CSN 30/1/82 530 CSN 21/2/81
que tinha para com mamãe, sentia nela a alma que está em via531, que está ainda a caminho da perfeição532 .
Foi aí que apareceu o arco-íris: Nossa Senhora! Aí é que apareceu o “sorriso” da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora na igreja do Sagrado Coração de Jesus533. Aí que compreendi: “Neste vale de lágrimas, tudo desfecha, em última análise, num caos. Mas esse aparente caos se desfaz, porque Deus mesmo, superior a tudo quanto eu poderia pensar d’Ele, excogitou este meio: deu-me a sua Mãe para ser também minha Mãe”. Então, os senhores podem compreender como fui correndo em direção a Ela e a Ela me agarrei. E disse: “Aqui está a solução!” Compreendi também outra coisa: sendo uma criatura humana gerada no pecado original, e ordinário como sou, esta é a solução para sempre! Porque, se não me apegar a Ela, não há solução possível. A batalha está a priori perdida. Pelo trato d’Ela, pelo jeito d’Ela, pela bondade d’Ela, sinto que, com Ela, por ser eu tão ordinário, tão fraco, tão ruim; e por ver em mim essa semente de mal tão marcada, sinto que Ela tem uma pena especial de mim. E que, enquanto meço a profundeza das minhas chagas, Ela sorri para mim. E que Ela como que me diz: “Meu filho, é verdade, você tem razão. Mas muito mais eu sou boa do que você é ruim. E passo por cima disso, lhe afago, lhe quero bem, lhe trago para junto de mim”. Daí: “Salve Regina, salve Regina, salve Regina”. E daí também o sentido da palavra “salve” que na infância entendia como “me salvar”. Não entendia o “salve” como uma saudação. Não estava pensando em protocolos quando eu naufragava. Era S.O.S. mesmo. Daí também veio o fato de Nossa Senhora me dar graças de ir vencendo aos poucos os meus defeitos.
531 CSN 30/1/82 532 CSN 21/2/81 533 Sobre este fato, v. páginas 284-285.