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O crescente amor à Igreja Católica

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ÍNDICE DE LUGARES

ÍNDICE DE LUGARES

O crescente amor à Igreja Católica

Na Igreja Católica, entrei com o meu batismo. Não me valeria ter nascido se não fosse para ser batizado; não me valeria a pena ter vivido, não me valeria a pena nada se não fosse para a Igreja, com a Igreja, na Igreja, pela Igreja. Desde quando me lembro da minha vida espiritual como uma coisa organizada, refletida, pensada, está presente este amor à Santa Igreja Católica, a fortaleza da verdade, do bem e da santidade na terra, e a fortaleza do alto da qual o mal recebe todos os tiros, toda a punição que ele deve receber, e que eu já lamentava naqueles tempos longínquos que fosse muito menor do que quereria que fosse363 .

Conheci a Igreja quando me dei conta de que existia uma realidade chamada Igreja, mas uma realidade dentro da qual eu estava, tal como uma criança que morasse em uma casa com muitas salas e em certo momento uma delas lhe chamasse mais a atenção. E então passasse a analisá-la. Dessa criança pode-se dizer, em certo sentido, que ela só conheceu aquela sala a partir daquele momento. Antes ela corria por ali, mas sem dar maior atenção. Quando ela analisou a sala, passou a considerá-la como sendo “a” sala da casa dela. Foi assim que conheci a Igreja, quer dizer, já como batizado e filho d’Ela. Quase se poderia dizer que, tal como ia gradualmente conhecendo mamãe, assim também abri os olhos para a Igreja. Eu já possuía certos dados primeiros que tinham antecedido o momento em que a conheci. Eram dados, eram graças que em certo momento se imbricaram para formar um todo. Compreendi então que aquela coisa chamada Igreja era o centro e o foco de profundidade, de irradiação de tudo o mais. Essa cognição assim da Igreja veio um tempo de antes de eu ser aluno do Colégio São Luís – portanto no meu tempo de inocência despreocupada, não militante364 .

Percebia, até nas menores coisas, a santidade da Igreja, a perfeição d’Ela.

363 Chá PS 19/11/91 364 CSN 3/3/90

Quando entrava em alguma igreja, para mim a atmosfera se modificava completamente: sentia a presença de Nosso Senhor, e que aquela igreja era a casa d’Ele. Era onde Ele mandava, e era como se os anjos estivessem esvoaçando ali e irrigando – com as graças que lhes corriam ao longo das asas, das túnicas, do olhar, dos cabelos – todo o ambiente, com eflúvios divinos. Isso era para mim uma coisa totalmente evidente, que não gerava dúvida nenhuma. Eram graças que, com o favor de Nossa Senhora, eu conservo365 . Sou levado a pensar, sem ter certeza, que o batismo de si dá essa união com a Igreja. E que, se uma pessoa corresponder à graça batismal, tem isto. No batismo as graças são habitualmente muito mais abundantes do que na confissão. Não nego que a minha atenção tenha sido muito especialmente atraída pela graça para essa harmonia, e que outros prestem muito menos atenção nessa harmonia. Não nego, também, que Nossa Senhora possa ter tido a condescendência de me dar uma graça maior do que a outras crianças. Mas o que quero afirmar é que, de si, uma pessoa inteiramente fiel à graça do batismo tem isso. Notem que pela graça do batismo nós nos tornamos membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não éramos antes. É uma ação de um categórico, de uma riqueza e de uma força extraordinária. Acho que o estado de união que eu tinha então com o Bem, com a Igreja, era um estado de união – radicalmente falando, ou seja, em sua raiz – igual ao de hoje366 .

