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O amadurecimento do amor pela ordem monárquica do universo
from Meu Itinerário Espiritual - Compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira vol 1
by Nestor
O amadurecimento do amor pela ordem monárquica do universo
Desde muito pequeno tive a noção de que havia um ponto central, um foco de luz central cujo conhecimento trazia como consequência uma porção de outros conhecimentos na ordem dos ambientes-costumes-civilizações. E que, nessa ordem dos ambientes-costumes-civilizações, se irradiava uma visão que partia de certo ponto. Percebia em muitas coisas que havia uma forma de excelência ou de beleza que eu talvez chamasse de excelência ou beleza cônica. A figura do cone me é muito prática, porque é uma forma que vai subindo, se adelgaça e chega a uma fina ponta que está a um milímetro, ou a menos de um milímetro, do cone perfeito, mas da qual depende todo o resto. Essa beleza cônica me chamava mais a atenção, me agradava mais do que qualquer outra coisa. Donde, por exemplo, o bem-estar de alma especial que eu sentia contemplando ogivas. Foi este, por exemplo, o brado de alma que tive quando, pela primeira vez, vi em um desfile de carnaval algumas senhoras vestidas à la medieval, com aquele chapéu cônico, do qual pendiam tules. Quando vi aquilo, exclamei: “Oh! que beleza”. Havia nesses chapéus um padrão que me fazia compreender muitas outras coisas, uma perfeição e uma excelência que encontrava, naquela forma, a sua melhor expressão. Tudo quanto era muito alto, muito grande e que terminava numa ponta quase invisível me encantava. Analisando outras coisas da Idade Média, poderia mencionar essa presença de uma tendência a algo de cônico. E em muitas das minhas demonstrações, essa tendência cônica está presente. Analisando o que a Igreja ensina de Deus, parecia-me que Deus era o alto de um cone. E voltando minha atenção para o Sagrado Coração de Jesus, “Rex et centrum omnium cordium”, parecia-me que o mundo dos corações era o mundo do qual Ele era o cone. Daí é que me nasceu a ideia da ordem do universo. Eu não era um menino filósofo. Há um quadro do Fra Angélico representando São Domingos pensando, sentado, com os dedos tocando o queixo e lendo um livro. Nunca fui um menino assim. Fui um menino comum, andando, mexendo, falando como todos os outros, olhando as coisas, analisando, classificando. E por toda parte eu percebia o mesmo tipo de grandezas. As coisas do império austro-húngaro me tocavam justamente por causa de sua sacralidade muito marcante, entendendo-se sacralidade como algo
em que o temporal está profundamente embebido do espiritual, e o espiritual está em certo sentido intimamente vinculado ao temporal. Essa vinculação reúne, num possante todo, algo que acaba em um cone, que é o estilo de pompa e o estilo de grandeza do império austro-húngaro, em que uma grande cerimônia se fazia num desfile com grande despliegue, com grande desdobramento social, o qual não se vê nas cerimônias oficiais de outros países. Nesse despliegue de pompa religiosa ia o pálio com o Santíssimo Sacramento, e sob o pálio, antes de tudo, o “Rex regum et Dominus dominantium” – “Rei dos reis, e Senhor dos senhores”, quer dizer, a Sagrada Eucaristia, que o Imperador não tocava, porque não era digno e não tinha as mãos sagradas. Mas o Imperador, dignitário supremo do Estado, vinha de vela acesa na mão, acobertado e magnificado pelo pálio que cobria o próprio Deus. Depois, de um lado e doutro, uma presença imponente de tropas. Pelo meio desfilavam dignitários eclesiásticos, dignitários civis da nobreza, depois os corpos do Estado. E quando o desfile passava diante de certas igrejas os sinos tocavam, e diante de certos edifícios os canhões troavam. Isto é uma coisa que pede a presença de um ápice. Este ápice é como que um cone. E o alto desse cone é Deus. Já Versailles é diferente: termina em cima em terraços. O Duque de Saint-Simon comentava que mais parecia um palácio cujo teto pegou fogo. Porque os tetos anteriores eram em “V” invertido. A seção do “V”é um cone. Foi Luís XIV quem inaugurou os tetos rasos: já era um começo de Revolução. Mas ao menos tinha a capela, de uma suave e nobre altura, e que olha todo o palácio de cima para baixo, mas significando para todos: “Eu estou aqui”. Tudo isto me falava muito. Aquilo que poderíamos chamar “princípio-cone”, como sendo um princípio por meio do qual a ordem do universo pode ser descoberta, esteve muito presente na minha infância. Era um princípio condizendo muito com todo o meu modo de ser e através do qual o meu modo de ser apelava para Deus380 . *
Existem certas supremacias que são limitadas, e que não vão além de certo ponto; mas, no ponto onde estão, não têm ninguém acima de si, ou não têm nada acima de si, e que reeditam de algum modo uma supremacia
380 Jantar EANS 30/4/92
suprema de que minha alma é ávida, e que é uma concepção metafísica do próprio Deus. Lembro-me de, em pequeno, estando na Europa, abrir um vidro de água de colônia cujo tampão era todo burilado. Inicialmente eu queria apenas tirar a água de colônia para pôr no meu lenço. Quando comecei a mexer naquilo, tive um frisson: “Como isto é distinto! Vou brincar com esse tampão diante da luz. Não é régio, mas é muito bonito, é maravilhoso, porque nesta ordem não se faz uma coisa mais bonita do que isto”. Isto é uma supremacia limitada. E os vários graus de supremacia limitada que chegam ao grau supremo lembram-me Deus com seus anjos e seus santos. E me encantam. O que quer dizer aqui “me lembram”? Não é que eu faça um raciocínio em abstrato, que seria de si muito legítimo. Mas é que, vendo aquele tampão, captei uma realidade metafísica – se não fosse um absurdo, diria que é uma visão metafísica – cuja soberania limitada em si mesma me deu um pequeno êxtase de ver. E este ver a soberania limitada me fez entender melhor a soberania plena. É propriamente este apanhar o fundo da ordem do ser que produz, neste caso, essa sensação, essa impressão. Como sei que rationabiliter isto é um reflexo de Deus, por aí subo até Deus. E como é Deus que quero alcançar, porque é meu fim, e porque me santifico desta forma, aí dou o passo final rationabiliter, mas só depois de ter visto dessa forma a supremacia limitada. Eu procurava manter continuamente esse feitio de espírito. Colocado diante das coisas, queria ver a maior maravilha que havia dentro delas e o que, dentro delas, havia da tal supremacia limitada. Toda coisa tem, no fundo, uma supremacia limitada. É questão de a sabermos ver, mas tem. Essa tendência levava, de um lado, a procurar o mais maravilhoso na ordem palpável das coisas, sem querer fazer um sonho dessa coisa como ela não era. Isto seria fugir daquela noção de supremacia limitada, que é o encanto do assunto. Se agisse assim, eu fugiria da realidade. E a realidade é sempre mais bonita do que os sonhadores a imaginam, quando a vemos deste ângulo. De outro lado, tinha um desejo por assim dizer todo medieval e todo gótico, antes de propriamente conhecer a Idade Média. Eu alimentava o desejo de encontrar em muitas coisas muitas sublimidades que não eram limitadas, mas que eram inatingíveis, se perdiam nas nuvens381 .
381 MNF 11/7/91