4 minute read
O combate contra a falta de vigilância
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
Quando o li, estava doente, com uma febre enorme, não sei se caxumba. E vinha-me a ideia de que, à medida que a febre subisse, chegaria a um ponto em que morreria. Para mim foi lancinante ler isto. Antes de tudo, pela ideia de deixar mamãe. Mas, depois, porque tinha de deixar coisas que eu queria, a que era afeiçoado. Por fim, a ideia da morte, que sempre mete medo: é uma catástrofe, é um desastre. Eu tinha uma vontade enorme de não morrer, e ficava muito angustiado lendo o tal livrinho. Mas não tinha a menor revolta, a menor inconformidade, o menor nada. É um direito d’Ele, porque sou uma pessoa rasa, chata, zero, de quem Ele tem o direito de fazer o que quiser, está na ordem das coisas. E se Ele dispôs isto, tenho que me adaptar de qualquer maneira e tocar para frente455 .
O combate contra a falta de vigilância
Naquela época eu era muitíssimo pouco vigilante. Era o menos vigilante dos meninos. Minha irmã, um ano mais velha do que eu, era muito vigilante, muito esperta. Quando chegava a hora de atravessarmos a rua na São Paulinho daquele tempo, com os seus bondinhos, os seus automovinhos, ela me segurava pela mão e dizia: “Plinio! Olha o automóvel! Olha o bonde! Olha não sei o quê!” A Fraülein dizia: “Está vendo? Que vergonha! Ela é mulher, devia ser protegida por você! Na hora de passar a rua, o normal é que o menino diga para a menina: ‘Vamos que eu te protejo’. E aqui é o contrário: é a menina que protege o menino”. Ficava pensando: “Que diferença faz? Não é porque ela é mulher e eu sou homem que vou prestar atenção numas coisas sem graça nas quais ela presta atenção”. No fundo, o que eu me dizia era: “Se ela presta atenção por mim, do que adianta prestar atenção? Tenho onde aproveitar melhor o meu tempo”. Por mais que eu fosse assim, guardava certa noção de que havia um conjunto de coisas que possuía, coisas essas que eram adequadas a mim e das quais eu gostava – e aí gostava à la eu, quer dizer, agarrava e segurava porque eram boas e faziam parte do bem-estar – por fazerem parte da dignidade e da categoria. Dignidade e categoria são coisas ótimas, pensava eu, e é preciso ter e agarrar, seja como for.
455 CSN 3/3/90
Não tardei em perceber que essas coisas, que eu não tinha a preocupação em aumentar, mas queria absolutamente conservar, estavam postas em xeque e em risco por múltiplos fatores. Donde a desconfiança. Nunca tive empenho em ser um menino que se salientasse muito no meio dos outros, que tirasse os primeiros prêmios. Essas coisas, nunca. E pensava: “Eles que se arranjem com os prêmios deles, não estou muito interessado nisto, nem neles, e não me incomodo. Mas ser o palhaço dos outros, ou sofrer pancadas dos outros, o ridículo dos outros, ser o bode expiatório dos outros, isto não. Aí não há só uma questão de conveniência, há uma questão de dignidade. E há também uma questão de conservar a própria face perante mim mesmo e perante certo lumen interior, o qual não quero perder por nenhum preço, porque vale mais do que o resto de minha vida. E até lá não me deixarei levar”. Daí a minha primeira desconfiança: “Esses revolucionários querem me achincalhar, querem me reduzir a nada, me reduzir a um trapo, querem me derrotar. E percebo que eles não fazem isso de maneira bruta. Eles empregam certos meios: em certas circunstâncias eles fazem, em outras não fazem. Isto quer dizer que há certas coisas que me defendem, porque senão eles fariam imediatamente de modo bruto. Tenho que conhecer como não dar pretexto a eles de me atacarem, e tenho que conhecer o que devo acionar para me defender, porque assim nós travamos a nossa batalha”. Então a desconfiança: “Esse aqui age assim, aquele lá age de outro modo”.
Muito mais nobremente, a vigilância começou no que diz respeito à doutrina. Percebendo que, quem possuía certo defeito, pensava de certo jeito; e quem pensava de certo jeito tinha certo defeito; e que certos modos de ser eram correlatos entre si, não custei a me dar conta de que, em última análise, tratava-se de uma constelação de situações morais e de situações ideológicas relacionadas umas com as outras. E que, dentro dessa constelação, quem pensava uma coisa, pensava uma série de outras correlatas. Desta forma eu, pelo dedo, podia conhecer o gigante. Daí ter elaborado uma espécie de sintomatologia moral-ideológica pela qual eu dizia: “Esse é assim, aquele é daquele jeito”. Essas duas coisas foram se cruzando e desfecharam na vigilância. Essa vigilância se desenvolveu ainda mais quando, à força de viver, cheguei à conclusão de que as nações e os regimes que governam as nações – regimes políticos, socioeconômicos – têm fisionomias como se fossem pessoas. E têm também mentalidades como se fossem pessoas. Portanto, o