Em virtude da inocência, todas as graças da mística ordinária eram por mim avidamente aproveitadas e eram um sustentáculo muito grande para a Fé. Porque, seja como for, o apalpar a coisa dá uma forma de certeza próxima à evidência. Imaginem que, desde a Ascensão até hoje, os vivos nunca tivessem visto nada de sobrenatural. A Fé tomaria um baque com isso. A ideia de que nós não vimos, mas que outros viram, dá certa solidez. Mas se nunca ninguém tivesse visto, ficava ou não ficava, à la São Tomé, uma dificuldade? Então, a Fé é um pouco essa inocência, e um pouco o reservatório que toma essa inocência. Donde o meu enlevo pela religião católica, pela Igreja Católica, por causa desse misto da Fé e desses reluzimentos da inocência.

365 Chá 11/11/94 366 CSN 11/10/80

Das cerimônias da Igreja eu gostava totalmente: o cantochão, o canto polifônico, o vagar com que as pessoas se deslocavam no presbitério, as reverências que faziam, os gestos. Aquilo tudo era a precisa expressão de como eu imaginava a mentalidade católica apostólica romana. O báculo, com aquela volta pensativa. A mitra, com aquela majestade maior do que a de uma coroa; ainda mais as mitras como usavam antes de aparecerem os erros progressistas: eram mitras altas, bonitas, ornavam a cabeça magnificamente. As formas e as cores éclatantes dos paramentos, as cerimônias de Semana Santa, do Natal e de toda a liturgia encantavam-me totalmente, porque nelas eu não encontrava outra coisa senão a Igreja orante, pensante, falante, atuante, numa pureza extraordinária de coisas e de linhas367 . *

O conhecer a Igreja encheu-me de entusiasmo. Mais do que um panorama, mais do que uma flor, mil vezes mais do que qualquer prato de comida ou cama gostosa, a Igreja foi me falando à alma. A igreja do Sagrado Coração que eu frequentava em menino, parecia-me um santuário magnífico. Ela tinha uma harmonia, uma composição de cores, de formas; ela me parecia tão digna, tão séria, tão recatada; ela me parecia a expressão da própria santidade. Tocava o sino, entrava o padre, começava a Missa. Sabia mais ou menos o que era a Missa. Era muito pequeno, mas meu curso de Catecismo ensinava-me. Eu observava os paramentos, os cânticos, até chegar a hora em que se fazia silêncio, a hora da Consagração. Falava-me à alma sobretudo a hora da elevação do cálice: “Que bonito isto! Que coisa!” Eu começava a notar que a Igreja tinha em tudo, nos ensinamentos, na doutrina que eu ia aprendendo, nas vidas de santos, uma uniformidade maravilhosa. Parecia-me haver dentro daquela igreja uma correlação entre a forma da pia de água benta e o espírito de tal santo, o episódio da vida de tal outro, o colorido de tal janela ou de tal som de órgão. Parecia-me que tudo vinha de um Espírito infinitamente superior, do qual tudo isto procedia, e que quase se mostrava e se deixava ver misteriosamente aqui, lá e acolá por aqueles símbolos, por aquela ação interna dentro de minha alma, e que me deixava cheio de veneração: era a Santa Igreja Católica368 .

367 Chá PS 14/10/80 368 SD 12/5/84

E dizia de mim para comigo: “Há aqui um conjunto de sublimidades perfeitas, que é o tom de tudo o que existe. A verdade total está nisto. Este conjunto reúne em si todas as qualidades e contém uma dignidade insondável, inimaginável, ao lado de uma carícia inefável, de uma fortaleza sem nome, mas de uma pacificidade, uma paz, um amor à paz extraordinários!”, tudo contido nesse primeiro momento em que se olha a Igreja e se tem a impressão de que a Igreja nos olha. É claro que a palavra “olhar” vai aqui entre aspas, é uma metáfora. Trata-se, isto sim, de um discernimento primeiro. Mas hoje, lembrando-me daquilo tudo, recordo-me de que tinha a impressão que Ela me olhava, e que eu sentia o olhar d’Ela pairando sobre mim, analisando este menino que chegava – e estava no direito d’Ela, se Ela fosse redutível a uma pessoa –, como quem pergunta: “O que é que vai ser este: uma via de júbilos ou uma via de dores? De qualquer maneira vou me dar inteira a ele”. E eu, embaixo, não cabendo em mim de desejo de entrega, de entusiasmo, de fervor369 .

