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A degringolada como vingança pelo livro “Em Defesa da Ação Católica”
O que fiz neste sentido é inenarrável, os senhores nem imaginam, e era de meu dever. E, tendo feito isto, considero que não tinha feito senão meu dever.
Agora, de fato, as coisas não correram assim, e não obtive nada do que queria. O resultado foi que tive, então, que rumar para a defesa da Igreja. Isso foi o que se deu212 .
A degringolada como vingança pelo livro “Em Defesa da Ação Católica”
Vou expor aos senhores uma das preocupações que tive antes de lançar o “Em Defesa”213 .
Tinha eu uma determinada situação. A partir dessa situação, poderia auferir para a causa da Igreja certas vantagens. Se destruísse essa situação, eu poderia, como preço dessa destruição, auferir outras vantagens também. O que me conviria fazer?
Havia dois caminhos. Um era entrar na luta e lançar o “Em Defesa”. Eu sabia que aconteceria o que aconteceu. Posso dizer que não me deixou de acontecer uma só das coisas que supunha que acontecesse. Mais ainda, aconteceram coisas que não supunha.
Se, pelo contrário, eu tomasse uma atitude oposta, o que aconteceria? A ideia era: deixar que o mare magnum das doutrinas heréticas, erradas penetrasse. Eu não entraria na luta. Tinha certeza de que, pelo fato de não entrar na luta, eu teria mais ou menos diante de mim um prazo entre 5 a 10 anos de prestígio. E esse prestígio era um prestígio bem grande214 .
Porém, se me atirasse contra o adversário, o meu prestígio ficaria reduzido a cacos. Mas alguns desses cacos, coordenados na minha mão, poderiam se transformar em navalhas, e o meu prestígio se transformaria num contra-prestígio: não seria o prestígio do homem que está de acordo com a autoridade e a lei, mas o prestígio quase de um Al Capone. Mas, com isso, daria uma navalhada que prejudicaria os planos da Revolução para sempre. E se deixasse passar essa ocasião, ela nunca mais se apresentaria. Então me joguei dentro do precipício215 .
O cálculo que fiz na época foi o seguinte:
212 SD 17/3/79 213 SD 18/11/83 214 Relato SD 18/11/83 215 Almoço EANS 8/11/90
– Vou escrever um livro em que denuncio toda essa doutrina, ponho a doutrina a limpo inteiramente como ela é, ponho os pingos nos “is”216 , e crio um escândalo. Criado esse escândalo, muita gente vai ficar atemorizada e recuará, não vai aderir a nós, mas não aderirá a eles também; e ficará com uma interrogação na cabeça.”217
De fato, todo mundo se atirou em cima do livro “Em Defesa da Ação Católica”!218. Foi uma verdadeira bomba! Repercutiu nos meios católicos do Brasil inteiro219 .
Dava-me bem conta de que o livro ia produzir um estouro do outro mundo e que era a obra do kamikaze: quer dizer, eu ia destruir o adversário, mas eu ia me destruir junto com ele. Dava-me perfeitamente conta de que era uma autoimolação220 .
Foi com o inteiro apoio de Mons. Mayer e do Pe. Sigaud que publiquei esse livro. Repito: era um gesto de kamikaze. Ou estouraria o progressismo, ou estouraríamos nós. Estouramos nós. Nos meios católicos, o livro suscitou aplausos de uns, a irritação furibunda de outros, e uma estranheza profunda na imensa maioria221 .
Como já previa que seria um grande sofrimento que viria por cima de mim, fiquei agoniado (no sentido da agonia santíssima e divina de Nosso Senhor no Horto). E medi bem tudo quanto ia acontecer. Não hesitei um instante222 .
Quando percebi que ia cair o mundo em cima de nós, eu nem sabia quem é que ia ficar comigo, porque aqueles sete ou oito que ficaram, não tinha certeza no começo se iam ficar ou não. Assim, quando vi a tempestade, resolvi prevenir aos mais chegados de que a casa ia cair, para que
216 Sede de São Milas, 16/6/73 217 Reunião pelo 25 aniversário do “ Em Defesa”, 8/6/68 218 Sede de São Milas, 16/6/73 219 Entrevista à Rádio Uruguaiana 21/6/90 220 Sede de São Milas, 16/6/73 221 “Kamikaze”, Folha de S. Paulo, 15/02/69. 222 MNF 14/9/94
eles soubessem se proteger contra os escombros que caíssem em cima, e soubessem assim permanecer firmes223 . *
Quando escrevi o livro, eu ignorava que Dom Cabral, Arcebispo de Belo Horizonte, havia preparado uma carta pastoral sustentando o contrário dele. Ela saiu mais ou menos ao mesmo tempo que o “Em Defesa”.
Pouco depois se realizou uma semana de estudos para o Clero regular e secular de São Paulo. Na primeira sessão tinha sido distribuída anonimamente a pastoral de Dom Cabral224. Qual não foi a nossa surpresa quando, no segundo dia, o Dom Teodoro Kok225, se levanta e faz um discurso denunciando-nos como conspiradores junto a todo o Clero reunido226: – Eu tenho uma acusação a fazer. Eu viajei com Dr. Plinio de São Paulo a Campinas, e durante a viagem o Dr. Plinio me disse que há Bispos que têm doutrinas erradas em matéria de Ação Católica. Eu nem vou dizer quais são os nomes dos Bispos que ele indicou, porque neste ambiente causaria um verdadeiro horror. Mas eu venho fazer aqui um protesto contra a insolência desses elementos do “Legionário”, que se atrevem a imaginar que um Bispo católico possa cair em erro em matéria de doutrina227 .
O incidente acima descrito produziu um efeito tão profundo, que eu estava convidado para fazer um discurso em Campinas, e dias depois recebo uma carta do Bispo de Campinas comunicando que estava adiado sine die o meu discurso.
E começo a notar vários Padres que mudaram, desde esse dia, completamente as suas atitudes a meu respeito.
E praticamente em todo o meio eclesiástico de São Paulo, quer dizer, no meio de padres de São Paulo – porque no laicato isto nunca repercutiu muito –, se minha cotação antes não era 100, mas 80, desceu a oito ou talvez a menos do que oito. Foi uma baixa vertiginosa228 .
Nossa situação ficou literalmente péssima, e a partir desse momento houve uma alteração na situação de nosso Grupo: antigamente estava no
223 Almoço EANS 8/4/87 224 Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54 225 D. Teodoro Kok, monge beneditino que, antes de entrar para o seminário, era muito amigo de Dr. Plinio. Seu nome no século era Svend Kok, filho de uma família dinamarquesa rica de São Paulo. Ele depois se tornaria monge trapista. 226 Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54 227 Sede de São Milas, 16/6/73 228 Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54