Lembro-me especialmente da igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde a piedade católica se apresentou para mim reluzente de graças da mística ordinária370 . Observando-a, veio-me a ideia de uma fisionomia moral da Igreja que era harmônica com o que eu via em mamãe – que representava, para mim, “a” católica –, e com o que eu via, por outro lado, na ordem dos jesuítas. O que eles contavam de Santo Inácio me deixava para lá de extasiado. Tudo isto era tão coerente, tão harmônico, que formava aos meus olhos uma fisionomia moral. Essa fisionomia moral imprimia em mim a certeza de que aquela era a santidade perfeita, e em Nosso Senhor Jesus Cristo a santidade absoluta. Vinha-me também a ideia de que, olhando para aqueles modelos, eu tinha o modelo absoluto, perfeito, eterno, e que não se tratava mais de pesquisar e procurar, porque a pesquisa estava feita, ela era inútil, pois a verdade me entrava olhos a dentro como a luz do sol da manhã quando se acorda. Então, tratava-se de ser fiel, de cumprir o dever precisamente à vista do que foi dito. Daí veio, com o favor de Nossa Senhora, uma Fé muito sólida e a convicção de que o modelo era este, e o que eu precisava seguir era isto,

369 CSN 18/7/81 370 MNF 15/9/89

e que não havia outra coisa a fazer. Dê no que der, aconteça o que acontecer, arrebente como arrebentar, ou tenha eu o sucesso que tiver, nada tem importância, a não ser me tornar conforme a Nosso Senhor Jesus Cristo. Da firmeza dessa convicção decorreu, pelo favor de Nossa Senhora, a minha perseverança na Fé católica, apesar de toda a confusão dentro da Igreja contemporaneamente. É uma confusão que não se pode imaginar maior. Mas isto não me perturba, por saber que, na medida em que é desordem e é caos, nessa medida isto não pode ser imputado à Santa Igreja, porque Ela é por excelência aquela Igreja perfeita, como diz a Escritura, sem mancha nem ruga, sem idade, eterna, acima do tempo, e que se trata de conhecer e de amar cada vez mais e de servir sem limites371 .

Outra coisa que produzia em mim um efeito profundo era ir com Dona Lucilia à Missa nessa mesma igreja do Sagrado Coração de Jesus. Eu me sentava ao lado dela e tinha a impressão de que, ali, ela abstraía da minha existência e só pensava em Deus. Ela rezava suas orações no Goffiné, que era um livro de Missa muito apreciado naquele tempo. E quando ela rezava, eu via que aquela influência de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre ela crescia, e fazia com que a alma dela ficasse ainda mais bela, mais ordenada, mais delicada. E a sentia mais mãe, e eu mais filho dela. Eu a admirava mais quando notava aquela presença de Nosso Senhor nela. Tudo isto levou-me muito cedo a fazer da verdade, da santidade e da beleza um trio no meu espírito, o qual eu procurava unir de todas as maneiras, orientado exclusivamente pela Igreja Católica, minha Mãe infalível que tinha a promessa de Deus de que nunca erraria, e, portanto, sempre me guiaria para o bem. E era a esta minha Mãe, a Santa Igreja Católica, à qual minha mãe terrena devia o fato de eu a querer tanto assim; porque, se eu a queria tão bem, era porque notava que ela era muito católica. Tudo isto junto levou-me à procura contínua de um maravilhoso católico, de um maravilhoso bem ordenado, no qual se encontrava a santidade com a verdade, ou seja, o verum, o bonum, a santidade e o pulchrum, coordenados e de alto grau, e formando o maravilhoso372 . *

371 Chá SB 4/7/88 372 Chá SRM 6/1/94

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